A afirmação de Descartes de que era um indivíduo pensante, Cogito ergo sum (penso, logo existo), precisa ser parafraseada para nossa era de comunicação mecanizada que penetra em tudo: penso, logo repenso inadvertidamente os pensamentos de outras pessoas. Eu penso, o que significa que tomo ideias emprestadas da historia e plagio as ideias de meus professores. Eu penso e, enquanto estou pensando, sou imperceptivelmente influenciado e com frequência me concentro em pensamentos introduzidos em minha cabeça pelas observações de outros e pelos títulos dos jornais diários. Repenso todas as frases feitas faladas e escritas do Zeitgeist. Penso, logo remodelo as ideias de outras pessoas.
Admitindo esta nova e vulnerável posição do homem na era da tecnologia, com sua complicada rede de comunicação, eu gostaria de chamar atenção para a indução psíquica imediata e o efeito contagioso de várias formas de comunicação primitivas e não-verbais. Acredito que essas são as unidades de contágio facilmente transferíveis que foram mencionadas anteriormente e que fazem outras pessoas reagirem da mesma maneira. Essa comunicação arcaica consiste em sinais corporais inatos e reações adaptacionais inatas que existem antes e imediatamente após depois do nascimento. Constituem o início da empatia e identificação fisiológicas, e promovem a indução direta do mesmo comportamento e das mesmas reações adaptacionais de uma pessoa para outra.
Essa interação, estabelecida pelos códigos de sinais biológicos inatos, é comum ao homem e a outros animais. Todos compreendem os pedidos de socorro de animais e reagem a eles. Certas expressões emocionais também são imediatamente compreendidas. Choro, risos, bocejos, batidas rítmicas, desmaio, coceira, espirros, movimentos de dança, gestos eróticos — tudo evoca imediata compreensão e empatia. Uma criança que boceja, por exemplo, afeta todas as crianças na sala de aula. Para dar outro exemplo: nada é mais contagioso do que um sinal de tédio e privação, nada é mais infeccioso do que o cântico ritmicamente reiterado de uma multidão. Basta lembrar o artifício dos nazistas fanáticos gritando: "Sieg Heil, Sieg Heil" ou dos facistas gritando "Duce, Duce, Duce". O público tinha de gritar com eles.
Ritmo em uma pessoa estimula ritmo em outras. Em toda a história existem episódios de epidemias de dança. Hoje estamos presenciando variações intermináveis de mania de dança, todas com nomes incríveis e todas executadas ao som da infecciosa batida do rock 'n' roll ou seus sucessores.
A primeira vez que presenciei a explosão espontânea do ritual rítmico de rock 'n' roll foi numa cidade pequena. Ali, numa combinação de drugstore e restaurante, uma vitrola automática emitia um ritmo sedutor apoiado por sons plangentes. Desde a primeira nota os jovens próximos do pequeno balcão tornaram-se irrefreáveis. Começaram a dançar — não, não é bem essa a palavra — e um acesso rítmico frenético dominou-os; berravam, gritavam e balançam-se cada vez mais em um transe místico até o ponto de irem muito além das versões aceitas de dança humana.
Antes de começar a música, o lugar era habitual e bastante maçante ponto de encontro, cheio de concentrado tédio e frustração de uma tarde de domingo. O pessoal da cidade vai a tais estabelecimentos para encontrar-se, sorver bebidas e falar dos outros. O casual forasteiro sente a frustração, o cansaço da mente que não consegue descobrir uma conversa digna de prosseguimento. O rapaz olha para a moça e não sabe o que sentir ou mesmo o que desejar. Toma a sua bebida e fica ainda mais silencioso. Depois a vitrola automática enche o constrangido silêncio de melodramático barulho. De repente, como que por magia, o ritmo palpitante toma conta dos adolescentes e arranca-os de suas banquetas altas ao lado do balcão. A música traz à vida uma velha queixa, uma insistente melodia. É o pranto, o canto melancólico e a desesperada tristeza de uma humanidade estimulada pelo desagrado e autopiedade que sentimos em relação a nós mesmos. O bebê esquecido e rejeitado que existe nas pessoas — porque precisaram crescer — desperta e anseia por nova satisfação, por novos embalos e carinhos. Blues de negros, canções de cawboys e ritmos de jazz são unidos em sedutor embalo, apelando a tendências inconscientes do homem. Aqui não temos canto, mas arquejos e soluços, lamúrias e choradeira. Há ganidos e choramingos, queixumes e uivos, contorções, em que as pessoas se balançam e rolam, excitadas por uma monotonia rítmica e torturante.
Daí para diante o pessoal do rocking esquece-se temporariamente de sua maçante civilização e o homem pre-histórico que nele existe volta à vida. É exibida uma pantomina selvagem que se assemelha ao ritmo de expressões tribais, do transe ritual e do compulsivo clamor dos "revivals". Não, isso não é música, nem sexo puro sem adulteração, como afirmam alguns autores, mas apenas ritmo contagioso sugestivo. Está sendo ativado pela excitação dos ritmos corporais da própria pessoa e pelo desesperado êxtase que deseja colocar de lado o controle. Essa é uma maneira de mobilizar a adrenalina no próprio organismo. O jazz consegue o mesmo resultado.
Usei este exemplo da drugstore a fim de explicar melhor a contaminação emocional e a infecção mental havida entre os jovens que não puderam resistir ao puxão retrógrado daquela tentadora melodia da vitrola automática.
Quanto mais uma expressão emocional reflete regressão ao código de sinais biológicos arcaicos — e toda música é um código de sinais primitivos — tanto maior é o contágio que tem tal comunicação. Esta é uma das regras principais da ciência da infecção mental. Contágio mental propaga-se por uma regressão imperceptível e comum a uma linguagem de sinal primitiva e pré-verbal, diretamente compreendida por todos. Isso significa também que toda vez em que nos tornamos iguais a bebês nós nos contaminamos mutuamente com nossos sentimentos e pensamentos, sem termos noção disso. Assim, as unidades primordiais de infecção mental não são os micróbios da bactereologia, mas as reações adaptacionais primárias adquiridas com o tempo e que têm uma atração universal quando reverberam em nós. Quando você boceja, eu tenho que bocejar; quando você se coça, eu tenhod e sentir coceira; quando você sai marchando, eu sou involuntariamente arrastado para a parada. Isso é como a rítmica música da flauta do Pied Piper de Hamelin, que forçou todas as crianças a seguirem-no até nenhures. Quando o tambor toca, todos nós temos que ir para a guerra.
Tem sido observado que a infecção mental aumenta quando as instituições sociais estabelecidas ruem e o grupo, em perigo, regride para meios de comunicação mais primitivos. Vemos muitos exemplos disso nas novas repúblicas africanas. Na confusão interior que se segue, é procurado um inimigo exterior e nascem a desconfiança e paranoia coletivas. A mistura de desconfiança e delírios de grandeza e onipotência é uma manobra para encobrir sentimentos de inutilidade e pode também surgir muito cedo na mante infantil. Esses primeiros hábitos e defesas passivas da infância são muito contagiosos. Emburrar e amuar, por exemplo, imediatamente provoca reação igual na outra pessoa.
O que, em um indivíduo, pode levar a trágico conflito de autopiedade, retraimento, confusão e sentimento de estar sendo proscrito pelos outros, em escala coletiva se torna uma conspiração de extremistas, uma liga de pessoas com identidades depreciadas, com autoestima insuficiente. Usam uma máscara de poder para disfarçar o ódio a si próprias, com o velho manto biológico de eriçar-se e engrandecer-se para ocultar sua falta de visão e sabedoria. Esse comportamento jactancioso tem um impacto tremendamente contagioso simplesmente porque no fundo de nós reverberam nossos próprios e antigos sentimentos infantis de desamparo, coisa que outrora tentamos vencer com a mágica estratégia de fantasias onipotentes, com raiva e arremedo.
Todo rito repetitivo e padrão de hábito inculcado arrastam insidiosamente a memória do homem para o período de condicionamento da infância, período no qual gestos e ações eram aprendidos de maneira redundante e monótona. Os hurras de um clube de futebol, a saudação ritualística de um grupo político e muitos outros ritos sociais também significam um secreto desejo do mágico país dos sonhos do bebê, de retorno a um antigo e feliz estado de simples contato por gestos redundantes com os semelhantes. Na massa, porém, onde o anonimato do indivíduo é mais facilmente preservado, as pessoas são mais capazes de livrar-se de frustrações cotidianas e impulsos interiores reprimidos são mais rapidamente descarregados. O culto, os ritos, a música, o cerimonial são meramente justificações para essa profunda necessidade de regressão a um estado mais primitivo. Formas simbólicas dessa regressão temporária podem ser observadas em um baile à fantasia ou no carnaval, quando a máscara e o anonimato facilitam o comportamento menos reservado.
Regressão coletiva pode também ser resultado do choque de não compreender, da falta de compreensão em um mundo que superou rapidamente demais suas tradições. O que chamamos de alienação do homem moderno é sua falta de adaptação a um mundo que se tornou tremendamente complicado. A sobrecarga e nossos sistemas sensórios leva logo à formação de calosidade psíquica, a alienação e desconfiança, especialmente quando não temos capacidade para separar os fatos importantes do esmagador influxo de informações.
tensões interiores e exteriores que desabrocham podem levar grupos e sociedades inteiras a sobrecarregarem-se com um enorme peso de regras e regulamentos contraditórios e extremas restrições legais — tudo destinado como proteção contra confusão e conflito interiores. No entanto, ansiedade, dor e alienação são coisas inevitáveis no crescimento do homem. Todo crescimento envolve um encontro com nossas incertezas. nenhum de nós pode fugir disso.
Joost A. M. Meerloo
Joost A. M. Meerloo