Creio, Perene Consciência Amorosa Integrativa, que estas duas palavras dizem tudo o que dizer se pode de ti e das tuas relações com o homem.
Creio que estas duas palavras antitéticas sintetizam todas as teses e hipóteses que sobre ti se hão excogitado, no decorrer dos séculos e milênios.
Minha vacuidade — e tua plenitude...
A mais profunda, sublime e sagrada aspiração de todo homem plenamente humano está em querer possuir-te, não somente pelo conhecimento e pelo amor, mas efetivamente, plena, integral, panoramicamente, com todas as potências do seu ser.
Possuir-te — que coisa deliciosa e estupenda deve ser!...
Possuir-te — o que no mundo presente é o mais vasto drama e a mais intensa tragédia da alma humana, deve ser, no mundo futuro, a mais excelsa epopéia e a mais pura mística do espírito creado...
Fundir-se em ti, integrar a gotinha do seu eu humano no oceano imenso do teu Tu Divino...
Identificar-se, por assim dizer, contigo...
Divinizar-se...
Possuir-te — mas como?...
Pela inteligência? Pela força mental? Pela ciência especulativa?...
Assim pensava eu, a princípio. Pensava, como certos filósofos de Atenas, que tanto mais espiritual e divino seria o homem quanto mais aguçada for a cúspide de sua inteligência, quanto mais elevado o pináculo da sua torre científica, quanto mais intensa a chama do seu inteligir mental.
De todas as belas e queridas as ilusões da minha vida a mais bela e querida foi esta. E até o presente dia não consegui matar de todo as saudades que tenho deste meu primeiro grande amor intelectual...
Doloroso foi o desengano, funesta a queda lá das alturas de minha torre babilônica... E até hoje não cicatrizaram as feridas profundas que me abriu na alma a convicção de que a ciência, por si só, não te pode atingir cabalmente.
* * *
Vendo que a soberba torre da minha filosofia não valia romper as nuvens do teu céu nem lançar ponte entre as baixadas da nossa terra e a excelsitude do teu trono, tentei uma invasão nos teus domínios em sentido contrário. É que, neste tempo, eu acreditava ainda na possibilidade desta invasão do teu reino pelo homem...
Se a conquista não era possível rumo ao zênite — quem sabe se era possível via nadir?
Em vez de exaltar-me, aniquilei-me...
Tentei possuir-te pela ascese...
Transformei em radical negação todas as minhas afirmações...
Procurei despersonalizar a minha personalidade...
Neutralizei o meu Eu...
Despotencializei todas as potências ativas do meu ser...
Macerei com flagelos o meu corpo...
Debilitei com jejuns os ardores do sangue...
Impus silêncio ao intelecto...
Fechei as portas aos sentidos...
Cortei as asas à fantasia...
Fugi da sociedade...
Habitei em vastos ermos e solitárias cavernas...
Sempre à espera de um encontro contigo, minha grande Anônima...
Sentia que a humilde negação de mim mesmo me aproximava de ti muito mais do que a ousada afirmação do ego...
Mas... faltava alguma coisa...
Que é que faltava?... Por que é que não cheguei ao termo da minha jornada ascética?... Por que é que fugia de mim a meta, na razão direta que eu a demandava?...
Estaria eu marcando passo ou movendo-me em num eterno círculo, sem avançar um passo rumo às fronteiras longínquas do teu reino?...
* * *
Sobreveio-me, então, o segundo desengano...
Desiludido do intelectualismo, comecei a desconfiar também da ascese... Se não estava no zênite da afirmação do meu ego intelectual, nem no nadir da minha negação personal — onde estavas tu, meu grande Mistério?...
Procurei, por algum tempo, apoderar-me de ti quase de contrabando — pela magia, pelo cabalismo irracional; procurei conjurar-te por meio de ritos e fórmulas ocultistas, a ver se estas potências sinistras lançariam uma ponte fantástica entre o aquém onde eu estava e o além onde tu habitas, ou onde eu te supunha.
Falhou também esta tentativa em sentido horizontal, e mais tristemente falhou que as outras, em direção vertical, para o alto e para o fundo...
** *
Vi-me, então num campo coberto de ruínas...
Abriu-se dentro de mim um grande vácuo...
Encontrei-me no cairel do abismo...
Em derredor e dentro de mim, um deserto imenso, de angustiante monotonia, de vastidão mortífera...
Convenci-me de que era impossível possuir-te...
Mas... como poderia eu viver sem te possuir, se — tu és a vida de todos os vivos?
(...) Era necessário que eu te possuísse, sob pena de me despossuir a mim mesmo e voltar ao nada...
Depois de muito pensar e sofrer, depois de muito lutar e errar, compreendi que o homem não pode possuir-te indo ao teu encontro rumo às alturas, mas que só tu podes possuir o homem demandando-o rumo as profundezas...
A única possibilidade de possuir-te é deixar-me possuir por ti. Só depois desta tomada de posse, divino-humana, é que é possível a tomada de posse humana-divina...
O homem só pode possuir-te depois de ser por ti possuído...
Não pode subir a ti se tu não baixares a ele...
(...) Mas... para que o homem enxergasse estas estrelas longínquas do teu céu era necessário que apagasse primeiro o sol do seu orgulho...
E como se apagaria o vasto incêndio do nosso orgulho se não com um oceano de lágrimas e de sangue, com um mar de sofrimento?...
Compreendi a loucura de minha sapiência — e compreendi a sabedoria da tua "loucura"...
(...) Abri mão de todas as minhas teses e hipóteses e sintetizei toda a minha sabedoria nestas palavras: Minha vacuidade — e tua plenitude...
Abri um livro inspirado e li: "Deus resiste aos soberbos, mas dá sua graça aos humildes".
Compreendi que tanto mais poderosa é a tua atração quanto mais vácuo o meu ser, uma vez que o teu Tu é sempre infinita plenitude.
Compreendi que o meu ego tem de ser como um pólo totalmente negativo para que possa atuar o pólo do teu Tu sempre infinitamente positivo...
Vacuidade é humildade...
Vacuidade é verdade...
Vacuidade é fé...
Vacuidade é o silencioso clamor de minha alma...
É um erguer de antenas na amplidão do espaço...
É um olhar faminto para os castelos da opulência...
É uma soluçante saudade do finito para o Infinito...
É uma nostalgia anônima, ardente, atroz, para algo de grande, de longínquo, de eterno...
E, para que venha a mim esse teu reino, nada posso fazer da minha parte senão estabelecer dentro de mim esse grande vácuo, porque tu não enches o que está cheio, só enches o que está vazio...
A minha faminta vacuidade clamou por tuas plenitudes.
Nada de positivo posso fazer para atrair o teu presente, a tua misteriosa dádiva gratuita. Só posso fazer-me mendigo, mendigo absoluto, em face da tua infinita riqueza e liberalidade. Só posso erguer os olhos, estender as mãos vazias e esperar, esperar, esperar... Se quiseres deixar vazias estas mãos mendicantes, vazias ficarão para todo o sempre. Se as quiseres encher com teus dons, cheias ficarão de ti, por ti, para ti...
Entretanto, sei que não deixarás nem resposta a minha ansiosa expectativa... Onde quer que encontres uma humana vacuidade enchê-la-á com tua divina plenitude...
"Sacias de bens os famintos e despedes vazios os ricos"...
"Exaltas os humildes e humilhas os exaltados"...
"Enches os vales e abates os montes"...
Quando o discípulo está pronto — o mestre aparece...
Por isto, quero ser vacuidade diante de ti, ó divina Plenitude!
Uma vacuidade faminta...
Parafraseado de Huberto Rohden