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domingo, 5 de outubro de 2014

O condicionamento nos mantém na servidão

Interrogante: Muito falais sobre condicionamento e dizeis que devemos libertar-nos dessa servidão, para não ficarmos aprisionados para sempre. Uma tal asserção é verdadeiramente escandalosa e inadmissível! Em geral, estamos condicionados muito profundamente e, ao ouvirmos uma declaração dessa espécie, erguemos as mãos para o alto e fugimos de tamanha extravagância! Mas, eu vos levo a sério, porque, afinal de contas, tendes dedicado vossa vida a esse trabalho, não como entretenimento, porém com profunda seriedade. Por essa razão, desejo conversar convosco, para ver até que ponto o ente humano pode descondicionar a si próprio. Isso é realmente possível e, se é, que significa? Tenho alguma possibilidade, eu, que vivo num mundo de hábitos, tradições, aceitação. de teorias ortodoxas sobre tantos assuntos — tenho alguma possibilidade de sacudir de mim esse condicionamento tão profundamente enraizado em mim? Que entendeis, exatamente, por "condicionamento", e que entendeis por "libertação do condicionamento"?

Krishnamurti: Consideremos antes a primeira pergunta. Nós estamos condicionados - fisicamente, nervosamente, mentalmente - pelo clima em que vivemos, pelos alimentos que tomamos, pela cultura em que vivemos, pela totalidade de nosso ambiente social, religioso e econômico, por nossa experiência, pela educação e por pressões e influências domésticas. São esses os fatores que nos condicionam. Nossas reações, conscientes e inconscientes, aos desafios de nosso ambiente  —  intelectuais, emocionais, externos e internos  —  representam a ação do condicionamento. A linguagem é, condicionamento; todo pensamento é ação, reação do condicionamento.

Vendo-nos condicionados, inventamos um agente divino que, como piamente acreditamos, irá libertar-nos desse estado mecânico. Cremos na sua existência, fora ou dentro de nós - como atman, alma, o Reino dos Céus interior, e sabe Deus o que mais! A essas crenças nos apegamos com todas as forças, sem ver que elas próprias fazem parte do fator condicionante que supostamente irão destruir ou substituir. Assim, sentindo-nos incapazes de nos descondicionarmos, neste mundo, e sem vermos sequer que o problema é o condicionamento, pensamos que a liberdade se encontra no céu, em Moksha, no Nirvana. No mito cristão do pecado original e na doutrina oriental de Samsara, nota-se que o fator condicionante foi sentido, ainda que um tanto vagamente. Se tivesse sido visto claramente, tais doutrinas e mitos naturalmente não teriam surgido. Atualmente os psicólogos estão também lutando para resolver este problema  —  e condicionando-nos mais ainda. Assim, os especialistas religiosos nos condicionaram, a ordem social nos condicionou, a família  —  que dela faz parte  —  nos condicionou. Tudo isso é o passado, que constitui todas as camadas claras e ocultas da mente. En passant (1), é interessante notar que o chamado indivíduo não existe realmente, porquanto sua mente se abebera no reservatório comum de condicionamento, que ela partilha com todas as demais; por conseguinte, é falsa a divisão entre indivíduo e comunidade; há só condicionamento. Esse condicionamento está em ação em todas as relações  —  com coisas, pessoas e idéias.

Interrogante: Que me cabe então fazer para me livrar dele? Viver nesse estado mecânico não é viver realmente, e, todavia, toda ação, toda vontade, todo julgamento é condicionado; assim, nada posso fazer em relação ao condicionamento, nada que não esteja condicionado! Estou de pés e mãos amarrados.

Krishnamurti: O verdadeiro fator de condicionamento, no passado, no presente e no futuro, é o "eu", que pensa em função do tempo; o "eu" que se esforça, em sua necessidade de libertar-se; assim, a raiz de todo condicionamento é o pensamento, o "eu". O "eu" é a essência mesma do passado, o "eu" é tempo, o "eu" é sofrimento; o "eu" se esforça por libertar-se de si próprio, esforça-se e luta para alcançar, rejeitar, "vir a ser". Essa luta por "vir a ser" é tempo, e nela há confusão e avidez de mais e de melhor. Busca o "eu" a segurança e, não a encontrando, transfere para o Céu o objeto de sua busca; esse mesmo "eu" que, na esperança de perder sua identidade, se identifica com algo maior do que ele  —  a nação, o ideal ou um Deus  —  esse mesmo "eu" é o fator de condicionamento.

Interrogante: Tomastes-me tudo. Que sou eu sem este "eu"?

Krishnamurti: Se não há "eu", estais descondicionado, quer dizer, sois "nada".

Interrogante: Pode o "eu" terminar sem esforço do próprio "eu"?

Krishnamurti: O esforço por tornar-se alguma coisa é a reação, a ação do condicionamento.

Interrogante: Como pode deter-se a ação do "eu"?

Krishnamurti: Só poderá deter-se se o virdes em atividade. Se o virdes em ação, ou seja no estado de relação, esse ver será o fim do "eu". Esse ver, não só é uma ação não condicionada, mas também atua no condicionamento.

Interrogante: Quereis dizer que o cérebro, que é o resultado de uma imensa evolução, com seu infinito condicionamento, pode libertar-se?

Krishnamurti: O cérebro é resultado do tempo; ele está condicionado para proteger-se fisicamente, mas quando tenta proteger-se psicologicamente, começa então o "eu", e surgem as aflições. Esse esforço para proteger-se psicologicamente é a confirmação do "eu". Tecnologicamente, o cérebro pode aprender, adquirir conhecimentos, mas, quando, psicologicamente, ele adquire saber, esse saber se impõe, nas relações, como "eu", com suas experiências, sua vontade, sua violência. É esse "eu" que introduz, nas relações, a divisão, o conflito e o sofrimento.

Interrogante: Pode o cérebro quietar-se, e só funcionar quando tem de operar tecnologicamente  —  só funcionar quando se requer a ação do conhecimento, como, por exemplo, para aprender uma língua, guiar um carro, ou construir uma casa?

Krishnamurti: O perigo que há nisso é a divisão do cérebro em "psicológico" e "tecnológico", daí resultando mais uma contradição, um condicionamento, uma teoria. A verdadeira questão é se o cérebro, em sua totalidade, pode tornar-se silencioso, quieto, e "responder" eficientemente só quando tem de fazê-lo, na tecnologia ou no viver. Portanto, não nos interessa o "psicológico" ou o "tecnológico"; queremos apenas saber se essa mente inteira pode ficar silenciosa, e só funcionar quando tem de funcionar. Nós dizemos que pode  —  pela compreensão da meditação.

***

Interrogante: Se o permitis, desejo continuar do ponto em que ontem ficamos. Deveis lembrar-vos de que fiz duas perguntas: perguntei o que é condicionamento, e o que é libertação do condicionamento, e dissestes que era melhor considerarmos antes a primeira dessas perguntas. Não tivemos tempo de examinar a segunda e, assim, desejo perguntar-vos, hoje, qual é o estado da mente que se libertou de todo seu condicionamento. Depois de nossa palestra de ontem, comecei a perceber muito claramente o quanto estou condicionado e descobri  —  pelo menos creio que descobri uma brecha na estrutura desse condicionamento. Conversei com um amigo sobre o assunto e, considerando certos casos reais de condicionamento, vi, com toda a clareza, quão profundamente as nossas ações são por ele envenenadas. Como dissestes, na conclusão, a meditação é o esvaziar da mente de todo condicionamento, para que não haja deformações ou ilusões. Como se pode ficar completamente livre de toda deformação e ilusão? Que é ilusão?

Krishnamurti: É tão fácil enganarmos a nós mesmos, tão fácil nos convencermos de qualquer coisa! O sentimento de que devemos "ser alguma coisa" é o começo da ilusão e, naturalmente, essa atitude idealista leva a várias formas de hipocrisia. Qual a causa da ilusão? Um dos fatores é a constante comparação entre "o que é" e "o que deveria ser" ou "poderia ser"; é essa medição entre o "bom" e o "mau"  —  o pensamento que quer melhorar a si próprio, a memória do prazer, a querer mais prazer, etc. É esse desejo de "mais", essa insatisfação, que nos faz aceitar qualquer coisa, a ter fé em qualquer coisa, e isso há de levar inevitavelmente a toda espécie de engano, de ilusão. São o desejo e o medo, a esperança e o desespero, que "projetam" o alvo, a conclusão que se quer experimentar. Essa experiência, por conseguinte, não tem realidade. Todas as chamadas experiências religiosas seguem esse padrão. O próprio desejo de esclarecimento também gera, forçosamente, a aceitação da autoridade  —  que é o contrário de esclarecimento. Desejo, insatisfação, medo, prazer, desejo de "mais", ânsia de mudança, tudo isso é medição e constitui a essência da ilusão.

Interrogante: E vós  —  não tendes realmente nenhuma ilusão a respeito de coisa alguma?

Krishnamurti: Eu nunca meço a mim mesmo ou aos outros. Só podemos estar livres dessa medição quando estamos vivendo realmente com "o que é", nem desejando alterá-lo, nem julgando-o "bom" ou "mau". "Viver com uma coisa" não significa aceitação dela: ela é um fato, quer a aceitemos, quer não. "Viver com uma coisa" não significa, tampouco, identificar-se com ela.

Interrogante: Deixai-me tornar a perguntar o que é essa liberdade que tanto desejamos. Esse desejo de liberdade se expressa em todas as pessoas, às vezes por maneiras as mais estúpidas, mas pode-se dizer que no coração humano há sempre essa profunda ânsia, que nunca se realiza, de libertação; há uma luta incessante por se ser livre. Sei que não sou livre, preso que estou na armadilha de inúmeros desejos e necessidades. Como posso libertar-me, e que significa estar realmente, verdadeiramente livre?

Krishnamurti: Talvez isto vos ajude a compreendê-lo: a negação total é essa liberdade. Negar tudo o que consideramos positivo, negar toda a moral social, negar toda aceitação psicológica da autoridade, negar tudo o que dissemos ou concluímos a respeito da realidade, negar toda a tradição, todo ensino, todo o saber (exceto o saber técnico), negar toda a experiência, todos os impulsos oriundos de prazeres, lembrados ou esquecidos, negar todos os compromissos de atuarmos de determinada maneira, negar todas as idéias, todos os princípios, todas as teorias. Essa negação é a ação mais positiva e, por conseguinte, é liberdade.

Interrogante: Se eu quiser apagar tudo isso, pouco a pouco, nesse trabalho me verei empenhado toda a vida e ele próprio se tornará minha servidão. Pode tudo isso esvaecer-se num instante; posso negar toda a ilusão humana, todos os valores e aspirações e padrões, imediatamente? É realmente possível isso? Não se requer uma enorme capacidade, que me falta, uma enorme compreensão, para ver tudo isso num relance e deixá-lo exposto à luz daquela inteligência de que tendes falado? Tenho minhas dúvidas sobre se sabeis o que isso exige de mim. Mandar-me, a mim, um homem comum, educado na maneira comum, mergulhar numa coisa que se me afigura como um incrível vácuo... Posso fazê-lo? Nem sei o que significa um tal mergulho. É o mesmo que me mandar transformar-me subitamente no mais belo, no mais puro, no mais amável dos entes humanos. Como vedes, estou agora realmente assustado, não da mesma maneira que antes; vejo-me agora diante de algo que sei ser verdadeiro, e, todavia, minha total incapacidade para fazê-lo me está prendendo. Vejo quanto é belo ser, real e totalmente, "nada", mas...

Krishnamurti: É só quando, em nós mesmos, existe vazio, não o vazio de uma mente superficial, porém aquele vazio que vem com a total negação de tudo o que "somos" e "devemos ser" e "queremos ser"  —  é só quando existe esse vazio que há criação; só nesse vazio alguma coisa nova pode surgir. Medo é o pensamento no desconhecido; por isso, tendes tanto medo de deixar o conhecido  —  vossos apegos, satisfações, lembranças aprazíveis, a continuidade e a segurança que proporcionam conforto. O pensamento está comparando tudo isso com o que ele considera ser o vazio. Essa imaginação do vazio é medo e, portanto, medo é pensamento. Voltando à vossa pergunta, pode a mente negar tudo o que conhece, o conteúdo total de seu próprio "eu", consciente e inconsciente, que constitui a essência de "vós mesmo"? Podeis negar a "vós mesmo", completamente? Se não puderdes fazê-lo, não haverá liberdade. Liberdade não significa estar livre de alguma coisa  —  pois isso é apenas uma reação; a liberdade vem com a negação total.

Interrogante: Mas, que bem faz essa liberdade? Estais-me pedindo que morra, não?

Krishnamurti: Exatamente! Eu gostaria de saber que sentido dais à palavra "bem", ao dizerdes "que bem faz essa liberdade?" "Bem", em relação a quê? Ao conhecido? A liberdade é o bem absoluto e sua ação é a beleza da vida de cada dia. Só na liberdade há viver, e sem ela como pode haver amor? Nela, tudo vive e existe. Ela está em toda parte e em parte nenhuma. É sem fronteiras. Podeis morrer agora para tudo o que conheceis, sem esperardes até amanhã? Essa liberdade é eternidade, êxtase  —  é amor.

(1) "De passagem". - (N. do T.)

Jiddu Krishnamurti  em, A Luz Que Não Se Apaga
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill