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quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Investigando o processo e a origem do pensar


A menos que a mente descubra a fonte do pensamento, ver-se-á sempre de novo enredada num sistema de vida que levará finalmente ao conflito, uma vida que é violência. Aquela fonte precisa ser descoberta. Enquanto existir observador e coisa observada, haverá contradição, distância, intervalo de tempo, separação entre ambos, e o pensamento tem de existir.

(...) Enquanto houver observador e coisa observada, e, entre ambos, intervalo de tempo, distância, espaço — essa separação dará origem ao pensamento. Só quando o observador é o objeto observado, e não há observador nenhum, não há pensar.

Objetivamente, vejo, no começo da primavera, uma árvore em que ainda não despontam as folhas novas, formando com seus galhos nus, delicado desenho contra o fundo azul do firmamento. Vejo-a: Eu, o observador, e aquela árvore — observador e coisa observada. A árvore não sou eu. É algo existente no exterior. Nela penso quanto é delicada, bela, escura — uma forma negra contra o céu limpo. O observador tem certas “memórias” a respeito daquela árvore, sua espécie, seu nome, a lembrança dos fatos acumulados em relação a ela. O observador é a memória, a entidade que sabe; com esse saber, sua memória, experiência, conhecimentos, olha a árvore. O observador está então pensando. Enquanto existe observador e coisa observada, no pensamento, na ação, é isso o que acontece.

Consideremos outro exemplo: as relações entre os cônjuges. É relativamente fácil olhar uma árvore, mas o caso se torna muito mais complexo quando esposa e marido olham um para o outro. Há sempre o “observador” e o “objeto observado”. O observador, que convive com aquela outra pessoa, recorda-se dos prazeres, sensuais e outros, do companheirismo, das ofensas das lisonjas, dos confortos — de tudo o que constitui o fundo dessa relação. Cada um tem uma imagem do outro. Dessa imagem, dessa memória, dessas experiências, desses prazeres, nasce o pensamento. A relação é entre as duas imagens. Isso também está perfeitamente claro e, portanto, pode-se ver que, enquanto há observador e objeto observado, o pensamento inevitavelmente funciona. se encontra a fonte da ação-pensamento. Enquanto há divisão, separação, o pensamento necessariamente começa a funcionar; isso não significa que o pensamento se identifica com o objeto a fim de pensar; pelo contrário, só está a identificar-se com o objeto a fim de pacificar o pensar; mas existe sempre “processo” de pensar naquele estado de relação.

Está, assim, descoberta a origem do pensar. Mas, quando o pensador, o experimentador, o observador é o objeto observado, a experiência, o pensamento, não há, nesse estado, nenhum pensar. E é nessa maneira de vida que se encontra a paz. Se uma pessoa é séria, não fragmentariamente, intermitentemente, quando lhe convém, quando isso lhe proporciona conforto ou prazer; se deseja seriamente encontrar uma maneira de vida em que haja paz, em que não exista contradição e, portanto, não exista conflito nem esforço, terá de investigar o processo do pensar e a origem do pensar. Isso não significa que não se deva fazer uso do pensamento. Naturalmente, temos de fazer uso dele; mas, o pensamento — quando dele nos servimos sem compreender como se origina e como termina — cria mais conflito, mais confusão, como ocorre atualmente. Mas, naquela claridade que vem quando o observador é o objeto observado, o pensamento perdeu a imensa importância que tinha para nós. A paz não é um fim em si, um ideal que temos de lutar para alcançar, uma coisa que precisamos obter, para vivermos tranquilos. Ela vem, naturalmente, sem esforço e sem luta de nossa parte, quando o pensamento compreendeu a si próprio. Isso não significa que o pensamento põe, então, fim ao pensar — pois isso seria falta de maturidade, infantilidade. Mas, ao ser compreendido o inteiro processo do pensar, alcança-se um estado que se pode chamar “pacífico”, mas esta palavra não é o fato. É somente a base de que necessitamos. Estamos apenas lançando as bases, pois, sem bases adequadas, o pensamento, a mente, não pode, de modo nenhum, funcionar numa dimensão completamente diferente.

Jiddu Krishnamurti — Encontro com o eterno

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Vídeo - O Observador é a coisa Observada?

Que se entende por mudança?

Para responder a esta pergunta, é necessário examinar a questão do "observador e a coisa observada" — sendo "observador" não só a percepção visual, mas também o que está atrás dela: memória, pensamento, idiossincrasias, preconceitos, um estado condicionado. Ele é o censor, o experimentador, o juiz, o avaliador. Todo esse feixe de "memórias" constitui o observador. E esse observador está sempre a se modificar, a mudar; não é um observador estático, a não ser sob pressão, tensão, necessidade. Há sempre um processo modificador em ação dentro do próprio observador. E enquanto existir "observador", existirá "coisa observada" — o oposto.

Quando uma pessoa diz que sente cólera, ciúme, que é violenta — está existente o observador, a afirmar que a pessoa é violenta; a violência está separada do observador. O observador, portanto, separou-se daquilo a que chama "violência". Diz ele, então, "Tenho de dominá-la, de encontrar meios e modos de reprimir, de mudar, de sublimar esta qualidade, esta violência; mas o observador criou a violência; ele é que é violento, e não a coisa que observa como violência. Portanto, o observador é a coisa observada. Isto é, o observador separa-se da coisa observada e cria uma distancia entre si e aquilo a que observa. O experimentador, que exige experiência, com essa própria exigência separa-se da experiência e, desse modo, cria a ânsia, o desejo de mais experiência e, portanto, conflito. Ele, o experimentador, criou um espaço entre si e a coisa a que quer experimentar. Mas o experimentador é a coisa que quer experimentar. Assim, quando diz: "preciso mudar, percebo a necessidade de mudança", ele, o observador, o experimentador, o pensador projeta um padrão, uma ideia daquilo que deveria ser, e querendo tornar-se isso, cria o conflito, contradição, porque se separou da coisa que deseja observar. Pode esse observador existir sem movimento de espécie alguma? Porque todo movimento de sua parte, para efetuar uma mudança dentro de si mesmo, cria o oposto e ele se vê enredado no conflito do oposto. Mas o observador é a coisa observada e, ao perceber isso, que significa então mudança?

Espero que isso não esteja abstrato demais; veremos.

Vemos, pois, que a total inação é mudança radical. Inação total por parte do observador e, portanto, inexistência do observador. Se você se examinar, sem ser teoricamente, nem por meio das palavras do orador, se se observar realmente verá isso ocorrer em si mesmo. O padrão do oposto se fixou através de milênios  bom e mau, Deus e Diabo, etc. etc. Esta luta constante entre o bom e o mau continua existente porque o observador é tanto o bom como o mau, e o cultivo do "bom" é cultivo do observador e não do "bom". Assim, se compreendemos isso, se o observamos em nós mesmos, verificamos que só é possível a mudança quando não há nenhum movimento por parte do observador. Por conseguinte, a inação total é revolução total.

Jiddu krishnamurti — A essência da maturidade

Como pode a mente condicionada, descondicionar-se?

Interrogante: Eu gostaria de saber como se origina o condicionamento da mente humana.

Krishnamurti: De maneira muito simples. Primeiro deixe-me concluir o que estava dizendo. Voltarei a sua pergunta.

Senhor, que é que há para conhecermos a respeito de nós mesmos? Condicionamento, herança racial e genealógica, peculiaridades, inclinações e tendências psicológicas, pressões do ambiente, uma deixe de "memórias" (o que sou — um devaneio). Não há muito o que aprender. Mas só posso dizer que não há muito o que aprender, após observar a mim mesmo. Mas, se dizemos "Não há muito o que aprender acerca de nós mesmo", não saímos do lugar em que estamos. Portanto, uma das perguntas fundamentais é esta: "Como pode a mente humana, condicionada como está, descondicionar-se?"

E qual a origem desse condicionamento? È bastante fácil descobrir-se, não? Observem-se os animais, como são agressivos, a fim de sobreviverem. Eis a origem do condicionamento. Observem as aves, como se fazem senhoras de seus domínios; os direitos territoriais sobrelevam os direitos sexuais — e aí está a origem da agressão. E nós também temos propriedades: a propriedade é para nós imensamente importante, tal como os direitos sexuais, etc. Mas, uma questão muito mais importante: "Há possibilidade, para uma mente tão condicionada como a nossa, de libertar-se imediatamente (não gradualmente, porém imediatamente) de todo o seu condicionamento? Dizemos que só é possível por meio da meditação — não de uma meditação "falsificada", nem da meditação de indivíduos de longas barbas ou barbas curtas, de longas cabeleiras ou cabeças raspadas: a meditação que existe quando estamos aprendendo, sem acumulação, sobre nós mesmos. Então, dessa meditação nasce uma maneira de vida completamente pacífica, não agressiva, que não exige que vivamos na sociedade ou fora da sociedade. Essa meditação produz sua ação própria, na qual nenhum conflito existe.

Interrogante: A meditação constitui uma maneira de vida?

Krishnamurti: Decerto; mas, para compreender a meditação temos de observar — observar como olhamos uma árvore, se há espaço entre nós e a árvore, entre o observador e a coisa observada — a árvore; ou, quando o observador se separa da sua avidez e diz: "Eu não sou a avidez, e tenho de livrar-me da avidez", e há um espaço entre o observador e a coisa observada e, em seguida, o conflito. Mas o observador é a coisa observada e, porque, sendo ávido, diz "Não devo ser ávido", criando assim uma dualidade. A meditação, pois, é uma coisa maravilhosa e não pode ser aprendida de ninguém; essa é a sua beleza. Não é uma coisa que se aprende, uma técnica e, por conseguinte, dispensa toda autoridade. Assim, se você deseja compreender-se, observe sua maneira de andar, de falar, o que diz, sua "tagarelice", seu ódio e ciúme. Se de tudo você está consciente, sem selecionar, isso faz parte da meditação, e ao caminhar, ao viajar, simultaneamente você medita. Esse movimento é, então, infinito, eterno. 

Jiddu krishnamurti - A essência da maturidade - ICK

Sobre o processo de imagens que impede o claro observar

(...)Nossas relações com os entes humanos se baseiam no mecanismo defensivo, formador de imagens. Em todas as nossas relações, formamos imagens uns dos outros, e são essas imagens que ficam em relação, e não os entes humanos... cada um tem uma imagem de sua pátria e uma imagem de si próprio. A essas imagens vamos fazendo mais e mais acréscimos, a fim de fortalecê-las. E, com profunda observação, pode-se ver que essas imagens têm relação umas com as outras. E, dessa maneira, por causa da formação das imagens, o verdadeiro estado de relação entre dois ou muitos entes humanos cessa completamente.

Cada um pode observar esse fato em si próprio; e, evidentemente, as relações baseadas em tais imagens jamais serão pacíficas, porquanto as imagens são fictícias e não se pode viver abstratamente. Todavia, é isso o que estamos fazendo: vivendo na esfera das ideias, das teorias, dos símbolos — tais como a nação, as imagens que criamos a respeito de nós mesmos e de outros, as quais são puros devaneios, irrealidades. Todas as nossas relações — com a propriedade, com as ideias, com pessoas — se baseiam essencialmente nessa formação de imagens e, por isso, há sempre conflito.

(...) Pode-se olhar sem nenhuma interferência do passado, do pensamento? Pode-se olhar o todo da consciência humana — que constitui a pessoa, o "eu" — sem interferência, juízo, avaliação, tudo isso essencialmente baseado no passado? Porque o importante é o ato de olhar e não aquilo que olhamos. Se sabemos olhar, então aquilo que olhamos muda completamente de natureza. Isso se pode observar em nossa vida de cada dia.

(...) O tempo é o intervalo entre o observador e a coisa observada... Pode-se enfrentar a chamada "morte" (ou o que quer que seja) sem esse intervalo de  espaço-tempo? Só é possível quando há atenta e profunda observação, na qual o observador não tem continuidade — o observador que é o criador de imagens, o observador que é a coleção de memórias, ideias, um feixe de devaneios. É possível enfrentar qualquer fato sem esse intervalo de tempo e, portanto, sem nenhuma contradição, vale dizer, sem conflito?

(...) Vários métodos já se experimentaram para eliminar o espaço entre o observador e a coisa observada: drogas, identificação, meditação, observância de sistemas e outros mais — tudo isso na esperança de eliminar esse intervalo de espaço entre o observador e a coisa observada e, desse modo, libertar-se da contradição e do conflito, criando-se assim a paz.

Não creio que algum sistema ou droga, alguma identificação, alguma forma de sublimação tenha o poder de eliminar o espaço. Mas, que é que pode eliminar o espaço e o tempo? É a maneira de olhar, de observar. A meu ver, esta é a chave: observar, realmente, sem nenhuma imagem. Eis porque cumpre haver muita simplicidade: observar uma flor sem nenhuma atividade mental, sem nenhuma interferência do pensamento; porque pensamento é tempo, e tempo é aflição. (...) Observar simplesmente!  

(...) se uma pessoa observa tudo isso dentro de si, e se penetrou suficientemente, junto comigo, nesta manhã — descobre ser possível viver sem conflito e sem contradição. Existe contradição quando há comparação, não apenas com alguma coisa, mas também a comparação com o que eu era  ontem. É assim que surge o conflito entre o que foi e o que é. Não havendo comparação, só há o que é. E viver completamente com o que é é ser pacífico. Porque então se pode dispensar toda atenção ao que é, sem distração alguma — a realidade interior, não importa o que seja: desespero, malevolência, brutalidade, medo, ansiedade, solidão — e viver plenamente com essa realidade. Não há então contradição e, por conseguinte, não existe conflito.
Essa compreensão que só pode nascer da observação de o que é — é paz. Isso não significa aceitar o que é; ao contrário, não se pode aceitar esta sociedade monstruosa e corrupta em que estamos vivendo, a qual entretanto é o que é. Significa, sim, observá-la, observar toda a sua estrutura psicológica, que sou eu — observá-la sem julgamento nem avaliação — observar realmente o que é e, observando-o, transformar-se completamente. Pode assim uma pessoa viver em paz com a esposa ou o marido, com o próximo, com a sociedade, porque ela própria está vivendo, dia a dia, uma vida pacifica.

(...) Pois bem; que é o sofrimento? E porque razão o homem jamais conseguiu livrar-se dele, acabar com ele, dentro em si mesmo? É possível colocar fim ao sofrimento, completamente, não teórica, porém realmente? Ele só pode cessar com a perfeita compreensão de nós mesmos. O autoconhecimento é o fim do sofrimento. Não queremos dar-nos ao trabalho de estudar-nos e ficamos inventando maneiras de fugir do sofrimento.

Enquanto existir o observador com todas as suas memórias, essa entidade separada criadora de um intervalo de tempo entre si e o que é, tem de haver sofrimento, que é conflito. E colocar fim ao sofrimento, de fato e não verbalmente, colocar-lhe fim todos os dias, é estar cônscio (o indivíduo) do movimento total da própria existência, a todas as horas.

(...) Só existe confusão quando não estou olhando diretamente o que é. E quando um homem está confuso, quanto mais tenta livrar-se da confusão, tanto mais confuso se torna. Assim, em primeiro lugar, que faz uma pessoa quando se vê confusa?

Eu estou confuso. Não sei o que fazer; há várias possibilidades de escolha. E compreendo que, havendo escolha, tem de haver confusão. E eu estou confuso; portanto, que devo fazer? Primeiro, tenho de parar, não? Detenho-me; não fico a procurar, a pedir, a perguntar, a olhar, a observar. Ao se perder numa floresta, você não se põe a correr a esmo; primeiro para e olha para todos os lados. Mas, quanto mais uma pessoa está confusa, tanto mais se põe a correr, a buscar, a interrogar, a exigir, a rogar. Portanto, a primeira coisa — se posso sugerir-lhe — é deter-se completamente em seu interior. E quando, interiormente, psicologicamente, você detém todo movimento de busca, de escolha, de indagação, a sua mente se torna muito plácida, muito clara. Pode então olhar. E só na claridade que se pode olhar, e não na confusão.  
   
(...) Eu lhe olho. Não lhe conheço e, por conseguinte, não tenho nenhuma imagem a seu respeito. Mas, se lhe conheço, olho-lhe com a imagem que tenho de você. Essa imagem foi formada, constituída pelo que você disse — insultando-me ou elogiando-me — e com essa imagem eu lhe olho. A imagem é uma distração que não me deixa olhá-lo. Só posso olhá-lo quando nenhuma imagem tenho de você; estou então em relação com você. É-me possível morrer para a imagem que construí, para as imagens que tenho de você que venho formando há tantos anos, vivendo com você como marido ou esposa ou vizinho — ou a imagem que tenho acerca dessas relações? Posso morrer para todas elas? Se não morro para elas, e visto que essas imagens constituem uma distração ou devaneio, não tenho a possibilidade de olhar.   Se tenho uma imagem relativa à arvore, não posso olhar a árvore.

(...) Assim, é possível morrer para tudo o que é conhecido, inclusive a imagem deste orador? De outro modo, a imagem se torna a autoridade, quer dizer, o devaneio se torna uma autoridade, em lugar do estado real. Estamos sempre fazendo isso, não?  

Jiddu krishnamurti — A essência da maturidade


terça-feira, 10 de setembro de 2013

Observando o "eu", o observador

Ora, que é o observador? Observemo-lo. O observador é constituído por essa entidade "acumulada", condicionada como cristão, nacionalista, comunista, socialista; o católico romano, a experiência, a memória temporal; tudo isso sou eu, com toda a memória acumulada, racial, hereditária, toda a memória temporal. Sou tudo isso. É ESSA ENTIDADE que está observando e, portanto, nenhuma possibilidade tem de compreender. Porque essa entidade se baseia no passado, mas o medo é uma coisa ativa, e o observador, com tudo o que foi acumulado no passado, diz: "Vou olhar". Está claro isso, podemos continuar? Não verbalmente, mas passo a passo? Ora, só há a "ação de observar", o observador; não há "eu" observando o medo, porém a "ação de observar" o observador. Não sei se você percebe a diferença.

Então, pelo observar, você aprende a respeito do observador e aprende que o observador é meramente uma série de ideias e de memórias, sem nenhuma validade, nenhuma substancia, a não ser como ideia, como feixe de memórias. Mas o medo é uma realidade; por conseguinte, você está procurando compreender o fato como uma abstração — e naturalmente não o consegue.

Consequentemente, quando há essa ação de observar o observador, só então há OBSERVAR, e não há "observador e coisa observada". Não sei se você percebe a diferença entre as duas coisas: "observar o medo" e "observador observando o medo". Se o observador observa o medo, há espaço entre o observador e a coisa observada. Nesse espaço, que é um intervalo de tempo,  faz-se um esforço para se ficar livre do medo; necessita-se de tempo para conseguir essa libertação. "Tenho de fazer alguma coisa em relação ao medo", "Tenho de dominá-lo", "Tenho de condená-lo". Quando há espaço entre observador e coisa observada, digo: "Preciso fugir do medo", "Preciso achar uma saída, uma pessoa que me ajude a libertar-me deste temor".

Mas, havendo a "ação de observar" o observador, há a percepção de que o observador é meramente um feixe de memórias acumuladas, condicionadas; então o observador É a coisa observada. Por conseguinte, a "ação de observar" é de máxima importância — e não o "observador e a coisa observada". E quando observamos de maneira tão completa e com tanta atenção, existe medo? Não teoricamente, porém realmente? Pode-se observar os temores externos, isto é, o medo consciente; nos níveis superficiais da consciência, podemos observar várias formas do medo. Nos níveis profundos, no nível inconsciente, existe alguma possibilidade de observar o medo? Porque, nesse nível, há temores ocultos, dos quais estou inteiramente inconsciente. Apresenta-se, assim, um problema: Como observar uma coisa oculta, uma coisa que não tenho possibilidade de sondar por meio do esforço consciente? Dessarte, fico na dependência dos sonhos e na respectiva interpretação — na dependência do analista. E nunca indago porque sonho! Mas nunca nos interrogamos se realmente é necessário sonhar.

(...) estamos perguntando como podemos estar cônscios, como exumar, desarraigar, trazer à luz o inconsciente com todos os seus temores  e motivos. No momento só nos interessa o medo; e existe medo, profundamente arraigado, naquele campo que a mente consciente nenhuma possibilidade tem de penetrar. A mente consciente — as camadas superficiais da mente — só podem examinar a si própria; não pode examinar uma coisa que desconhece. O inconsciente "projeta" em sonhos quando estamos dormindo. É um processo muito complexo, mas pode-se, durante o sonho, compreender o que se está sonhando, sem despertar para interpretá-lo. Mas, por que temos de sonhar? Esta é uma pergunta muito importante. Não é questão de sonhar, para depois procurar as interpretações do sonho, o que vem a ser um enorme desperdício de tempo; porém a questão é, antes, de saber porque temos de sonhar. Porque os sonhos e suas atividades, durante o sono, constituem uma dissipação de energia. Pois, durante o sono, a mente revigora-se, mas se estamos ativos, a sonhar, a agitar-nos, a preocupar-nos, a mente não pode revigorar-se. Portanto, cumpre descobrir porque sonhamos e se é possível não sonhar.

É possível não sonhar, mas só quando, durante o dia, estamos despertos, atentos a cada movimento do pensamento, de sentimento, de reação. Começamos então a desenterrar o inconsciente; e isso é impossível à mente consciente. Assim, ainda que estejamos viajando num ônibus — se estamos realmente vigilantes e não engolfados na leitura de alguma revista ou jornal — começa-se a descobrir, a perceber certos sinais, certos avisos desse medo, e podemos examiná-lo ao mesmo tempo que o estamos observando. Pode-se pois, revelar  conteúdo do inconsciente pela vigilância e o percebimento.

Aqui também é necessário observar, manter-se desperto, vigilante. E, se assim o fizer — não, esporadicamente quando você não tem o que fazer — se assim o fizer seriamente, descobrirá pessoalmente que é possível, no sentido psicológico, ficar-se inteiramente livre do medo. Sabe o que isso significa? Não há sombras, no interior, nem exteriormente. Pode-se ver claramente as coisas tais como são.

Eis o que é a clareza da mente: ver as coisas exatamente como são, tanto exteriormente, objetivamente, como interiormente. Olhando-se claramente, não há problema algum. Como quase todos nós andamos cheios de problemas — compreender um problema é compreender o processo total, e não unicamente um dado problema. Porque cada problema se relaciona com outros mais, e quando trato de compreender um problema completamente, de examiná-lo até o fim, compreendo então todos os problemas.

Jiddu Krishnamurti — A essência da maturidade

O observador difere da coisa observada?

Você pode olhar o medo sem ter conceitos a seu respeito? Existe o medo e o observador, não é verdade?... Existe aquilo que chamamos "medo de alguma coisa"; o medo não pode existir sozinho; existe por causa de alguma coisa. Há medo e você diz: "Estou com medo". Você é o observador daquele medo, não? Você é o observador, e a coisa observada é o medo. Há, pois, um espaço entre você e a coisa observada; quando você olha uma árvore, existe espaço, há o observador: "Eu olhando aquela árvore". Esse espaço é criado pelo pensamento, que é reação da memória. A memória é sempre velha. Não há liberdade de pensamento; você pode pensar o que quiser, mas seu pensamento vem do passado.

Assim, olhar sem conceito é estar consciente da existência do observador e da coisa observada. O observador difere da coisa observada? Isto é, quando digo "Estou com medo", o medo está fora de mim e eu sou o observador desse medo. Isso é um fato? Ou o observador é o medo?... Pelo que diz respeito à maioria de nós, há sempre o observador, o centro de onde olhamos. Esse centro é a memória, o pensamento, nosso condicionamento, nossa experiência, nosso conhecimento. Assim, quando nos vemos frente a frente com o medo, esse medo tem suas peculiares associações ou memórias; com essas memórias olhamos o fato que chamamos medo e, por conseguinte, nunca estamos em direto contato com ele. Você só pode estar diretamente com contato com alguma coisa, com seu vizinho, sua esposa, seu marido, com uma árvore, uma nuvem, quando não existe o observador; e o observador é pensamento com todas as suas ramificações. Você mesmo pode fazer essa experiência quando olhar uma árvore. Isso será muito simples, porque uma árvore é uma coisa objetiva. Nada deseja de você; só quer que você a deixe em paz. Se puder, olhe uma árvore sem nenhum conceito, sem pensamentos; isso não significa estar com a mente "em branco", vazia, porém, ao contrário, ela então se acha realmente livre para olhar e, por conseguinte, num extraordinário estado de atenção.

Da mesma maneira olhe o medo: sem o observador. É só então que o medo acaba, e não quando fugimos dele, quando o reprimimos por meio da bebida, do sexo, de divertimentos, de nossos deuses, igrejas e outras infantilidades.

Olhar é, pois, uma arte mais importante do que qualquer outra arte deste mundo; mais importante do que qualquer espécie de quadro, de música, de livro. Olhar, totalmente, quer se trate de sua esposa ou marido, quer se trate de uma árvore, de uma nuvem ou de seu deplorável condicionamento. Então, pelo direto contato com o medo, este acaba.

Jiddu Krishnamurti — A essência da maturidade — ICK

É possível perceber a coisa em seu todo, imediatamente?

Observar uma coisa objetiva é bastante simples. Mas, observar o que está se passando interiormente, em nós, observar nossa violência, nosso sofrimento, com clara atenção, já não é tão simples. Tal atenção, tal observação, nega totalmente qualquer espécie de inclinação ou tendência pessoal ou de compulsão por parte da sociedade; é como observar o movimento de um rio. Sentado na margem do rio, você pode observar o seu fluir, ver tudo. Mas você, que está sentado na margem, e o movimento do rio, são duas coisas diferentes; você é o observador, e o movimento do rio é a coisa observada. Mas, quando você está dentro d'água — e não sentado na margem — você faz parte desse movimento e não há nenhum observador. Do mesmo modo, observe a violência e o sofrimento, não como observador a observar uma coisa, porém sem espaço entre observador e coisa observada. Isso faz parte da investigação total, da meditação sobre a vida.

(...)É possível perceber a coisa em seu todo, imediatamente? — não intelectualmente, porque se ela é formulada como um problema intelectual não se encontra nenhuma solução e a pessoa acaba se suicidando de fato ou inventando alguma teoria, uma crença, um dogma, um conceito e a ele se escravizando — o que é também uma forma de suicídio; ou voltando às velhas religiões, tornando-se católico, protestante, hinduísta, seguidor do Zen, etc.

A questão, pois, é se há possibilidade de ver a coisa em seu todo imediatamente, e com esse ato de ver colocar-lhe fim.(...) Ninguém pode responder esta pergunta senão você mesmo — isto é, quando a ela responde sem depender de nenhuma autoridade, de quaisquer conceitos intelectuais ou emocionais, quaisquer formas ou ideologias. Mas, como dissemos, isso exige muita seriedade e séria observação — observação quando está sentado no ônibus, de tudo que o cerca; observação daquilo que está diante de você mesmo, movendo-se, transformando-se; observação, sem motivo algum, de todas as coisas como são. O que é tem muito mais importância do que o que deveria ser. Como resultado desse zelo, dessa atenção, talvez venhamos a saber o que é amar.

(...) Assim, observar significa: observar sem a interferência de nosso fundo. Entendem? Todo o nosso ser, que está a olhar, é o nosso fundo — cristão, francês, intelectual. Pela observação, descobre-se esse fundo; e observá-lo sem nenhuma escolha, nenhuma inclinação, é uma disciplina tremenda — não a absurda disciplina do ajustamento, de imitação. Essa observação torna a mente sobremodo ativa, sobremodo sensível.

(...) Você já esteve alguma vez diretamente em contato com alguma coisa, uma árvore, uma flor, um ente humano; diretamente, e não através da imagem? Quando você olha uma árvore, no parque, há sempre o observador e a coisa observada: você está a observar a árvore, e há espaço entre o observador e a coisa observada. Estar em contato direto (você pode tocar a árvore, mas isso não é contato, nem o é você se identificar com a árvore; não se trata disso, que é uma outra espécie de ginástica mental) — estar em contato direto é coisa de todo diferente, é não ter espaço algum. É o que se verifica quando se tomam certas drogas  — LSD, etc. — o espaço desaparece. Mas essa é uma espécie inteiramente diferente, pois aquele que espaço volta, obrigando a pessoa a repetir a droga, etc., e o resultado é que ela fica a deteriorar-se, a cansar-se cada vez mais da droga e a obter efeitos cada vez menores. Mas quando a pessoa é capaz de observar sem o observador, quer dizer, sem o fundo, sem conceitos ideológicos, sem a memória, o espaço desaparece então totalmente, entre as pessoas, e nesse estado talvez não haja medo, porém uma coisa chamada (podemos servir-nos da palavra "verbalmente") amor.

(...) É o pensamento que cria o intervalo de tempo gerador da desordem. Ver uma coisa com toda a clareza, na ausência do pensamento, é ver imediatamente; não há intervalo de tempo: ver é agir. Para ver muito claramente, sem nenhuma confusão, deve a mente estar em perfeito silêncio. Se desejo ver-lhes, compreender-lhes, minha mente deve deter o seu tagarelar, está visto. Naquele estado de incessante monólogo, de tagarelice mental, não é possível ver coisa alguma claramente. Só quando a mente está quieta, é possível ver com clareza; mas não se pode silenciar a mente mediante coerção, disciplina.

Só vem a quietação da mente quando se percebem todas as implicações do medo, da autoridade, do tempo e da separação entre o observador e a coisa observada; quando se percebe a estrutura total. Para ver a estrutura total, é óbvio que a mente deve estar quieta; precisamos aprender a olhar — não só as coisas mais complexas, mas também uma árvore, uma flor, uma nuvem — sem nenhum movimento do pensamento; olhar simplesmente.

Penso que muitos daqueles que tomam drogas fazem-no para eliminar a separação entre o observador e a coisa observada, a fim de experimentar aquele estado peculiar; mas, como ele é provocado artificialmente, as pessoas ficam em condições mais deploráveis do que nunca. A droga lhes proporciona, momentaneamente, uma nova sensibilidade; quimicamente produz uma alteração temporária na estrutura das células cerebrais. Nesse estado as coisas são experimentadas com muita clareza, com muita intimidade; não há separação alguma, devido à total ausência do pensamento, na forma do EU, com todas as suas memórias. Quanto mais e experimenta dessa maneira, tanto mais desejadas se tornam as drogas, para as pessoas poderem manter-se naquele estado.

(...) Quando compreendemos integralmente a natureza do tempo e do pensamento, deles nos desembaraçamos, não há então nenhuma necessidade de buscar o significado da vida. Há, então, um estado completamente diferente, não produzido pelo pensamento, estado que naturalmente não se pode explicar por meio de palavras. Quanto mais o explicamos por meio de palavras, tanto menos significativo ele se torna. Mas, quando realmente o encontramos a mercê da observação, esse estado mental, decerto, é a mente libertada. Nada tem que ver com qualquer crença organizada, qualquer dogma.  

Jiddu Krishnamurti — A essência da maturidade — ICK

Pensador, Observador e Pensamento, Coisa Observada

A liberdade não é uma idéia, uma filosofia. A liberdade não existe quando a mente está aprisionada no pensamento. (…) O pensamento é a resposta da memória, do conhecimento e da experiência, é sempre produto do passado e não pode criar liberdade (…)(O Mundo Somos Nós, pág. 15)

Como provocar então psicologicamente, interiormente, essa mudança radical (…) fundamental, se ela não acontece por meio de um estímulo, nem por meio da análise e da descoberta da causa? Uma pessoa pode facilmente saber por que é que está encolerizada, mas isso não faz com que ela deixe de se encolerizar. (Idem, pág. 17)

Quando se aprofunda essa questão, surge o problema inevitável do “analisador” e daquilo que é “analisado”, do “pensador” e do que é “pensado”, do “observador” e do “observado”, e o problema de saber se essa divisão (…) é real, (…) um problema de fato, e não uma questão teórica. (O Mundo Somos Nós, pág. 18)

Será o “observador” - o centro a partir do qual se olha, se vê, se ouve — uma entidade conceitual que se separa a si mesma do “observador”? Quando se diz que se está encolerizado, será a cólera diferente da entidade que sabe que está encolerizada? Estará essa violência separada do “observador”? A violência não faz parte do “observador”? (…) (Idem, pág. 18)

O “observador”, e o “eu”, o “ego”, o “experimentador”, o “pensador”, será diferente do pensamento, da experiência, da coisa que ele observa? Quando olhamos uma árvore, alguma vez a olhamos realmente? Ou será que a olhamos através das imagens pertencentes ao conhecimento adquirido, à experiência passada? (Idem, pág. 18)

Se existe uma divisão entre o “observador” e o “observado”, essa divisão é a origem de todo o conflito humano. Quando dizeis que amais alguém, será isso amor? Não haverá, nesse amor, o “observador”, de um lado, e do outro a coisa amada, o “observado”? Esse “amor” é produto do pensamento. (…) (O Mundo Somos Nós, pág. 19)

Vejamos a questão de maneira diferente. Vive-se no passado, todo o conhecimento é do passado. (…) A nossa vida está essencialmente baseada no ontem, e o “ontem” torna-nos impermeáveis, rouba-nos a capacidade da inocência, da vulnerabilidade. Assim, o “ontem” é o “observador”; no “observador” estão todas as camadas do inconsciente, assim como o consciente. (O Mundo Somos Nós, pág. 19-20)

Uma das causas principais do conflito é a existência de um centro, um ego, um “eu”, resíduo de todas as lembranças, (…) experiências, (…) conhecimentos. E esse centro está sempre tratando de ajustar-se ao presente ou de absorvê-lo (…) O que ele já conhece é todo o conteúdo de milhares de dias pretéritos, e com esse resíduo procura enfrentar o presente. (…) E nesse processo do passado, que traduz o presente e cria o futuro, se acha aprisionado o “eu”, o ego. E nós somos isso. (O Passo Decisivo, pág. 112)

Assim, a fonte do conflito é o “experimentador” e a coisa que está “experimentando”. (…) Enquanto houver separação entre pensador e pensamento, experimentador e coisa experimentada, observador e coisa observada, tem de haver conflito. (…) Ora, pode-se anular essa divisão ou separação, de modo que sejais o que vedes, sejais o que sentis? (O Passo Decisivo, pág. 112)

Se você está prestando atenção, o que ocorre? Não há o “você” prestando atenção. Não há um centro que diga: “Estou prestando atenção”. (…) Se você está sério e prestando atenção, logo descobrirá que todos os seus problemas se foram, pelo menos no momento. Resolver problemas é prestar atenção. (…) (Perguntas e Respostas, pág. 67)

Digo: “Eu penso”. O pensamento é diverso da entidade que diz: “estou pensando”? Dizemos que as duas coisas são separadas, que o “eu” pensa ser diferente do pensamento. Presumimos que o “eu” vem em primeiro lugar; o “eu”, o “ego” é o pensador; primeiro este, depois o pensamento, a mente. Separamos, pois, o “eu” e a mente. Mas, isso é um fato? (…) (As Ilusões da Mente, pág. 114)

(…) Só depois de eliminado o pensante, se manifesta a Realidade. Essa unidade indivisível do pensante e do pensamento é para ser conhecida. Esse conhecimento traz-nos libertação; existe nele uma alegria inexprimível. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 24-25)

Análise implica divisão - o analista e a coisa a analisar. Não importa se sois vós mesmo que vos analisais, ou se é um especialista quem o faz - de qualquer maneira há divisão e, por conseguinte, já temos o começo do conflito. (…) Eis por que tanto importa compreender o “processo” da análise, a que a mente humana está apegada há tantos séculos. (A Questão do Impossível, pág. 32)

Dentre os numerosos fragmentos em que nos achamos divididos, um assume a função de “analista”; a coisa que se vai analisar é outro fragmento. Esse analista se torna o “censor”; com seus conhecimentos acumulados, avalia o bom e o mau, o certo e o errado, o que deve ou não deve ser reprimido, etc. Outrossim, o analista tem o dever de fazer análises completas (…) (Idem, pág. 32)

Como já vimos, há separação entre o analista e a coisa a analisar, entre o observador e a coisa observada; esta é a causa básica do conflito. Quando observamos, sempre o fazemos com base num centro, em nosso fundo de experiência e conhecimento; o “eu”, como católico, comunista ou “especialista” - está observando. Há, assim, separação entre “mim” e a coisa observada. (…) Há, pois, “observador” e “coisa observada”; nessa divisão produz-se, inevitavelmente, contradição. Essa contradição é a raiz de todas as lutas. (Idem, pág. 33)

Ora, é o pensante diferente do seu pensamento? Se cessa o pensamento, onde fica o pensante? Se fossem retiradas as qualidades do pensante, do “eu”, continuaria ele a existir? Assim, os pensamentos são o pensante, não estão separados. (…) O pensante separou-se de seus pensamentos para proteger-se (…) No momento em que o pensante começa a modificar-se, deixa de existir. (Da Insatisfação à Felicidade, pág. 103)

Quando uma pessoa se analisa, há sempre “o analisador” e “a coisa analisada”. O analisador é aquele que está a olhar do lado de fora - a julgar, a avaliar, a controlar, a reprimir, etc. Mas será possível uma pessoa ver-se intimamente, como realmente é? Ou seja, poderá a pessoa olhar para si mesma sem o pensador, o observador - o observador que está sempre de fora, que é o censor, a entidade que avalia, que diz “isto está certo”, “isto está errado”, “isto deveria ser”, “isto não deveria ser” - o que torna a observação muito limitada e meramente de acordo com o condicionamento social, ambiental e cultural. (O Mundo Somos Nós, pág. 126)

Os pensamentos criaram o “pensador”, porque os pensamentos são transitórios, e (…) dizemos que o pensador é permanente. Desse modo, na busca de permanência, os pensamentos criaram o pensador. E então o pensador domina os pensamentos e molda-os. (…) Os pensamentos criaram o pensador (…) Ao ser percebida a verdade a esse respeito, não há mais o controlar dos pensamentos, (…) só há o pensar. Se digo tal coisa e ela é compreendida, nisso já há uma revolução extraordinária; porque então já não existe o “pensador” (…) Perceber a verdade a esse respeito é o começo da meditação. (…) (O Problema da Revolução Total, pág. 126)

E possível, pois, olhar-se não analiticamente e, portanto, observar sem que seja o “eu” aquele que observa? Quero compreender a mim mesmo e sei que o “eu” é muito complexo; é uma coisa viva, não algo morto; é uma coisa viva, vital, em movimento, não apenas um acúmulo de recordações, experiências e conhecimentos. (…) Pois bem: é possível olhar sem o observador que olha a coisa observada? (…) (El Despertar de la Inteligencia, pág. 116)

Se é o observador quem olha, então deve fazê-lo mediante a fragmentação, a divisão, e onde há divisão - dentro e fora de si mesmo - deve haver conflito. No externo, os conflitos nacionais, os religiosos, os econômicos, e, no interno, está este campo imerso, não só no superficial, senão na área dilatada acerca da qual nada sabemos. De modo que, se no ato de olhar existe essa divisão entre o “eu” e o “não eu”, entre o observador e o observado, o pensador e o pensamento, o experimentador e a experiência, então tem de haver conflito. (Idem, pág. 116)

Como se pode observar sem o “observador”, sendo este o passado, a imagem? (…) O “fabricante” de imagens é o observador, e perguntamos se podeis observar vossa esposa, a árvore, vosso marido, sem a imagem, sem o “observador”. Para se saber a resposta, impende descobrir o mecanismo formador de imagens. Que é que cria as imagens? Se o descobrirdes, jamais criareis imagens e podereis observar sem o “observador”. (O Novo Ente Humano, pág. 115)

Vós me injuriais; se, nesse momento, houver “percepção total”, não haverá registro, não tenho vontade de bater-vos ou de xingar-vos, estou passivamente cônscio do insulto e, por conseguinte, não há formação de imagem. A primeira vez (…) ficai totalmente cônscio, e vereis como a velha estrutura do cérebro se torna quieta (…) O “registrador” não faz nenhum registro (…) O ver dessa maneira é o verdadeiro estado de uma relação. Por conseguinte, a mente capaz de observar com clareza é também capaz de observar o que é a Verdade. (Idem, pág. 115-116)

Se se percebe que essa é a causa básica do conflito, logo se pergunta: Pode-se observar sem o “eu”, o “censor”, sem nenhuma de nossas experiências acumuladas, de aflição, conflito, brutalidade, vaidade, orgulho, desespero, que constituem o “eu”? Podeis, sem o passado - memórias, conclusões e esperanças, trazidas do passado - observar sem esse background? Esse background, sendo o “eu”, o “observador” - separa-vos da coisa observada. (A Questão do Impossível, pág. 33)

Mas, podeis olhar-vos interiormente sem “observador”? Tende a bondade de olhar-vos - vosso condicionamento (…) educação (…) maneira de pensar (…) conclusões e preconceitos - sem nenhuma espécie de condenação, explicação ou justificação - observando, apenas. Quando assim se observa, não há observador e, por conseguinte, não há conflito algum. (Idem, pág. 33)

Esse modo de vida difere totalmente do outro: não é o oposto do outro, nem uma reação a ele; é diferente. Nele, há liberdade infinita, abundante energia e paixão. Ele é observação total, ação completa. (…) (Idem, pág. 34)

Por certo, (…) ao compreendermos de maneira completa a natureza da nossa mente, desaparece, então, inevitavelmente, a divisão entre o “pensador” e o pensamento, desaparece o “observador” que está a observar aquela ansiedade ou temor e a esforçar-se por vencê-lo. Só há, então, aquele “estado de ser” que é o temor, ou a ansiedade, ou a solidão; não há mais o “observador” do temor. (A Renovação da Mente, pág. 41)

Essa integração do “pensador” e do pensamento só se realiza quando a mente abandona de todo as fugas e não mais se esforça para encontrar uma solução. Porque, qualquer movimento por parte da mente para compreender o problema central há de basear-se no tempo, no passado. E o tempo só vem à existência quando há temor e desejo. (Idem, pág. 42)

Cabe-nos, por conseguinte, observar esse processo dualista em ação, em nosso interior: a divisão em “eu” e “não eu”, observador e coisa observada. Foi o pensamento que efetuou essa divisão. É ele quem diz: “Estou insatisfeito com o que é, e só poderei satisfazer-me com o que deveria ser. (…) (Palestras com Estudantes Americanos, pág. 90)

Existe, pois, em cada um de nós, esse processo dualista, contraditório. Esse processo é um desperdício de energia. (…) Por que existe esse esforço constante: o que é e o que deveria ser? (…) O observador é sempre o passado: nunca é novo. A coisa observada pode ser nova, mas o observador a traduz sempre de acordo com o “velho”, o passado, e, assim, o pensamento nunca poderá ser novo e, portanto, livre. (Idem, pág. 90-91)

Assim, é possível a mente libertar-se do “observador”, do “censor”. Afinal, o “observador”, o “censor” é o “eu”, que quer sempre mais e mais experiência. Tive todas as “experiências” que este mundo pode proporcionar. Por conseguinte, desejo novas experiências noutro nível, a que chamo “o mundo espiritual”; mas o “experimentador” continua existente, o observador subsiste. (…) E pode o “experimentador”, o “eu”, deixar de existir completamente? Porque só então é possível a mente esvaziar-se e surgir o novo, a Verdade, a Realidade criadora. (O Homem Livre, pág. 156)

Quando um indivíduo descobre o que realmente é, ele se pergunta: “É ele mesmo, o observador, diferente do que observa?” - psicologicamente falando (…) Eu estou irado, cobiçoso, violento; é isso diferente da coisa observada, que é a ira, a cobiça, a violência? (…) Obviamente não é. (…) Portanto, eu sou a ira, o observador é o observado. A divisão é ilimitada por completo. O observador é o observado e, por conseqüência, o conflito termina. (La Totalidad de la Vida, pág.138)

Se o pensador separa o seu pensamento de si próprio, (…) sobreviverá inevitavelmente o conflito e a ilusão. Não há saída (…), a não ser que se transforme o pensador. Essa completa integração do pensador com o pensamento não é uma expressão verbal, senão uma experiência profunda que só se manifesta quando o pensador já não está colhido na oposição dualista.

Pelo autoconhecimento e pela meditação correta, verifica-se a integração do pensador com o pensamento (…) Na verdadeira meditação, o sujeito que se concentra é a própria concentração; (…) Na verdadeira meditação, não está o pensador separado do pensamento (…) É só então que há criação (…) eternidade. (…) (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 147-148)

Quando há “experimentar”, não há o que experimenta nem a coisa experimentada. Nesse “estado de experimentar”, que é sempre novo, que sempre é ser (…) o indivíduo sabe que a palavra não é a experiência, (…) não é a coisa, (…) nenhum conteúdo tem; só a própria “experiência” é repleta de conteúdo. (O que te fará Feliz, pág. 125-126)

O “experimentar” não é, pois, verbalização. “Experimentar” é a mais elevada forma de compreensão, porquanto é a negação do pensar. A forma negativa de pensar é a mais elevada forma de compreensão; e não pode haver pensar negativo, quando há verbalização do pensamento. (…) (Idem, pág. 126)

Não se trata, pois, absolutamente, de controlar e pensamento, mas de se ficar livre do pensamento. É só quando a mente fica livre do pensamento, que há percepção daquilo “que é”, do que é eterno, da Verdade. (Idem, pág. 126)

(…) O observador vê através da imagem, e tem continuidade no tempo. Portanto, não pode ver nada novo. Se olho a minha esposa com a imagem de anos, e a isso chamo relação, nada de novo há nisso. (El Despertar de la Inteligencia, pág. 119)

É possível então ver algo novo sem o observador? O observador é tempo. Posso olhar “o que é” não fragmentado, sem o observador, que é tempo? Pode haver uma percepção sem aquele que percebe? (Idem, pág. 119)

Como há de olhar-se um indivíduo? É possível olhar-se de modo total, sem a divisão entre o consciente e as camadas profundas da consciência, das quais talvez nem sequer nos damos conta? É possível observar, ver todo o movimento do “eu”, do “mim mesmo”, de “o que sou”, com uma mente não analítica, de modo tal que, no observar a mim mesmo, haja instantaneamente uma compreensão total? (…) (El Despertar de la Inteligencia, II, pág. 116)

Ao percebermos a verdade de que o observador é a coisa observada, não há então dualidade e, por conseguinte, não há conflito (que, como dissemos, é desperdício de energia). Só há então o fato: a mente condicionada. (…) (A Libertação dos Condicionamentos, pág. 34)

Ora, pode-se perceber muito bem que o pensador é resultado do pensamento; porque não existe pensador se não existir pensamento, não há experimentador quando não há experimentar. O experimentador, o observar, o pensar, produz o experimentador, o observador, o pensador. O experimentador não está separado da experiência, (…) do pensamento. (…) O pensamento criou o pensador, como entidade separada, porque o pensamento está sempre a modificar-se, transformar-se, e reconhece a própria impermanência. Sendo transitório, o pensamento deseja a permanência, e cria assim o pensador, como entidade permanente, fora da rede do tempo. (Viver sem Confusão, pág. 23)

Se percebemos a verdade desse fato - isto é, que o pensador é pensamento, que não existe pensador separado do pensamento, mas apenas o processo do pensar - o que acontece? (…) Até aqui, sabemos que o pensador está operando sobre o pensamento, e isso gera conflito entre o pensador e o pensamento; mas, se percebemos a verdade de (…) que o pensador é uma entidade arbitrária, artificial e inteiramente fictícia - que acontece? Não é então afastado o processo do conflito? (…) (Idem, pág. 23-24)

A raiz da contradição é a separação existente entre o pensador e o pensamento. Para a maioria de nós, existe um largo intervalo entre o “observador” e a “coisa observada”, entre o “pensador” e o “pensamento”, entre o “centro que experimenta” e a “coisa que se experimenta”; e é esse intervalo, vão ou demora, que é a verdadeira fonte da contradição. (O Descobrimento do Amor, pág. 68)

Temos, pois, de compreender a vida totalmente, para nos libertarmos de nosso sofrimento. (…) O viver não é então diferente do morrer. Não existe então esse vão, esse largo intervalo de tempo criado pelo “pensador”, (…) sempre a gerar medo. Compreender o que é viver, é morrer todos os dias, sem discussão, para toda aflição, (…) problemas, (…) prazeres (…) (Idem, pág. 71)

Devemos, pois, compreender a natureza da autocontradição, e só podemos compreendê-la observando a integral estrutura do “pensador” com seus pensamentos - o pensador que, como censor, está a criar uma perene contradição entre si próprio e a coisa que em si mesmo observa. Por conseguinte, a observação do que é, exige muita seriedade (…) (O Descobrimento do Amor, pág. 71)

Quando o “observador” é o “observado”, então o conflito cessa. Isso acontece (…) em circunstâncias de grande perigo, na qual não há “observador” separado do “observado”; há ação imediata, há uma resposta instantânea nessa ação. (…) Há uma transformação imediata, psicologicamente, interiormente, quando a divisão entre o “observador” e o “observado” deixa de existir. (O Mundo Somos Nós, pág. 19)

Quando uma pessoa diz que tem medo, é o observador que diz “tenho medo” e deseja fazer alguma coisa a respeito do medo. (…) O observador é a coisa observada. O observador, o centro, com seu pensamento, suas lembranças aprazíveis e dolorosas, criou esse medo e o colocou fora de si próprio. Há conflito entre o observador, o centro que diz “devo ser diferente, estou irritado e devo livrar-me da irritação” e a coisa observada. Há separação entre o observador e o objeto observado e, portanto, conflito. (A Importância da Transformação, pág. 79-80)

Seleta de Krishnamurti - ICK

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Quem é a entidade que está "vivendo com o medo"?

Quem é a entidade que está "vivendo com o medo", seguindo-o, observando-o? Quem é o observador e que está ele a observar?... Quem é o observador, quem é que está vivendo, a observar, e a tomar nota de todos os movimentos das diferentes formas de medo, e ao mesmo tempo consciente do fato central — do medo? É o observador uma entidade morta, um ser estático? Não esteve ele a acumular uma enorme quantidade de conhecimentos e informações a respeito de si próprio, a aprender tantas coisas, a ter tantas experiências; e toda essa experiência e conhecimento, essa infinita variedade de solidão e de sofrimento, o passado — tudo isso não é "coisa morta", memória? Não é uma coisa morta que observa e vive com o movimento do medo? O observador é o passado estático, morto, ou é uma coisa viva? Qual a resposta? Sois a entidade morta que observa o que é vivo? Ou sois uma entidade viva a observar uma coisa viva? No observador existem os dois estados. Quando observais uma árvore, vós a observais com o conhecimento botânico dessa árvore e observais também o movimento vivo da árvore, o vento a soprar por entre os ramos, a agitar as folhas e o tronco. Ela é uma coisa viva e estais a olhá-la com o conhecimento acumulado a respeito dessa árvore; e esse conhecimento é "coisa morta". Ou estais a olhá-la sem nenhum conhecimento acumulado e, portanto, vós, como entidade viva, estais olhando uma "coisa viva". O observador é tanto o passado como o presente vivo; o observador é o passado a tocar o presente vivo.


Vejamos a coisa mais de perto. Quando vós, o observador, olhais para a vossa esposa, vosso amigo, estais a observar com as memórias de ontem, estais consciente de que o passado está contaminando o presente, ou estais observando como se não existisse nenhum ontem? O passado está sempre a projetar sua sombra no presente, a memória do passado: o que "ela" me disse, o que "ele" me disse: o prazer, a lisonja ontem fruída, o insulto ontem sofrido. Essas memórias tocam e desfiguram o presente. O observador é passado e presente, é um ente meio-morto, meio-vivo, e é neste estado de vida-morte que ele olha.

Existe um observador não pertencente ao passado nem ao presente, considerados como tempo? Que existe o observador que vem do passado, está bastante claro — a imagem o símbolo, a ideia, as ideologias, etc. — o passado. Entretanto, ao mesmo tempo ele está ativamente presente, ativamente examinando, olhando, observando, escutando. Esse escutar, esse olhar é influenciado pelo passado, e o observador se encontra ainda dentro do campo do tempo. Quando ele observa o objeto — o medo ou outra coisa qualquer — dentro do campo do tempo, não está vendo a totalidade do medo. Ora, pode o observador "passar além", de modo que (ele) não seja passado nem presente: seja a coisa observada, a "coisa viva"? Esta é a verdadeira meditação.

É muito difícil exprimir em palavras a natureza daquele estado mental no qual existe não só o passado, como observador, mas também o observador que está observando, escutando, porém com um capítulo, uma raiz no passado. Por isso que o observador vive no passado e no presente (que é influenciado pelo passado), existe a divisão entre "observador" e a "cosia observada". Essa divisão, esse espaço, esse intervalo de tempo entre o observador e a cosia observada, só pode terminar quando existe uma outra "qualidade" não pertencente ao tempo, não pertencente ao passado nem ao presente; porque só então o observador é a coisa observada — o que não constitui um processo de identificação com a coisa observada.

(...) É necessário compreender o observador e não a coisa observada, que tem muito pouco valor. O medo tem, com efeito, insignificante valor, quando nele refletimos; o que tem valor é a maneira como olhamos o medo, o que fazemos ou o que não fazemos com o medo. A análise, a pesquisa da causa do medo, o eterno indagar, perguntar, sonhar — tudo isso constitui o observador; portanto, a compreensão do observador tem mais valor do que a compreensão da coisa observada. Quando se olha o observador — que é "nós mesmos" — vemos não só que esse "nós mesmos" é do passado, constituído que é de memórias mortas, esperanças, "culpa", saber, mas também que todo o saber se acha no passado. Quando digo "Conheço-te", isso significa que te conheço como ontem eras; não te conheço realmente agora. "Nós mesmos" é o passado; vivemos no presente contaminado pelo passado, sob a sombra do passado, enquanto o amanhã nos aguarda. Isso também faz parte do observador, está compreendido no campo do tempo — tempo no sentido de ontem, hoje e amanhã. Eis tudo o que sabemos, e nesse estado mental, de observador, olhamos o medo, o ciúme, a guerra, a família — aquela entidade enclausurante chamada "família". Com isso vivemos. O observador está sempre a tentar resolver o problema da coisa observada, a qual é o desafio, o novo, estamos sempre a traduzir o novo nos termos do "velho"; e vemos-nos, perpetuamente, até o fim da vida, em conflito.

Não é possível compreender intelectualmente, verbalmente, por meio de argumentos ou explicações, um estado mental no qual o observador já não tenha espaço entre si e a coisa observada; no qual o passado não esteja mais a interferir, em nenhum momento. Entretanto, é só então que o observador é a coisa observada e que o medo termina totalmente. Enquanto existe medo, não há amor. Que é o amor? Há inúmeras explicações do amor: sexo, pertencer a alguém, não ser dominado por alguém, ser nutrido psicologicamente por outrem, tudo o que se pensa em torno do sexo. É isso o que, em geral, se entende por "amor"; mas nesse amor há sempre ansiedade, ciúme, "culpa". Ora, onde existe um tal conflito, não existe amor. Isso não é um aforismo para decorar, porém um fato que devemos observar por nós mesmos. O que quer que façamos, enquanto existir o medo, enquanto existir qualquer forma de ciúme, de ansiedade, não haverá possibilidade de amar. O amor nada tem em comum com o prazer e o desejo; o prazer anda de par com o medo e, é bem óbvio, a mente que vive com medo estará, sempre e necessariamente, a buscar o prazer. O prazer só tem o efeito de aumentar o medo. Vemo-nos, pois, aprisionados num círculo vicioso. Pelo percebimento desse circulo vicioso, pelo observá-lo, pelo "viver com ele", sem jamais procurar saída (pois o círculo vicioso não se rompe pelo simples fato de fazermos alguma coisa em relação a ele), quebrá-lo-eis. Não há então prazer; não há desejo ou medo; há então uma coisa que se chama "amor".

Krishnamurti – Saanen, 20 de julho de 1967
Extraído do livro: Como viver neste mundo - ICK

domingo, 27 de janeiro de 2013

Se você estiver ciente sem escolha.

Fique simplesmente ciente; isto é tudo o que você tem de fazer, sem condenar, sem forçar, sem tentar mudar aquilo do qual você está ciente. Então você verá que é como a maré que está subindo. Você não pode evitar que a maré suba; construa um muro ou faça o que você quiser, ela virá com tremenda energia. Da mesma forma, se você estiver ciente sem escolha, o campo todo da consciência começa a manifestar-se. E enquanto ele for se revelando, você tem de seguir; e o ato de seguir torna-se extraordinariamente difícil - seguir no sentido de seguir o movimento de todo pensamento, de todo sentimento, de todo desejo secreto. Torna-se difícil no momento em que você resiste, no momento em que você diz "isso é feio", "isto é bom", "isso é ruim", "isto eu vou manter", "isso eu não vou manter."

Krishnamurti. The Collected Works vol XV, p 85

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Liberte-se do sistema “messiânico”

Dom Peps: e ai Out?

Outsider: estamos ai!

D.P: você está na padaria?

Out: em casa.

D.P: ok

Out: como você está?

D.P: estou indo!

Out: Está em casa?

D.P: Só na observação sem o observador.

Out: como assim? Iluminou?

D.P: nada!

Out: vi que você teve uns surtos de sanidade... ahahaha

D.P: as vezes dá uma luz.

Out: Nossa conversa gerou reflexão.

D.P: sim, claro!

Out: A galera deu retorno pelos comentários no Youtube... Foi além mar!

D.P: potencializa!

Out: um carinha de Portugal se identificou com nossa conversa.

D.P: sério? Que legal! Sinal que não estamos viajando !

D.P: fico contente que tem pessoas nos ouvindo; as nossas conversas realmente tem causado efeito; vejo que isso vai acordar as pessoas.

Out: sim, talvez!

D.P: vai ficar gravado para posteriores gerações.

Out: está ocorrendo uma expansão de conscientização, graças a Net, talvez, como nunca antes na história humana.

D.P: verdade.

D.P: Vejo que temos um papel fundamental...

Out: o papel fundamental que temos é conosco mesmo!

D.P: sim, claro! Sem recompensa!

Out: se libertar desse "eu" que pensa ter um papel fundamental; esse "eu" é uma falácia, um engodo, uma mentira!

D.P: sim, concordo!

Out: E vejo que é profundamente difícil, dele, abrir mão.

D.P: esse eu que engana a nós mesmos!

Out: ele parte da inadaptação social para tentar se adaptar como uma “entidade”, uma “entidade consciente”; ele parte de uma entidade sem consciência para tentar se mostrar como uma entidade profundamente consciente e, o pior de tudo, dizendo que essa consciência livresca, é de sua propriedade.

D.P: concordo!

Out: ele parte de uma entidade ignorante, para uma entidade cheia de conhecimentos colhidos de terceiros, se apropriando como fosse de sua própria inteligência; aliás, ela não tem nada de inteligência... Os "flashs de lucidez" ocorrem quando ela momentaneamente desaparece

D.P: sim, claro!

Out: ai ela chega e já quer assinar como se fosse de sua autoria, tal percepção lúcida.

D.P: concordo com você!

Out: é uma merda!

D.P: essa entidade é sagaz!

Out: pra cacete!

D.P: ela não quer ser anônima! Ela precisa aparecer; tem que ser a dona da mensagem!

Out: de certo modo, penso que, nesse processo, onde ela tenta se afirmar através do conhecimento alheio, sem que ela se perceba, através desse conhecimento, que abre espaço para a retomada da Consciência que somos, essa entidade vai entrando num processo de "egocídio".

D.P: mas ela não quer morrer; ela vai tentar de tudo pra viver.

Out: sim!... Estou atravessando isso; um período em que tenho tido, digamos assim, "baixas emocionais" que se parecem com a dor de luto; como se algo estivesse morrendo.

D.P: ela vai lutar até o fim...

Out: no entanto, a percepção do movimento do ego está muito forte, muito rápida; quase que “no pulo do gato”. Ainda ocorrem momentos em que o ego, o pensamento, a entidade, consegue criar aquele estado de "torpor mental", de hipnose momentânea, onde ocorre o devaneio, com suas somatizações físicas, como por exemplo, a profunda ansiedade. Só que, ao contrário de antigamente, não há nenhum movimento para deter a manifestação da ansiedade, ao contrário, o que ocorre, é um "sentar-se com a ansiedade", vendo-a, observando-a, tornando-se consciente de seu processo no tempo, na ponte do tempo psicológico, passado-futuro. Essa percepção desmonta o processo de ansiedade e não deixa marcas na memória. Portanto, não “cristaliza” o ego, mas sim, o espaço da consciência. Acho que a palavra melhor seria, “fundamenta", ao invés de "cristalizar".

D.P: ok!

Out: está ocorrendo um processo de "reparação", no sentido de reparar, ver o modo como essa entidade funcionou durante toda uma existência sem consciência; de perceber a enorme quantidade de auto-enganos, de escolhas irrefletidas, inconscientes e, muitas delas, inconsequentes.

D.P: entendo!

Out: há uma reparação da realidade da formação psíquica dessa entidade: medo, vergonha, inveja, ressentimento, ansiedade, luxúria, lascívia, maledicência, desejo de retalhação...

D.P: sim, claro!

Out: ...desejo de vingança, busca de segurança e prestígio; uma entidade autocentrada profundamente interesseira, que só se preocupa com o outro, se esse outro, de algum modo supre alguma de suas necessidades veladas.

D.P: exatamente!

Out: nessa reparação, há a percepção do total desconhecimento do que vem a ser AMOR, do que vem a ser a genuína COMPAIXÃO.

D.P: exato!

Out: há a percepção de que nunca houve um estado de ser cujo interesse pelo outro fosse totalmente desacompanhado de qualquer forma de auto-interesse.

D.P: as vezes, as pessoas confundem compaixão com piedade.

Out: deixemos as pessoas para lá; fiquemos com o foco só em nós dois... Isso é uma das maquinações do ego: desfocar!... Apontar para fora... Externalizar.

D.P: concordo!

Out: percebo nitidamente, que essa entidade sempre funcionou no sentido da busca da “satisfação sensória” e que nunca mediu esforços para conseguir suprir essa necessidade sensória. Desse modo, com todos que "pensou" manter contato, acabou usando-os como um meio a ser descartado quando do fim.

D.P: só pelo interesse: conta-se um enredo para depois chegar ao objetivo final.

Out: sim.

D.P: Ao suprir-se de prazer, logo, descarta-se “a preza”...

Out: mas é algo dotado de uma mínima consciência, sem contudo a consciência da CONSCIÊNCIA.

D.P: exatamente!

Out: os instintos naturais ficam a mercê das exigências descabidas do ego, da entidade, que precisa da "sensação" momentânea para que ocorra, digamos assim, um auto-esquecimento.

D.P: e essa sensação, fica sendo prolongada no tempo.

Out: sim, através da memória.

D.P: repetindo uma espécie de padrão comportamental.

Out: Sim! Esse padrão, quando se manifesta, "dispara" a busca de segurança e mais sensação; isso é factual!

D.P: igual o cachorro do Pavlov!

Out: sim! Exato!

Out: o fato é que, como dizia Gurdjieff , é que essa entidade tem sua base na mentira, ou seja, numa "mente irada", não numa mente amorosa, numa mente conscienciosa; uma mente iluminada por uma consciência amorosa, inteligente e criativa, de modo algum faz uso do outro, uma vez que esta não mais enxerga essa dualidade "eu-outro". Para ela, não há mais a ocorrência da chamada "Ilusão de separatividade"; para ela já não há mais aquela medição do tipo: "não farei com o outro aquilo que não quero que façam comigo!" Vejo que nessa afirmação, ainda encontra-se o medo, encontra-se a percepção de alguém não livre do medo e da busca de segurança, portanto, ainda há um espaço entre observador e coisa observada.

D.P: sim, claro!

Out: Essas percepções vão ocorrendo e, com elas, a instalação dessa Consciência que somos, a qual traz a genuína maturidade, que nada tem a ver com a questão da idade cronológica, mas sim, com o despertar da inteligência, até então, sufocada pelo entulho do condicionamento que dá origem a essa entidade autocentrada. E isso não se dá pelo processo de desejo, ou de esforço pessoal, mas sim, na espontânea manifestação de um estado ausente de desejo e de esforço. Ocorreu-me como exemplo, o efeito de uma vacina... Depois que você toma determinada vacina, não há nenhuma preocupação com a sua ação no corpo; você segue sua vida, enquanto a vacina segue sua limpeza e seu trabalho de “imunização interior”. Acho que a percepção, a reparação, funciona do mesmo modo: ela, de certo modo, cria esse processo de imunização diante das constantes influências, sejam elas exteriores ou interiores, influências essas que tem como função manter a continuidade da identificação ilusória com essa entidade autocentrada.

D.P: sim, claro! Na sua opinião, qual é a origem do pensamento?

Out: experiência memorizada condicionante; veja a criança: é pura! Começa, através do contato com “entidades cristalizadas”, a ter experiências condicionantes, as quais se estabelecem na memória, formando imagens, símbolos, que se cristalizam em forma de pensamento, que a seu tempo, se tornará pensamento manifesto através da “palavra”. A palavra, por sua vez, — que é pensamento — criará maior cristalização ainda. Faz sentido para você?

D.P: sim! E na sua opinião, o “sistema” usa isso?

Out: Isso é o sistema! Não existe isso de um sistema isolado fazendo uso disso - eu e você somos esse sistema! Somos esse sistema, seja ele se manifestando como "sistemaziado ao máximo ou ao mínimo".... Você é o sistema! A entidade que você pensa ser é o sistema, funcionando numa determinada forma do sistema comportamental. Veja: qual a diferença de um banqueiro que quer se apossar da sua energia financeira e dessa entidade que você pensa ser, quando esta quer se apossar da energia sexual de uma mulher, sem nenhum comprometimento?

Out: não há!

Out: Pois bem: trata-se da mesma “energia sistêmica” agindo em palcos diferentes. Ciente disso, vejo essa preocupação com o sistema, mais um mecanismo de fuga utilizado pela entidade para assim, autoperpetuar-se. A entidade É o sistema!

D.P: Verdade!

Out: Precisamos que ocorra um "desplugar"... Lembra-se do filme Matrix?

D.P: sim!

Out: antes do personagem “Neo” ter o início do seu processo de "desplugar", ele se depara dentro de uma espécie de cápsula de onde OBSERVA toda sistematização sonambúlica, lembra-se? Ai vem uma máquina e o pega pelo pescoço, mantendo a cabeça e o olhar fixos numa só direção... É aí que começa o “processo de desplugar”... em SI e não no assim chamado "sistema"!

D.P: sim!

Out: uma metáfora que aponta para a conscientização de que o trabalho é com a “cabeça do freguês" e não com a cabeça da sociedade.

D.P: sim!

Out: há que se ter a consciência de que, nesse processo de resgate da Consciência que somos, o ego vai querer vestir a capa "Messiânica", ou seja, do paladino da justiça, do salvador do mundo, do libertador do sistema.

D.P: verdade!

Out: muita gente cai nessa. Não sei se você já teve a triste mas educativa oportunidade de adentrar num sanatório...

D.P: ainda não.

Out: tem muita gente que é internada pensando ser um salvador, pensando ser Jesus ou outra figura messiânica qualquer; e tem muita gente aqui fora, neste imenso hospício que é a sociedade, se imaginando iluminado, se imaginando portador de uma poderosa mensagem de cura, se imaginando livre de qualquer tipo de questionamento, livre de qualquer resquício de ego. Talvez, quem sabe, existam de fato esses totalmente livres da ilusória identificação com a entidade, mas, até aqui, vivos, confesso que desconheço! O que se vê — assim como eu e você — são egos "esclarecidos" pelo conhecimento de segunda mão...

(Dom Peps não pode receber a mensagem pois está OFF-LINE)

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill