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quarta-feira, 4 de setembro de 2013

A Verdade não está nas citações alheias

(...) Por que você faz citações e por que faz comparações? Você costuma dizer: “Citando, posso comparar e compreender”; mas você cita porque, na sua mente, você não é mais que citações... Um disco de gramofone repete o que outra pessoa disse. Isso tem algo de vital na busca da verdade? Você compreende citando a Bíblia ou outro livro qualquer?

Nenhum livro é sagrado, asseguro-lhe; assim como um jornal, são só palavras impressas em papel, não há nada de sagrado nem num nem noutro.

Ora, você cita, porque pensa que, citando e comparando, compreende o que estou dizendo. Compreendemos alguma coisa por meio da comparação, ou só vem a compreensão quando atentamos diretamente para o que se diz? Quando você afirma que a Bíblia já o disse, ou que outro qualquer já o disse, o que realmente está ocorrendo  no seu “processo” psicológico? Afirmando o que outra pessoa já disse, você não precisa mais pensar no caso, não é verdade? Você pensa que compreendeu a Bíblia; e quando você compara o que a Bíblia disse com o que estou dizendo, você acha que é a mesma coisa e não dá mais atenção o problema. Isto é, quando você compara, está, na verdade, procurando um estado no qual não seja perturbado. Afinal de contas, se você leu a Bíblia ou o Bhagavad Gita, e pensa tê-los compreendido, pode dar-se por satisfeito, e ficar a repetí-los, e isso não terá efeito algum em sua vida diária; pode continuar a ler e a citar, sem ser perturbado, em perfeita segurança. Você é então uma pessoa muito respeitável e pode continuar com seu estúpido e monstruoso modo de vida; e se vem alguém e lhe chama a atenção para alguma coisa, imediatamente você compara o que ele diz com aquilo que você leu, e pensa tê-lo compreendido. Na verdade, você está evitando perturbações; e é por isso que você compara, e é isso que eu reprovo.

Não sei se o que estou dizendo é novo ou velho; não me interessa saber se alguém já o disse ou não; o que verdadeiramente me interessa é descobrir a verdade de todo e qualquer problema — não de acordo com algum livro tido como sagrado. Quando procuramos a verdade de um problema, é estúpido repetir o que outros disseram. — Senhor, isto aqui não é uma conferência política, e fundamentalmente, a questão é a seguinte: pode-se compreender alguma coisa por meio de comparação? Compreendemos a vida, se temos a mente cheia de coisas ditas por outras pessoas, se seguimos a experiência, o saber alheio? Ou só vem a compreensão quando a mente está quieta? — mas não quando foi aquietada, porque isso é estar insensibilizada. Com o indagar, procurar, perscrutar, a mente se torna, inevitavelmente tranquila e então o problema revela todo o seu significado; e só quando a mente está tranquila se dá a compreensão do significado do problema, e não quando estamos constantemente comparando, citando, julgando, pensando. Positivamente, Senhor, o homem de saber, o letrado, nunca pode conhecer a verdade; pelo contrário, o saber e a erudição devem cessar. A mente precisa ser simples, para compreender a verdade, e não estar cheia do saber de outras pessoas ou de sua própria inquietação. Se você não tivesse livros de espécie alguma, se não tivesse os chamados livros religiosos ou sagrados, o que faria para descobrir a verdade? Se você estivesse verdadeiramente interessado em descobri-a, teria de perscrutar o seu próprio coração, teria de procurar os lugares sagrados da sua mente, não é verdade? Teria de observar-se com atenção, de compreender a maneira como a mente funciona; porque a mente é o único instrumento que você possuí, e se você não compreende esse instrumento, como poderá transcende-lo? Certamente, Senhor, os que escreveram os originais dos livros sagrados não podiam ter sido copistas, não é verdade? Eles não citaram palavras alheias. Mas nós citamos, porque os nossos corações estão vazios, porque somos áridos, nada temos de nós. Fazemos muito barulho, e a isso chamamos sabedoria; e com esse conhecimento queremos transformar o mundo, de modo que fazemos mais barulho ainda. Eis porque é muito importante que a mente realmente esteja desejosa de realizar uma transformação fundamental esteja livre de cópia, de imitação, de padrões.

Jiddu Krishnamurti — O que estamos buscando?   




domingo, 1 de setembro de 2013

A pergunta que importa: que sou eu?

Pergunta: Que é autoconhecimento? A tradicional via de acesso ao autoconhecimento é o conhecimento do Atman como distinto do "ego". É isso o que você entende por autoconhecimento? 

Krishnamurti: Senhores, todos vocês são muito lidos, não é verdade? Leram todos os livros religiosos, e foi assim que vieram a conhecer a ideia do ATMAN; do contrário, não teriam nenhuma noção dele. Encontraram essa ideia nos livros, ela lhes agradou, e por isso a adotaram; mas, em verdade, não sabem se o ATMAN existe ou não. Desejam permanência, e o ATMAN a garante-lhes.Suponhamos agora, que vocês nunca tivessem lido um único livro religioso a respeito do ATMAN, o SUPER-ATMAN, e tudo o mais — o que fariam? Poderiam inventar; mas se não tivessem nenhum conhecimento prévio, qual seria a atitude de vocês?... Por outro lado, como sabem que Sancarachária, ou Buda, ou outra autoridade mais em moda, não estão errados? 

(...) Desejam saber o que é autoconhecimento. Não é conhecimento do "ego", não é conhecimento do ATMAN, — não sabem o que isso significa. Só sabem que existem, que são uma entidade em relação com outras pessoas, com sua esposa e seus filhos, com o mundo — é tudo o que sabem. Este é o fato real. Se o ATMAN existe ou não existe, é uma mera teoria, uma especulação e toda especulação é desperdício de tempo; é coisa para os indolentes, os que não pensam. 

Agora, que sou eu? É isso o que importa: que sou eu? Vou verificar o que sou; vou ver até onde posso penetrar, nesse sentido, e ver onde sou levado. Porque, este é que é o fato — e não o ATMAN, o "ego", o SUPER-SUPER-SUPER. Não penso nestas coisas, embora Buda e Cristo e quem mais seja, tenham falado a seu respeito. O que me é possível conhecer são as minhas relações com a propriedade, com pessoas e ideias. Temos, portanto, que o começo do autoconhecimento está na compreensão das relações, e que as relações funcionam em todos os níveis, e não num só nível determinado. Tenho de averiguar o que são as minhas relações com minha esposa, com meus filhos, minha propriedade, a sociedade, as ideias. As relações são o espelho no qual vejo a mim mesmo assim como sou, e o ver-me tal como sou é o começo da sabedoria. A sabedoria não é coisa adquirível nem por meio de livros nem por intermédio de um GURU; isso é mera aquisição de conhecimento, e a sabedoria não é conhecimento. A sabedoria é o começo do autoconhecimento, e vem essa sabedoria quando compreendemos as nossas relações. 

Jiddu Krishnamurti – O que estamos buscando?

domingo, 25 de agosto de 2013

O crente, o cético e o conhecimento

Um indivíduo cético, sério e sincero está em melhores condições do que um crente fanático; refiro-me àquela espécie de crente que não tem senso para ver que todas as religiões são para a humanidade e não a humanidade para as religiões. Tal crente considera suas crenças, não de uma forma despreocupada e conjectural, como algo que possa ser refutado pela real experiência da Verdade — para a qual tais crenças são apenas um meio — mas como a própria e autêntica Verdade. O chamado cético não é assim tão cético se admite que haja algo verdadeiro e que somente esse algo é importante. Pode-se dizer que aquele que é devoto da Verdade é o melhor de todos os devotos. Nenhum crente merece consideração, se não consegue perceber que a Verdade é tudo em tudo, e que as crenças devem ser consideradas sagradas em proveito da própria Verdade, e não em detrimento. Tal crente está em situação pior do que a do cético sério e honesto, porque, em primeiro lugar, é improvável que absorva as indagações formuladas nestes capítulos. Em segundo lugar, se procurar um Sábio vivo e pedir orientação, é provável que interprete mal o que o Sábio lhe diga; pois acontece que, via de regra, os Sábios não ministram da mesma forma a todos os conhecimentos que trazem dentro de si. Escondem as verdades mais profundas daqueles cujas mentes não estão receptivas e aptas, pois uma verdade mal compreendida é mais fatal do que a simples ignorância. Por conseguinte, quem desejar ser totalmente instruído por um Sábio deve estar preparado para colocar de lado as suas próprias crenças. Não deve ficar fanaticamente apegado a qualquer convicção. O discípulo de mente livre de preconceitos, que tem pouco ou nenhum conhecimento livresco, acha-se em melhor condição do que os letrados cujas mentes estão escravizadas por suas crenças.

(...) a investigação do mundo exterior a nada nos poderá levar, exceto à ignorância. Quando procuramos conhecer alguma coisa que não seja a nós mesmos, sem procurarmos conhecer a verdade de nós mesmos, o conhecimento que obtemos provavelmente não pode ser exato.

(...) quem desejar saber a Verdade seja do que for, deve primeiro conhecer-se a si mesmo e com perfeição. Quer dizer que aquele que não se conhece, parte de um erro inicial, o qual deturpa todo o conhecimento resultante de suas investigações. Quem se conhece a si mesmo, no entanto, está livre de tal erro, e somente ele é capaz de encontrar a Verdade do mundo ou do mundo das coisas.

(...) Nos conhecemos? Pensamos que sim. O homem vulgar afirma com convicção que se conhece a si mesmo da forma adequada; e pode ser-lhe impossível chegar a entender que não se conhece, mesmo que o escute de um Sábio. É necessário termos a mente muito adiantada e grandemente purificada para percebermos e reconhecermos que não nos conhecemos a nós mesmos — que as ideias sobre nós mesmos, acalentadas durante tanto tempo, estão erradas. Os Sábios nos dizem que as nossas ideias sobre nós mesmos são um misto de verdade e de erro.

(...) Dizem-nos os Sábios que deixaremos de identificar-nos com o nosso corpo — e assim nos libertaremos de uma vez por todas dos sofrimentos que surgem por intermédio dele — apenas quando alcançarmos a experiência direta do Ser Real. Assim como agora temos experiência direta do corpo, devemos ter experiência direta desse Ser como ele realmente é. Essa ignorância, que nos leva a identificar-nos com o corpo, é um hábito mental arraigado, engendrado na mente durante longo tempo de ações e pensamentos errôneos. Deles surgiram os vários apegos às coisas. Tais hábitos mentais formam a estrutura da mente; e a simples introdução de um pensamento contrário — que é muito fraco, igual a um recém-nascido — fará pouca diferença. A mente fluirá pelos mesmos canais habituais. Continuará sujeita às mesmas atrações e repulsões. E isso acontecerá porque enquanto é possível ao filósofo livresco sentir às vezes que ele não é seu corpo, não pode, com a mesma facilidade, chegar a sentir que não é sua mente. E esta dupla ignorância só terá fim quando conhecermos o Ser — não teórica mas praticamente, isto e, pela experiência real do Ser.

(...) Até surgir essa compreensão, não se pode dizer que o filósofo tenha se descartado de sua ignorância. Ela sobrevive com todo vigor. Seu conhecimento filosófico não faz qualquer diferença em seu caráter. De fato, como assinala o Sábio, o filósofo livresco está até mesmo em piores condições do que os outros homens. Seu coração é assediado por novos apegos — dos quais o iletrado está livre — que não lhe dão tempo para dedicar-se à tarefa de descobrir o Ser Real. Muitas vezes não têm nem mesmo consciência da premente necessidade de se prepararem para tal empreita, harmonizando o conteúdo de sua mente e dirigindo suas energias para o Ser, e não para o mundo. Infere-se daí que, quem conhece o Ser apenas por intermédio de livros, não o conhece mais do que a gente simples. Por essa razão o Sábio compara o filósofo livresco ao gramofone. Não é melhor do que ninguém pela sua erudição, assim como o gramofone não é melhor pelas boas coisas que repete.

(...) Os livros, devemos lembrar, não passam de sinais indicadores na estrada da sabedoria, que nos liberta; logo, essa sabedoria não pode ser encontrada nos livros. O Ser que precisamos conhecer está no INTERIOR e não no exterior. Caso a sabedoria desperte, nessa oportunidade, o Ser, refulgindo em todo o seu esplendor, mostrar-se-á diretamente, sem qualquer agente intermediário. O estudo dos livros porém engendra a ideia de que o Ser é algo externo, que se precise conhecer como um objeto, por intermédio da mente.

(...) Compreendemos, assim, que todos os nossos sofrimentos são devidos à nossa ignorância sobre o Ser Real. Devemos vencê-la se quisermos gozar a verdadeira felicidade, pois a remoção da causa é a única forma de cura radical que existe. O mais é tratamento paliativo, que pode até mesmo, no final de contas, ser maléfico, agravando, na verdade, a doença. E só poderemos ficar livres dessa ignorância, por meio da experiência com o Ser.

(...) Não é empresa fácil, pois o instrumento a ser usado nesse trabalho é a mente. Ela tem que se desligar de tudo o mais e dirigir-se para o Ser Real. Mas a mente não se desliga facilmente de suas preocupações costumeiras. Se for forçada a isso, não se concentra, e logo volta ao ponto de partida. Assim é porque está cheia de ideias que são frutos da ignorância; e tais ideias rebelam-se para defender a vida de sua geratriz, a ignorância, porque a vida desta é também delas. Temos, portanto, de liquidar todas essas ideias.

(...) Por serem causadas pela ignorância primordial, provavelmente tais ideias são falsas. E é lógico que o conhecimento falso é o inimigo do despertar da Verdade. Portanto, é necessário que examinemos essas ideias e as rejeitemos, se julgadas incorretas; ou mesmo apenas duvidosas. Somente assim estaremos seguros contra sublevações traiçoeiras, ao empreendermos a busca do Ser Real.

Nessa análise, devemos guiar-nos pela absoluta devoção à Verdade. O Gita nos diz: "Aquele que ama a Verdade e submete todo o seu ser ao amor da Verdade, A encontrará". Essa condição é muito importante. É claro que não pode haver amor parcial pela Verdade. Um amor à Verdade sendo limitado implica amor também pela inverdade, em maior ou menor grau. O amor perfeito pela Verdade significa uma total boa-vontade para renunciar a tudo que se julgue ser falso, em decorrência de uma análise justa. Implica, também, a capacidade de submeter a exame completo e imparcial todas as crenças que temos agora quanto ao mundo, à alma e a Deus. O amante da Verdade caracteriza-se por não ter maior apego as suas crenças do que às crenças alheias. Conserva-as a título de hipóteses e pode calmamente refletir sobre a possibilidade de achar que são insustentáveis e dignas de renúncia. É a isenção de apego às suas próprias crenças que lhe permite fazer uma análise imparcial de sua validade. E, se em decorrência dessa análise, julgar que não são válidas, não somente renuncia a elas, como também fica sempre alerta contra a possibilidade de que voltem, até que venham a perder a influência sobre ele. Por conseguinte, devemos cuidar para que sejamos devotos somente da Verdade, e livres de erros. E em prol da Verdade, renunciar ao amor que devotamos às nossas crenças, de modo que a Verdade possa reinar suprema em nossos corações quando a tivermos encontrado.

O que se conhece como filosofia é apenas este exame imparcial de todas as nossas ideias — do conteúdo inteiro de nossa mente. Somente isso é verdadeira filosofia. Tudo o mais não passa de pseudofilosofia. E podemos afirmar com segurança que pseudofilósofos são aquele que, ou não compreenderam o fato de que ignoram o Ser, ou estão completamente satisfeitos de permanecerem sujeitos a tal ignorância.

Consideraremos agora como nos certificaremos de que, em nosso filosofar, evitaremos os engodos que se emboscam em nosso caminho, e de que chegaremos a ideias que não serão adversárias da nossa Busca do Ser Real.

(...) Quem quiser filosofar direto deve evitar os erros de tais filósofos. Deve escolher as provas que sejam adequadas. Deve procurar e encontrar evidências oriundas de experiência, experiência que NÃO seja fruto da ignorância.

Provas válidas, portanto, NÃO se originam da experiência de homens ignorantes, mas sim da experiência dos Sábios, que estão totalmente livres da ignorância. Somente com base na experiência deles podemos construir uma filosofia que atenuaria a influência que a ignorância exerce atualmente sobre nós, tornando, assim, possível que encetemos a nossa Busca, levando-a até o fim, para que possamos, por nossa vez, adquirir experiência similar.

WHO  

terça-feira, 13 de agosto de 2013

O conhecimento não é o caminho da verdade

Pergunta: Embora você tenha empregado frequentemente a palavra "verdade", não me lembro de que a tenha alguma vez definido. O que ela quer dizer?

Krishnamurti: Você e eu, como dois indivíduos, vamos investigar esta questão, não amanhã, mas talvez nesta tarde mesmo. Se você está perfeitamente sereno, vamos averiguar isso. Definições de nada valem. As definições não tem significação para o homem que busca a verdade. A palavra não é a coisa; a palavra "árvore" não é a árvore; mas nos satisfazemos com palavras. Tenham a bondade de seguir-me com atenção. Para nós, as definições, as explicações, são muito satisfatórias, porque podemos viver dentro dos seus limites. Podemos cultivar palavras, porque as palavras produzem em nós efeitos físicos e psicológicos. A palavra "Deus" desperta toda sorte de reações psicológicas e neurológicas, e ficamos satisfeitos.

Por isso, para nós, a definição é muito importante. Não é exato? Chamamos à definição conhecimento, e pensamos que conhecimento é a verdade. Quanto mais lemos a respeito, pensamos que tanto mais perto estamos dela. Mas a explicação da palavra não é a coisa. Cumpre-nos, pois, compreender, não nos deixando enredar por definições de palavras. Por conseguinte, temos de colocar de lado as palavras. E como isso é difícil! Não acham? — porque a palavra é o processo de pensamento. Não há pensar sem verbalizações, sem o emprego de palavras, imagens, conceitos, fórmulas. Prestem atenção a isso, meditem junto comigo, agora, a fim de o verificarem.

Quando a mente percebe que está enredada em palavras, que o próprio processo do seu pensar é palavra, é memória, como pode então essa mente — que é memória, que é tempo, que é presa a definições e conclusões — como pode ela compreender o que é a verdade, o que é o incognoscível? Se desejo conhecer o incognoscível, deve a mente estar de todo silenciosa, não acham? Isto é, tudo quanto é verbalização, imaginação, projeção, tem de acabar. Todos vocês sabem o quanto é difícil para a mente estar quieta — não compelida, não disciplinada, porém, quieta; o que significa que a mente já não está verbalizando, reconhecendo, já não é o centro de reconhecimento de qualquer experiência.

Quando a mente reconhece a experiência, essa experiência é coisa projetada. Quando experimento o Mestre, a Verdade, Deus, essa experiência é uma autoprojeção minha, porque reconheço. Há o centro do "eu", que reconhece aquela experiência; reconhecimento é processo da memória. Digo então: "Vi o Mestre, sei que ele existe, sei que existe Deus". Isto é, a mente é o centro de reconhecimento, e o reconhecimento é o processo da memória.

Quando experimento alguma coisa, tal como Deus, a Verdade, essa coisa é projeção minha, é reconhecimento, não é a Verdade, não é Deus.

A mente só está inteiramente tranquila quando é incapaz de experimentar, quando não há nenhum centro de reconhecimento. Mas isso não ocorre por meio de nenhuma espécie de ação da vontade. Não vem por meio da disciplina. Vem quando a mente observa suas próprias atividades, — o que espero que estejam fazendo neste momento. E quando observam, podem ver como a cada minuto há o processo de reconhecimento em funcionamento, e como, quando reconhecem, não há nada novo.

A verdade é algo atemporal, não é mensurável por palavras. Uma vez que a verdade é imensurável, atemporal, a mente não pode reconhecê-la. Consequentemente, para que a verdade seja, é imprescindível que a mente se ache num estado de "não experimentar". A verdade deve vir a vocês; não pode ir a ela. Se forem a ela, vocês a "experimentaram". Não podem invocar a verdade. Quando a chamam, quando a experimentam, estão em condições de reconhecê-la; se a reconhecem, então, não é a verdade; é apenas o próprio processo de memória, de pensamento de vocês, que está lhes dizendo: "É isso, eu li, eu experimentei". O conhecimento, por conseguinte, não é o caminho da verdade. O conhecimento precisa ser compreendido e colocado de lado, para que a verdade seja. Se a mente de vocês está tranquila, não adormecida, não narcotizada por palavras, mas está realmente acompanhando, observando o processo da mente, verão então como nasce a tranquilidade, no escuro, misteriosamente; e nesse estado de tranquilidade, verão aquilo que é eterno, imensurável.

Jiddu Krishnamurti — 27/01/1952 — Quando o pensamento cessa

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Pode a mente libertar-se do vício da crença?

Como disse, é de fato um problema interessantíssimo essa questão da crença e do conhecimento. Que papel extraordinário ela tem em nossa vida! Quantas crenças temos! É certo que quanto mais sagaz, quanto mais culta, quanto mais espiritual é uma pessoa (se posso usar tal expressão) — tanto menor é a sua capacidade de compreender. Os selvagens têm inúmeras superstições, mesmo no mundo moderno. Os mais refletidos, os mais despertos, os mais alertados são talvez os que menos creem. Isso acontece, porque a crença amarra, a crença isola — como se vê no mundo inteiro: no mundo econômico e no mundo político, e bem assim no chamado mundo espiritual. Vocês acreditam que há Deus, e eu talvez creia que não existe Deus; ou acreditam no poder absoluto por parte do Estado de todas as coisas e de todos os indivíduos, e eu creio na inciativa privada, etc., etc.; acreditam que só existe um Salvador e que por meio dele alcançarão o alvo, e eu não creio em tal coisa. Desse modo, vocês com suas crenças e eu com a minha estamos querendo impor-nos um ao outro. Entretanto, ambos falamos de amor, falamos de paz, da unidade do gênero humano, de uma só vida — o que não significa absolutamente nada; porque, na realidade, a própria crença é um processo de isolamento. Vocês são brâmanes, e eu sou não-brâmane; você são cristãos e eu muçulmano, e assim por diante. Vocês falam de fraternidade, e eu também falo da mesma fraternidade, de amor, de paz. Na realidade, estamos separados, desunidos. O homem que deseja a paz e deseja um mundo novo, um mundo feliz, não pode por certo isolar-se por meio de qualquer espécie de crença. Isso está claro? Pode ser apenas um enunciado verbal; mas se penetrarem o seu significado, a sua validade e sua verdade, ele atuará. 

Vemos que sempre há um processo de desejo em ação, tem de haver o processo de isolamento por meio da crença; porque, é evidente, vocês acreditam com o fim de se sentirem seguros, econômica, espiritual, e interiormente também. Não me refiro às pessoas que creem por motivos econômicos; tais pessoas foram criadas para viver na dependência de suas profissões, e por isso permanecerão católicos, hindus — seja o que for — enquanto existir esse emprego para elas. Tão pouco estamos estamos tratando das pessoas que se apegam a uma crença por conveniência. Talvez a maioria de vocês, aqui presentes, estejam nesse caso. Por conveniência, cremos em certas coisas. Colocando de lado essas razões econômicas, vocês devem entrar mais fundo na questão. Considerem as pessoas que creem firmemente em alguma coisa de ordem econômica, social, ou espiritual; o processo que está na base dessa crença é o desejo psicológico de segurança. Não é verdade? Há também o desejo de continuar a existir. Não estamos aqui considerando se há ou não há continuidade; estamos apenas tratando desse impulso, dessa força constante que nos força a acreditar. O homem amante da paz, o homem que deseja realmente compreender todo o processo da existência humana, não pode estar amarrado por uma crença. Significa isso que ele percebe o seu desejo, que atua no sentido de alcançar a segurança. Por favor, não passem para o outro lado dizendo: "Você está pregando a não-Religião". Não é este, absolutamente, o meu propósito. O meu propósito é fazer-lhes ver que enquanto não compreendermos o processo do desejo, sob a forma de crença, haverá disputas, conflitos, há de haver sofrimento, e o homem estará contra o homem, como vemos acontecer todos os dias. Se, estando bem vigilante, percebo que aquele processo assume a forma de crença — que é uma expressão da ânsia de segurança interior — se percebo isso, o meu problema não é mais se devo acreditar nisto ou naquilo, mas, sim, que devo libertar-me do desejo de estar em segurança. Pode a mente ficar livre dele? Este é o problema, e não no que acreditar ou quanto acreditar. Isso são simples expressões de ânsia interior de estar em segurança psicológica, de estar certo a respeito de alguma coisa, quando todas as coisas estão incertas no mundo. 

Pode a mente, a mente consciente, pode a personalidade estar livre desse desejo de segurança? Desejamos estar em segurança, e por isso necessitamos a ajuda de nossos bem imóveis, nossa propriedade e nossa família. Desejamos estar em segurança interior e também espiritual, erguendo muralhas de crença, que denotam a nossa ânsia de certeza. Podem vocês, como indivíduos, ficarem livres desse impulso, dessa ânsia de segurança, manifestada no desejo de acreditar em alguma coisa? Se não estamos livres de tudo isso, somos uma fonte de discórdia; não somos agentes da paz; não temos amor em nossos corações. A crença destrói tudo isso, como se pode observar em nossa vida cotidiana. Posso ver a mim mesmo, quando estou preso nesse processo de desejo, manifestado no apego a uma crença? Pode a mente libertar-se dele? Deve a mente ficar livre da crença e, não, procurar um substituto para ela. Vocês não podem responder "sim" ou "não" a esta questão; podem dar uma resposta positiva se possuem a intenção de ficar livre da crença. Chegam então, inevitavelmente, ao ponto em que começam a buscar o meio de se libertarem da necessidade de segurança. Evidentemente, não há segurança interior que seja contínua — como gostam de acreditar. Vocês gostam de acreditar que há um Deus que cuida muito solicitamente de suas pequeninas coisas... a quem vocês devem procurar, o que devem fazer, como devem proceder. Ora, isso, evidentemente, é uma maneira infantil de pensar. Vocês pensam que o Pai Supremo está velando por cada um de nós. Isso não passa de projeção do próprio gosto pessoal de vocês. Não é evidentemente verdadeiro. A verdade tem de ser coisa inteiramente diferente. Encontrar essa verdade que não é um projeção do gosto de vocês, tal é o nosso propósito em todas estas discussões e palestras. Se vocês sentem verdadeiro ardor, no esforço por descobrirem o que é a Verdade, deve ficar bem claro para vocês que a mente mutilada, amarrada, enredada pela crença, não pode dar um passo, sequer, para a frente. 

(...)Nosso problema, portanto, tal como o vejo, é o seguinte: "estou amarrado, dominado pela crença, pelo conhecimento; é possível para a mente ficar livre do ontem e das crenças adquiridas através do processo do ontem?" Compreendem a questão? É possível a mim, como indivíduo, e a vocês, como indivíduos, viver nesta sociedade e ao mesmo tempo estarmos livres das crenças em que fomos criados? É possível para a mente libertar-se de todo aquele conhecimento, de toda aquela autoridade? Por favor, senhores, deem um pouco de atenção a este ponto, porque eu o julgo importantíssimo — se realmente sentem empenho em examinar o problema da crença e do conhecimento. Lemos as várias escrituras, os vários livros religiosos. Eles já descreveram minuciosamente o que se deve fazer, como se atinge o alvo, o que é o alvo, e o que é Deus. Todos vocês sabem de cor e os têm seguido. Isso é o conhecimento de vocês, é o que adquiriram, o que aprenderam; e continuam por esse caminho. É claro que obterão aquilo que desejam alcançar, aquilo que veem. Mas será a realidade? Não será a projeção do próprio conhecimento de vocês? — Não é a realidade. É possível perceberem isso com clareza agora — não amanhã, mas agora — e dizerem "percebo a verdade disso" — e não mais lhe darem atenção, de modo que a mente de vocês não continue tolhida por esse processo de imaginação, de projeção, de ver a coisa como desejam que ela seja. 

De modo idêntico, é a mente capaz de libertar-se da crença? Só estarão livres dela quando compreenderem a natureza íntima das causas que lhes fazem se apegar a ela, quando compreenderem não apenas os motivos conscientes, mas também os motivos inconscientes que lhes fazem crer. Afinal de contas, não somos apenas uma entidade superficial, funcionando no nível consciente.  Vocês podem descobrir as atividades mais profundas, conscientes e inconscientes, se concederem a oportunidade para a mente inconsciente, visto que esta reage com muito mais presteza do que a mente consciente. Se escutam — como espero que estejam escutando — o que estou dizendo, a mente inconsciente de vocês deve estar reagindo. Enquanto a mente consciente de vocês está pensando, escutando, observando tranquilamente, a mente inconsciente está muito ativa, muito mais vigilante, muito mais receptiva; ela deve, portanto, ter uma resposta para dar. Pode a mente que foi subjugada, intimidade, forçada, compelida a acreditar, pode a mente em tais condições ser livre para pensar? Pode ela der de maneira nova e afastar o processo de isolamento entre nós? Por favor, não digam que a crença une as pessoas. Ela não une. Isso é um fato evidente, não é? Nenhuma religião organizada o tem conseguido. Olhem a vocês mesmos, neste país. Estão unidos? Bem sabem que não estão. Estão divididos em tantos pequenos partidos, tantas classes; vocês conhecem as inumeráveis divisões; o mesmo acontece no Ocidente. O processo é o mesmo no mundo inteiro: cristãos destruindo cristãos, assassinando-se por ninharias, transportando gente para os campos de concentração... os horrores da guerra. A crença, pois, não une as pessoas. É uma coisa evidente. Se isso está claro, se é verdadeiro e o percebem, cumpre então compreende-lo. A dificuldade está em que a maioria de vocês não o vê, porque somos incapazes de fazer frente àquela insegurança interior, àquele sentimento de "estar só". Queremos algo em que nos apoiar, seja o Estado, seja a classe, seja o nacionalismo, seja um Mestre, um Salvador, ou qualquer coisa a que nos apegar. Ao perceber a falsidade disso, a mente é capaz, pode ser temporariamente, por um segundo, capaz de perceber a verdade a esse respeito, e quando vê que ela é excessiva, volta. Mas o perceber temporariamente é suficiente; porque acontece então uma coisa extraordinária. O inconsciente continua funcionando, ainda que o consciente rejeite. Nesse segundo não ocorre nenhum progresso; mas esse segundo é a única coisa, e produzirá os seus resultados ainda que a mente consciente esteja lutando contra ele. 

Nossa questão, pois, é esta: É possível a mente estar livre do conhecimento e da crença? Não é a mente constituída de conhecimento e crença? Estão entendendo bem? A estrutura da mente não é a crença e o conhecimento? A crença e o conhecimento são os processos do conhecimento, o centro da mente. O processo se fecha, o processo é consciente. Pode, pois, a mente ficar livre de sua própria estrutura? Entendem o que quero dizer? A mente não é assim como a conhecemos.

(...) Pode a mente deixar de existir? Tal é o problema. A mente, tal como a conhecemos, é sustentada pela crença, ela tem desejo, impulso de segurança, conhecimento e força acumulada. E se, com toda essa força e superioridade, o indivíduo não pode pensar por si mesmo, não é possível a paz neste mundo. Podem falar a respeito, podem organizar partidos políticos, fazer proclamações do alto das casas; mas não podem ter paz; porque na mente se acha a própria base que cria a contradição, que isola e separa. 

(...) O homem amante da paz, o homem sincero, não pode isolar-se e ao mesmo tempo falar em fraternidade e de paz. Isso é mero jogo político ou religioso, e denota sempre interesse de consecução, ambição... O homem que sente real empenho a esse respeito, que deseja descobrir, tem de fazer frente ao problema do conhecimento e da crença; tem de penetrar a sua significação, descobrir todo o processo do desejo em funcionamento, do desejo de estar em segurança, do desejo de certeza. 

Jiddu Krishnamurti — Quando o pensamento cessa         

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A xícara tem que ser quebrada completamente

O mestre japonês Nan-in recebeu um professor de filosofia.

Servindo-lhe o chá, Nan-in encheu a xícara do visitante, e continuou vertendo.

O professor assistiu ao transbordamento até não conseguir mais conter-se:

“Pare! A xícara está cheia, nada mais pode entrar.”

Nan-in disse:

“Assim como esta xícara, você está cheio de suas próprias opiniões e especulações. Como posso mostrar-lhe o zen sem que você esvazie a sua xícara primeiro?”.

Você está diante de uma pessoa até mais perigosa que Nan-in, porque para mim uma xícara vazia não é suficiente; a xícara tem que ser quebrada completamente.

Mesmo vazio, se você estiver lá, então você está cheio. Até mesmo o vazio o preenche.

Se sente que está vazio, você não está absolutamente vazio, você está lá. Só o nome mudou: agora você chama a si mesmo de vazio.

A xícara não ajuda; ela tem que ser quebrada completamente. Somente quando você não é nada é que o chá pode ser vertido em você, é somente quando você não é, que não há uma real necessidade de verter o chá.

Quando você não é, tudo o que é vivo começa a verter, tudo o que é vivo transforma-se numa chuva em todas as dimensões, em todas as direções.

Quando você não é, o divino é.

Osho, em "Um Pássaro em Voo: Conversas Sobre o Zen"

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Estudar é algo morto, intelectual. Aprender é vivo!

Nenhuma universidade pode lhe oferecer um curso de religião. Elas fazem isso, mas tudo o que ensinam não é religião absolutamente.

Pode ser uma história de religião — não religião. Pode ser filosofia da religião — não religião. Elas podem auxiliá-lo a aprender o Alcorão, a Bíblia, o Gita, mas não religião. Elas podem falar sobre Jesus, Buda, Krishna e você aprenderá muitas coisas, mas não compreenderá a verdadeira base, a própria essência.

(…) A religião é tão delicada, tão frágil, que nenhum invólucro pode protegê-la. No momento em que você a transfere, ela já está morta. Ela vive numa vida interna. Vivem em um Buda, em um Mestre. Ele não a pode dar, mas você pode abrir-se para ela.

É exatamente como quando o sol surge pela manhã. O sol não pode dar vida à flor — não! Mas a flor pode abrir-se através dele e ser enriquecida pela sua própria abertura. Se a flor permanecer fechada, o sol não poderá fazer nada . O sol não poderá bater na porta, não poderá distribuir a luz, distribuir vitalidade e vida — não! O sol passará despercebido. Um Buda vem — Eu estou aqui, você pode se abrir. Mas se permanecer fechado, nada poderá ser feito. Assim, isso compete a você. Depende totalmente de você aprender ou não — isto não é um estudo.

Estudar é algo morto, intelectual. Aprender é vivo! Não vem da cabeça, surge do coração. Você aprende pelo coração e estuda pela cabeça. Quando estuda, torna-se um grande erudito. Vá e olhe para os grandes homens cultos; todas as universidades estão repletas deles. Você não encontrará pessoas mais mortas do que eles. Estão quase na sepultura — estão quase enterrados! Nunca viveram; estão tão obcecados pelas palavras que não levam em conta a vida.

Esses eruditos podem estar falando de amor, mas nunca amaram. Eles não podem se permitir isto — é muito arriscado, e eles são tão instruídos, não podem dar um passo tão perigoso! Eles falam sobre meditação, lêem a respeito, mas nunca fazem nada. É perigoso! Nada pode ser mais perigoso do que a meditação. E um erudito está sempre em busca de segurança: segurança nas palavras, segurança nas doutrinas, segurança em tudo. Ele não é um jogador, não pode apostar sua vida. E a menos que você arrisque sua vida, não poderá aprender.

Este aprendizado é do coração, é exatamente como o amor. É por isso que Jesus repetia sempre que Deus é amor. Ele não estava dizendo — como os cristãos entenderam, ou como não entenderam — que Deus é um amante. Não! Ele não quis dizer que Deus ama. Essa frase justamente indica que o caminho é pelo coração, não pela cabeça.

(…) Lembre-se sempre de dar o primeiro passo de modo certo. Se o primeiro passo estiver certo, então metade da jornada estará vencida, quase terminada. Se o primeiro passo estiver certo, tudo o que vier se seguirá automaticamente, você chegará à meta. Assim, não vá ao Mestre para estudar, vá para aprender. Se você for para estudar, o Mestre lhe ensinará, mas o ponto mais significante não poderá ser transmitido — vá para aprender.

Qual a diferença entre essas duas atitudes? Muitas são as diferenças: quando você vai para estudar, quer mais informações; quando vai para aprender, quer mais ser — não informações. Quando você aprende, seu ser cresce. Quando você estuda, sua memória é que cresce. Quando você estuda, sabe cada vez mais e mais; quando aprende torna-se cada vez mais — e essas são coisas totalmente diferentes. Um homem pode ter uma grande memória, saber muitas coisas, e, no seu íntimo, ser completamente mendigo, pobre, não ter nada. Ele pode estar-se iludindo que conhece muitas coisas, mas esse conhecimento não o auxiliará — a menos que ele seja. O conhecimento é fútil! Apenas ser auxilia.

Se você estiver morrendo, quem irá com você? Seu conhecimento ou seu ser? Quem o auxiliará? Quem será a ponte? O que você poderá carregar consigo além da morte? Conhecimento? O cérebro será deixado para trás porque faz parte do corpo. Apenas o ser é levado para lá. E como você nunca o olhou, ele permaneceu pobre, faminto — você nunca o alimentou.

O aprendizado é do ser, o conhecimento é apenas da memória, da mente. As universidades podem lhe dar conhecimento, os professores podem lhe dar conhecimento, mas apenas um homem iluminado pode lhe dar, pode auxiliá-lo — e este auxílio é indireto — a ganhar mais ser. Você pode receber este auxílio, mas isto depende totalmente de você.

Se você vier para estudar, perderá o primeiro passo. E o primeiro passo é muito significativo, porque o primeiro eventualmente se transforma no último. A semente é muito significativa: a semente é o primeiro passo e é ela que se transforma em árvore. Ela pode levar muitos anos para florescer, mas se você tiver plantado a semente errada, então mesmo um milhão de vidas não serão de qualquer auxílio.

(…) Que tolice! Um Mestre está vivo e você fica obcecado pelas escrituras. Os diamantes estão por toda a parte e você fica se apegando em bijuterias, em pedras coloridas! O Mestre está vivo e você continua interessado em palavras mortas.

(…) Um homem que está junto com o Mestre para estudar, está sempre repleto de perguntas — porque é assim que as pessoas estudam. Você tem de criar perguntas para obter respostas, então você vai colecionando as respostas e torna-se mais instruído.

Um homem que não está querendo estudar, mas sim aprender, tem apenas uma pergunta, não muitas. Lembre-se: muitas perguntas não podem ser respondidas porque, se você é desse tipo de homem que tem muitas perguntas, qualquer resposta obtida servirá apenas para criar mais perguntas — nada mais. Todas as soluções apenas lhe darão mais problemas.

(…) Mas quando você tem apenas uma pergunta… isto é muito difícil. Só um homem muito sábio faz apenas uma pergunta. Para chegar a ter apenas uma pergunta é preciso que você esteja amadurecido — porque muitas perguntas demonstram curiosidade, uma pergunta demonstra que o seu ser chegou a uma conclusão. Neste momento, isto está em jogo: se esta pergunta for resolvida, tudo estará resolvido. É uma questão de vida ou morte.

Ter uma pergunta significa ter uma direção. Ter uma pergunta significa ter chegado à unidade! Só quando você chega à unidade a resposta pode lhe ser dada; caso contrário, você não está preparado. E nenhum Mestre vai perder seu tempo e energia, se você tiver muitas perguntas. Faça apenas uma pergunta!

Em primeiro lugar, descubra o que é essa pergunta significativa. Não se mova na periferia! Venha para o centro! Na periferia, podem existir muitos pontos a serem questionados;mas no centro existe apenas um ponto. Quando você se movimenta na periferia, está caminhando no círculo: uma pergunta o conduz a outra que por sua vez o conduz a outra e assim por diante — ad infinitum. Mas, no centro, há apenas uma pergunta.

E esta pergunta pode ser respondida até mesmo sem uma resposta: se você tiver apenas uma pergunta, o Mestre olhará para você e a pergunta estará respondida. Porque quando você tem apenas uma direção, você está alerta: sua chama está tão luminosa, sua mente tão clara — não repleta de nuvens, não com milhões de nuvens, apenas com um sol — você está tão límpido, tudo está tão vívido, claro, chamejante que apenas um olhar pode ser a resposta, apenas um toque já é o suficiente. Mas se você estiver repleto de perguntas, mesmo que o Mestre o martele com respostas, de nada adiantará.

(…) Você é a pergunta, você é o criador da questão. Você — o ego, a mente — você é a doença. Por que você não se retira? Muitas perguntas foram feitas — apenas uma resposta foi dada, e mesmo esta não pode ser compreendida. Porque uma pessoa que faz muitas perguntas não pode compreender uma resposta. Sua mente não consegue entender o que pertence ao um. Ela só entende a diversidade. Diversidade significa estar sempre do lado de fora; a unidade está sempre do lado de dentro — porque o centro está em seu interior e a periferia está do lado de fora.

(…) Se você ficar, as perguntas continuarão a vir. As perguntas vêm da mente exatamente como as folhas vêm da árvore. Você continua regando a árvore e as folhas continuam vindo. Naturalmente as folhas velhas irão cair e as novas virão. Assim, se o Mestre responder uma pergunta, a velha irá embora, mas uma nova virá, a qual será novamente substituída. E uma nova pergunta é pior do que uma velha porque da velha você está farto. Pode jogá-la fora. Você já viveu o suficiente com ela.

Uma nova pergunta é como uma nova vida: novamente você está amando, novamente o romance principia, novamente há poesia e novamente lá está o absurdo. Um novo pensamento é mais perigoso do que um velho porque, do velho, você já está farto. Você já se aborreceu com ele, quer jogá-lo fora. É por isso que Buda, ou Ryutan, ou pessoas como eles, nunca respondem suas perguntas. Eles não gostam de dar novos abrigos para a sua mente. Eles não gostam de lhe dar novos substitutos para o velho.

Buda costumava dizer: “Se quiser ter a resposta, não pergunte. Quando você não perguntar, eu responderei. Se perguntar, a porta será fechada”.

Buda costumava insistir sobre isso com os recém-chegados: “Por um ano, permaneça comigo sem perguntar nada. Se você perguntar, não poderá continuar vivendo comigo, terá de ir embora. Por um ano, fique simplesmente silencioso.” A pergunta não deve ser feita nem mesmo por dentro. Se você a fizer, mesmo que seja invisível, Buda saberá.

(…) Mesmo que você não pergunte, se a mente perguntar você estará perguntando, porque o pensar é uma ação sutil. Mais cedo ou mais tarde, ele se torna visível. A bolha está lá, ela virá a superfície. Você pode reprimi-la mas não pode enganar Buda.

Quando é que uma pergunta pode ser admitida? Quando não houver nenhuma pergunta. isto parece paradoxal: se não há nenhuma pergunta, o que você irá perguntar? Mas apenas então você pode fazer uma pergunta, uma busca, uma indagação. Então todo o seu ser  é uma indagação. E quando você se coloca diante de um Buda, com todo o seu ser transformado numa indagação, numa sede, numa fome interna — tão interna que nem mesmo você esteja presente, apenas a fome — então Buda pode alimentá-lo, então a resposta pode lhe ser dada. Caso contrário, qualquer coisa que Buda diga parecerá irrelevante.

(…) Você não está suficientemente cansado da mente? Então retire-se! A mente já não fez o suficiente? A mente já não criou caos suficiente para você? Por que você está apegado a ela? Qual esperança, qual promessa o mantém preso a ela? Ela o tem enganado continuamente. Ela diz: “Lá — naquela meta, naquela posse, naquela casa, naquele carro, naquela mulher, naqueles bens — tudo está lá.”

Você caminha para lá e quando chega nada vem para as suas mãos, exceto frustração. Todos os desejos, no fim, transforma-se num caso deplorável, numa grande tristeza.

E essa mente continua prometendo, prometendo — sem nunca cumprir nenhuma promessa, mas você nunca lhe diz: “Você está me engando, pare com isso!” Você tem medo de dizer.

OSHO

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Porque o"eu" carrega o peso de seu saber e de sua crença?

O que é o seu saber e o que é a sua crença? Se você examina o seu saber e a sua crença, que são eles? Só lembranças. Não é verdade? De que é que você tem conhecimento? Das suas lembranças, das experiências de outras pessoas, registradas num livro! Se você pensa a respeito do seu saber, o que é ele? Lembrança. Você está obtendo explicações, ministradas por outras pessoas, e tem suas próprias experiências, baseadas em suas lembranças. Você se depara com um acidente e traduz esse acidente de acordo com a sua memória, a qual chama experiência. Seu saber é um processo de reconhecimento. Sabemos o que são as crenças. Elas são criadas pela mente, no seu desejo de estar certa, de estar protegida, de estar em segurança. 
Assim, como pode essa mente, presa que está pelo saber, essa mente, que é acumulação do passado, traduzindo o presente segundo sua própria conveniência, como pode essa mente, com sua carga de saber, compreender o que é a verdade? A verdade tem de ser algo que está fora do tempo. Ela não pode ser "projetada" pela mente; não pode ser talhada pela minha experiência; tem de ser algo incognoscível, em face de minha experiência passada. Se eu a conheço, do passado, isso então é reconhecimento e portanto não é a verdade. Se ela é apenas uma crença, é então uma "projeção" dos meus próprios desejos. 
Porque nos orgulhamos tanto do nosso saber? Estamos aprisionados em nossas crenças, no "estado de conhecimento", no sentido em que é geralmente compreendido o conhecimento. Você teme o "ser nada". Eis porque faz questão de ter tantos títulos; tem a preocupação de adquirir nomes, idéias, reputação, de fazer exibição de si mesmo. Com toda essa carga na mente, você diz: "Estou procurando a verdade, desejo compreender a verdade". Se examina atentamente todo o processo de aquisição de saber e da formação da crença, o que acontece? Você verificará, sem dúvida, que essas coisas são artifícios da mente — o crer, o saber; elas lhe conferem um certo prestígio, certos poderes; os outros lhe respeitam como um homem extraordinário, muito lido e muito culto. Ficando mais velho, você se acha com direito a mais respeito, porque, naturalmente, se tornou mais sábio, pelo menos assim o pensa. O que você fez foi apenas amadurecer na sua própria experiência. A crença destrói os entes humanos,   divide os entes humanos. O homem que crê nunca pode amar; porque, para ele, a crença é mais significativa do que o ser bondoso, cordial, solícito; a crença proporciona certa força, certa vitalidade, um falso sentimento de segurança. 
Assim, examinando bem a coisa, o que você encontra? Só palavras, só memória. A verdade é algo que deve achar-se além dos limites da imaginação, além do processo da mente. Ela tem de ser eternamente nova, uma coisa não suscetível de reconhecer-se, de descrever-se. Se você cita Sankara, Buda, XYZ, já começou a comparar — o que demonstra que, pela comparação, você desistiu de pensar, de sentir, de experimentar. Esse é um dos artifícios da mente. Seu saber está destruído a percepção imediata daquilo que é a verdade
Eis porque importa compreender, no seu todo, o processo do saber e da crença, para o abandonarmos. Seja simples, veja as coisas com simplicidade e não com uma mente ardilosa. Você verá, assim, que a mente, que amontoou experiência, tantas explicações, que está limitada por tantas crenças, começa a renovar-se. Ela já não está à procura do novo, já não está reconhecendo, deixou de reconhecer; acha-se, por conseguinte, em estado de constante experimentar, não relacionado com o passado; há um movimento novo, que não é susceptível de repetir-se. 
Importa, por esta razão, que todo saber, toda crença sejam devidamente compreendidos. Você não pode suprimir o saber; precisa compreende-lo; não pode fechar a porta ao saber. Qual é, agora, a sua reação? Sairá daqui e continuará a proceder da maneira habitual, porque têm medo de afastar-se do velho padrão. 
Para achar a verdade, não há guru, não há exemplo, não há caminho; a virtude não conduzirá á verdade; a prática da virtude é auto-perpetuação. O saber, evidentemente, só nos dá respeitabilidade. O homem "respeitável" e fechado dentro de sua própria importância, nunca encontrará a verdade. A mente precisa estar de todo vazia, não procurar, não "projetar". Só quando a mente está totalmente tranquila, apresenta-se a possibilidade daquilo que é imensurável. 

Krishnamurti - Quando o pensamento cessa

sábado, 11 de agosto de 2012

É possível nos livramos da autoridade do conhecimento?

É possível nos livrarmos do conhecimento? Conhecimento é o que se vai acumulando, de contínuo, do passado. Toda experiência que vocês têm é logo traduzida, guardada, registrada; e com esse registro vamos ao encontro da próxima experiência. Por conseguinte, nunca compreendem uma experiência; ficam apenas traduzindo cada desafio em conformidade com a reação do passado e, dessa maneira, estão reforçando o registro. Isso é o que se passa no cérebro eletrônico, no computador. Mas, nós somos apenas pobres imitações desse maravilhoso instrumento mecânico chamado "computador". É possível sermos livres? De outro modo, não se pode descobrir o que é a Verdade; vocês podem falar incessantemente a respeito dela, como os políticos citam o Gita. A vocês, cabe investigar. Mas, essa investigação não é verbal; é o estado mental de escuta.
O conhecimento se torna nossa autoridade — autoridade, na forma de tradição, de experiência, de coisas lidas, aprendidas, e a autoridade imposta por aqueles que dizem que sabem. No momento em que um homem diz que sabe, não sabe! A Verdade não é cognoscível. Ela tem de ser percebida a cada instante, como a beleza da árvore, do céu, do sol-poente. O conhecimento, como vimos, se torna a autoridade que nos guia e molda e nos dá coragem, forças para prosseguir. Tenham a bondade de prestar atenção a tudo isso, porque temos de compreender a anatomia da autoridade — a autoridade do governo, a autoridade da Lei, a autoridade do policial, a autoridade psicológica constituída por nossas experiências e pelas tradições que nos foram transmitidas, consciente ou inconscientemente; tudo isso se torna nosso guia, se torna um sinal de advertência que nos indica o que se deve fazer e o que não se deve fazer. Tudo isso se encontro nos domínios da memória. E esta constitui, efetivamente, o que somos. Nossa mente é o resultado de milhares de experiências, com suas lembranças, suas "arranhaduras", resultado das tradições transmitidas pela sociedade, pela religião, e das tradições educativas. Com essa mente tão repleta de memórias tentamos compreender o que não pode ser compreendido por meio da memória. Portanto, devemos nos livrar da autoridade.
Não sei se vocês compreendem o significado da palavra "autoridade". O significado da palavra, em si, é "o originador", "aquele que cria algo novo". Considerem a própria religião de vocês. Não sei se são verdadeiramente religiosos — provavelmente não são. Costumam ir ao templo, engrolar um amontoado de palavras, repetir certas frases, e a isso chamam "ser religioso". Ora, que peso extraordinário de tradição os chamados guias espirituais e "santos" implantaram na mente de vocês — o Gita, o Upanishads, Sankhara e outros intérpretes do Gita! os interpretadores, estribados no Gita, interpretam a vocês seguem interpretando. E consideram uma coisa extraordinária essa interpretação, e a quem sabem interpretar o chama de "homem religioso". Mas, essa pessoa está condicionada pelos seus próprios temores; adora uma pedra esculpida pela mão ou pela mente! Essa tradição lhes é inculcada através de uma propaganda milenar — e não por propaganda recentemente criada; vocês a aceitam; ela lhes molda o pensar.
Assim, se desejam ser livres, têm de varrer tudo isso — varrer os Sankharas, os Budas, todos os livros e instrutores religiosos — para serem vocês mesmos, para serem capazes de descobrir. De outro modo, jamais conhecerão a extraordinária beleza e o significado da Verdade, jamais conhecerão o Amor.
Assim, podem vocês, que foram moldados por Sankhara, por tantos "santos", pelos templos, varrê-los todos da mente de vocês? Vocês têm de apagá-los da mente. Vocês têm de ficar completamente sós, desajudados, sem desesperar e sem nada temer; só então serão capazes de descobrir. Para serem capazes de apagá-los, de negá-los totalmente — não apenas dizer, negativamente, "os larguemos", porém, negá-los totalmente, devem compreender toda a anatomia e estrutura, toda a essência da autoridade; devem compreender o homem que busca a autoridade. Não podem arrebatar a autoridade ao homem que a deseja, porque ela é seu único consolo, seu pão de cada dia — como também o é do político, do sacerdote, do filósofo. Mas, se desejam compreender essa coisa extraordinária chamada Verdade, não devem aceitar autoridade de espécie alguma. Porque, só a mente que está fresca, inocente, que é jovem e vibrante, pode compreender tais coisas, e não aquela que está sendo impelida, moldada, debilitada, sujeitada pelo passado. Ou uma coisa ou outra. Ou vocês dizem: "Não é possível ficar-se livre do passado, do conhecimento, da autoridade que a mente busca, em sua pobreza, em seus desespero e de cujo escoro necessita. A mente não pode em tempo algum ficar livre da autoridade, do passado, das coisas que aprendeu, adquiriu, acumulou". Ou, ainda, vocês dizem que a mente pode ficar livre do passado. Mas, vocês têm de investigar, descobrir; não podem simplesmente dizer que ela pode ser livre ou não pode ser livre; isso significa apenas entreter uma opinião absolutamente sem valor — deixem isso a cargo dos filósofos. Se querem descobrir, devem investigar se aquilo é possível ou não; não podem simplesmente admiti-lo ou negá-lo.
Vocês têm, pois, de aprender o significado do conhecimento e da autoridade. Quando se aprende, não há contradição, porque então se está aprendendo. Mas, quando se está meramente adquirindo conhecimento, nesse caso há contradição. Por favor, procurem perceber isso. Se estão meramente acumulando conhecimento, se verão em conflito, porque a coisa sobre a qual estão adquirindo conhecimentos é uma coisa viva, móvel, mutável e, por conseguinte, entre o que vão acumulando e a realidade, se apresenta uma contradição. Mas, se estão aprendendo o significado dessa coisa, não há contradição nenhuma; por conseguinte, não há conflito. Mas, quando a mente só se interessa em acumular, adicionar e, por conseguinte, em olhar, observar, com base em seu conhecimento, então há contradição; há então conflito e, portanto, dissipação de energia. 
Assim, pois, o homem que aprende não tem conflito; mas o homem que meramente acumula conhecimentos, a fim de viver em conformidade com determinado padrão estabelecido por ele próprio ou pela sociedade em que vive, ou por uma certa personalidade religiosa — não importa qual seja — esse homem se acha em contradição e, por conseguinte, em conflito.
E, como disse outro dia, o conflito é a própria essência da desintegração. O conflito não surge apenas do passado, mas também em relação com o presente. Surge também quando vocês têm ideais — "que devem ser isto" ou que "devem se achar em tal estado"; quando entretêm idéias "esplêndidas", "nobilitantes". Muito importa compreender a natureza de um ideal. O ideal não é a realidade. Uma idéia, projetada da mente que se acha em conflito, torna-se o ideal, de acordo com o qual essa mente deverá viver; por conseguinte, a mente fica em conflito, em contradição. Mas, a mente que está escutando um fato, não um ideal — essa mente não se acha em conflito e, por conseguinte, se está movendo de fato para fato. Essa mente se encontra num estado de energia. Sem essa energia vocês não podem ir muito longe. Mas estão dissipando a energia de vocês em contradições, na luta para se tornarem isto e não aquilo.
Cumpre a vocês, pois, observar, escutar, ver o fato — o que é — e com ele ficar. Isso é dificílimo.
Evidentemente, vocês nunca refletiram sobre estas coisas ou provavelmente elas não lhes vêm natural e espontaneamente, assim como as chuvas descem do céu. Vocês estão, talvez, as ouvindo pela primeira vez ou já lerão algo a respeito delas. Como este orador tem falado tantas vezes sobre elas, dirão, porventura: "Eis ele de volta, com suas velhas falas". Mas, se vocês estão escutando, se estão cônscios das intenções do orador, verão o fato, isto é, que tudo o que vocês têm é conhecimento, e ficarão com esse fato. O fato é que são, completamente, o passado em relação com o presente; o passado poderá ser modificado, alterado, mas vocês estarão sempre movendo e existindo no passado.
Ora, que entendemos por "viver com um fato?" Entendemos: não aceitá-lo, não rejeitá-lo, porém, escutá-lo; escutar todos os sutis movimentos, insinuações e sugestões, e perguntas e respostas que ele determina; não negá-lo, porque isso não é possível — se o fizerem, podem ir parar num hospício. Eis, com efeito, o que significa observar o fato e "viver com ele".
Ora, quando vivem com alguma pessoa ou coisa — com sua esposa, seus filhos, com uma árvore, com sua idéia — ou ficam acostumados com ela que ela deixa de existir, ou vivem com ela, tudo observando. No momento em que se acostumam com uma coisa, tornam-se insensíveis. Se eu me acostumo com esta árvore, torno-me insensível a ela. Se fico insensível a árvore, fico insensível ao que é sórdido, insensível às pessoas; fico insensível a tudo. Mas, estar atento a alguma coisa não significa acostumar-se com ela, não significa acostumar-se com o que é sórdido, imundo, acostumar-se com a família, a esposa, os filhos. O não nos acostumarmos com uma coisa exige grande soma de atenção e, por conseguinte, de energia. Espero que estejam seguindo minhas palavras.
Por conseguinte, a mente que deseja compreender o que é verdadeiro, tem de compreender, não idealmente, o inteiro significado do que é liberdade. Liberdade não significa a libertação que se alcança num certo mundo celestial, porém, sim, a liberdade em seu sentido usual; a liberdade que consiste em estar livre do ciúme, do apego, da ambição, da competição — que representa o mais: "preciso me tornar melhor", "sou isto e preciso me tornar aquilo". Mas, quando se observam como são não há então se tornar diferente do que são; ocorre então uma imediata transformação do que é.
Assim, a mente que deseja ir muito longe, deve começar com o que está muito perto. Mas vocês não podem ir muito longe, se tratam apenas de verbalizar a respeito de algo que o homem criou e a que chamou Verdade ou Deus. Devem começar com o que está muito perto, para lançarem a base adequada. E mesmo para lançar esta base, se necessita de liberdade. Assentem, pois a base na liberdade e em plena liberdade; assim, já não será uma base: será um movimento, e não uma coisa estática.
Só quando a mente compreendeu a indescritível natureza do conhecimento, da liberdade e do aprender, pode o conflito cessar; só então poderá se tornar perfeitamente lúcida e precisa. Já não se verá embrenhada em opiniões e juízos; se achará num estado de atenção e, por conseguinte, num estado de energia integral e de aprender — que não significa "aprender a respeito de quê?" — Só a mente tranquila é capaz de aprender; e o importante não é "a respeito de quê" a mente aprende; o que importa é o estado de aprender, o estado de silêncio, no qual ela está aprendendo.
Madrasta, 15 de janeiro de 1964
Krishnamurti - O Despertar da sensibilidade
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill