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quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Há uma percepção pura eliminadora do conflito humano?

(...) Vamos descobrir juntos — não concordar, não como se fosse um conceito verbal intelectual — se há uma percepção, uma ação, que terminará com o conflito, não gradualmente, mas imediatamente. Quais são as implicações disso? O cérebro, sendo programado para o conflito, é aprisionado nesse modelo. Estamos perguntando se esse modelo pode ser rompido imediatamente, não gradualmente. Vocês podem pensar que podem rompê-lo por meio das drogas, do álcool, do sexo, das diferentes formas de disciplina, entregando-se a alguma coisa — o homem tentou mil modos diferentes de fugir deste terror do conflito. Agora, estamos perguntando: é possível para um cérebro condicionado romper esse condicionamento imediatamente?

(...) Há múltiplas formas de conflito, há milhares de opiniões, portanto milhares formas de conflito. Mas nós não estamos falando sobre as várias formas de conflito, mas sobre o próprio conflito(...) sobre o conflito do cérebro humano e sua existência. Existe uma percepção, uma percepção que não nasça da memória, do conhecimento, que veja toda a natureza e estrutura do conflito? Uma percepção desse todo? Não uma percepção analítica, não uma observação intelectual de vários tipos de conflito, não uma resposta emocional ao conflito. Existe uma percepção que não seja feita da lembrança, que é o tempo, que é o pensamento? Existe uma percepção que não pertence ao tempo ou ao pensamento, que possa ver toda a natureza do conflito e, com essa própria percepção, produzir o fim do conflito? O pensamento é tempo. O pensamento é experiência, conhecimento formado no cérebro como memória... A multiplicação do conhecimento, a expansão do conhecimento, a profundidade do conhecimento pertencem ao tempo. Assim, o pensamento é tempo — qualquer movimento psicológico é tempo... O pensamento e o tempo são indivisíveis.

E nós estamos fazendo a seguinte pergunta: existe uma percepção que não pertença ao tempo e ao pensamento? Uma percepção inteiramente fora do modelo ao qual o cérebro se acostumou? Existe isso, essa coisa que, talvez, por si irá solucionar o problema? Nós não solucionamos o problema em um milhão de anos de conflito, estamos dando continuidade ao mesmo padrão. Devemos descobrir, com inteligência, hesitantemente, com cuidado, se há um modo, se há uma percepção que rompa com este modelo.

(...) Agora, podemos observar — não importa o que — sem nomear, sem a lembrança?(...) Vocês alguma vez já tentaram fazer isso diretamente? Olhem para a pessoa sem nomeá-la, sem o tempo e a lembrança, e olhem também para vocês mesmos — para a imagem que construíram de vocês mesmos, a imagem que construíram do outro; olhem como se estivessem olhando pela primeira vez — como olhariam para uma rosa pela primeira vez. Aprendam a olhar; aprendam a observar esta qualidade que surge sem toda a operação do pensamento.

(...) Agora, podemos nós, juntos, ouvir ou observar assim, sem a palavra, sem a lembrança, sem todo o movimento do pensamento? Isto significa uma atenção completa, não a atenção de um centro, mas uma atenção que não tem nenhum centro. Se vocês possuem um centro através do qual prestam atenção, esta é apenas uma forma de concentração. Mas se vocês estão prestando atenção e não há nenhum centro, isto significa que estão dando completa atenção; nessa atenção não há nenhum tempo.   

(...) Obviamente, deve-se exercer a capacidade de ser lógico, racional e, ainda assim, conhecer as suas limitações, porque o pensar racional, lógico, ainda faz parte do pensamento. Sabendo que o pensamento é limitado, estejam cônscios dessa limitação e não o empurrem adiante, porque ele ainda será limitado, por mais longe que vocês vão, enquanto que, se vocês observam uma rosa, uma flor, sem a palavra, sem nomear a cor, mas apenas olham para ela, então esse olhar produz grande sensibilidade, quebra esse sentido de densidade do cérebro e dá uma extraordinária vitalidade. Há uma espécie de energia totalmente diferente quando há a percepção pura, que não está relacionada com o pensamento e o tempo.


Jiddu Krishnamurti — A Rede do Pensamento

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

A verdade não é coisa para ser lembrada, repetida

Pergunta: A indagação — que é a verdade — é muito antiga e ainda não é respondida definitivamente. Você fala da verdade, mas não vemos tentativas ou esforços por alcançá-la, como o vimos nas vidas de pessoas como Mahatma Ghandi e a doutora Besant. Sua agradável personalidade, seu sorrido que desarma, seu amor suave, é tudo o que vemos. Quer explicar porque há tanta diferença entre a sua vida e a vida de outros que se consagraram à procura da verdade? Existem duas verdades?

Krishnamurti: Deseja provas? E por que padrão será julgada a verdade? Há os que dizem que o esforço e a tentativa são necessários para se ter a verdade; mas a verdade é alcançável por meio do esforço, de tentativa, de um jogo de probabilidades? Há os que lutam e se esforçam na conquista da verdade, de modo espetacular, quer publicamente, quer na tranquilidade de uma caverna; acharão eles a verdade? É a verdade coisa que se possa descobrir por meio de esforço? Existe um caminho que leva à verdade: o seu caminho, o meu caminho, o caminho do que faz esforço e o caminho do que não o faz? Há duas verdades, ou tem a verdade vários aspectos?

Ora, o problema é seu, e não meu; e o seu problema é o seguinte: você diz "Certas pessoas — suas, ou várias, ou centenas — fizeram esforços, lutaram, procuraram a verdade, ao passo que você não faz esforço algum, leva uma vida agradável e despretensiosa". Quer, pois, comparar, isto é, tem um padrão, tem um retrato de seus guias, que lutaram por alcançar a verdade; e se chega um que não se ajusta ao seu molde, fica decepcionado e pergunta: "Que é a verdade?" Você fica decepcionado — esta é que é a coisa importante, senhor, e não saber se eu possuo a verdade, ou se outro qualquer a possui. O que importa é verificar se se pode descobrir a realidade sem esforço, sem ação da vontade e sem luta. Isso traz compreensão? A verdade, por certo, não é algo que está distante, a verdade se encontra nas pequenas coisas da vida de cada dia, em cada palavra, em cada sorriso, em cada relação, mas nós não sabemos vê-la; e o homem que tenta, que luta valorosamente, que se disciplina, que se domina — possuirá ele a verdade? A mente que é disciplinada, controlada, limitada, por meio de esforço — perceberá ela a verdade? Evidentemente não a perceberá. É só a mente silenciosa que há de perceber a verdade, e não a mente que se esforça por ver. Senhor, se fizer esforço para ouvir o que estou dizendo, ouvirá? Só quando está quieto, quando está realmente silencioso, você compreende. Se observar de perto, se ouvir tranquilamente, então ouvirá; mas se fica tenso, lutando por assimilar tudo o que se está dizendo, sua energia se dissipará na tensão, no esforço. Nessas condições, não encontrará a verdade por meio do esforço, não importa quem a diga, se os livros antigos, se os antigos santos ou os modernos. O esforço é a negação da compreensão; só a mente tranquila, a mente simples, a mente que está quieta, que não se impõe esforços extenuantes — só essa mente compreenderá a verdade, verá a verdade. A verdade não é algo distante, não há caminho que leve a ela, não há o vosso caminho, nem o meu caminho; não há caminho devocional, não há caminho de ciência nem caminho de ação, porque a verdade não tem caminho que a ela a conduza. No momento em que você tem um caminho para a verdade, você a divide, porque todo caminho é exclusivo e o que é exclusivo no começo há de acabar em exclusão. O homem que está seguindo um caminho nunca há de conhecer a verdade, porque está vivendo na exclusão; seus meios são exclusivos, e os meios são o fim, os meios não estão separados do fim. Se os meios são exclusivos, o fim também é exclusivo.

Assim, não há caminho que conduza à verdade, não existem duas verdades. A verdade não é do passado nem do presente, ela é atemporal; e o homem que cita a verdade do Buda, de Sankara, do Cristo, ou apenas repete o que eu estou dizendo, não encontrará a verdade, porque repetição não é verdade. A verdade é um "estado de ser" que surge quando a mente — que sempre procura dividir, ser exclusiva, que só é capaz de pensar em referência a resultados, realizações — deixa de existir. Só então haverá a verdade. A mente que está fazendo esforço, disciplinando-se, com o propósito de alcançar um fim, não pode conhecer a verdade, porque o fim é a projeção dela própria, e o cultivo dessa projeção, por mais nobre que seja, é uma forma de auto-adoração. O ser, nestas condições, está adorando a si mesmo, e por conseguinte não pode conhecer a verdade. A verdade só pode ser conhecida quando compreendemos todo o processo da mente, quando não existe luta alguma. A verdade é um fato, e o fato só pode ser compreendido depois de você afastar as várias coisas que foram colocadas entre a mente e o fato. O fato são as suas relações com a propriedade, com sua esposa, com os seres humanos, com a natureza, com ideias; e enquanto você não compreender o fato das relações, a sua busca de Deus só servirá para aumentar a confusão; porque ela é uma substituição, uma fuga e, por conseguinte, destituída de significação. Enquanto dominar a sua esposa ou ela lhe dominar, enquanto possuir e for possuído, você não pode conhecer o amor; enquanto estiver refreando, substituindo, enquanto for ambicioso, você não pode conhecer a verdade. Não é a negação da ambição que torna a mente calma, e a virtude não é a negação do vício. A virtude é um estado de liberdade, de ordem, que o vício não pode dar; e a compreensão do vício é o estabelecimento da verdade. O homem que constrói igrejas ou templos, em nome de Deus, com o dinheiro que juntou pela exploração, pela astúcia e a desonestidade, não conhecerá a verdade; pode ele ter falas suaves, , mas sua língua tem o sabor amargo da exploração, do sofrimento. Só conhecerá a verdade aquele que não está buscando a verdade, que não está lutando nem fazendo tentativas para alcançá-la. A mente, em si, é um resultado, e tudo o que ela produz é sempre um resultado; mas o homem que se contenta com o que é, esse conhecerá a verdade. Contentamento não significa estar satisfeito com o status quo, com a manutenção das coisas como estão — isto não é contentamento. É no perceber um fato verdadeiramente e no estar livre dele, que existe o contentamento, que é virtude. A verdade não é contínua, não tem morada, ela só pode ser vista momento por momento. O que foi verdade ontem, não é verdade hoje, o que é verdade hoje não será verdade amanhã. A verdade não tem continuidade. A mente é que deseja fazer contínua a "experiência" que ela chama "verdade", e essa mente não conhecerá a verdade. A verdade é sempre nova; é ver o mesmo sorriso e vê-lo como se fosse novo, ver a mesma pessoa, e vê-la de maneira nova, ver de maneira nova as palmeiras que se agitam, ir ao encontro da vida sempre de maneira nova. A verdade não pode ser conquistada por meio de livros, por meio de devoção ou de auto-sacrifício, mas ela é conhecida quando a mente é livre, quando tranquila; e essa liberdade, essa tranquilidade da mente só vem quando os fatos das suas relações são compreendidos. Sem compreender as suas relações, tudo o que ela faz só cria novos problemas. Mas quando a mente está livre de todas as suas projeções, há um estado de tranquilidade em que cessam os problemas, e só então surge na existência o atemporal, o eterno. A verdade não é, pois, uma coisa de conhecimento, uma coisa para ser lembrada, uma coisa para ser repetida, impressa e divulgada. A verdade é aquilo que é, não tem nome, sendo, portanto, inacessível à mente.

Jiddu Krishnamurti — O que estamos buscando?


segunda-feira, 2 de setembro de 2013

O "estado de ser" que é felicidade suprema

Existe um pensante, como entidade separada do pensamento? Ora, não há entidade separada; só há pensamento, e foi o pensamento que criou a entidade separada chamada pensante. O pensamento é reação da memória, tanto da consciente como da inconsciente, da oculta como da patente; a memória é experiência, e a experiência é reação a estímulo e, depois, o processo de dar nome, o qual empresta mais desenvolvimento à memória. A memória reage como pensamento, nas relações, e todo esse processo de pensamento, esse ciclo de memória, estímulo, reação, experiência e dar nome, que vai aumentar a memória, é o que chamamos consciência. É só isso o que sou, e é só isso o que sei. Vejo, pois, que a minha ente funciona dentro da esfera do conhecido; e poderá ela funcionar fora dessa esfera? Percebo agora o processo integral do meu pensar, o que me leva a fazer a pergunta: Poderá a mente transcender o pensamento, que é resultado do conhecido? Não pode, evidentemente; porque, quando o pensamento procura passar além, o que ele segue é sua própria "projeção". O pensamento não pode experimentar o conhecido, só pode experimentar o que ele próprio "projetou", que é o conhecido. O pensamento é a mente, que é resultado do tempo, resultado do passado;e eu desejo saber se a mente é capaz de passar além de si mesma. Não pode, é claro, porque o "além" é desconhecido, não pertence ao tempo. Assim, a mente precisa findar — o que significa que deve estar quieta, meditativa. Meditação não é o tornar-se alguma coisa, mas a compreensão do processo total das relações, que é autoconhecimento. É só quando a mente está tranquila, não tendo sido obrigada a ficar tranquila, que existe a possibilidade de experimentar o desconhecido.

Pode, pois, a mente, que é o resultado da experiência, que é memória — pode a mente experimentar o desconhecido? Compreendem o problema? Pode a mente, que é memória, produto do tempo, experimentar o atemporal? A função da mente é lembrar; e a verdade será objeto de experiência e lembrança?(...) A questão é: a mente é o resultado do tempo, o tempo é memória, e a memória diz: "experimentei" ou "não experimentei". Será a verdade, o desconhecido, o imensurável, objeto de experiência, ou seja, algo para ser lembrado? Se vos lembrais de uma coisa, essa coisa já é o conhecido, não é? Será possível experimentar uma coisa que não existe em relação com o tempo — o que significa experimentar, vendo a verdade, momento por momento? Se me lembro da verdade, essa coisa não é mais a verdade; porque a memória é coisa do tempo, da continuidade, e a verdade não é do tempo, a verdade não é continuidade. A verdade do Buda não é a verdade que hoje descubro. A verdade só se apresenta na mente de todo silenciosa. A verdade não é coisa que possa ser procurada, experimentada, conservada, e adorada. Só é possível "experimentar" o atemporal, quando a mente está liberta de todo condicionamento. Assim, o autoconhecimento é a compreensão do condicionamento.

O que importa é compreender o processo total da mente. Trataremos disso mais tarde; cumpre-nos, agora, perceber que a verdade não é uma coisa suscetível de ser lembrada. O que é lembrado é do tempo, é coisa do passado, e a verdade nunca é do passado, nem do futuro; a verdade só pode estar no presente, naquele estado em que não existe o tempo. O tempo é o processo da mente, a mente é pensamento, o pensamento é reação da memória. A memória é a experiência do estímulo e da reação, e porque a reação é inadequada; cria-se o problema das relações. Assim, a compreensão do processo total do "eu" reside na compreensão das relações, na vida cotidiana, e essa compreensão liberta a mente do tempo, e ela, por conseguinte, é capaz de experimentar a realidade de momento em momento, o que não constitui um processo de lembrança — não mais podemos chamar "experiência" a esse estado, que é inteiramente diverso. Esse "estado de ser" é felicidade suprema, não é algo que aprendemos em livros e repetimos como discos de gramofone. Nesse estado, um homem é feliz, não repete, para ele a vida não tem problemas. É só a mente que cria problemas.

Jiddu Krishnamurti — 12 de fevereiro de 1950 — O que estamos buscando?

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domingo, 1 de setembro de 2013

Esquecimento do Ser que somos: o pecado original

(...) Ao encontrar a si mesma, a pessoa encontra o sentido da vida, o significado da vida, a alegria da vida, o esplendor da vida. Encontrar a si mesma é o maior achado na vida de uma pessoa, e esse encontro só é possível quando você está sozinho, quando sua consciência está completamente vazia — nesse vazio, nesse nada, um milagre acontece. E esse milagre é a base de toda a religiosidade.

Eis o milagre: quando não existe nada mais para a sua consciência ficar consciente, a consciência se volta para si mesma. Ela se torna um círculo. Não encontrando obstáculo, nenhum objeto, ela volta para a fonte. E, no momento em que o círculo está completo, você não é mais apenas um ser humano comum; você se tornou parte da divindade que circunda a existência. Você não é mais você mesmo, você se tornou parte de todo o Universo — o palpitar do seu coração é agora o palpitar do coração do próprio Universo.

Essa é a experiência que os místicos têm procurado por todas as vidas, através dos tempos. Não existe outra experiência mais arrebatadora, mais bem-aventurada. Essa experiência transforma toda a sua perspectiva: onde costumava haver escuridão, agora existe luz; onde costumava haver infelicidade, existe bem-aventurança; onde costumava haver raiva, ódio, possessividade, ciúme, existe somente uma bela flor do amor. Toda a energia que era gasta em emoções negativas não é mais desperdiçada; ela passa por uma reviravolta positiva e criativa.

Por um lado, você não é mais seu antigo eu e, por outro lado, você é, pela primeira vez, seu autêntico eu. O velho se foi, o novo chegou. O velho está morto, o novo pertence ao eterno, ao imortal.

(...) A menos que você se conheça como ser eterno, como parte do todo, continuará com medo da morte. O medo da morte existe simplesmente porque você não está consciente da sua fonte eterna de vida. Uma vez constatada a eternidade de seu ser, a morte se torna a maior mentira da existência. A morte nunca aconteceu, nunca acontece, nunca acontecerá, porque aquilo que existe sempre existirá, em formas diferentes, em níveis diferentes; não existe descontinuidade. A eternidade no passado e no futuro, ambas lhe pertencem. E o momento presente se torna um ponto de encontro entre duas eternidades: uma indo em direção ao passado e outra indo em direção ao futuro.

A lembrança de sua solitude não deve ser somente mental; cada fibra de seu ser, cada célula de seu corpo deveria se lembrar, e não com uma palavra, mas como uma profunda sensação. O esquecimento de si mesmo é o único pecado que existe, e a lembrança de si mesmo, a única virtude.

(...)Você não é parte deste mundo mundano; seu lar é o lar do divino. Você está perdido no esquecimento, esqueceu-se de que dentro de você Deus está oculto. Você nunca olha para dentro — porque todo mundo olha para fora, você também insiste em olhar para fora.

Ficar sozinho é uma grande oportunidade, uma benção, porque em sua solitude fatalmente você se deparará com você mesmo e, pela primeira vez, se lembrará de quem você é.

(...)Fique mais centrado em sua profunda solitude. Meditação é isso: ficar centrado na sua própria solitude. A solitude precisa ser tão pura que nem mesmo um pensamento, nem mesmo um sentimento a perturbe. No momento em que sua solitude for completa, sua experiência dela se tornará a sua iluminação. A iluminação não é algo que vem de fora, ela é algo que cresce dentro de você.

Esquecer-se do ser ser é o único pecado. E lembrar-se do seu ser, em sua completa beleza, é a única virtude, a única religião. Você não precisa ser hindu, muçulmano, cristão — para ser religioso, tudo o que você precisa é ser você mesmo.

(...) Ao conhecer a si mesmo, uma coisa fica clara: nenhuma pessoa é uma ilha somos um continente, um vasto continente, uma infinita existência sem nenhuma fronteira. A mesma vida corre através de todos, o mesmo amor preenche cada coração, a mesma alegria dança em cada ser. Por causa do nosso mal-entendido apenas, achamos que estamos separados.

A ideia de separação é nossa ilusão. A ideia da unidade será nossa experiência da verdade suprema. É necessário apenas um pouco mais de inteligência, e você poderá sair do desalento, da infelicidade, do inferno em que toda a humanidade está vivendo. O segredo de sair desse inferno é lembrar-se de si mesmo. E essa lembrança será possível se você compreender a ideia de que você está sozinho.

(...) Você precisa perceber, não importa o quanto isso possa parecer doloroso no início, que está sozinho numa terra estranha. Na primeira vez, esse reconhecimento é doloroso. Ele elimina todas as nossas ilusões, que geram grandes consolos. Mas, quando você ousa aceitar a realidade, a dor desaparece. E, oculta atrás da dor, está a maior das bênçãos do mundo: você vem a conhecer a si mesmo.

Você é a inteligência da existência, a consciência da existência, a alma da existência. Você é parte dessa imensa divindade que se manifesta de milhares formas: nas árvores, nos pássaros, nos animais, nos seres humanos... mas é a mesma consciência em diferentes estágios de evolução. E a pessoa que reconhece a si mesma, que sente que o deus que ela buscava e procurava por todo o mundo reside em seu próprio coração, atinge o mais elevado ponto da evolução. Não existe nada superior a isso.

(...) A pessoa pouco inteligente é aquela que está correndo por todo o mundo à procura de algo, sem saber exatamente o quê. Algumas vezes achando que talvez seja o dinheiro, seja o poder, seja o prestígio, seja a respeitabilidade.

A pessoa inteligente primeiro procura seu próprio ser, antes de começar a jornada no mundo exterior. Isso parece ser simples e lógico... pelo menos, olhe primeiro em sua própria casa, antes de procurar pelo mundo inteiro. E aqueles que olharam dentro de si mesmos o encontraram, sem nenhuma exceção.

(...) O mundo precisa de uma grande revolução, na qual cada indivíduo encontre sua religião dentro de si mesmo. No momento em que as religiões se tornam organizadas, elas ficam perigosas; na realidade, elas se tornam política, com uma falsa face de religião. Por isso, todas as religiões do mundo tentam converter mais e mais pessoas à sua religião. É a política dos números; aquela que tiver um número maior será mais poderosa. Mas ninguém parece estar interessado em trazer milhões de indivíduos a seus próprios seres.

Meu esforço aqui consiste em afastá-lo de qualquer tipo de esforço organizado, porque a verdade nunca pode ser organizada. Você precisa seguir sozinho na peregrinação, porque a peregrinação será interior. Você não pode levar ninguém com você. E você precisa deixar de lado tudo o que aprendeu com os outros, porque todos esses preconceitos distorcerão sua visão e você não será capaz de perceber a realidade nua de seu ser. A realidade nua de seu ser é a única esperança de encontrar Deus.

Apenas um passo para dentro de si mesmo e você chegou.

(...) Pode levar um pouco de tempo, porque os velhos hábitos demoram para ser vencidos; mesmo que você feche os olhos, sua cabeça estará cheia de pensamentos. Esses pensamentos são de fora, e o simples método, que foi seguido por todos os grandes videntes do mundo, é simplesmente observar os pensamentos, ser uma testemunha. Não os condene, não os justifique, não os racionalize. Permaneça à parte, permanece indiferente, deixe-os passar — ele irão embora.

E, no dia em que sua mente estiver absolutamente silenciosa, sem nenhuma perturbação, você dará o primeiro passo que o leva ao templo de Deus.

O templo de Deus é feito da sua consciência. Você não pode ir lá com seus amigos, com seus filhos, com sua esposa, com seus pais.

Todos precisam ir lá sozinhos.

OSHO

sábado, 31 de agosto de 2013

A verdade não lhe pertence, nem a mim

Você não pode achar a verdade por intermédio de ninguém. Como o pode? A verdade, de certo, não é uma coisa estática; não tem morada fixa; não é um fim, um alvo. Pelo contrário, é viva, dinâmica, ativa, cheia de vitalidade. Como pode ser um fim? Se a verdade fosse um ponto fixo, não seria a verdade; seria mera opinião. Senhor, a verdade é o desconhecido, e a mente que procura a verdade a verdade nunca a achará. Porque a mente está constituída do conhecido, é resultado do passado, produto do tempo — e isso pode observar por si mesmo. A mente é o instrumento do conhecido e, por consequência, não pode achar o desconhecido; só pode mover-se do conhecido para o conhecido. Quando a mente procura a verdade, a verdade que leu nos livros, essa “verdade” é uma auto-projeção; porque em tal caso, a mente apenas está em busca do conhecido, um conhecido mais agradável do que o anterior. Quando a mente procura a verdade, está em procura de sua própria projeção, e não da verdade. Afinal de contas, todo ideal é auto-projeção; é fictício, irreal. O que existe é o que é, e o oposto não existe. Mas uma mente que busca a realidade, que busca a Deus, está em busca do conhecido. Quando você pensa em Deus, seu Deus é “projeção” do seu próprio pensamento, resultado de influências sociais. Só se pode pensar no conhecido; você não pode pensar no desconhecido; não pode se concentrar na verdade. No momento em que pensa no desconhecido, ele não é mais que o conhecido, de você mesmo projetado. Assim, Deus, ou a verdade, não podem ser pensados. Se você pensa nela, não é a verdade. A verdade não pode ser procurada; ela vem a nós. Só podemos procurar o que é conhecido. Quando a mente não é torturada pelo conhecido, pelos efeitos do conhecido, só então a verdade pode revelar-se. A verdade se encontra em cada folha, em cada lágrima; ela tem de ser conhecida de momento a momento. Ninguém pode lhe levar à verdade; e se alguém lhe guia, só pode levar-lhe ao conhecido.

A verdade só pode manifestar-se na mente que está livre do conhecido. Ela surge num estado em que o conhecido está ausente, não funciona. A mente é o depósito do conhecido, o resíduo do conhecido; e para que a mente esteja naquele estado no qual o desconhecido se manifesta, tem de estar cônscia de si mesma, de suas experiências anteriores, tanto conscientes como inconscientes, das suas respostas, reações, da sua estrutura. Quando há autoconhecimento completo, o conhecimento termina, e a mente fica completamente vazia do conhecido. Só então a verdade pode vir até você, sem ter sido chamada. A verdade não lhe pertence, nem a mim. Não podemos adorá-la. No momento em que a conhecemos, ela é irreal. O símbolo não é real, a imagem não é real; mas quando há compreensão do “eu”, desaparecimento do “eu”, desponta então a eternidade.

Jiddu Krishnamurti — O que estamos buscando?     


quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O pensamento jamais entra no estado de experienciação

Pergunta: Não existe algo além do pensamento, além do tempo, algo que não seja criado pela mente?

Krishnamurti: Ou lhe contaram sobre esse estado, você leu sobre ele ou existe a experienciação dele. A experienciação dele nunca pode ser uma experiência, um resultado; ele não pode ser conjecturado — e se for, será uma lembrança, não uma experienciação. Você pode repetir o que leu ou ouviu, mas a palavra não é a coisa; e a palavra, a própria repetição, impede o estado de experienciação. Aquele estado de experienciação não poderá existir enquanto houver pensamento; o pensamento, o resultado e o efeito jamais podem conhecer o estado de experienciação.

Pergunta: Então, como o pensamento pode acabar?

Krishnamurti: Perceba a verdade que o pensamento, o resultado do conhecido, jamais pode existir no estado de experienciação. A experienciação é sempre o novo; pensar pertence sempre ao velho. Veja a verdade disso e ela lhe trará libertação — libertação do pensamento, do resultado. Então haverá aquilo que está além da consciência, que não é dormir nem acordar, que é sem nome: aquilo é.


Jiddu Krishnamurti

Desejar experienciar a verdade é negar a verdade

As crenças condicionam a experiência, e a experiência, depois, reforça a crença. O que você acredita, você experiência. A mente dita e interpreta a experiência, convida-a ou rejeita-a. A própria mente é o resultado da experiência, e ela pode reconhecer ou experienciar apenas aquilo com que está familiarizada, que conheça, em qualquer nível que seja. A mente não pode experienciar o que não seja conhecido. A mente e sua reação são de maior significância do que a experiência; fiar-se na experiência como um meio de entender a verdade é ficar preso na ignorância e na ilusão. Desejar experienciar a verdade é negar a verdade; pois o desejo condiciona, e a crença é um outro disfarce do desejo. Conhecimento, crença, convicção, conclusão e experiência são empecilhos à verdade; eles são a própria estrutura do Eu.

(...) O desejo de experienciar a verdade deve ser pesquisado e entendido; mas se houver motivação na busca, a verdade não toma forma. Pode haver busca sem uma motivação, consciente ou inconsciente? Com a motivação, a busca? Se você já sabe o que quer, se você formulou um fim, então a busca é o meio de atingir aquele fim, que é projetado. Portanto, a busca é por gratificação, não pela verdade; e os meios serão escolhidos de acordo com a gratificação. O entendimento do que é não precisa de motivação; a motivação e os meios impedem o entendimento. A busca, que é percepção desprovida de escolha, não é por algo; é estar atento ao anseio pelo fim e aos instrumentos para isso. Essa atenção desprovida de escolha produz um entendimento do que é.

É estranho o quanto nós ansiamos pela permanência, pela continuidade. Esse desejo assume muitas formas, das mais grosseiras às mais sutis... Só conhecemos a continuidade e nunca a não-continuidade.

(...) Esse centro de continuidade não é a essência espiritual, pois ainda está dentro do campo do pensamento, da memória e, portanto, do tempo. Pode experienciar somente sua projeção, e por meio de sua experiência projetada dá a si mesmo mais continuidade. Consequentemente, enquanto existir jamais poderá experienciar além de si mesmo. Ele precisa morrer; precisa cessar de dar continuidade através da ideia, através da memória, através da palavra. A continuidade é deterioração, e só há vida na morte. Só existe renovação com o cessar do centro; desse modo, o renascimento não é continuidade; então, a morte é como a vida: uma renovação a cada momento. Essa renovação é criação.

Jiddu Krishnamurti

Você deve cessar para que a realidade seja

Pode Deus ser encontrado por meio da procura? Você pode procurar pelo incognoscível? Para encontrar, você deve conhecer o que está procurando. Se você procura para encontrar, o que você encontrar será uma projeção; será o que você deseja, e a criação do desejo não é a Verdade. Procurar a Verdade é negá-la. A Verdade não tem residência fixa; não há um caminho, nem um guia para ela, e a palavra não é a Verdade. Será a Verdade encontrada em um cenário particular, em um clima especial, entre certas pessoas? Está aqui e não ali? Este é o guia para a Verdade e não um outro? Existe realmente um guia? Quando a Verdade é procurada, o que é encontrado só pode surgir da ignorância, pois a própria busca surge da ignorância. Você não pode procurar a realidade; você deve cessar para que a realidade seja.

Jiddu Krishnamurti — Comentários sobre o viver


A mente especulativa não alcança Aquilo que é Real

Embaixo e ao longe se avistava o vale, cheio das atividades próprias dos vales em geral. O sol se punha naquele momento atrás das montanhas longínquas, e as sombras eram escuras e longas. Era uma tarde serena e uma brisa soprava do mar. As laranjeiras, alinhadas em renques sucessivos, pareciam quase negras e sobre a longa estrada reta que percorria o vale, viam-se ocasionais lampejos, quando a luz do sol poente se refletia nos carros que passavam. Era uma tarde de paz e encantamento.

A mente parecia abarcar a amplidão do espaço e a distância infinita; ou melhor, a mente parecia expandir-se infinitamente e, acompanhando a mente, mas fora dela, algo existia que continha todas as coisas. A mente lutava, na penumbra do subconsciente, procurando reconhecer e lembrar aquilo que não fazia parte dela própria, detendo a sua habitual atividade; mas não podia apreender o que era estranho à sua própria natureza; e logo todas as coisas, inclusive a mente, estavam engolfadas naquela imensidão. Caiu a noite, e o longínquo latir dos cães não perturbava de maneira nenhuma aquela existência que escapava a toda percepção. Ela não pode ser pensada e “experimentada” pela mente.

Mas que foi, então, que percebeu e se tornou cônscio de uma coisa tão diferente das “projeções” da mente? Quem é que a experimenta? Não foi, por certo, a mente constituída das lembranças, reações e impulsos de cada dia. Existe outra mente, ou há uma parte da mente que permanece adormecida e só pode ser despertada por Aquilo que existe acima e além da mente? Se assim é, existe então, sempre, dentro da mente aquela coisa que transcende todo o pensamento e o tempo. Todavia, não pode ser assim, pois isso é apenas pensamento especulativo e, portanto outra das muitas invenções da mente.

Uma vez que aquela imensidão não nasce do processo do pensamento, que é então que se torna cônscio dela? A mente, como “experimentador”, se torna cônscia dela, ou é aquela imensidão que está cônscia de si mesma, porque não existe mais “experimentador”? Não havia “experimentador”, na hora em que aquilo aconteceu, ao descermos a montanha e, todavia, o percebimento da mente era de todo diferente, tanto em qualidade como em intensidade, daquela coisa imensurável. A mente não estava funcionando; achava-se vigilante e passiva e, embora cônscia da brisa a brincar com as folhas, não havia movimento de espécie alguma, nela própria. Não havia “observador”, medindo ou avaliando a coisa observada. aquilo existia e era aquilo que estava cônscio de si mesmo e sua imensurabilidade. Aquilo não tinha começo, nem nome.

A mente está cônscia de não poder captar, pela experiência e pela palavra, aquilo que permanece sempre, atemporal e imensurável.    

Jiddu Krishnamurti — Reflexões sobre a vida

A Suprema Felicidade onde as palavras nada significam

Ele era moço, ainda, mas chefe de família e conceituado homem de negócios. Parecia muito preocupado e atribulado, e ansioso por dizer alguma coisa.

“Há tempos ocorreu-me uma experiência verdadeiramente extraordinária, e como nunca a relatei a ninguém não sei se sou capaz de descrevê-la para você com clareza; espero que sim, pois não há ninguém mais a quem possa me dirigir. Essa experiência arrebatou-me completamente o coração; entretanto, ela se foi e dela só me restou a vã lembrança. Talvez você possa ajudar-me a captá-la de novo. Vou relatar-lhe com a possível exatidão o que foi esse estado abençoado. Tenho lido a respeito dessas coisas, mas tudo o que li não passava de vãs palavras, que só me falavam aos sentidos; o que me aconteceu foi uma coisa fora da esfera do pensamento, da esfera da imaginação e do desejo, e eu a perdi. Rogo-lhe para que me ajude a recuperá-la.” Calou-se por um instante e continuou:

“Certa manhã despertei muito cedo; a cidade dormia ainda e seus rumores ainda não haviam começado. Senti-me impelido a sair; vesti-me rapidamente e saí para a rua. Nem sequer o caminhão do leite havia começado a circundar. A primavera estava iniciando e o céu era de um azul pálido.  Apoderou-se de mim um forte sentimento de que devia ir ao parque, distante cerca de uma milha. Desde o instante em que transpus a porta da rua, veio-me um estranho sentimento de leveza, como se estivesse caminhando no ar. O edifício fronteiro, um desgracioso conjunto de apartamentos, perdera toda a feiura; até os tijolos pareciam vivos e luminosos. Todo objeto insignificante, que eu de ordinário não teria sequer notado, parecia dotado de uma qualidade extraordinária, peculiar e, coisa estranha, tudo parecia parte de mim mesmo. Nada estava separado de mim; com efeito, o “eu”, como observador, como percebedor, tinha se ausentado, se percebe o que quero dizer. Não havia “eu” separado daquela árvore ou do jornal jogado na sarjeta ou das aves que chamavam umas às outras. Era um estado de consciência que eu nunca antes experimentara”.

“No caminho do parque”, prosseguiu, “havia uma loja de flores. Centenas de vezes passei por ali e de cada vez não dava mais do quem um simples relance de olhos para as flores. Mas naquela manhã parei diante da loja. A vitrine estava ligeiramente embaçada, do calor e da umidade interiores, mas isso não me impedia de ver as diversas variedades de flores. Enquanto ali estava, a contemplá-las, comecei a sorrir e a rir, possuídos de uma alegria nunca experimentada anteriormente. As flores estavam a falar-me e eu a falar com elas; sentia-me misturado com elas, elas faziam parte de mim mesmo. Ao dizer-lhe isso poderei dar-lhe a impressão de que me achava num estado histérico, ligeiramente privado da razão; mas não era assim. Vestira-me com muito cuidado, perfeitamente cônscio de meus atos, escolhendo peças limpas de vestuário, consultando o relógio, vendo os letreiros das lojas, inclusive o de meu alfaiate, e lendo os títulos dos livros expostos na vitrine de uma livraria. Tudo era vivo e eu amava todas as coisas. Eu era o perfume daquelas flores, mas não havia “eu” a cheirar as flores, se você entende o que quero dizer. Não havia separação entre elas e mim. Aquela loja de flores apresentava um fantástico espetáculo de cores, de uma beleza que parecia extasiante, pois o tempo e sua medida haviam cessado. Devo ter estado ali mais de vinte minutos, mas garanto-lhe que não tinha noção nenhuma de tempo. Foi-me difícil partir de perto daquelas flores. O mundo de luta, de dor e sofrimento era inexistente naquele momento. Com efeito, num tal estado as palavras são sem significação. As palavras são descritivas, discriminativas, comparativas, mas naquele estado não existiam palavras. “Eu” não estava experimentado; só havia um estado — experiência. O tempo cessara: não havia passado, presente ou futuro. Só havia — oh!, não sei expressá-lo por palavras, mas não importa. Havia uma Presença — não, não é esta a palavra. Era como se a Terra, com tudo o que nela e sobre ela existe, tivesse recebido uma benção dos céus, e eu, dirigindo-me ao parque, fazia parte dela. Ao aproximar-me do parque, fiquei completamente fascinado pela beleza daquelas árvores familiares. Do amarelo pálido ao verde mais escuro, as folhas dançavam cheias de vida. Cada uma das folhas destacava-se, separadamente, e toda a riqueza da Terra se concentrava numa única folha. Senti o coração acelerar-se; tenho um coração robusto, mas mal podia respirar, ao entrar no parque, e pensei desmaiar. Sentei-me num banco, as lágrimas rolavam-me pelas faces. Rodeava-me um silêncio, verdadeiramente intolerável. Mas esse silêncio estava purificando todas as coisas, lavando-as da dor e do sofrimento. Ao internar-me mais no parque, havia música no ar. Fiquei surpreso, pois não havia casas nas imediações e por certo ninguém teria levado um rádio para o parque àquela hora da madrugada. A música fazia parte daquela totalidade. Toda a bondade, toda a compaixão do mundo estava presente naquele parque, Deus estava ali.”

“Não sou teólogo nem muito religioso”, continuou, “já entrei pelo menos uma dúzia de vezes numa igreja, mas isso nunca teve muita significação para mim. Não suporto o amontoado de absurdos que se presencia numa igreja. Mas naquele parque estava presente um Ser, se se pode empregar tal palavra, no qual todas as coisas viviam e agiam. As pernas me tremiam, forçando-me a sentar-me de novo, recostado numa árvore. O tronco era uma entidade viva como eu, e eu fazia parte daquela árvore, daquele Ser, do mundo. Devo ter desmaiado. Aquilo fora excessivo para mim: as cores intensas e vivas, as folhas, as pedras, as flores, a incrível beleza de todas as coisas. E, por sobre tudo aquilo, a benção de...”

“Quando tornei a mim já era nado o sol. Em geral levo uns vinte minutos, a pé, até o parque; mas já fazia quase duas horas que eu saíra de casa. Fisicamente, sentei-me sem forças para voltar a pé; e, assim, deixei-me ficar ali, sentado, reunindo as forças e sem ousar pensar. Ao voltar para casa, lentamente, levava comigo, toda inteira, aquela experiência; durou ela dois dias e, tão subitamente como viera, desapareceu. Começou então o meu tormento. Durante uma semana inteira não cheguei, sequer, às proximidades do meu escritório. Queria de volta aquela experiência ordinária, viva, queria tornar a viver, e para sempre, naquele mundo beatífico. Tudo isso aconteceu há dois anos. Andei pensando seriamente em ir-me para um recanto solitário do mundo, mas o coração me dizia que não a recuperaria por essa maneira. Nenhum mosteiro pode oferecer-me aquela experiência; não a encontrarei em nenhuma igreja cheia de velas acesas e onde só se nos oferecem a morte e a escuridão. Pensei em partir para a Índia, mas abandonei também tal ideia. Experimentei então certa droga; ela me fez mais vívidas as coisas, etc., mas não é de narcóticos que eu preciso. Isto é querer comprar muito barato o “experimentar”; e o que se tem é uma ilusão e não a coisa real”.

“Aqui estou, pois”, concluiu. “Tudo eu daria, minha vida e todos os meus haveres, para viver de novo naquele mundo. Que devo fazer?”

Ele veio a você, sem você o ter chamado, Senhor. Você nunca o procurou. Enquanto você o estiver procurando, não o terá nunca. Justamente o desejo de tornar a viver aquele estado extático, está impedindo a vinda do novo, a experiência nova daquela suprema felicidade. Veja o que aconteceu: você teve aquela experiência e está vivendo agora da lembrança morta de ontem. “O que foi” está impedindo a vinda do novo.

“Você quer dizer que devo colocar fora e esquecer tudo o que foi e ir arrastando de dia em dia esta minha insignificante existência, interiormente esfomeado?”

Se não continuar a relembrar e a pedir mais  o que constitui um verdadeiro esforço — será então possível que aquela mesma coisa que escapa inteiramente ao seu controle, atue por sua própria vontade. A avidez, mesmo com um alvo sublime, só pode gerar sofrimento; a ânsia de mais abre porta ao desejo. Aquela bem-aventurança não pode ser comprada com nenhum sacrifício, nenhuma virtude, e nenhuma droga. Ela não é uma recompensa, um resultado. Vem espontaneamente; não a busque.

“Mas aquela experiência foi real, veio da esfera do Sublime?”

Sempre queremos que outra pessoa confirme um fato ocorrido, nos dê certeza a respeito dele, para ficarmos abrigados nesta certeza. Tornar-se certo ou seguro, em relação ao que foi, ainda que tenha sido o Real, significa fortalecer o irreal e gerar a ilusão. Trazer para o presente o que passou — agradável ou desagradável — é fechar a porta ao Real. A Realidade não tem continuidade. Ela existe momento por momento; é atemporal, imensurável.

Jiddu Krishnamurti — Reflexões sobre a vida


segunda-feira, 26 de agosto de 2013

A experiência do abençoado estado

Todo pensamento e sentimento se desvaneceram deixando o cérebro imóvel e quieto... Desperto e sensível, o cérebro observava tudo sem reagir, sem experimentar; embora livre ainda de qualquer movimento interno, não estava insensibilizado ou drogado pela memória. De repente, a sublime presença daquela coisa singular sem impunha com toda a sua força, não apenas no mundo exterior, mas também nos mais íntimos recessos daquilo que antes fizera parte da mente. O pensamento tem seus limites, resultantes da reação; todo e qualquer motivo serve de molde ao pensamento e ao sentimento; a experiência vem do passado e o reconhecimento é sempre do conhecido. Mas, aquele abençoado estado não deixava marcas, pois sua forte, nítida e impenetrável presença tinha a intensidade da chama sem cinzas. O êxtase que vinha dali não deixava vestígios na memória, porquanto não havia o ato de experimentar. Ele simplesmente existia, em total liberdade, alheio à busca e às lembranças.
Não existe a possibilidade de o passado encontrar-se com o incognoscível; nada os poderia reunir; nenhuma ponte ou caminho nos permitirão conhecer aquela desconhecida benção. Jamais se deu o encontro de ambos, pois o passado deve simplesmente findar para que se revele o grandioso mistério daquela coisa singular.  

Jiddu Krishnamurti — 23 de janeiro de 1962

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Breves relatos de despertar da inteligência

De repente, uma grande luz vinda do céu brilhou à minha volta... Aqueles que estavam comigo certamente viram a luz e ficaram com medo... Então eu disse: "O que devo fazer, Senhor?" E o Senhor me disse: "Levanta-te e vai a Damasco e lá te serão ditas todas as coisas que estão determinadas para que faças." E como eu não podia ver por causa do esplendor daquela luz, sendo conduzido pelas mãos daqueles que estavam comigo, fui para Damasco.
Saulo de Tarso, "A Caminho de Damasco", Atos 22:6-11

Deitei-me no gurupés, olhando para a popa, com água espumando por baixo, os mastros com as velas brancas ao luar erguendo-se acima de mim. Embriaguei-me com a beleza e o ritmo daquele som, e por um momento me perdi — na verdade, perdi a minha vida. Fui libertado! Dissolvi-me no mar, me transformei nas velas brancas, no borrifo de espuma em beleza e ritmo, na luz da Lua, no barco e no céu negro e estrelado! Eu existia sem assado nem futuro, em paz, unidade e felicidade arrebatadoras, dentro de algo maior do que a minha própria vida — ou do que a vida do Homem — eu pertencia à Vida, enfim! Ou a Deus, se você preferir... Como o véu das coisas, como se estivesse sendo puxado por uma mão invisível. Por um segundo, isso faz sentido.
Eugene O'Neil, Long Day's Journey into Night

Há momentos de glória que vão além da expectativa humana, além da habilidade física e emocional da pessoa. Alguma coisa inexplicável dirige e exala vida para a vida conhecida... Chama-se a isso estado de graça ou ato de fé... ou uma ação de Deus. Está lá, e o impossível torna-se possível... A atleta vai além de si mesma; transcende o natural. Toca uma parte do céu e torna-se o recipiente do poder de uma fonte desconhecida.
Patsy Neal, jogadora de basquetebol, em Sport and Identity
 
Ouço além do alcance do som,
Vejo além do alcance da visão,
Novas terras, céus e mares ao redor,
E, no meu dia, o sol faz empalidecer sua luz.
Henry David Thoreau , poeta
 Mais de uma vez quando
Me sentei sozinho, refletindo sobre mim mesmo
A palavra que é o símbolo de mim mesmo,
O limite mortal do Eu foi liberado,
E transferido ao anonimato, como uma nuvem
Que se dissolve no céu.
 Alfred Lord Tennyson
 
Naquele estado iluminado eu me senti completamente sem limites e livre, rodeado e repleto de uma luz brilhante, banhado por uma enorme sensação de paz. Quando comecei a voltar ao mundo cotidiano, senti que meu novo "Eu" abrangente estava se afunilando, voltando a ser uma unidade retraída: o meu "Eu" físico cotidiano. Meu corpo se sentia como uma armadilha de aço que prendia e dominava todas as minhas possibilidades. Senti a dor e o drama da vida diária começando a me pressionar, e chorei quando ansiei por voltar para a liberdade que havia descoberto.
Anônimo

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Despertando a inteligência integral

"Qualquer forma de tradição — trazida do passado —, que é utilizada para se saber se existe uma Grande Realidade, é obviamente um esforço perdido. A mente tem de estar liberta de toda a espécie de tradição e preceitos espirituais; caso contrário, ficamos completamente privados de verdadeira inteligência." — Krishnamurti


Pergunta: Você tem condenado a disciplina como meio de aperfeiçoamento, espiritual ou de outra natureza. Como se pode realizar qualquer coisa na vida, sem disciplina, ou pelo menos sem autodisciplina? 

Krishnamurti: Mais uma vez, escutemos. Escutemos, a fim de descobrir a verdade contida na questão. Não importa o que eu diga ou o que outro diga: nós temos de achar a verdade contida na questão. Em primeiro lugar, há muitos que afirmam que a disciplina é necessária, senão todo o sistema social, econômico e político, deixaria de existir; que para se fazer isto ou aquilo, para se conhecer Deus, necessita-se disciplina. É necessário seguir uma determinada disciplina, porque sem disciplina não se pode controlar a mente, sem disciplina nos excedemos. 

Eu, porém, desejo conhecer a verdade contida na questão e não o que disse Sankara, BUda, Patanjali, ou o que disse um outro qualquer. Desejo saber qual é a verdade a esse respeito. Não desejo depender de nenhuma autoridade, para descobrir. Eu imporia disciplina a uma criança? Disciplino uma criança quando não tenho tempo, quando sou impaciente, irado, quando quero obrigá-la a fazer alguma coisa. Mas se ajudo a criança a compreender porque prática mas ações, não é necessária a disciplina, vocês não acham? Se procuro explicar, se tenho paciência, se me dou ao trabalho de compreender o problema de porque a criança está procedendo de tal ou tal maneira, então, de certo, a disciplina é desnecessária. O que é necessário é despertar a inteligência, não acham? Se for despertada em mim a inteligência, então, evidentemente, não praticarei certas coisas. Visto que não sabemos a maneira de despertar essa inteligência, construímos muralhas de controle, resistência, a que chamamos disciplina. A disciplina, pois, nada tem em comum com a inteligência: ao contrário, destrói a inteligência. Se compreendo que determinada maneira de pensar — pensar, por exemplo, em termos de nacionalismo — é um processo errôneo, se percebo toda a sua significação, o isolamento, o sentimento de identificação com uma coisa maior, etc., se percebo toda a significação do desejo, da atividade da mente, se verdadeiramente lhe compreendo e percebo todo o conteúdo, se minha inteligência desperta para essa compreensão, então, o desejo desaparece; não preciso dizer "este é um desejo perverso". Requer isso vigilância, atenção, exame, não acham? E porque não somos capazes de tal, dizemos que precisamos de disciplina, maneira muito infantil de se pensar num problema tão complexo. Os próprios sistemas educativos estão abandonando a ideia de disciplina. Estão procurando investigar a psicologia da criança e a razão por que ela procede de tal maneira; estão observando-a, ajudando-a. 

Considerem agora o processo da disciplina. Em que ele consiste? A disciplina, sem dúvida, é um processo de compulsão, de repressão, não é certo? Desejo fazer uma determinada coisa e digo: "tenho de fazê-la, porque desejo alcançar tal estado", ou "essa coisa é má". Compreendo alguma coisa quando a condeno? E quando condeno alguma coisa, observo-a, examino-a? Eu não a vi. Só a mente indolente se coloca a disciplinar, sem compreender a significação que isso tem; e estou convencido de que todos os preceitos religiosos foram estabelecidos para os indolentes. É tão mais fácil seguir do que investigar, inquirir, compreender. Quanto mais disciplinada uma pessoa, tanto menos aberto o seu coração. Sabem estas coisas, senhores? Como pode um coração vazio compreender algo que não está sob a influência da mente?

O problema da disciplina, com efeito, é muito complexo. Os partidos políticos se servem da disciplina como meio de alcançar um determinado resultado, como meio de fazer o indivíduo ajustar-se ao padrão ideal de uma sociedade futura, pela qual estamos plenamente dispostos a nos deixarmos escravizar, porque ela promete algo maravilhoso. Assim, a mente que está em busca de recompensa, de um objetivo, obriga-se a ajustar-se a esse objetivo, que é sempre projeção de uma mente mais engenhosa, uma mente superior, uma mente mais astuciosa. A mente disciplinada nunca é capaz de compreender o que significa "estar em paz". Como pode a mente que está cercada de regras e restrições enxergar qualquer coisa que está além?

Se examinarem esse processo de disciplina, verão que o desejo é que o sustenta, o desejo de ser forte, o desejo de alcançar um resultado, o desejo de tornar-se algo, o desejo de ser poderoso, de se tornar "mais" e não "menos". Esse impulso do desejo está sempre ativo, impelindo ao conformismo, à disciplina, à repressão, ao isolamento. Vocês podem reprimir, podem disciplinar. Mas o consciente não pode controlar e moldar a mente inconsciente. Se procuram moldar a mente inconsciente de vocês, isso é o que se chama disciplina. Não é verdade? Quanto mais reprimem, quanto maios amordaçam suas mentes, tanto mais se revolta o inconsciente, e no fim a mente ou se torna neurótica ou extravagante. 

Por conseguinte, o que tem importância, nesta questão, não é seu eu condeno a disciplina ou se vocês a aprovam; vejamos como se desperta a inteligência integral, não a inteligência dividida em compartimentos, mas a inteligência "integrada", a qual traz a sua compreensão própria e evita, por conseguinte, certas coisas, naturalmente, automaticamente, livremente. A inteligência é que guiará, e não a disciplina. Senhor, este é uma questão realmente importantíssima e muito complexa. Se de verdade desejamos investigá-la, se observarmos a nós mesmos e compreendermos todo o processo da disciplina, veremos que não somos verdadeiramente disciplinados, em absoluto. Vocês são disciplinados, em suas vidas? Ou estão reprimindo as suas ânsias, resistindo às várias formas de tentação? Se resistem por meio da disciplina, aquelas tentações e ânsias continuarão a existir. Não ficam elas profundamente ocultas, aguardando apenas uma brecha por onde saírem impetuosamente? Vocês não têm notado como, a medida que vão ficando mais velhos, voltam a manifestar-se os sentimentos outrora reprimidos? Não podem usar de artifícios com o inconsciente de vocês. ele lhes dará o troco multiplicado por mil. 

Eu lhes asseguro que a disciplina não lhes levará a parte alguma; pelo contrário, ela é um processo cego, privado de inteligência e de pensamento. Mas despertar a inteligência constitui um problema de todo diferente. Não se pode cultivar a inteligência. A inteligência, uma vez desperta, traz consigo sua própria maneira de operar; ela regula a sua própria vida, observa as várias formas de tentações, inclinações, reações, e as investiga; compreende, não superficialmente, porém, de maneira integral, completa. Para tal, precisa a mente estar sempre atenta, sempre vigilante. Não é verdade? Certo, para a mente que deseja compreender, as restrições por ela própria impostas a si mesma são de pouquíssima valia. Para compreender, é mister liberdade; essa liberdade não vem por meio da compulsão de espécie alguma; e a liberdade não está no fim, e sim no começo. Nosso problema é o de despertar a inteligência "integrada", e isso só pode realizar-se quando somos capazes de compreender o todo. 

Este complexo problema do desejo expressa-se por meio da disciplina, do conformismo, da repressão, da crença, do conhecimento. Logo que percebemos a vasta estrutura do desejo, começaremos a compreende-lo. Começará então a mente a ver-se a si mesma e a ser capaz de receber algo que não é projeção dela própria. 

Jiddu Krishnamurti — 6 de janeiro de 1952 - Quando o pensamento cessa   

Leia também: Coletânea sobre o despertar da inteligência

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

O que é mais importante: a vida material ou a espiritual?

É necessário diferenciarmos entre a experiência produzida pela crença e o experimentar direto. A crença, obviamente, é prejudicial ao experimentar. É só pelo direto experimentar, e não pela crença, que se pode achar a realidade de qualquer coisa. A crença é desnecessária, ao passo que o experimentar é essencial, acima de tudo num mundo onde existem tantas contradições, tantos especialistas, cada um a preconizar a sua solução própria. Nós, a gente comum, precisamos descobrir a verdade relativa a toda esta confusão e toda esta angústia. E, por isso, faz-se necessário indagarmos se a crença é essencial e se ela nos ajuda a conhecer, a experimentar, a realidade. 

Ora bem, o mundo, como sabemos, está dividido em dois campos: o dos que creem que a vida material é de essencial importância — a existência material da sociedade, a alteração do ambiente, o recondicionamento do homem ao ambiente — e o dos que acreditam ser a vida espiritual de primordial importância. A extrema esquerda crê na modificação e transformação do ambiente; e há os que creem que a vida espiritual do homem é que tem fundamental importância. 

Pois bem: cabe-nos, a vocês e a mim, descobrir a verdade a esse respeito. De acordo com essa verdade, será correta a nossa vida. Os especialistas dizem que o ambiente tem a preferência, e há os que dizem que o espírito tem a preferência, e a vocês e a mim é imperativo descobrir a verdade a tal respeito. Não é questão de crença, uma vez que a crença não tem validade com relação à experiência. A que devemos atribuir importância, ao ambiente ou à vida espiritual? E como iremos, vocês e eu, descobrir a verdade sobre isto? Não será por meio de leituras intermináveis; não será pelo seguirmos os especialistas da esquerda ou da direita; não será pelo seguirmos aqueles que acreditam ser a vida material da sociedade de primordial importância; não será ainda pelo estudo de todos os seus livros, de toda a sua ciência especializada, nem pelo seguirmos aqueles que acreditam na primazia da vida espiritual e todos os seus escritos. A crença, simplesmente, neste ou naquele, não é, por certo, encontrar a verdade contida na questão. 

Todavia, a maioria de nós estamos envolvidos pela crença, estamos incertos. Ora pensamos de um modo, ora de outro. Nunca estamos certos; estamos tão confusos como os especialistas, na sua certeza. Não podemos aceitar nada como certo, não podemos seguir a um ou a outro, porquanto tanto um como o outro nos levam à confusão, visto que a aceitação de qualquer autoridade, em tais questões, é, evidentemente, prejudicial à sociedade. A influência dos guias é um fator de degeneração da sociedade; entretanto, tanto vocês como eu, colhidos que estamos entre os dois campos e sem saber o que fazer, precisamos descobrir qual é a verdade contida na questão, e isso sem nos ajuntarmos a especialista algum. 

E como colocaremos mãos à obra? Senhor, esta é uma das questões fundamentais da atualidade. Há os que aplicam todas as suas energias, todas as suas capacidades, toda a sua força e pensamento à alteração do ambiente, o qual esperam que por fim venha a transformar o indivíduo; e há os que preferem apelar, cada vez mais, para a crença, para a ortodoxia, para a religião organizada, e assim por diante. Esses dois grupos estão em guerra um com o outro, e a nós cabe decidir, não decidir sobre qual partido devemos tomar, já que não se trata de tomar partido, mas precisamos estar certos da verdade relativa a essas coisas. 

Igualmente, não podemos, evidentemente, ficar na dependência de nossos preconceitos, uma vez que estes não nos mostram a verdade a tal respeito. Se você foi "condicionado" num ambiente religioso, dirá que o espírito tem a preferência. Outro, educado diferentemente, dirá que a existência material da sociedade é que tem primordial importância.

Pois bem: como poderemos, vocês e eu, que somos pessoas comuns, que não contamos com acumulados conhecimentos, com teorias, demonstrações, provas históricas — como poderemos descobrir a verdade relativa a tudo isso? Não é esta uma importantíssima questão? Pois de tal descoberta depende a nossa futura responsabilidade de ação. Não é, pois, uma questão de crença; a crença é também uma forma de "condicionamento" e ela não nos ajudará a achar a verdade relativa a questão. 

Assim sendo, para encontrarmos essa verdade, não é necessário, em primeiro lugar, estarmos livres de nossa educação religiosa, bem como de nossa educação materialista? Significa isso que não podemos, meramente aceitar; precisamos estar livres do "condicionamento" que nos faz pensar que a existência material da sociedade tem importância primária, bem como do "condicionamento" que nos faz acreditar que a vida espiritual é de importância básica. Precisamos estar livres das duas coisas, a fim de acharmos a verdade a respeito de ambas. Isso é, sem dúvida, bem evidente, não acham? Para se encontrar a verdade relativa a alguma coisa, é preciso que a examinemos de maneira nova, original, sem preconceito algum. 

Está visto, pois, que, para acharmos a verdade relativa a essas coisas, é necessário que nos libertemos de nosso lastro de ideias e experiência, de nosso ambiente. Será isso possível? Isto é, vivemos somente de pão? Ou existe outro fator, que molde o exterior, o ambiente, em conformidade com nosso estado psicológico? E o encontrar-se a verdade relativa a essa questão é de principal importância para toda pessoa responsável e sincera, porquanto daí depende sua ação, a para achar a verdade, é necessário que o indivíduo estude a si próprio, e que esteja consciente de si mesmo quando em ação. O aspecto material da sociedade tem o papel principal em nossa vida? O ambiente desempenha o papel mais importante em nossa vida? Para a maioria de nós, não há dúvida que sim. É o ambiente que molda os nossos pensamentos e sentimentos? E onde é que começa a chamada vida espiritual, e onde acaba a influência do ambiente? Certamente, para verificá-lo, é necessário que o indivíduo estude as suas próprias ações, seus próprios pensamentos e sentimentos. Em outras palavras, é preciso o autoconhecimento — não o conhecimento que se encontra num livro, que se colhe em várias fontes, mas o conhecimento do viver diário de vocês, dia a dia, momento a momento, o conhecimento do "ego", em qualquer nível que seja encontrado. 

Vemos, pois, que a verdade relativa a essa questão está na compreensão de si mesmos, em relação com o ambiente, em relação com uma ideia, que se chama espírito. É isso? 

Conforme já apreciamos em nossas discussões de ontem e dos dias precedente, a vida é uma questão de relação. O viver, o existir implica relação; e é somente na vida de relação, no compreender a vida de relação, que começamos a descobrir a verdade relativa a esta questão: se a vida material é de primordial importância, ou não. Temos, portanto, de descobrir essa verdade, de entrar em contato com ela, pela compreensão da vida de relação, e não apenas apegando-nos a uma crença. E essa descoberta, essa experiência, nos dará então a realidade contida nessas duas coisas. 

Assim, pois, o autoconhecimento é de importância básica para o descobrimento da verdade, significando isto que o indivíduo precisa estar consciente de cada pensamento e de cada sentimento, e perceber de onde procedem essas reações; e só é possível estar consciente com claridade e amplitude, se não houver condenação nem justificação. Isto é, se estamos conscientes de um pensamento, de um sentimento, e o seguirmos de princípio a fim, sem condenação, poderemos então perceber se se trata de reação ao ambiente ou, simplesmente, de reação a uma exigência material, ou ainda, se o pensamento provém de uma fonte diferente. 

Assim, pelo percebimento sem condenação nem justificação começaremos a compreender a nós mesmos — que somos as várias reações a diferentes estímulos, reações ao ambiente, que significa relações. Por conseguinte, a vida de relação, ou, antes, a compreensão da vida de relação, assume grande importância — nossas relações com a propriedade, nossas relações com as pessoas, nossas relações com ideias — e esse movimento de relações não pode ser compreendido se existe qualquer tendência à condenação ou à justificação. Se desejam compreender uma coisa, é claro que não devem condená-la. Se desejam compreender um filho, cabe a vocês estudá-lo, observá-lo, estudar seus diferentes estados de ânimo, estudá-lo quando brinca, etc. De igual maneira, precisamos estudar a nós mesmos, a todos os momentos, e só podemos estudar a nós mesmos quando não há condenação; mas é extremamente difícil não condenar, porquanto a condenação ou a comparação representa uma fuga do "que é"; e para se estudar o "que é" requer-se uma extraordinária vigilância mental e essa vigilância amortece, quando se deixa prender pela comparação, pela condenação. Condenar não é compreender, estejam certos disso. É tão mais fácil condenar uma criança ou uma pessoa do que compreender tal pessoa! Para se compreender a pessoa, é necessário atenção, interesse. 

Nosso problema, portanto, é a compreensão de nós mesmos, tal como somos, visto que cada um de nós é não só o ambiente, mas algo mais. Esse "algo mais" não resulta de crença. Precisamos descobri-lo, experimenta-lo diretamente, e a crença é um empecilho à direta experiência

Precisamos, pois, considerar a nós mesmos exatamente como somos e estudar a nós mesmos tais como somos; e esse estudo só pode ser feito no estado de relação, e não no isolamento.

Jiddu Krishnamurti — O que te fará feliz? 
23 de janeiro de 1949            

segunda-feira, 8 de abril de 2013

domingo, 7 de abril de 2013

A iluminação não provém da renúncia.

A renúncia é coisa que não existe.
(...)
A ideia de sacrifício, de renúncia, de abnegação própria, é falsa.
(...)
Para o homem que fixou, como objetivo da existência, o desenvolvimento, a plena realização da vida e a conservação da verdade e da felicidade, não pode existir isso que se chama renúncia. Haverá renúncia no fato de a roseira florescer em rosa? A roseira produz a rosa, porque não pode ser de outro modo. É da sua natureza produzir beleza e fragrância.

Muitas pessoas se apegas às suas pequenas vantagens e intuitos, aos seus pequenos incentivos e pequenas esperanças; mas, ao procurar a verdade, tem de abandonar estas limitações que elas próprias criaram à sua vida. Para estas pessoas é que há e tem de haver renúncia.
(...)
Não existe renúncia para a mente que compreende, para o coração que está cheio. Para a mente capaz de entendimento, pelo fato de haver se tornado toda a experiência e para o coração que está cheio, por estar enamorado da vida, não há mais renúncia. Nem tão pouco existe renúncia para o homem que se torna a visão da eternidade, porque essa luz guiadora o capacita a discernir entre o que é essencial e o que não é essencial.
(...)
Não existe verdadeira renúncia enquanto não houver compreensão; e para compreender verdadeiramente, a mente necessita estar liberta de todo sentimento de aquisição. Quando vocês se apercebem de um embaraço como tal, estão capacitados a encará-lo abertamente, francamente, sem temor; porém só podem se tornar apercebidos, quando sentirem, tanto com a mente como com o coração de vocês, que existe um embaraço.
(...)
Não mera concepção intelectual só há luta, fadiga e incerteza. Haverá luta, conflito, fadiga e tristeza, enquanto acolherem na mente de vocês as ilusões nascidas dos falsos valores; e só podem discernir os verdadeiros valores, quando a mente se tornar vigilante por meio do desapego de todas as ideias, preconceitos e conformidades.
(...)
Não há o que se denomina renúncia. Quando vocês compreendem os reais valores da vida, a ideia da renúncia não tem significado. Enquanto não compreendem, então há medo e vem a esperança de se libertarem dele, por meio da renúncia.

A iluminação não provém da renúncia.
(...)
Iluminação é o interesse consumado no que é essencial. Para o homem que tem medo da dúvida, a renúncia existe.

Krishnamurti — O medo — 1946 — ICK

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Na consciência limitada, o "eu", encontra-se a fonte do medo

O que é que a fé é criada no homem?

Fundamentalmente, é o medo. Vocês dizem: "Se me libertar da fé, ficarei com medo e por isso nada lucrarei".

Assim, vocês preferem viver numa ilusão, apegando-se às suas fantasias.

Para escapar do medo, vocês criam a fé. Agora, quando, por meio do pensar profundo, dissolvem a fé, ficam face à face com o medo. Somente então podem resolver a causa do medo. Quando todas as vias de fuga houverem sido, por completo, compreendidas e destruídas, então, estarão frente a frente com a raiz do medo; só então a mente poderá libertar-se da guerra do temor.

Quando há temor, as religiões e as autoridades que vocês têm criado, na busca de segurança, lhes oferecem o ópio a que vocês chamam fé ou amor de Deus.

Assim, apenas encobrem o medo, que se expressa em vias ocultas e sutis.

Assim, prosseguem rejeitando as velhas fés e aceitando as novas; porém, o verdadeiro veneno, a raiz do temor, jamais se dissolve. Enquanto existir essa consciência limitada, o "eu" tem de haver medo. Até que a mente se liberte dessa consciência limitada, o medo tem de continuar, sob uma ou outra forma.
(...)
A fé lhes proporciona conforto, alívio, no infortúnio ou na tristeza.

Sobre a fé vocês têm construído um sistema de compulsão, de disciplina, um conjunto de valores falsos.

Vocês buscam por abrigo atrás da parede protetora da fé e essa parede lhes impede o amor, a simpatia e a bondade; isso, porque a ocupação de vocês se refere a si próprios, à salvação e ao bem-estar de vocês neste mundo e no além.

Se começarem a estar percebidos, a discernir como criaram esse processo por meio do medo, como estão constantemente buscando abrigo, por detrás desses ideais, conceitos e valores, sempre que venha qualquer reação, então, compreenderão que o percebimento não é a ocupação com os seus pensamentos e sentimentos, porém, a profunda compreensão da insensatez de criar esses valores, por detrás dos quais a mente se abriga.
(...)
A individualidade se desenvolve no solo da paixão, do ódio, do ciúme, da avidez, da ação, da inação, da solidão, do desejo de companhia. Porém, o homem que depende de qualquer destas coisas conhece a separação e está preso às garras da tristeza. Onde quer que haja tristeza há busca de conforto e de segurança da existência individual. Quando se compreende que este anseio é uma ilusão, então, em seu lugar, nasce a fé — fé não em outra pessoa, em outro indivíduo, ainda que altamente evoluído, ainda que superior, mas a fé na realidade que existe dentro de si mesmo. É isto que denomino verdadeira fé — a realização de que dentro de vocês reside a potencialidade do todo e que a tarefa de vocês é perceber e realizar a totalidade.

Krishnamurti - O medo - 1946 - ICK

Despertando em si mesmo a verdadeira inteligência


Onde houver segurança há exploração. E vocês, como indivíduos, pela segurança, se tornam exploradores e explorados. Vocês é que criam o mediador entre vocês e o verdadeiro discernimento dos valores retos, o qual é inteligência.

Ninguém, porém, pode lhes dar essa inteligência. Nada, a não ser a sua própria percepção desperta, pode lhes ensinar o reto valor do dinheiro, do afeto, do pensamento.

Então, as complicações da crença organizada desaparecerão.

Então, não mais haverá esse prosseguimento da devoção, essa falsa reverência baseada no medo, no qual não existe a percepção dos verdadeiros valores.
(...)
Por todo o mundo anda o homem à busca da segurança na imortalidade. O medo o faz buscar conforto numa crença organizada, que se chama religião, com seus credos e dogmas, com sua pompa e superstição. Estas crenças organizadas, as religiões, fundamentalmente separam o homem. E se examinarem seus ideais, sua moral, verão que estão baseados no medo e no egoísmo. Da crença organizada decorre o desejo rendoso que, sutilmente se torna cruel autoridade, para explorar o homem por meio do seu medo.
(...)
Por toda parte do mundo há constante sofrimento que parece infindável. Há a exploração de uma classe pela outra. Vemos o imperialismo com todas as suas imbecilidades, com todas as suas guerras e com as crueldades oriundas do desejo rendoso, seja em ideias, seja em crenças ou em poder. Além disto, há o problema da morte e a busca de felicidade e de certeza num outro mundo. Uma das razões fundamentais pelas quais vocês pertencem a uma religião ou a uma seita religiosa é lhes prometer um lugar seguro no além.

Aqueles dentre nós que estão ativa e inteligentemente interessados pela vida, veem tudo isto e, desejosos de operar uma mudança fundamental, imaginam que deveria haver um movimento em massa.

Ora, para criar um movimento verdadeiramente coletivo, é preciso que se dê o despertar do indivíduo. Eu me preocupo com esse despertar. Se cada indivíduo despertar em si mesmo essa verdadeira inteligência, então produzirá o bem estar coletivo, sem exploração nem crueldade. Enquanto a plenitude inteligente do indivíduo estiver impedida, tem de haver caos, tristeza e crueldade.

Se vocês forem arrastados a cooperar, por meio do medo, jamais poderá realizar-se a plenitude individual. Portanto, eu não me preocupo em criar uma nova organização ou partido, ou em lhes oferecer uma nova substituição; preocupo-me com o despertar dessa inteligência, que é a única que pode dar solução às múltiplas tristezas e misérias humanas.
(...)
Onde houver medo, que é o resultado da segurança, tem de haver exploração. Libertar a mente do medo é uma das coisas mais difíceis de executar.

As pessoas são muito rápidas em dizer que não têm medo. Se, porém, quiserem realmente averiguar se estão libertos do medo, têm de a si próprias se colocar à prova na ação. Têm de compreender a estrutura, em conjunto, da tradição e dos valores e, no apartarem-se, elas próprias, dessas coisas criarão conflito em que descobrirão se estão livres. Ora, nós, pela maior parte, estamos agindo em conformidade com certos valores estabelecidos. Não conhecemos seu verdadeiro significado.

Se quiserem descobrir a constituição do ser de vocês, pulem fora da trilha que estão seguindo, e, então, verificarão os múltiplos e sutis temores que escravizam suas mentes. Quando a mente se libertar do medo, não mais haverá exploração, crueldade nem tristeza.
(...)
Na busca da segurança individual de vocês a que chamam imortalidade, começam a criar muitas ilusões e ideais que se tornam meios de grosseira ou sutil exploração. Para lhes dar segurança e para interpretar as suas ânsias de segurança no além e no presente, é preciso que haja mediadores, mensageiros, que, por meio do medo de vocês, se tornam seus exploradores.

Portanto, fundamentalmente, vocês são os criadores dos exploradores, sejam eles econômicos ou espirituais. Para compreender esta estrutura religiosa, que se tornou um meio de explorar o homem em todo o mundo, vocês precisam compreender o próprio desejo e as suas modalidades de ação sutil e astuta.
(...)
A religião nada mais é do que um sistema organizado de crença, baseado no medo e no desejo de segurança. Onde houver o próprio desejo, desejo de segurança, tem de haver temor; e vocês, por meio da religião, buscam aquilo a que se chama imortalidade, segurança no além, sendo que aqueles que lhes prometem e lhes asseguram essa imortalidade, tornam-se seus guias, seus instrutores e autoridades.
(...)
Pelo medo, cria-se a autoridade, e, a ela cedendo, vocês produzem a exploração. Portanto, cada um de vocês, em virtude do medo, cria exploradores. Pelos próprios desejos e temores, vocês têm criado as religiões com seus dogmas, seus credos e toda a sua pompa e representação.

As religiões, como crenças organizadas que são, com seus desejos rendosos, não conduzem o homem à realidade. Tornaram-se máquinas de exploração. Vocês são, porém, os responsáveis pela sua existência. A mente precisa de se libertar de todas as ilusões criadas pelo medo, ilusões essas que aparecem, agora, como realidade, e quando a mente for simples e direta, capaz de pensar verdadeiramente, então não mais criará exploradores.

Krishnamurti - O medo - 1946 - ICK
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill