Onde houver segurança há
exploração. E vocês, como indivíduos, pela segurança, se tornam exploradores e
explorados. Vocês é que criam o mediador entre vocês e o verdadeiro
discernimento dos valores retos, o qual é inteligência.
Ninguém, porém, pode lhes dar
essa inteligência. Nada, a não ser a sua própria percepção desperta, pode lhes
ensinar o reto valor do dinheiro, do afeto, do pensamento.
Então, as complicações da crença
organizada desaparecerão.
Então, não mais haverá esse
prosseguimento da devoção, essa falsa reverência baseada no medo, no qual não
existe a percepção dos verdadeiros valores.
(...)
Por todo o mundo anda o homem à
busca da segurança na imortalidade. O medo o faz buscar conforto numa crença
organizada, que se chama religião, com seus credos e dogmas, com sua pompa e
superstição. Estas crenças organizadas, as religiões, fundamentalmente separam
o homem. E se examinarem seus ideais, sua moral, verão que estão baseados no
medo e no egoísmo. Da crença organizada decorre o desejo rendoso que,
sutilmente se torna cruel autoridade, para explorar o homem por meio do seu
medo.
(...)
Por toda parte do mundo há
constante sofrimento que parece infindável. Há a exploração de uma classe pela
outra. Vemos o imperialismo com todas as suas imbecilidades, com todas as suas
guerras e com as crueldades oriundas do desejo rendoso, seja em ideias, seja em
crenças ou em poder. Além disto, há o problema da morte e a busca de felicidade
e de certeza num outro mundo. Uma das razões fundamentais pelas quais vocês
pertencem a uma religião ou a uma seita religiosa é lhes prometer um lugar
seguro no além.
Aqueles dentre nós que estão
ativa e inteligentemente interessados pela vida, veem tudo isto e, desejosos de
operar uma mudança fundamental, imaginam que deveria haver um movimento em
massa.
Ora, para criar um movimento verdadeiramente coletivo, é preciso que se dê o despertar do indivíduo. Eu me preocupo com esse despertar. Se cada indivíduo despertar em si mesmo essa verdadeira inteligência, então produzirá o bem estar coletivo, sem exploração nem crueldade. Enquanto a plenitude inteligente do indivíduo estiver impedida, tem de haver caos, tristeza e crueldade.
Se vocês forem arrastados a
cooperar, por meio do medo, jamais poderá realizar-se a plenitude individual.
Portanto, eu não me preocupo em criar uma nova organização ou partido, ou em
lhes oferecer uma nova substituição; preocupo-me com o despertar dessa inteligência,
que é a única que pode dar solução às múltiplas tristezas e misérias humanas.
(...)
Onde houver medo, que é o
resultado da segurança, tem de haver exploração. Libertar a mente do medo é uma
das coisas mais difíceis de executar.
As pessoas são muito rápidas em
dizer que não têm medo. Se, porém, quiserem realmente averiguar se estão
libertos do medo, têm de a si próprias se colocar à prova na ação. Têm de
compreender a estrutura, em conjunto, da tradição e dos valores e, no
apartarem-se, elas próprias, dessas coisas criarão conflito em que descobrirão
se estão livres. Ora, nós, pela maior parte, estamos agindo em conformidade com
certos valores estabelecidos. Não conhecemos seu verdadeiro significado.
Se quiserem descobrir a
constituição do ser de vocês, pulem fora da trilha que estão seguindo, e,
então, verificarão os múltiplos e sutis temores que escravizam suas mentes.
Quando a mente se libertar do medo, não mais haverá exploração, crueldade nem
tristeza.
(...)
Na busca da segurança individual
de vocês a que chamam imortalidade, começam a criar muitas ilusões e ideais que
se tornam meios de grosseira ou sutil exploração. Para lhes dar segurança e
para interpretar as suas ânsias de segurança no além e no presente, é preciso
que haja mediadores, mensageiros, que, por meio do medo de vocês, se tornam
seus exploradores.
Portanto, fundamentalmente, vocês
são os criadores dos exploradores, sejam eles econômicos ou espirituais. Para
compreender esta estrutura religiosa, que se tornou um meio de explorar o homem
em todo o mundo, vocês precisam compreender o próprio desejo e as suas
modalidades de ação sutil e astuta.
(...)
A religião nada mais é do que um
sistema organizado de crença, baseado no medo e no desejo de segurança. Onde
houver o próprio desejo, desejo de segurança, tem de haver temor; e vocês, por
meio da religião, buscam aquilo a que se chama imortalidade, segurança no além,
sendo que aqueles que lhes prometem e lhes asseguram essa imortalidade,
tornam-se seus guias, seus instrutores e autoridades.
(...)
Pelo medo, cria-se a autoridade,
e, a ela cedendo, vocês produzem a exploração. Portanto, cada um de vocês, em
virtude do medo, cria exploradores. Pelos próprios desejos e temores, vocês têm
criado as religiões com seus dogmas, seus credos e toda a sua pompa e
representação.
As religiões, como crenças
organizadas que são, com seus desejos rendosos, não conduzem o homem à
realidade. Tornaram-se máquinas de exploração. Vocês são, porém, os
responsáveis pela sua existência. A mente precisa de se libertar de todas as
ilusões criadas pelo medo, ilusões essas que aparecem, agora, como realidade, e
quando a mente for simples e direta, capaz de pensar verdadeiramente, então não
mais criará exploradores.
Krishnamurti - O medo - 1946 - ICK