Para se ter uma vida simples, não basta contentar-se em possuir alguns poucos objetos, pois ela consiste no viver corretamente e no ser independente das distrações, dos vícios e da ânsia de possuir. Ficar livre da mania de comprar permite criar os meios de se atingir um viver correto, mas existem certos meios obviamente inadequados. Ambição, tradição e o desejo de poder trarão à tona as formas erradas de viver. Mesmo nestes tempos, em que todos estão de certa forma presos a um determinado tipo de trabalho, é possível encontrar a profissão certa. É preciso que cada um esteja ciente das consequências da profissão inadequada, com seus desastres e desgraças, sua rotina enfadonha e seus meios de lidar com a morte. Não será então imprescindível cada um de nós conhecer por si mesmo qual é o modo adequado de viver corretamente? Porque, se formos avarentos, invejosos, em permanente busca de poder, nossas formas de viver corresponderão às nossas exigências interiores e, assim, produzirão um mundo de competição, rudeza e opressão que acabará por levar à guerra.
Examinemos melhor essa questão: como posso gostar do que estou fazendo se o tempo todo sou movido pela ambição, e tento através de meu trabalho atingir um objetivo, tornar-me alguém, alcançar sucesso? O artista preocupado com o seu nome, com a sua grandeza, com as comparações, com a satisfação da sua ambição deixou de ser artista; ele é meramente um técnico como qualquer outro. Isso significa, na verdade, que para gostar de alguma coisa é preciso que deixe de existir qualquer ambição, qualquer desejo de reconhecimento pela sociedade — a qual, aliás, é sempre podre. (Risos.) Senhores, por favor, não. E não somos treinados para isso, não somos educados para isso; precisamos nos encaixar em alguma trilha que a sociedade ou a família nos preparou. Porque meus antepassados foram médicos, advogados ou engenheiros, eu tenho de ser um médico, advogado ou engenheiro. E atualmente é preciso que haja sempre mais engenheiros, porque é isso que a sociedade exige. Assim, perdemos o amor pela coisa em si — se é que um dia o tivemos, o que eu duvido. Quando você gosta de algo, não fica ocupado com isso. A mente não está sendo conivente para que se alcance determinada meta, ou para que se tente ser melhor do que alguém; qualquer comparação, competição, todo desejo de sucesso e de satisfação cessa totalmente. Só a mente ambiciosa permanece ocupada.
Da mesma forma, a mente ocupada com Deus, com a verdade, jamais poderá encontrá-los, porque aquilo com que a mente se ocupa já é conhecido. Se você já conhece o imensurável, o que você sabe é resultado do passado; portanto, não é o imensurável. A realidade não pode ser medida; portanto, não há como se ocupar com ela. Existe apenas uma quietude da mente, um vazio no qual não existe movimento, e apenas então o desconhecido pode tornar-se realidade.
Krishnamurti - Ojai, 9 de julho de 1944
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