Pergunta: No processo do pensar,
temos de "retirar" de nosso depósito de conhecimento e experiência.
Não estais fazendo a mesma coisa? Por que então condenais o conhecimento e a
experiência?
Krishnamurti: Eis, senhores, uma
pergunta muito interessante, porque, se a examinarmos com muito cuidado, ela
será grandemente reveladora.
As palavras são necessárias para
as comunicações. Se eu falasse chinês, por exemplo, não poderíeis
compreender-me. Portanto, as palavras que têm um significado comum para vós e
para mim constituem um meio de comunicação. Estas palavras estão armazenadas na
mente, na memória. Isso é um fato.
Outro fato é que a maioria de
nós tem experiências as mais variadas,
guardadas na memória, e desse "fundo" de memória procedem as reações.
Se não soubésseis onde morais, é evidente que estaríeis sofrendo algum
desarranjo grave. O conhecimento é uma série de experiências, não só
individuais mas também coletivas. O conhecimento científico, o conhecimento
baseado em vossas próprias experiências, as experiências resultantes de vosso
condicionamento próprio — tudo isso foi depositado na mente, como memória. Isto
constitui o "fundo", não é verdade? E a maioria de nós funciona de
acordo com esse fundo. Isto é, se fui educado como hinduísta, se esta é a minha
tradição, meu "fundo" (background), e me encontro com um muçulmano,
minha reação é imediata: antipatizo com ele, embora possa mostrar-me tolerante,
porque sou civilizado. Assim, quando me encontro com uma nova pessoa, eu reajo
de acordo com meu condicionamento, e ela reage conforme o seu. Tal é o nosso
estado, não?
Ora, o interrogante indaga:
"porque condenais o conhecimento e a experiência?" Eu não estou
condenando nada. Preciso ter conhecimento, para voltar para casa, para
construir uma ponte, ou para comunicar-vos certas coisas. Preciso ter conhecimento,
para não me deixar queimar. Se eu me deixasse queimar continuamente, seria um
estúpido, um neurótico. O que eu digo é que a experiência baseada no
conhecimento, no nosso "fundo", é meramente o prolongamento desse
fundo e, por conseguinte, não é experiência nova. Isso, por certo, é simples.
Se estou traduzindo todos os desafios nos termos dos meus condicionamentos, não
há experiência nova. Só posso reagir ao desafio de maneira nova quando minha
mente compreendeu o "fundo" e dele se libertou. Para que a mente
possa descobrir qualquer coisa nova, não pode depender do conhecimento, o qual
se baseia no condicionamento, na memória, na experiência, etc. E, assim, que
aconteceu? O interrogante deseja saber se não estou fazendo a mesma coisa
quando falo. Eu dependo de palavras para fazer comunicações, naturalmente. Mas
existe algo mais que a pergunta implica, e que é: "Não estais falando com
base no conhecimento de alguma experiência passada que tivestes?" Vou
explicar o que quero dizer.
Digamos que ontem me senti feliz.
Assisti a um belo crepúsculo, com os morros escuros se desenhando contra o Sol
poente, com uma árvore solitária cheia de passarinhos; foi uma coisa
extraordinariamente bela para contemplar, para sentir. Agora, ao falar-vos
desse entardecer, estou vivendo a lembrança dele, ou estou livre dessa
lembrança e apenas descrevendo a experiência, sem seu conteúdo emocional?
Entendeis o que estou dizendo? Não?
Senhores, isto é muito
interessante e vós descobrireis alguma coisa se observardes vossa mente e não
vos limitardes a ouvir as minhas palavras. Vossa vida baseia-se nas pretéritas
experiências e tais experiências moldam vosso presente pensar. Ora, é possível
ficarmos num estado de experiência e não num estado de "ter tido uma
experiência?" Percebeis a diferença? São dois estados inteiramente
diversos: o estado de experimentar e o estado de "ter tido a
experiência". O experimentar é um processo vivo, enquanto o outro não é,
pois é lembrança de uma experiência acabada. De qual desses estados eu
falo? É o que deseja saber o interrogante. Eu estou pensando para vós, não é
verdade?
Ora, que acontece realmente com a
maioria de nós? Não vos preocupeis comigo, por ora. Qual é o fato que se passa
convosco? Vós estais pensando e vosso pensamento está baseado na experiência passada,
que é o que chamamos conhecimento. Vossa mente, pois, está vivendo no passado;
está vivendo na experiência que tivestes, ou da experiência que esperais ter,
baseado em vosso condicionamento, em vosso conhecimento. Estais alguma vez cônscio
do outro estado, o "estado de experimentar"? Ou só vos achais cônscios
da experiência depois de terminada? Estais seguindo?
Vede, senhores, se sois felizes,
tendes consciência dessa felicidade? Quando algo vos deleita, estais cônscios de
"estar deleitado"? No momento em que sabeis que sois feliz, foi-se a
felicidade. Ao estardes cônscios de ser virtuoso, acabou-se a virtude, é óbvio.
Por conseguinte, o cultivo da virtude é uma atividade egocêntrica e não é
virtude nenhuma.
O interrogante deseja saber se eu
falo baseado numa experiência passada de que me lembro e que vos comunico por
meio de palavras, ou se o experimentar e o comunicar ocorrem simultaneamente.
Está claro?
Expressando-me diferentemente, a
palavra "amor" pode ser comunicada. Vós e eu conhecemos esta palavra.
Agora, se alguma vez provastes o amor, podeis falar dessa experiência (baseado)
no passado; mas se estais "vivendo", se estais
"experimentando" o amor, vós podeis comunicar isso, e esse é um
estado inteiramente diferente do outro, que consiste em experimentar e depois
comunicar. Se compreendeis isso, se realmente percebeis a falsidade de um
estado e a verdade do outro, então vossa mente se encontra num estado de
contínuo experimentar, que não consiste em experimentar uma coisa e depois
comunica-la. A realidade é uma coisa viva, que não pode ser reconhecida por
meio da experiência e depois comunicada por meio de palavras. Se estais
sentindo uma coisa intensamente, vivendo-a, a comunicação é significativa, mas
nenhum significado tem quando tivestes uma experiência e repetis a experiência
de memória.
Senhores, quando repetis a
palavra Atman, quando citais o Guita, o Upanishads e outros
livros sagrados, a mente é tão-só uma máquina repetidora; mas se a mente
percebe a futilidade de tudo isso e é livre — não livre de alguma coisa, porém livre
— ela se acha então num incessante estado de experimentar. Compreendeis? Sempre
há o estado de experimentar, por conseguinte, a mente permanece fresca, nova,
"inocente"; e essa mente pode alcançar o Imensurável.
Krishnamurti — O Homem Livre — Cultrix