De acordo com o meu ponto de
vista, crenças, religiões, dogmas e credos, nada têm que ver com a vida e,
portanto, nada têm que ver com a verdade.
(...)
É em consequência do medo que a
humanidade tem juntado a vida em códigos de moralidades e sistemas de crenças.
(...)
A maioria de vocês, que possuem tendências
religiosas e que falam de Deus e de imortalidade, não acreditam
fundamentalmente no preenchimento individual, pois que, na própria estrutura do
pensamento religioso, em virtude do medo, vocês permitem a compulsão e a
imposição. Ou tem de ocorrer o preenchimento individual ou a completa
mecanização do homem.
Não pode haver transigência entre
as duas coisas. Vocês não podem dizer que o homem tem de adaptar-se a um
modelo, que deve concordar, seguir, obedecer, ter autoridade e, ao mesmo tempo,
pensar que é uma entidade espiritual.
(...)
A causa fundamental de uma crença
organizada, que controla e domina o homem, é o temor; e enquanto o homem,
realmente, não estiver liberto dela, a sua ação tem de ser limitada, criando,
por esse modo, outros sofrimentos.
(...)
A religião organizada tem de,
inevitavelmente, criar divisões e conflitos entre os homens. Observa-se isso
por todo o mundo. O hinduísmo, assim como o cristianismo, o budismo e outras
religiões organizadas, têm suas peculiares crenças e dogmas, que são barreiras
quase impenetráveis erigidas entre os homens que destroem o seu amor.
E que valor, que significado tem
essas religiões, desde que estão, fundamentalmente, baseadas sobre o medo? Se
discernirem a falsidade da crença organizada, e verificarem que por meio de
qualquer crença particular não lhes é possível compreender a realidade, nem por
meio de uma autoridade, seja ela qual for, pode a inteligência ser despertada,
vocês, então, como indivíduos, não como grupo organizado, se libertarão dessa
destruidora imposição. Isto significa que precisam se interrogar, a partir do
começo, sobre esta ideia de crença, atitude que, porém, implica um grande
sofrimento, pois não é um mero processo intelectual.
O homem que apenas investiga
intelectualmente a questão da crença nada mais encontrará que poeira.
Se um homem que sofre, investigar
profundamente essa estrutura interna, baseada no temor e na autoridade, então
encontrará essas águas da vida que aplacarão a sua sede.
(...)
Somente quando vocês, como indivíduo,
começam a perceber, em meio do conflito imenso, a causa e, portanto, a
falsidade desse conflito, é que descobrirão o que é a Verdade.
Nisto existe felicidade eterna,
inteligência; mas não nessa coisa estúpida chamada espiritualidade, que nada
mais é que conformidade imposta pela autoridade através do medo. Digo que
existe algo sublimemente real, infinito; porém, para descobri-lo, o homem não
pode ser uma máquina imitadora, e as religiões de vocês, no mundo inteiro,
separam as pessoas. Isto é, vocês, que, pelos seus particulares preconceitos,
se denominam cristãos, e os indianos, que pelas suas crenças particulares se
denominam hindus, jamais se encontrarão. Suas crenças lhes mantém separados.
Suas religiões lhes separam.
(...)
As ideias religiosas não se
limitam apenas ao além. É coisa muito mais profunda. O desejo de estar seguro
dá nascimento à cogitação do além e a outras muitas sutilezas que criam o medo,
e o libertar-se delas exige grande discernimento.
Só a mente que estiver insegura
compreenderá a verdade; a mente não preparada, não condicionada pelo medo,
estará aberta para o desconhecido. Preocupemo-nos, pois, com as limitações e as
causas.
Krishnamurti — O medo — 1946 — ICK