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sexta-feira, 26 de abril de 2013

O Despertar da Inteligência – Parte 1–Capítulo 1

O DESPERTAR DA INTELIGÊNCIA PARTE 1 CAPÍTULO 1

1a CONVERSA COM JACOB NEEDLEMAN MALIBÚ, CALIFÓRNIA - 26 DE MARÇO DE 1971

'O PAPEL DO PROFESSOR'

Needleman: Existe muita discussão acerca de uma revolução espiritual entre os jovens, particularmente aqui na Califórnia. Você enxerga nesse confuso fenômeno alguma esperança de um novo desabrochar para a civilização moderna, uma nova possibilidade de crescimento?

Krishnamurti: Para uma nova possibilidade de crescimento, não acha, senhor, que deve-se antes ser sério, e não meramente pular de uma atração espetacular para outra? Se uma pessoa investigou em todas as religiões do mundo e viu suas futilidades organizadas, e através desta percepção enxergou algo real e claro, talvez então poderia haver algo novo na Califórnia, ou no mundo. Mas até onde vi, temo que não haja uma condição de seriedade em tudo isso. Posso estar enganado, porque apenas vejo os chamados jovens de longe, no meio da platéia, e por vezes aqui; e por suas perguntas, por seus risos, por seus aplausos, eles não me parecem muito sérios, maduros, com grandes propósitos. Posso estar enganado, naturalmente.

Needleman: Entendo o que quer dizer. Minha única dúvida é: porventura não possamos então esperar que jovens sejam sérios.

Krishnamurti: É por isso que eu não ache que seja aplicável aos jovens. Não sei por quê faz-se tanto caso dos jovens, por que isso se tornou algo tão extraordinário. Em alguns anos eles serão os velhos à sua vez.

Needleman: Como um fenômeno, à parte do que está por baixo de tudo, esse interesse numa experiência transcendental - ou o que quer que se queira chamá- lo - parece ser um tipo de semeadura da qual certos indivíduos incomuns à parte de toda a enganação e todos os trapaceiros, alguns Mestres porventura, devam surgir.

Krishnamurti: Mas não estou tão certo, senhor, de que todos os trapaceiros e exploradores não estejam encobrindo isso. "Consciência de Krishna" e Meditação Transcendental e toda essa baboseira que segue - eles são pegos em tudo isso. É uma forma de exibicionismo, uma forma de divertimento e entretenimento. Para que algo novo tome forma deve haver um núcleo de pessoas realmente devotas e sérias, que prossigam até o fim. Após terem passado por todas essas coisas, eles dizem, "Aqui está algo que eu buscarei até o fim".

Needleman: Uma pessoa séria seria alguém que se tornasse desiludida com todo o resto.

Krishnamurti: Eu não chamaria isso de desilusão mas uma forma de seriedade.

Needleman: Mas uma pré-condição para tal?

Krishnamurti: Não, não chamaria de desilusão de forma alguma, já que ela leva ao desespero e ao cinismo. Refiro-me ao estudo de tudo aquilo dito religioso, espiritual: examinar, descobrir qual a verdade em tudo isso, se de fato há alguma verdade. Ou descartar a coisa toda e começar do zero, sem continuar em todas as armadilhas, em toda essa bagunça.

Needleman: Creio que seja o que tentei dizer, mas isso o expressa melhor. Pessoas que tenham tentado algo e que isso tenha falhado para elas.

Krishnamurti: Não "outras pessoas". Quero dizer que deve-se descartar todas as promessas, todas as experiências, todos os relatos místicos. Penso eu que deve-se começar como se não se soubesse absolutamente nada.

Needleman: Isso é muito difícil.

Krishnamurti: Não, senhor. Não creio que seja difícil. Acho que é difícil apenas para aqueles que se encheram com os conhecimentos de outras pessoas.

Needleman: E não é essa a maioria de nós? Eu estava falando à minha sala de aula ontem na Universidade Estadual de São Francisco, e disse que iria entrevistar Krishnamurti e quais perguntas gostariam que eu lhe fizesse. Eles tinham muitas perguntas, mas o que mais me chamou a atenção foi o que um jovem disse: "Eu li os livros dele uma vez atrás da outra e eu não consigo fazer o que ele diz". Havia algo tão transparente naquilo, que me deu um estalo. Parece que num certo e sutil sentido começa desse jeito. Ser um iniciante, puro!

Krishnamurti: Não creio que perguntamos o suficiente. Você sabe o que quero dizer?

Needleman: Sim.

Krishnamurti: Nós aceitamos, somos crédulos, ávidos por novas experiências. As pessoas engolem o que é dito por qualquer um com uma barba, com promessas, dizendo que você terá maravilhosas experiências se fizer certas coisas! Acho que deve-se dizer: "Eu não sei nada." Obviamente não posso contar com os outros. Se não houvesse livros, ou gurus, o que você faria?

Needleman: Mas o indivíduo é facilmente enganado.

Krishnamurti: Você é enganado quando quer algo.

Needleman: Sim, compreendo.

Krishnamurti: Então você diz "Vou buscar, vou questionar passo a passo. Não quero enganar a mim mesmo". A decepção surge quando eu quero, quando sou ganancioso, quando digo "Toda experiência é vazia, eu quero algo misterioso" - então sou pego.

Needleman: Pra mim você está falando sobre um estado, uma atitude, uma abordagem, a qual por si própria se encontra muito ao longe no entendimento para um indivíduo. Eu mesmo sinto que estou muito longe, e sei que meus alunos também. Então eles sentem, por bem ou por mal, uma ânsia por ajuda. Provavelmente eles interpretam mal o que é ajuda, mas existe algo assim como ajuda?

Krishnamurti: Você diria: "Por quê você pede ajuda?".

Needleman: Deixe-me colocar dessa maneira. Você meio que sente o cheiro ao enganar a si próprio, você não sabe exatamente...

Krishnamurti: É relativamente simples. Eu não quero enganar a mim mesmo - certo? Então eu encontro qual é o movimento, qual é a coisa que traz decepção. Obviamente isso é quando eu sou ganancioso, quando quero algo, quando estou insatisfeito. Então ao invés de atacar a ganância, o desejo, a insatisfação, eu quero algo mais.

Needleman: Sim.

Krishnamurti: Então tenho que entender minha ganância. Pelo que sou ganancioso? Será porque estou farto desse mundo, tive mulheres, tive carros, tive dinheiro e quero algo mais?

Needleman: Creio que um indivíduo seja ganancioso porque deseja estímulo, ser arrancado de si mesmo, de forma que não enxergue a pobreza de si próprio. Mas o que estou tentando perguntar - Sei que já respondeu essa pergunta muitas vezes em suas palestras, mas ela continua recorrente, quase inevitavelmente - as grandes tradições do mundo, à parte do que elas tenham se tornado (elas se tornaram distorcidas e mal interpretadas e enganosas) sempre falam direta ou indiretamente de ajuda. Elas dizem "O guru é você também", mas ao mesmo tempo há ajuda.

Krishnamurti: Senhor, você sabe o que essa palavra "guru" significa? Needleman: Não, não exatamente.

Krishnamurti: Aquele que mostra. Esse é um significado. Outro significado é aquele que traz a iluminação, alivia o fardo. Mas ao invés de aliviar seu fardo eles impoem os deles em você.

Needleman: Receio que sim.

Krishnamurti: Guru também significa aquele que te ajuda a atravessar - e assim por diante, há diversos significados. No momento em que o guru diz que sabe, então você já pode estar seguro de que ele não sabe. Porque o que ele sabe é algo do passado, obviamente. O conhecimento é do passado. E quando ele diz que sabe, está pensando em alguma experiência que teve, a qual ele foi capaz de reconhecer como algo grandioso, e esse reconhecimento nasce de seu conhecimento anterior, de outra forma ele não poderia tê-lo reconhecido, portanto sua experiência tem suas raízes no passado. Dessa forma ela não é real.

Needleman: Bem, eu acho que o conhecimento em geral é assim.

Krishnamurti: Então por que queremos alguma forma de tradição antiga ou moderna em tudo isso? Veja, senhor, eu não leio nenhum livro religioso, filosófico ou psicológico: pode-se adentrar em si mesmo a tremendas profundidades e encontrar tudo. Adentrar em si é o problema, como fazê-lo. Sendo incapaz de tal coisa pergunta-se, "Poderia me ajudar, por favor?"

Needleman: Sim.

Krishnamurti: E o outro cara diz, "Eu te ajudarei" e te empurra pra outro lugar qualquer.

Needleman: Bom, isso meio que responde a pergunta. Eu estava lendo um livro outro dia que falava de uma coisa chamada "Sat-san".

Krishnamurti: Você sabe o que isso significa?

Needleman: Associação com sábios.

Krishnamurti: Não, com benevolentes.

Needleman: Com benevolentes, ah!

Krishnamurti: Sendo benevolente você é sábio. Não, sendo sábio você é benevolente.

Needleman: Sim, compreendo.

Krishnamurti: Porque você é benevolente, você é sábio.

Needleman: Não estou tentando destrinchar isso em algo, mas eu vejo meus alunos e eu mesmo, falo por mim, quando lemos, quando te ouvimos, dizemos, "Ah! Não preciso de ninguém, não preciso estar com ninguém" - e há uma tremenda decepção nisso também.

Krishnamurti: Naturalmente, porque você está sendo influenciado pelo orador.

Needleman: Sim. Isso é verdade. (Risos).

Krishnamurti: Senhor, veja, sejamos bem simples. Suponha, se não houvesse nenhum livro, nenhum guru, nenhum professor, o que você faria? Você encontra-se em agitação, confusão, agonia, o que você faria? Sem ninguém pra te ajudar, sem drogas, sem tranquilizantes, sem religiões organizadas, o que você faria?

Needleman: Não consigo imaginar o que faria.

Krishnamurti: Aí está.

Needleman: Porventura haveria um momento de urgência aí.

Krishnamurti: É isso. Não possuímos a urgência porque dizemos, "Bem, alguém vai me ajudar".

Needleman: Mas a maioria ficaria louca por conta dessa situação. Krishnamurti: Não tenho certeza, senhor. Needleman: Eu tampouco.

Krishnamurti: Não, não tenho nenhuma certeza. Porque o que é que fizemos até agora? As pessoas nas quais nos apoiamos, as religiões, as igrejas, educação, elas nos levaram a essa terrível bagunça. Não estamos livres do sofrimento, não estamos livres de nossa bestialidade, nossa feiúra, nossas vaidades.

Needleman: Pode alguém dizer tal coisa a respeito de tudo isso? Existem diferenças. Para cada mil enganadores existe um Buda.

Krishnamurti: Mas isso não é meu problema, senhor, se dissermos que isso leva a tal decepção. Não, não.

Needleman: Então deixe-me lhe perguntar isso. Sabemos que sem trabalho árduo o corpo pode adoecer, e esse trabalho árduo é o que chamamos de esforço. Existe outro esforço pelo qual podemos chamar o espírito? Você se diz contra o esforço, mas o crescimento e bem-estar de todos os aspectos do homem não exigem algo como trabalho árduo de um tipo ou outro?

Krishnamurti: Fico imaginando o que você quer dizer por trabalho árduo! Esforço físico?

Needleman: É o que geralmente queremos dizer por trabalho árduo. Ou indo contra desejos.

Krishnamurti: Vê, aí estamos! Nosso condicionamento, nossa cultura, são construídos em torno desse "ir contra". Levantar um muro de resistência. Então ao dizermos "trabalho árduo", o que significa? Preguiça? Por que devo fazer algum esforço pra alguma coisa? Por quê?

Needleman: Porque desejo algo.

Krishnamurti: Não. Por que existe esse culto ao esforço? Por que devo eu fazer algum esforço para alcançar Deus, iluminação, verdade?

Needleman: Há muitas respostas possíveis, mas só posso responder por mim.

Krishnamurti: Ela pode simplesmente estar aí, e só não sei como procurar.

Needleman: Mas então tem de haver um obstáculo.

Krishnamurti: A maneira de procurar! Pode estar na próxima esquina, embaixo de uma flor, em qualquer lugar. Então primeiro devo aprender a procurar, não fazer o esforço de procurar. Preciso descobrir o que de fato é procurar.

Needleman: Sim, mas você não admite que pode haver uma resistência a essa busca?

Krishnamurti: Então não se incomode em procurar! Se alguém chega e diz, "Não quero procurar", como vai forçá-lo a olhar?

Needleman: Não. Falo por mim mesmo agora. Eu quero procurar.

Krishnamurti: Se quer procurar, o que quer dizer com procurar? Você precisa descobrir o que procurar significa antes de fazer o esforço para procurar. Certo, senhor?

Needleman: Isso seria, pra mim, um esforço. Krishnamurti: Não.

Needleman: Fazê-lo de uma maneira delicada, sutil. Quero procurar, mas não quero descobrir o que isso significa. Concordo que isso é mais pra mim o básico. Mas esse desejo de fazê-lo depressa, acabar logo com isso, não é isso resistência?

Krishnamurti: Remédio imediato pra dar fim logo.

Needleman: Há algo em mim que eu precise analisar, que resiste a essa coisa delicada e sutil de que você fala? Isso não é trabalho, o que está dizendo? Não é trabalho fazer essa pergunta tão silenciosa e sutilmente? Parece a mim que é trabalho não escutar àquela parte que quer procurar...

Krishnamurti: Rapidamente.

Needleman: Particularmente para nós no Ocidente, ou talvez para todos os homens.

Krishnamurti: Receio que seja o mesmo ao redor de todo o mundo. "Diga-me como chegar rapidamente até lá".

Needleman: E no entanto você diz que é em um instante. Krishnamurti: É, obviamente. Needleman: Sim, compreendo.

Krishnamurti: Senhor, o que é esforço? Sair da cama de manhã, quando você não quer levantar, é um esforço. O que faz surgir aquela preguiça? Falta de sono, excesso de comida, excesso de autopiedade e todo o resto; e na manhã seguinte você diz, "Ah, que saco, tenho que levantar!" Agora espera um minuto, senhor, acompanhe. O que é preguiça? É preguiça física, ou o pensamento em si é preguiçoso?

Needleman: Isso eu não entendo. Preciso de outra palavra. "O pensamento é preguiçoso?" Considero que o pensamento seja sempre o mesmo.

Krishnamurti: Não, senhor. Eu sou preguiçoso, eu não quero levantar então me forço a levantar. Nisso está o chamado esforço.

Needleman: Sim.

Krishnamurti: Eu quero isso, mas não deveria tê-lo, resisto. A resistência é esforço. Fico nervoso e não posso estar nervoso: resistência, esforço. O que me fez ficar preguiçoso?

Needleman: A ideia de que eu devo levantar. Krishnamurti: Aí está. Needleman: Tá certo.

Krishnamurti: Então eu realmente tenho que ir adiante em toda essa questão do pensamento. Não inventar que o corpo é preguiçoso e forçar o corpo fora da cama, porque o corpo tem sua própria inteligência, ele sabe quando está cansado e precisa repousar. Essa manhã eu estava cansado; eu havia preparado o colchão e tudo o mais para praticar exercícios de ioga e o corpo disse "Não, sinto muito". E eu disse, "Tudo bem". Isso não é preguiça. O corpo disse, "Me deixa em paz porque você discursou ontem, viu muitas pessoas, está cansado". O pensamento então diz, "Você deve se levantar e fazer os exercícios porque é bom pra você, você os tem feito todos os dias, se tornou um hábito, não relaxe, você se tornará preguiçoso, continue com isso". O que significa: o pensamento está me deixando preguiçoso, e não o corpo.

Needleman: Entendo isso. Então há um esforço com relação ao pensamento.

Krishnamurti: Então sem esforço! Por que o pensamento é tão mecânico? E todo pensamento é mecânico?

Needleman: Sim, tudo bem, pode-se colocar essa pergunta. Krishnamurti: E não é?

Needleman: Não posso dizer que tenha comprovado isso.

Krishnamurti: Mas podemos, senhor. Isso é relativamente simples de se ver. O pensamento não é sempre mecânico? O estado não-mecânico é a ausência de pensamento; não a negação de pensamento mas sua ausência.

Needleman: Como posso descobrir isso?

Krishnamurti: Faça-o agora, é bem simples. Você consegue fazer agora se o desejar. O pensamento é mecânico.

Needleman: Vamos assumir que sim.

Krishnamurti: Não assuma. Não assuma nada.

Needleman: Tá certo.

Krishnamurti: O pensamento é mecânico, não é? - porque é repetitivo, condicionante, comparativo.

Needleman: Essa parte eu enxergo, a comparação. Mas minha experiência é a de que nem todo pensamento é da mesma natureza. Existem naturezas do pensamento.

Krishnamurti: Existem?

Needleman: Em minha experiência existem.

Krishnamurti: Vamos descobrir. O que é o pensamento, pensar?

Needleman: Parece haver o pensamento que é muito superficial, muito repetitivo, muito mecânico, possui um certo gosto para tal. Parece haver um outro tipo de pensamento que é mais conectado com meu corpo, com todo o meu ser, ele reverbera de um outro jeito.

Krishnamurti: Que é isso, senhor? O pensamento é a resposta da memória. Needleman: Tudo bem, essa é uma definição.

Krishnamurti: Não, não, posso vê-lo em mim. Tenho que ir àquela casa essa noite - a lembrança, a distância, o visual - tudo isso é memória, não é?

Needleman: Sim, isso é memória.

Krishnamurti: Eu já estive lá antes e por isso a memória está bem estabelecida e à partir disso existe ou pensamento instantâneo, ou pensamento que leva um pouco de tempo. Então me pergunto: todo pensamento é similar, mecânico, ou existe o pensamento que é não-mecânico, que é não-verbal?

Needleman: Sim, correto.

Krishnamurti: Existe pensamento se não houver nenhuma palavra? Needleman: Existe entendimento.

Krishnamurti: Espere, senhor. Como é que esse entendimento toma forma? Ele acontece quando o pensamento está funcionando rapidamente, ou quando o pensamento está silencioso?

Needleman: Quando o pensamento está silencioso, sim.

Krishnamurti: Entendimento não tem a ver com pensamento. Você pode raciocinar, que é o processo do pensar, da lógica, até você dizer, "Eu não entendo isso; então você se aquieta, e diz, "Ah! Eu vejo, eu compreendo". Esse entendimento não é resultado do pensamento.

Needleman: Você fala de uma energia que parece não ter causa. Nós experimentamos a energia de causa e efeito, que molda nossas vidas, mas qual é a relação dessa energia com aquela energia que nos é familiar? O que é energia?

Krishnamurti: Primeiramente: a energia é divisível?

Needleman: Não sei. Prossiga.

Krishnamurti: Ela pode ser dividida. Energia física, a energia da raiva, e assim por diante, energia cósmica, energia humana, todas elas podem ser divididas. Mas é tudo uma só energia, não é?

Needleman: Logicamente, eu digo sim. Eu não entendo energia. Por vezes experimento a coisa que chamo de energia.

Krishnamurti: Por que dividimos a energia em primeiro lugar, é nisso que quero chegar; então podemos abordá-la de um jeito diferente. Energia sexual, energia física, energia mental, energia psicológica, energia cósmica, a energia do homem de negócios que vai ao escritório e por aí vai - por que a dividimos? Qual a razão para essa divisão?

Needleman: Parece haver muitos aspectos do indivíduo que são separados; e nós dividimos a vida, me parece, por conta disso.

Krishnamurti: Por quê? Nós dividimos o mundo em comunista, socialista, imperialista, e católico, protestante, hindu, budista, e nacionalidades, divisões linguísticas, a coisa toda é fragmentação. Por que a mente fragmentou a totalidade da vida?

Needleman: Não sei a resposta. Eu vejo o oceano e vejo uma árvore: há uma divisão.

Krishnamurti: Não. Há uma diferença entre o mar e a árvore - Assim espero! Mas isso não é uma divisão.

Needleman: Não. É uma diferença, não uma divisão.

Krishnamurti: Mas estamos perguntando por que a divisão existe, não só externamente mas dentro de nós.

Needleman: Está dentro de nós, essa é a questão mais interessante.

Krishnamurti: Por estar em nós que projetamos externamente. Agora por que existe essa divisão em mim? O "eu" e o "não eu". Você entende? O superior e o inferior, o Atman e o eu inferior. Por que essa divisão?

Needleman: Talvez ela tenha sido criada, pelo menos no começo, para auxiliar os homens a se questionarem. Para fazê-los questionar se de fato eles realmente sabem o que pensam que sabem.

Krishnamurti: Através da divisão eles poderão descobrir?

Needleman: Talvez através da ideia de que existe algo que eu não entenda.

Krishnamurti: Em um ser humano há uma divisão - por quê? Qual é a "razão de ser", qual é a estrutura dessa divisão? Vejo que há um pensador e o pensamento - certo?

Needleman: Eu não vejo isso.

Krishnamurti: Há um pensador que diz, "Devo controlar aquele pensamento, não devo pensar nisso, devo pensar naquilo". Então há um pensador que diz, "Devo", ou "Não devo".

Needleman: Certo.

Krishnamurti: Existe a divisão. "Eu deveria ser isso", e "Não deveria ser aquilo". Se puder entender por que essa divisão em mim existe - Oh, veja, veja! Veja aquelas colinas! Maravilhosas, não?

Needleman: Lindas!

Krishnamurti: Agora, senhor, você as olha com uma divisão?

Needleman: Não.

Krishnamurti: Por que não?

Needleman: O "eu" não tinha nada a ver com isso.

Krishnamurti: Isso é tudo. Não pode fazer nada a respeito. Aqui, com o pensamento, eu penso que posso fazer alguma coisa.

Needleman: Sim.

Krishnamurti: Então quero mudar "o que é". Não posso mudar "o que é" lá, mas acredito que posso mudar "o que é" em mim. Sem saber como fazer essa mudança fiquei desesperado, perdido, em aflição. Digo, "Não posso mudar", e portanto não tenho energia para mudar.

Needleman: É o que se diz.

Krishnamurti: Então em primeiro lugar, antes que eu mude "o que é", tenho que saber quem é que realiza a mudança, quem é aquele que muda.

Needleman: Há momentos que se sabe isso, por um instante. Esses instantes são perdidos. Há momentos que se sabe quem é o que vê "o que é" em si próprio.

Krishnamurti: Não, senhor. Desculpe. Somente enxergar "o que é" basta, não mudá-lo.

Needleman: Concordo. Concordo com isso.

Krishnamurti: Sou capaz de enxergar "o que é" somente quando o observador não está presente. Quando você olhou para aquelas colinas o observador não estava presente.

Needleman: Concordo, sim.

Krishnamurti: O observador só veio à tona no momento em que você quis mudar "o que é". Você diz: Eu não me satisfaço com "o que é", ele deve ser mudado, então instantaneamente há a dualidade. Pode a mente observar "o que é" sem o observador? Issose concretizou quando você olhava as colinas com aquela luz maravilhosa incidindo nelas.

Needleman: Essa verdade é absoluta verdade. No momento que se tem uma experiência se diz, "Sim!" Mas a experiência é também o fato de se esquecer disso.

Krishnamurti: Esqueça!

Needleman: Com isso quero dizer que continuamente se tenta mudar. Krishnamurti: Esqueça, e retome novamente.

Needleman: Mas nessa discussão - seja lá o que pretende - há ajuda vindo dessa discussão. Sei, tanto quanto sei das coisas em geral, que não poderia acontecer sem a ajuda que existe entre nós. Eu poderia observar aquelas colinas e talvez ter essa atitude não-julgadora, mas isso não teria importância pra mim. Não saberia que assim é que é a maneira que devo buscar salvação. E essa, creio eu, é uma questão que sempre se quer levantar. Talvez isso seja a mente de novo a querer se agarrar e se segurar em algo, mas no entanto parece que a condição humana...

Krishnamurti: Senhor, nós observamos aquelas colinas, você não poderia mudar isso, você só olhou; e você olhou internamente e a batalha começou. Por um instante você olhou sem essa batalha, sem essa briga, e todo o resto envolvido. Então se lembrou da beleza daquele momento, daquele segundo, e você quis capturar aquela beleza de novo. Espere, senhor! Prossiga. E então o que acontece? Estabelece outro conflito: a coisa que você tinha e que gostaria de ter de novo, e não sabe como conseguir. Sabe, se pensar sobre isso, não é o mesmo, não é aquilo. Então você briga, luta. "Tenho que controlar, não posso desejar" - certo? Ao passo que se disser, "Tudo bem, acabou, fim", esse momento está acabado.

Needleman: Tenho que aprender isso.

Krishnamurti: Não, não.

Needleman: Tenho que aprender, não?

Krishnamurti: O que há para aprender?

Needleman: Tenho que aprender a futilidade desse conflito.

Krishnamurti: Não. O que há para aprender? Você próprio percebe que aquele momento de beleza se torna uma memória, e então a memória diz, "Isso foi tão bonito que preciso ter de novo". Você não está preocupado com a beleza, está preocupado com a busca do prazer. Prazer e beleza não andam juntos. Então se enxergar isso, está acabado. Como uma serpente perigosa, você não vai chegar perto de novo.

Needleman: (Risos) Porventura não deva ter enxergado, então não posso dizer.

Krishnamurti: Essa é a questão.

Needleman: Sim, creio que deva ser, pois continua-se a voltar uma vez atrás da outra.

Krishnamurti: Não. Essa é a coisa real. Se vejo a beleza daquela luz, e ela é de fato extraordinariamente bonita, eu só a vejo. Agora com a mesma condição de atenção eu quero ver a mim mesmo. Há um momento de percepção que é tão bonito quanto aquele. E então o que acontece?

Needleman: Então eu o desejo.

Krishnamurti: Então eu o quero capturar, cultivá-lo, quero buscá-lo. Needleman: E como ver isso?

Krishnamurti: Somente perceber que está tomando forma já basta. Needleman: É isso que eu esqueço! Krishnamurti: Não é uma questão de esquecer.

Needleman: Bem, isso é o que não entendo a fundo o suficiente. Que só o percebimento é o bastante.

Krishnamurti: Veja, senhor. Quando vê uma cobra o que acontece?

Needleman: Eu fico com medo.

Krishnamurti: Não. O que acontece? Você foge, mata-a, faz alguma coisa. Por quê? Porque você sabe que é perigosa. Você está ciente de seu perigo. Um penhasco, melhor pegar um penhasco, um abismo. Você conhece o perigo. Ninguém precisa te dizer. Você vê diretamente o que aconteceria.

Needleman: Certo.

Krishnamurti: Agora, se você enxergar diretamente que a beleza daquele momento de percepção não pode ser repetida, está acabado. Mas o pensamento diz, "Não, não acabou, a memória daquilo permanece". Então o que você está a fazer agora? Está buscando a memória morta daquilo, e não sua vívida beleza - certo? Então se enxergar isso, a verdade disso - não a afirmação verbal, a verdade disso - está acabado.

Needleman: Então esse percebimento é muito mais raro do que pensamos.

Krishnamurti: Se eu vir a beleza daquele minuto, está acabado. Não quero buscá-la. Se buscá-la, se torna um prazer. Então se não consigo alcançá-la, traz aflição, sofrimento e todo o resto. Então digo, "Tudo bem, acabou". Então o que acontece?

Needleman: De minha experiência, temo que o acontece é que o monstro nasce de novo. Ele tem mil vidas. (Risos).

Krishnamurti: Não, senhor. Quando foi que a beleza tomou forma?

Needleman: Quando eu vi sem tentar mudar.

Krishnamurti: Quando a mente estava completamente quieta.

Needleman: Sim.

Krishnamurti: Não foi? Certo?

Needleman: Sim.

Krishnamurti: Quando você olhou aquilo, sua mente estava quieta, ela não estava a dizer, "Queria poder mudar isso, copiar e fotografar, isso, aquilo e aquele outro" - você só olhou. A mente não estava em operação. Ou melhor, o pensamento não estava em operação. Mas o pensamento imediatamente vem a operar. Então se perguntou, "Como o pensamento pode silenciar? Como se pode exercitar o pensamento quando necessário, e não exercitá-lo quando não for necessário?"

Needleman: Sim, essa pergunta é altamente interessante pra mim.

Krishnamurti: Ou seja, por que idolatramos o pensamento? Por que o pensamento se tornou tão extraordinariamente importante?

Needleman: Ele parecer ser capaz de satisfazer nossos desejos; através do pensamento acreditamos sermos capazes de satisfazer.

Krishnamurti: Não, não vem da satisfação. Por que o pensamento em todas as culturas com maior parte da população se tornou de tão vital preocupação?

Needleman: O indivíduo geralmente se identifica como sendo o pensamento, como sendo seus próprios pensamentos. Se penso sobre mim mesmo penso sobre o que penso, que tipo de ideias tenho, em que acredito. É isso que quer dizer?

Krishnamurti: Não exatamente. À parte da identificação com o "eu", ou com "não eu", por que o pensamento é tão ativo?

Needleman: Ah, entendo.

Krishnamurti: O pensamento está sempre operando no conhecimento, não é? Se não houvesse conhecimento, não haveria pensamento. O pensamento está sempre operando no campo do conhecido. Seja mecânico, não-verbal e assim por diante, está sempre trabalhando no passado. Então minha vida é o passado, porque é baseada em conhecimento anterior, experiências anteriores, memórias anteriores, prazer, dor, medo e assim por diante - tudo isso é passado. E o futuro que projeto à partir do passado, o pensamento projeta do passado. Dessa forma o pensamento está flutuando entre o passado e o futuro. Toda vez que ele diz, "Deveria fazer isso, deveria fazer aquilo, deveria ter me comportado". Por que ele faz tudo isso?

Needleman: Eu não sei. Hábito?

Krishnamurti: Hábito. Ótimo. Prossiga. Vamos descobrir. Hábito? Needleman: O hábito traz o que chamo de prazer. Krishnamurti: Hábito, prazer, dor. Needleman: Para me proteger. Dor, sim, dor.

Krishnamurti: Ele está sempre operando dentro desse campo. Por quê? Needleman: Porque não conhece nada melhor.

Krishnamurti: Não. Não. O pensamento é capaz de trabalhar em qualquer outro campo?

Needleman: Esse tipo de pensamento, não.

Krishnamurti: Não, pensamento nenhum. O pensamento pode trabalhar em qualquer outro campo exceto o campo do conhecido?

Needleman: Não.

Krishnamurti: Obviamente não. Ele não pode trabalhar em algo que eu não conheça; só pode trabalhar nesse campo. Agora por que é que ele trabalha assim? Aí está, senhor - Por quê? É a única coisa que sei. Nisso existe segurança, existe proteção, existe garantia. É tudo que sei. Dessa forma o pensamento só pode funcionar no campo do conhecido. E quando ele se cansa disso, como acontece, então ele busca algo de fora. Então o que ele procura ainda é o conhecido. Seus deuses, suas visões, seus estados espirituais - tudo projetado à partir do passado conhecido para o futuro conhecido. Assim o pensamento só trabalha nesse campo.

Needleman: Sim, entendo.

Krishnamurti: Portanto o pensamento está sempre a trabalhar em uma prisão. Ele pode chamar de liberdade, pode chamar de beleza, pode chamar do que quiser! Mas está sempre dentro das limitações da cerca de arame farpado. Agora quero descobrir se o pensamento tem espaço em algum outro lugar que não seja lá. O pensamento não tem espaço nenhum quando digo, "Eu não sei". "Eu realmente não sei". Certo?

Needleman: Naquele momento.

Krishnamurti: Eu realmente não sei. Eu só sei disso, e realmente não sei se o pensamento pode funcionar em qualquer campo, exceto este. Eu realmente não sei. Quando digo, "Eu não sei", que não quer dizer que esteja esperando vir a saber, quando digo que realmente não sei - o que acontece? Eu desço a escada. Eu me torno, a mente se torna, completamente humilde. Agora esse estado do "não-saber" é inteligência. Então ele pode operar no campo do conhecido e estar livre para trabalhar em qualquer outro lugar se assim quiser.


Do livro: O Despertar da Inteligência

Tradução gentilmente feita pelo Confrade:
Ricardo Lagarto

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill