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terça-feira, 5 de março de 2013

Não há nada para "praticar"; só há a coisa viva.

Andamos sempre a buscar uma certa coisa misteriosa, porque nos vemos insatisfeitos com a vida que estamos levando, com a superficialidade de nossas atividades, tão pouco expressivas, às quais, entretanto, queremos dar significação e sentido; mas esta é uma atividade do intelecto e, por conseguinte, será sempre superficial, ilusória, e, por fim, sem nenhum significado. Todavia, sabendo de tudo isso — sabendo que nossos prazeres são efêmeros e nossas atividades diárias mera rotina; sabendo também que nossos problemas — tantos deles — talvez nunca possam ser resolvidos; e já descrentes de tudo, sem fé nos valores tradicionais, nos instrutores, nos guris, nas sanções da Igreja e da sociedade — continuamos, a maioria de nós, a tatear, a buscar alguma coisa de real valia, incontaminada pelo pensamento, um certo estado extraordinário, de real beleza e êxtase. A maioria de nós, parece-me, deseja descobrir algo que seja permanente, que não possa corromper-se facilmente. Esquecendo a realidade objetiva, entregamo-nos — sem emoção ou sentimentalismo — a esse profundo ansiar, essa profunda investigação, que porventura nos dará acesso a uma realidade não mensurável pelo pensamento e que não cabe em nenhuma categoria de fé ou crença. Mas, tem o buscar alguma significação?

(...) Devemos compreender a significação do buscar, esse desejo de verdade, esse tatear intelectual por uma coisa nova, independente do tempo, não criada por nossas exigências e necessidades, nossas compulsões e desespero. Pode achar-se a verdade mediante a busca? Ela é reconhecível quando a achamos? Se a achamos, podemos dizer: "Eis a verdade", "Eis o real"? Tem a busca algum significado? A maioria dos indivíduos religiosos fala sem cessar sobre a busca da Verdade; e nós perguntamos se se pode buscar a Verdade. Na ideia de buscar, de achar, não está também contida a ideia de reconhecimento, a ideia de que, achando uma coisa, devo ser capaz de reconhecê-la? E o reconhecimento não supõe conhecimento prévio? A Verdade é reconhecível — no sentido de ter sido experimentada, de modo que possamos dizer: "Ei-la"? Assim, que valor tem o buscar? Ou, se o buscar não tem valor algum, o que vale é apenas a observação constante, o constante escutar? (que não é a mesma coisa que buscar). Na observação constante não há movimento do passado. "Observar" significa "ver claramente". Para vermos com clareza, necessitamos de liberdade — precisamos estar livres do ressentimento, da inimizade, do preconceito, da animosidade, livres de todas as memórias que armazenamos como saber e que impedem o ver. Quando existe essa capacidade, essa liberdade com observação constante, não só das coisas exteriores, mas também das coisas interiores, de tudo o que está se passando, que necessidade há, então, de buscar — se o fato — o que é — está à vossa frente para ser observado? Mas, no mesmo instante em que queremos alterar "o que é", começa a deformação. No observar livremente, sem deformação, sem avaliação, sem nenhum desejo de prazer, no simples observar, verifica-se uma extraordinária transformação do que é.

Em geral, queremos preencher nossa vida com conhecimentos, entretenimentos, com crenças e aspirações espirituais, coisa que, quando as observamos, têm muito pouco valor; desejamos ter uma experiência transcendental, acima de todas as coisas mundanas; desejamos experimentar algo imenso, sem limites, atemporal. Para "experimentarmos" o imensurável, temos de compreender o significado da experiência. Porque desejamos "experiência"?... tem ela alguma significação? Pode a experiência despertar a mente que está dormindo, a mente que chegou a certas conclusões e se acha dominada e condicionada pela crença? Pode a experiência despertá-la, destruir toda essa estrutura? Essa mente tão condicionada, tão oprimida por problemas sem conta, pelo desespero e aflição — essa mente é capaz de reagir a algum desafio? É? E, se reage, sua reação não é necessariamente inadequada e, portanto, conducente a mais conflito? Essa perene busca de experiências mais amplas, mais profundas, transcendentais, é apenas uma maneira de fugirmos à realidade, ao que é — que somos nós mesmos e nossa mente condicionada. Que necessidade tem de qualquer experiência a mente verdadeiramente desperta, inteligente e livre? Luz é luz, e não pede por mais luz. O desejo de mais experiência é fuga ao fato real, ao que é.

Se estamos livres dessa incessante busca, livres da exigência e do desejo de experimentar coisas extraordinárias, podemos passar a investigar o que é meditação. Essa palavra, tal como as palavras "amor", "morte", "beleza", "felicidade", está sobremaneira "carregada". Há muitas escolas que ensinam a meditar. Mas, para compreendermos o que é meditação, temos de lançar as bases da conduta virtuosa. Sem essa base, a meditação é, em verdade, uma forma de auto-hipnose. Se não estamos livres da cólera, do ciúme, da inveja, da avidez, da ganância, do ódio, da competição, do desejo de sucesso — de todas as formas "morais" e "respeitáveis" disso que se considera "conduta virtuosa" — se não lançarmos a base correta, se não vivermos uma vida diária isenta de deformação causada pelo nosso medo, ansiedade, avidez, etc., a meditação pouco importa. O lançamento daquela base é sumamente importante. Assim, perguntamos: Que é virtude? Que é moralidade? Não digais, por favor, que esta é uma pergunta "burguesa", sem significação numa sociedade permissiva. Não nos interessa essa espécie de sociedade; o que nos interessa é uma vida totalmente livre do medo, uma vida capaz de amor profundo e inalterável. Sem ela, a meditação se torna uma divagação, assemelha-se a uma droga que se toma — como tantos o fazem — para ter uma experiência maravilhosa... e continuar a viver uma vida vulgar e insignificante. Os que tomam drogas para terem experiências extraordinárias veem talvez um pouco mais intensamente as cores, tornam-se um pouco mais sensíveis e, com a sensibilidade adquirida nesse estado quimicamente produzido, talvez possam ver sem nenhum espaço entre o "observador" e a "coisa observada"; mas, passado o efeito químico, estão de volta ao mesmo lugar onde estavam, de volta ao seu medo, seu tédio, sua velha rotina — e, portanto, obrigados a tomar de novo a droga.

A menos que se lance a base da virtude, a meditação se torna um artifício para controlar a mente, torná-la quieta, forçá-la a ajustar-se ao padrão de um sistema que diz: "Faze estas coisas, e terás valiosa recompensa". Mas, essa mente — não importa o que façamos por meio de todos os métodos e sistemas existentes — permanecerá insignificante, vulgar, condicionada e, por conseguinte, sem valor. Cumpre-nos investigar o que é virtude, o que é conduta. Conduta é o resultado do condicionamento ambiente, da sociedade, da cultura em que a pessoa foi criada? Se vos comportais de acordo com esse condicionamento, isso é virtude? Ou consiste a virtude estar-se livre da moralidade social, da avidez, da inveja, etc. — coias consideradas altamente respeitáveis? Pode-se cultivar a virtude? E, se ela pode ser cultivada, não se torna uma coisa mecânica e, por conseguinte, sem nenhuma "virtude"? A virtude é uma coisa viva, fluente, que se renova constantemente e de maneira nenhuma pode ser "ajuntada" no tempo. Isso é como dizer que se pode cultivar a humildade. Pode-se cultivar a humildade? Só o homem vaidoso "cultiva" a humildade; mas esse homem, não importa o que cultive, permanecerá vaidoso. Mas, quando se vê claramente a natureza da vaidade e do orgulho, esse próprio ver liberta da vaidade e do orgulho; e, então, existe a humildade. Se está bem claro isto, podemos passar a investigar o que é meditação... A meditação, quando a compreendemos de verdade, é uma das coisas mais maravilhosas deste mundo; ma não tendes a possibilidade de compreende-la se não tiverdes terminado o vosso buscar, tatear, desejar, vossa sofreguidão de agarrar uma certa coisa que pensais ser a Verdade, mas que é apenas a vossa própria projeção. Só podeis alcançar o estado de meditação quando já não estais a exigir  nenhuma espécie de experiência, quando compreendeis a confusão em que estais vivendo, a desordem existente em vossa vida. Com a observação dessa desordem, vem a ordem — uma ordem não antecipadamente planejada. Se se fez essa observação — a qual, em si, é meditação — pode-se então perguntar, não só o que é meditação, mas também o que não é meditação, porque na negação do que é falso encontra-se a verdade.

Evidentemente, é falso qualquer sistema ou método que ensina a meditar. Isso é fácil de perceber, intelectual e logicamente, porque, quando nos exercitamos de acordo com um método — por mais nobre que este seja, por mais antigo, ou moderno, ou popular — estamo-nos convertendo em máquinas, executando repetidamente o mesmo ato com o fim de alcançar alguma coisa. Na meditação, o fim não difere dos meios. Mas, o método vos promete alguma coisa; é um meio que leva a um fim. Se o meio é mecânico, o fim será um produto da máquina; é  mente mecânica que diz: "Obterei tal coisa". Temos de estar completamente livres de todos os métodos e sistemas; isso já é o começo da meditação; já estamos a negar uma coisa que é totalmente falsa e sem significação. E, há ainda, os que praticam o percebimento. Pode-se "praticar" percebimento? Se o fazeis, então, em todo o tempo que estais "praticando percebimento", vos estais tornando desatento. Portanto, ficai consciente da desatenção; não vos exerciteis para vos tornardes atentos; se estais conscientes da desatenção, desse percebimento vem a atenção, e não é necessário "praticá-la"...

(...) Lembro-me de uma ocasião em que eu viajava de automóvel, na Índia, com um grupo de pessoas. Eu ia sentado à frente, ao lado do motorista e, atrás, três pessoas discorriam a respeito do percebimento — pois pretendiam conversar comigo sobre essa matéria. O carro ia a toda velocidade. Na estrada achava-se uma cabra, e o motorista, por inadvertência, esmagou o pobre animal. Os cavalheiros que vinham atrás, falando sobre o percebimento, nada perceberam! ... Isso é o mesmo o que todos nós estamos fazendo: muito interessados, intelectualmente, na ideia do percebimento, na investigação verbal, dialética, de opiniões, entretanto cegos ao que se está passando na realidade.

Não há nada para "praticar"; só há a coisa viva.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Se você estiver ciente sem escolha.

Fique simplesmente ciente; isto é tudo o que você tem de fazer, sem condenar, sem forçar, sem tentar mudar aquilo do qual você está ciente. Então você verá que é como a maré que está subindo. Você não pode evitar que a maré suba; construa um muro ou faça o que você quiser, ela virá com tremenda energia. Da mesma forma, se você estiver ciente sem escolha, o campo todo da consciência começa a manifestar-se. E enquanto ele for se revelando, você tem de seguir; e o ato de seguir torna-se extraordinariamente difícil - seguir no sentido de seguir o movimento de todo pensamento, de todo sentimento, de todo desejo secreto. Torna-se difícil no momento em que você resiste, no momento em que você diz "isso é feio", "isto é bom", "isso é ruim", "isto eu vou manter", "isso eu não vou manter."

Krishnamurti. The Collected Works vol XV, p 85

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Beleza e observação da natureza.

Muitos de vocês vivem em cidades com multidões, barulho, e sujeira no ambiente. Provavelmente você não se tem deparado muitas vezes com a natureza. Mas existe este mar maravilhoso, e você não tem nenhuma relação com ele. Você olha para ele, talvez nade nele, mas o sentimento deste mar com a sua enorme vitalidade e energia, a beleza de uma onda quebrando na areia da praia – não há comunicação entre esse movimento maravilhoso do mar e você. E se você não tem nenhuma relação com isso como você pode ter uma relação com outro. Se você não percebe o mar, a qualidade da água, as ondas, a imensa vitalidade da maré indo e vindo, como você pode estar consciente da relação humana, ou ser sensível a ela? Por favor, é muito importante compreender isto, porque a beleza não está meramente na forma física, mas a beleza em essência é aquela qualidade da sensibilidade, a qualidade da observação da natureza.

Krishnamurti. On Nature and the Environment, pp 84-85

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Tudo o que você tem a fazer é observar

Meditação, em resumo, é colocar a mente de lado. Por isso as pessoas que dizem que meditação é uma disciplina da mente estão absolutamente erradas. Não é uma disciplina da mente, porque, se você disciplinar a mente, ela se tornará mais forte. É melhor colocá-la de lado quando ela está mais fraca, indisciplinada. Uma vez que esteja disciplinada, ela vai lhe dar um combate duro.

Assim, é mais fácil para alguém que tem praticado concentração, porque concentração é um fenômeno mental. Sim, ela lhe dá uma mente melhor, uma mente disciplinada, mais penetrante. Mas colocar de lado essa mente será muito difícil. Primeiro você lhe deu força, deu-lhe certa cristalização. Concentração não é meditação, pois concentração é uma disciplina da mente, e meditação é colocar a mente de lado.

Na verdade, o termo inglês meditation não é a palavra certa, porque no Ocidente algo como meditação nem mesmo aconteceu. A palavra sânscrita é dhyana. O problema era o mesmo quando os monges budistas foram à China; eles não conseguiram encontrar a palavra adequada para traduzir dhyana para o chinês, então escreveram dhyana, que para o chinês soava como zana. Por isso o zen japonês é uma transfiguração da palavra dhyana.

A palavra meditação dá a ideia errada, como se você estivesse meditando sobre alguma coisa, como se fosse uma atividade não muito diferente de concentração. Você está se concentrando em alguma coisa, está meditando em alguma coisa, mas está sempre preocupado com alguma coisa. E dhyana é abandonar todos os objetos, abandonar qualquer coisa sobre o qual você possa se concentrar, contemplar, meditar; abandonando tudo, não resta nada, apenas aquele que estava se concentrando, apenas aquele que estava contemplando. Essa consciência pura é dhyana.

Em inglês, não há nenhuma palavra adequada, por isso você tem de entender que estamos usando meditação por dhyana. Dhyana significa um estado de ser em que não há nenhum pensamento, nenhum objeto, nenhum sonho, nenhum desejo, nada, apenas o vazio. Nesse vazio, você chega a se conhecer. Você descobre a verdade. Você descobre a subjetividade. É um silêncio perfeito.

Há métodos para se colocar a mente de lado, assim como há métodos para disciplinar a mente. Mas, no Ocidente, e mais ainda nos Estados Unidos, — porque, se o Ocidente é ruim, os estados Unidos são piores —, todos os livros que são best-sellers nos Estados Unidos de alguma forma dizem respeito a como aumentar a sua força de vontade, como influenciar pessoas e ganhar amigos, como ficar rico, colocando a mente acima da matéria… mas todos eles estão falando sobre a disciplina da mente (estive olhando esses livros, não agora, há quatro anos eu não toco num livro).

Certamente, se você disciplinar a mente, você é um competidor melhor, pode satisfazer a sua ambição mais facilmente, pode manipular as pessoas mais facilmente, explorar as pessoas mais facilmente. Você pode usar os outros como um meio para o seu fim. Friedrich Nietzsche escreveu um livro chamado A Vontade de Poder. Essa é a própria essência de todo o esforço ocidental: vontade de poder. Para obtê-la, é necessário primeiro que você tenha força de vontade, e força de vontade é um outro nome para a sua mente disciplinada, cristalizada.

Não, esses métodos não servirão. Você tem de aprender métodos para colocar a mente de lado. Ela já é poderosa demais; não a torne mais poderosa, porque você está alimentando o seu próprio inimigo. Ela já está cristalizada; a sua escola, a sua faculdade, a sua universidade, todas elas estão fazendo isso. Depois de permanecer nove anos como professor de universidade, eu me demiti. Falei ao vice-reitor: “Não posso fazer esse trabalho, porque isso está destruindo as pessoas”. Ele disse: “O que você quer dizer com destruir pessoas? Os alunos adoram você, eles não permitirão que você se vá. E eu não vejo motivo para você dizer que que não pode continuar destruindo pessoas”. Respondi: “Você não entenderá, porque, embora tenha nascido na Índia, você não conhece a Índia. Você foi educado no Ocidente”. Ele havia permanecido a vida toda no Ocidente. “Todos esses livros, todas essas psicologias que eu tenho de ensinar, estou ensinando contra mim mesmo. Sei que isso vai causar danos a essas pessoas. A mente delas já está em mau estado, e agora ficará mais forte. Suas correntes serão muito mais fortes, sua escravidão da mente será muito mais forte”.

As pseudo-religiões dependem da disciplina da mente. O trabalho da verdadeira religião é colocar a mente de lado. E é, de certa forma, muito simples. Essas disciplinas são muito difíceis. Treinar a mente para a concentração é muito difícil, porque ela continua se revoltando, continua outra vez nos velhos hábitos. Você a puxa novamente e ela escapa. Você a traz de novo ao assunto  no qual estava se concentrando e de repente vê que estava pensando em alguma outra, você esqueceu em que estava se concentrando. Não é um trabalho fácil. Mas colocá-la de lado é uma coisa muito simples, não é difícil, de modo nenhum. Tudo o que você tem a fazer é observar. O que quer que esteja acontecendo na sua mente, não interfira, não tente cessá-la. Não faça nada, porque o que quer que fizer se tornará uma disciplina. Assim, não faça absolutamente nada. Apenas observe.

Observar não é um fazer. Assim como você observa o por-do-sol ou as nuvens no céu ou as pessoas passeando pela rua, observe o tráfego dos pensamentos, sonhos e pesadelos, relevantes, irrelevantes, conscientes, inconscientes, qualquer coisa que esteja acontecendo. E é sempre hora do rush. Você simplesmente observa; você fica ao lado, despreocupado.

As pseudo-religiões não permitem que você fique despreocupado. Eles dizem que a avareza é ruim; assim, se um pensamento de avareza vem, você salta para impedí-lo; caso contrário, você se tornará avarento. A raiva é ruim; se um pensamento de raiva passa, você salta imediatamente; você tem de mudá-lo, tem de ser gentil e compassivo e amar o seu inimigo assim como a si mesmo. Se surge algo contra o seu inimigo… Não, você tem de amar o seu inimigo assim como si mesmo.

Assim, todas as religiões lhe deram idéias do que é certo e do que é errado, e, se a coisa errada estiver acontecendo, você certamente tem de impedi-la. Você tem de interferir, tem de saltar ali dentro e tirar essa coisa para fora. Você perde o ponto. É por isso que eu não lhe digo o que é certo e o que é errado. Tudo o que digo é que observar é certo; não observar é errado. Torno isso absolutamente simplificado: seja o observador.

Não é da sua conta se a avareza estiver presente; deixe-a passar; se a raiva estiver passando, deixe-a passar. Quem é você para interferir? Por que está tão identificado com sua mente? Por que você começa a pensar: “Eu sou avarento… eu tenho raiva?” Há apenas um pensamento de raiva passando. Deixe-o passar; você só observa.

(…) É simples a metodologia de observar a mente, você não tem nada a ver com ela… A maioria de seus pensamentos não é sua, mas dos seus pais, de seus professores, de seus amigos, dos livros, dos filmes, da televisão, dos jornais. Simplesmente conte quantos pensamentos são realmente seus, e você ficará surpreso ao constatar que nenhum pensamento é seu. Todos vem de outras fontes, todos são emprestados ou despejados pelos outros em você ou despejados por você mesmo em você. Mas nada é seu.

A mente está ai, funcionando como um computador; literalmente, ela é o computador. Você não ficará identificado com um computador. Se o computador esquentar, você não ligará. Se o computador se zangar e começar a dar sinais em palavras obscenas, você não ficará preocupado. Você verá o que está errado, onde alguma coisa está errada, mas permanecerá separado.

Apenas um clique… nem mesmo posso chamá-lo de método, porque isso o tornaria pesado; eu o chamo de clique. Simplesmente fazendo isso, um dia, de repente, você é capaz de fazê-lo. Muitas vezes você falhará; não é nada para se preocupar… Não há nenhuma perda, isso é natural. Mas, simplesmente fazendo-o, um dia acontece.

Uma vez que isso tenha acontecido, uma vez que você tenha, mesmo que por um único momento, se tornado o observador, você saberá como se tornar observador nas colinas, bem distante. E a mente toda está ai, bem profunda no vale escuro, e você não tem nada a fazer com ela. A coisa mais estranha sobre a mente é que, se você se tornar um observador, ela começará a desaparecer. Assim como a luz dispersa a escuridão, a observação dispersa a mente, seus pensamentos, sua parafernália toda.

Assim, a meditação é simplesmente observação, consciência. E isso revela que não tem nada a ver com invenção. Ela não inventa nada; ela simplesmente descobre aquilo que está ai. E o que está ai? Você entra e encontra um infinito vazio, tão tremendamente belo, tão silencioso, tão cheio de luz, tão fragrante, que você entrou no reino de Deus.

Nas minhas palavras, você entrou na divindade.

E, uma vez que você tenha estado neste espaço, sairá uma pessoa totalmente nova, um homem novo. Agora você tem a sua face original. Todas as máscaras desapareceram. Você viverá no mesmo mundo, mas não do mesmo modo. Estará entre as mesmas pessoas, mas não com a mesma atitude nem com a mesma abordagem.

Você viverá como um lótus na água; mas absolutamente intocado pela água.

A religião é a descoberta dessa flor de lótus dentro de você.

Osho  

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Sobre o ficar-consigo-mesmo e ir fundo na inquietação

Um sentimento básico de nossa época parece-me ser a fragmentação  Muitas pessoas sentem-se internamente fragmentadas. Elas têm a impressão de serem puxadas de um lado a outro pelas muitas exigências impostas a elas, na profissão, na família, no sacerdó­cio, na comunidade política. Muitas vezes elas não sabem que papel representam. Trocam-no tantas vezes que nem sabem mais quem são verdadeiramente. Não têm mais tranquilidade interior. Quando voltam do trabalho, à noite, não conseguem desligar-se. A intranquilidade persegue-as até no sono. Em toda essa atividade infatigável elas não estão consigo mesmas. Não estão em contato com seu "eu" verdadeiro. São empurradas de um compromisso a outro. Sua alma não as acompanha mais. Não está onde o corpo precisa estar, para cumprir todas as suas obrigações.

Uma antiga história monacal fala dessa fragmentação: "O patriarca Poimen perguntou ao patriarca José: 'Diga-me como poderei tomar-me monge?' Ele respondeu: 'Se você quer encontrar a paz, em todos os lugares, então diga, em todas as suas ações: Eu - quem sou eu? E não julgue ninguém!"'

A palavra grega que designa monge, "monachos", às vezes é derivada de "monas = unidade, ser uno". Um homem jovem sente-se fragmentado. Ele quer voltar para si mesmo, para sua unidade, e encontrar a paz. Ele quer estar consigo mesmo, em todos os lugares. Poimen o aconselha a perguntar, em tudo o que fizer: "Eu - quem sou eu?" E procurar sua verdadeira identidade.

Quem é esse, que está agindo assim? Será que há apenas uma parte de mim no trabalho? Será que estou envolvido por inteiro? Há uma parte de mim em outro lugar? Na verdade, a pergunta de Poimen é a seguinte: "Como posso ser inteiro?" Como posso estar por inteiro naquilo que faço? Como posso viver como uma pessoa inteira, que sempre e em todos os lugares é una consigo mesma? Como posso encontrar minha unidade nas muitas coi­sas que faço e que muitas vezes me fragmentam? Além dessas perguntas, que se dirigem ao "eu" verdadeiro, passando pelos muitos papéis que representamos e pelas muitas máscaras que usamos, Poimen ainda exige que o jovem não julgue ninguém. Quando julgo, não estou comigo mesmo, mas com o outro. Por meio do julgamento que faço dos outros, desvio-me de mim mesmo. Poimen quer levar o interpelante a ficar com ele mesmo. Só assim ele descobrirá quem é na verdade. Só assim ele encontrará o caminho para sua unidade, para seu ser inteiro. Só assim ele será um monge.

Muitos sentem-se fragmentados porque descobrem em si facetas que não combinam com sua auto-imagem. Assustam-se diante de suas fantasias sádicas, de seus desejos masoquistas e de suas tendências destrutivas. Não sabem como reagir adequada­mente a suas facetas obscuras, se devem reprimi-las e abafá-las ou simplesmente fugir delas.

(...)


1. A akedia

O antigo monacato fala do fenômeno da fragmentação, sobretu­do na descrição da akedia. Normalmente akedia é traduzido por ausência de ânimo, ou indolência. Mas na verdade é a incapaci­dade de ser uno consigo mesmo, com o momento presente, com a própria situação de vida. Evagrius Ponticus descreve um monge que e assediado pelo demônio da akedia:

"Primeiro ele aparece para o monge, fazendo com que o sol, (fitando se movimenta, só o faça muito lentamente, e então o dia passa a ter a duração de no mínimo cinqüenta horas. O monge se sente impelido a olhar constantemente pela janela, a deixar a cela, a olhar cuidadosamente para o sol, para tentar saber o quanto ele ainda está distante da nona hora; a olhar para várias direções, para talvez ver um ou outro de seus irmãos deixar a cela. Lentamente o demônio faz com que no coração do monge surja um enorme ódio do local em que se encontra, de sua vida atual e também do trabalho que ele executa, ele (o demônio) faz o monge acreditar que o amor entre os irmãos está morto e que não há ninguém que lhe possa dar algum ânimo. Se, durante essa fase, alguém por acaso chega muito perto do monge, então o demônio utiliza a oportunidade para aprofundar ainda mais esse ódio. Ele consegue fazer o monge sentir um forte desejo de estar em outros lugares, onde este pode obter mais facilmente o que precisa para viver, onde é mais fácil encontrar trabalho, e onde existe uma promessa maior de sucesso " (Evagrius, 12).

A akedia dilacera-nos interiormente. Tornamo-nos insatisfeitos com nós mesmos, com o local em que vivemos, com as pessoas que convivem conosco, com o tempo que nos parece tão entediante, com o trabalho, com o modo de vida, com tudo.

Há uma rejeição de tudo o que nos cerca. Mas há, igualmente uma rejeição de nossa própria pessoa. Sentimo-nos insatisfeitos, mas também não sabemos o que queremos verdadeiramente. Rebelamo-nos contra tudo. Mas não temos um objetivo. Apegamo-nos a ilusões aleatórias. Não conseguimos usufruir o momento presente. Quando oramos, temos a impressão de que na verdade deveríamos estar trabalhando. Quando trabalhamos, tudo nos parece difícil. Sentimo-nos cansados, temos a impressão de trabalharmos excessivamente, de estarmos estressados. Mas quando resolvemos descansar, não sabemos o que fazer com o tempo livre. Ele nos parece entediante e inútil. Nunca estamos efetivamente no lugar em que nos encontramos naquele instante, e nunca vivenciamos o momento presente. Sempre estamos em outro lugar, e ao mesmo tempo em lugar nenhum. A akedia é a definição mais radical de fragmentação interna que pode acometer as pessoas. Ela não é apenas a doença típica dos monges, é sem dúvida também um fenômeno dos tempos atuais.

A fragmentação do homem de hoje não se mostra apenas, como em Paulo, na cisão entre vontade e ação, entre lei e pecado, mas sobretudo na cisão entre desejo e realidade. Por causa da akedia confrontamo-nos frequentemente com desejos irrealistas, ilusões infantis sobre a vida, expectativas exageradas. Exigimos tudo dos outros e ficamos zangados quando eles não nos possibilitam ter a vida que sonhamos. Mas os outros podem até se esforçar em realizar nossos desejos. Nunca o conseguirão. Pois nossos desejos são imensos, incomensuráveis. Neles é que nos abrigamos, fugindo da realidade deste mundo. Negamo-nos a dizer sim a nosso "ser" humano, com suas restrições e limitações. Achamos que podemos reivindicar tudo, infinitamente.

A sociedade, a Igreja, a família, a empresa, são como grandes mães, das quais sempre esperamos tudo. E são culpadas quando nos sentimos insatisfeitos. Nem percebemos como essa postura nos remete à postura de uma criança insatisfeita, que também não sabe o que quer. Ela só sabe que não quer aquilo que lhe oferecem.

Pascal Bruckner descreveu essa postura como típica de nossa sociedade. É a negação de se compatibilizar com a realidade. Queremos sempre mais. Temos a impressão de que a ciência e o estado só existem para satisfazer todos os nossos desejos: "Todos os dias exigimos, em todos os campos, um desenvolvimento mais veloz. A técnica alimenta em nós a religião da ganância, com ela o possível torna-se desejável e o desejável necessário. Merecemos o melhor. A indústria e a ciência acostumaram-nos a uma tal produtividade, que ficamos furiosos quando as descobertas se tornam mais raras, quando a satisfação que sentimos com sua concretização é obrigada a esperar. 'Isso é insuportável', clamamos - com a imensa raiva de uma criança temperamental que, diante de um brinquedo, bate o pé e grita: eu quero isso"' (Bruckner, 71s). Mas essa criança temperamental não sabe o que quer realmente. Está sempre insatisfeita. É imatura, nunca descobriu seu próprio eu. E sem a experiência de nosso próprio centro somos dilacerados pelos desejos, puxados de um lado a outro pelas impressões externas.

2. O ficar-consigo-mesmo

Como método de cura para a akedia, Evagrius sugere aguentar firme, permanecer no próprio Kellion (pequena habitação do monge eremita). Precisamos permanecer com nós mesmos, para encontrarmos novamente nosso centro.

"Na hora da tentação você não deveria procurar pretextos mais ou menos fidedignos para deixar sua cela, mas permanecer decididamente dentro dela e ser paciente. Simplesmente aceite o que a tentação lhe traz. Sobretudo, encare de frente essa tentação da akedia, pois ela é a pior de todas, mas tem como resultado uma grande purificação da alma. Fugir desses conflitos ou espantá-los torna o espírito inábil, covarde e temeroso" (Evagrius, 28).

O que acontece quando permaneço na cela sem fazer alguma coisa determinada, sem orar, meditar ou ler alguma coisa? Milhares de pensamentos me acometem. Surgem sentimentos, lembranças, decepções, suposições, saudades. Às vezes aflora um caos de emoções. Se eu não fugir, mas aguentar firme, as emoções poderão lentamente se ordenar. Nesse caso a pergunta de Poimen é bastante útil: "Eu - quem sou eu?" Essa pergunta coloca os diversos pensamentos e sentimentos numa ordem, segundo sua relação com meu "eu" verdadeiro. Assim, muita coisa se revelará totalmente sem importância. Outras coisas vão ocupar minha atenção. Gradualmente chegarei a meu problema central. Qual é a questão fundamental de minha vida? Qual é meu anseio mais profundo  Em que momento vivo distante de minha verdade? Quem sou realmente? Como é essa imagem original, não falsificada, que Deus fez de mim? Não encontrarei uma resposta imediata para isso, a qualquer momento a pergunta pelo "eu" verdadeiro reaparecerá  Simplesmente estou aqui. Estou em meu centro. Estou em contato comigo mesmo, com o ser, com o mistério. Estou junto a Deus, diante de Deus e em Deus. E uma paz profunda me cerca. A presença amantíssima e curadora de Deus me envolve. Isso me basta. A fragmentação é suprimida. Tudo é uno.

Se eu me esquivar dos problemas, nunca encontrarei uma solução. Se eu ceder a minha fragmentação e me virar para cá ou para lá, serei cada vez mais dilacerado. Preciso aguentar tudo isso sozinho, por mais difícil que seja. Preciso ir ao fundo de minha inquietação. Então encontrarei as ilusões que criei sobre a vida, minhas pretensões exageradas e fantasias megalômanas infantis. E quando eu as reconheço e identifico como aquilo que são realmente — um pé atolado na infantilidade — então poderei reconciliar-me lentamente comigo mesmo e com minha situação. Se eu permanecer pacientemente comigo mesmo e aguentar, então as forças que estão se fragmentando em meu interior se unirão novamente, eu voltarei a ser uno e encontrarei de novo meu centro.

O ficar-consigo-mesmo é um caminho importante para reconciliarmos os opostos dentro de nós, para nos aguentarmos em nossa cisão. Evagrius descreve outros caminhos para nos livrarmos do domínio das paixões. A "apatheia" é um estado no qual as paixões não nos dominam mais, elas passam a nos servir, e se aquietam. Na "apatheia" posso lidar livremente com minhas paixões. Não fico mais amarrado a elas, dependente delas. Na verdade elas me levam à vida, e finalmente a Deus. Só quando alcanço essa liberdade interior, quando nada mais que vem de fora me domina, só então encontro meu "eu" verdadeiro. Evagrius diz que na "apa­theia" eu posso ver minha própria luz. Posso tomar consciência de meu cerne mais profundo. E ele é uma luz muito clara. A luz é para mim uma imagem do "eu", o cerne mais profundo do ser humano, no qual também mora Deus, a verdadeira luz.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Observação Holística

1ª palestra em Ojai, Califórnia em 01/05/1982

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O buscador é diferente do objeto de sua busca?


O que é isso que chamamos de permanente? O que é isso que estamos procurando, que nos dará, ou que esperamos que nos dê, permanência? Não estamos buscando felicidade, satisfação e certeza duradouras? Queremos algo que se prolongue eternamente, que nos dê satisfação. Se nos despirmos de todas as palavras e sentenças, veremos que é isso o que queremos. Queremos prazer e satisfação permanentes, e a isso que chamamos de verdade, Deus ou qualquer outra coisa.
Muito bem, queremos prazer. Talvez esse seja um modo bruto de falar, mas o que realmente queremos é conhecimento que nos dê prazer, experiências que nos deem prazer, satisfação que não se tenha desvanecido no dia seguinte. Temos experimentado muitas coisas que nos deram satisfação, mas todas elas desapareceram. E agora esperamos encontrar satisfação permanente na realidade, em Deus. Sem dúvida, é isso o que todos nós estamos procurando, tanto o inteligente como o estúpido, o teórico e o factual. Mas existe satisfação permanente? Existe algo que dure para sempre?
Se você está buscando satisfação, chamando-a de Deus, ou de Verdade — o nome não importa —, tem de compreender a coisa que está procurando. Quando diz que está buscando felicidade permanente — Deus, verdade ou como queira chamá-la —, não precisa compreender buscador? Porque, talvez, não existam segurança e felicidade permanentes. A verdade, talvez, seja algo totalmente diferente, e penso que de fato é completamente diferente do que podemos ver, conceber, formular. Então, antes de procurarmos algo permanente, não é óbvio que precisamos compreender aquele que busca? O buscador é diferente daquilo que ele está buscando? Quando dizemos que estamos buscando felicidade, o buscador é diferente do objeto de sua busca? O pensador é diferente do pensamento? Não são eles um fenômeno conjunto, em vez de processos isolados? Assim, torna-se essencial compreender o buscador antes de tentarmos descobrir o que ele está buscando.
Portanto, chegamos àquele ponto em que nos perguntamos de maneira sincera e profunda se paz, felicidade, realidade, Deus ou o que quisermos, podem nos ser dados por outra pessoa. Pode essa busca incessante, esse anseio, dar-nos aquele extraordinário senso de realidade, aquele ser criativo, que surge quando realmente compreendemos a nós mesmos? O autoconhecimento vem pela busca, por seguirmos outra pessoa, por pertencermos a determinada organização, pelos livros que lemos, e assim por diante? Afinal, a questão principal é que se eu não compreendo a mim mesmo, não tenho base para o pensamento, e toda a minha busca será em vão. Posso me refugiar em ilusões, posso fugir da rivalidade, do conflito, da luta, posso adorar alguém, posso procurar minha salvação por intermédio de outra pessoa, mas enquanto eu estiver ignorante a respeito de mim mesmo, enquanto eu não estiver cônscio do processo total de mim, não terei base para o pensamento, para a afeição, para a ação.
Mas a última coisa que queremos é conhecer a nós mesmos. Esse é, definitivamente, o único alicerce sobre o qual podemos construir. Contudo, antes de podermos construir, antes de podermos transformar, antes de podermos condenar ou destruir, precisamos saber o que somos. Sair por aí procurando, mudando de professores, de gurus, praticando ioga, técnicas de respiração, realizando rituais, seguindo mestres e todo o resto, é absolutamente inútil, não é? Nada disso tem sentido, mesmo que as próprias pessoas a que seguimos digam “estudem a si mesmos”, porque o que somos, o mundo é. Se somos mesquinhos, invejosos, vaidosos, gananciosos, isso é o que criamos ao nosso redor, assim é a sociedade em que vivemos.
Parece-me que, antes de partirmos para uma jornada em busca da realidade, de Deus, antes de podermos agir, antes de podermos ter um relacionamento com os outros — que é o que forma a sociedade —, é essencial começarmos a compreender a nós mesmos. Considero sincera em sua intenção a pessoa que se preocupa com isso em primeiro lugar, e não em como alcançará determinada meta, porque, se nós, você e eu, não compreendermos a nós mesmos, como poderemos, na ação, causar uma transformação na sociedade, nos relacionamentos, em tudo o que fizermos? Isso não significa, obviamente, que o autoconhecimento se oponha aos relacionamentos, ou seja separado deles. Não significa dar ênfase ao indivíduo, ao eu, em oposição à massa, em oposição ao outro.
Agora, sem conhecer a si mesmo, sem conhecer o próprio modo de pensar e saber por que pensa certas coisas, sem saber a base de seu condicionamento e por que tem certas convicções sobre arte e religião, sobre seu país, seu próximo e sobre si mesmo , como você pode pensar verdadeiramente sobre alguma coisa? Sem conhecer sua formação, a substância de seu pensamento e de onde ele vem, sua busca é fútil, sua ação não tem sentido.
Antes de podermos descobrir qual é o propósito final da vida, o que tudo isso significa — guerras, antagonismos entre nações, conflitos, toda essa confusão —, precisamos começar a aprender sobre nós mesmos. Parece fácil, mas é extremamente difícil. Para seguir a nós mesmos, ver como funciona o nosso próprio pensamento, temos de estar alertas, de modo que, conforme ficamos mais alertas quanto à complexidade de nosso modo de pensar, das reações e dos sentimentos, começamos a ter uma conscientização mais ampla não apenas de nós mesmos, mas também daqueles com quem nos relacionamos. Conhecer a si mesmo é estudar-se em ação, e isso é relacionamento. A dificuldade maior é nossa impaciência. Queremos ir sempre em frente, chegar a um fim, e dessa maneira não temos tempo para nos dar a oportunidade de estudar, observar. Nós nos envolvemos em muitas atividades, trabalhando para ganhar a vida, criando filhos, ou então assumimos certas responsabilidades em várias organizações. Comprometemo-nos de tantas maneiras que não nos sobra tempo para a autorreflexão, a observação, o estudo de nós mesmos. Portanto, a responsabilidade pela ação é do próprio indivíduo, não de outra pessoa. Procurar, por todo o mundo, gurus e seus sistemas, ler os últimos livros sobre isso e aquilo, e assim por diante, parecem-me ações vazias, porque podemos andar por toda a Terra mas teremos de voltar a nós mesmos. E como não somos cônscios de nós mesmos, é extremamente difícil começar a ver com clareza o processo de nossos pensamentos, sentimentos e ações.
Quanto mais sabemos sobre nós, mais clareza ganhamos. O autoconhecimento não tem fim, nunca é completado, nunca acaba. É um rio infinito. Quando estudamos, aprofundando-nos mais e mais em nós mesmos, encontramos a paz. Apenas quando amente está tranquila — por meio do autoconhecimento, não dá disciplina imposta — é que a realidade acontece, surgindo dessa tranquilidade, desse silêncio. É só então que pode haver bem-aventurança, que pode haver ação criativa. Penso que sem essa compreensão, sem essa experiência, limitar-se a ler livros, assistir palestras, fazer propaganda, é infantil — atividade sem sentido; enquanto que se compreendermos a nós mesmos, produzindo assim aquela felicidade criativa, a experiência de alguma coisa que não é da mente, é possível acontecer uma transformação em nossos relacionamentos imediatos e, assim, no mundo em que vivemos. 

Krishnamurti - The Krishnamurti Reader

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Por que não se experimenta algo que ultrapassa a mera observação?


Pergunta: Há muitos anos que vos ouço, e já me tornei bastante treinado em observar meus pensamentos e manter-me cônscio de tudo o que faço, mas nunca atingi as "águas profundas", nem experimentei a transformação de que falais. Por que?

Krishnamurti: Acho bastante clara a razão porque nenhum de nós experimenta algo que ultrapassa a mera observação. Pode haver raros momentos de um estado emocional, que nos permite ver, assim dizer, a claridade do céu por entre as nuvens, mas eu não me refiro a coisa dessa espécie. Todas as experiências dessa natureza são passageiras e de muito pouca satisfação. O interrogante deseja saber por que, depois de tantos anos de vigilância, não atingiu “águas profundas”. Por que deveria atingi-las? Compreendeis? Pensais que, pela vigilância dos vossos pensamentos, ides obter uma recompensa: se fizerdes isto, ganhareis aquilo. Em verdade não estais vigilante, em absoluto, visto que a vossa mente está toda interessada em obter aquela recompensa. Pensais que pelo observar, pelo estar vigilante, sereis mais amorosos, sofrereis menos, sereis menos irritadiço, alcançareis algo superior; assim, a vossa vigilância é uma operação de compra. Com esta moeda quereis comprar tal coisa, o que significa que vossa vigilância é um processo de escolha; por conseguinte, não é vigilância, não é atenção. Estar vigilante é observar sem escolha, é a pessoa ver a si mesma exatamente como é, sem nenhum movimento do desejo, para alterar o que vê, o que é dificílimo; mas isso não quer dizer que permanecereis no vosso estado presente. Não sabeis o que acontecerá, se virdes a vós mesmo como sois, sem desejardes modificar o que vedes. Compreendeis?

Vou aduzir um exemplo e apreciá-lo em todos os seus aspectos, para melhor esclarecimento. Suponhamos que eu sou violento, como o é a maioria das pessoas. Toda a nossa civilização é violenta, mas não pretendo examinar agora a anatomia da violência, pois não é este o problema que estamos considerando. Sou violento, e percebo que o sou. Que acontece? Minha reação imediata é a de fazer alguma coisa a esse respeito, não é verdade? Digo que me devo tornar não-violento. É isso o que dizem há séculos todos os instrutores religiosos — que quando uma pessoa é violenta, deve tornar-se não violenta. E assim, começo a exercitar-me, a fazer as coisas necessárias, de ordem ideológica. Mas depois percebo quanto isto é absurdo, porque a entidade que observa a violência e deseja transformá-la em não-violência, continua violenta. Agora, o que me interessa já não é a manifestação daquela entidade, mas a própria entidade. Espero que estejais seguindo tudo isso.

Ora, que entidade é essa, que diz: “Não devo ser violenta”? Essa entidade é diferente da violência, que ela está observando? São dois estados diferentes? Compreendeis, senhores, ou isto é abstrato demais? Já estamos chegando ao fim da palestra, e provavelmente vos sentis um tanto fatigados. Ora, não pode haver dúvida de que a violência e a entidade que diz “Tenho de transformar a violência em não-violência” são a mesma entidade. Reconhecer este fato é por fim a todos os conflitos, não achais? Já não existe então o conflito que há no esforço que faço para modificar-me, porque percebo que o próprio movimento da mente para não ser violento é produto da violência. O interrogante indaga porque razão não consegue ir além dessas lutas superficiais da mente. Pela razão muito simples de que, consciente ou inconscientemente, a mente está sempre a buscar alguma coisa, e esta mesma busca produz violência, competição, o sentimento de total insatisfação. Só quando a nossa mente está na mais completa quietude, existe a possibilidade de serem atingidas as águas profundas.

Krishnamurti – Realização sem esforço – pág. 85 à 87 – 21 de agosto de 1955

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Examinando a questão do conflito.


Áudio da reunião de estudo deste tema, pelo Paltalk, na noite de 11/08/2012

Para compreender o conflito, vocês precisam observar a si mesmos. E a observação exige desvelo. Desvelo significa compreensão, afeição: como quando se cuida de uma criança, em que não há repúdio ou condenação. Cuidar de uma criança é observá-la, sem condená-la, sem compará-la. Observá-la com infinita afeição, imensa compreensão; estudá-la em todos os seus movimentos, em todas as fases de seu desenvolvimento, em suas travessuras, suas lágrimas, seus risos. O observar, pois, exige desvelo. Esse é o primeiro requisito da auto-observação.; por conseguinte, nunca deve haver um momento de condenação, de justificação, de comparação, porém, sempre a observação pura e simples de tudo o que está ocorrendo, a cada momento do dia, quer a pessoa se ache no escritório, ou viajando num ônibus, ou conversando com alguém, etc. Cada um deve observar a si próprio tão completamente, com tão infinito desvelo, que daí resulte a precisão, uma precisão absoluta, e não apenas idéias vagas, ação ineficaz.
Como disse, para observarem a si mesmos, exige-se atenção completa. Uma mente que está atenta, cônscia de si própria no justo momento em que está a observar-se, está aprendendo a respeito de si mesma. Aprender é coisa toda diferente de acumular conhecimentos. Da infância até à morte, estamos sempre registrando; nossa mente se tornou uma espécie de fita de gravação, na qual tudo se vai registrando. De acordo com tal registro, nós atuamos, pensamos, reagimos; e a esse registro vamos acrescentando coisas e mais coisas, todos os dias, consciente ou inconscientemente. Guardamos toda experiência, toda informação, todo incidente, toda lembrança. E a isto chamamos experimentar, aprender. Mas isto, em absoluto, não é aprender; aprender é coisa totalmente diferente. No momento em que se começa a acumular, deixa-se de aprender. Pois só a mente que está fresca, que é nova, só a mente que observa com atenção, aprende.
Penso que devemos perceber a diferença entre estas duas coisas. O conhecimento técnico é acumulativo. A ele vai-se acrescentando mais e mais, e é com base nesse conhecimento que atuamos. Se são engenheiro, se são físico, tratam de acumular a maior soma possível de conhecimentos para trabalhar com base nesse conhecimento acumulado. E, por essa razão, nunca há liberdade. É sempre um agir com base no que se aprendeu, consoante o que se adquiriu. No nível do conhecimento técnico, tal ação, tal memória, tal processo acumulativo é absolutamente necessário. Mas nós estamos falando de coisa inteiramente diferente, ou seja que o observar com atenção não implica processo aditivo. Porque, se ficamos meramente adicionando, adquirindo, então, no minuto seguinte de nossa observação, observamos com base no que temos acumulado e, por conseguinte, já não estamos observando. Compreendam isso, por favor.
É importantíssimo compreender que, quando a mente está sempre acumulando, acrescentando algo a si própria e de tal base observando, então, tudo o que ela observa recebe o colorido do que antes foi aprendido, do conhecimento prévio. Essa mente, por conseguinte, é incapaz de compreender um fato novo. E a vida é sempre nova; o viver é algo totalmente novo, a cada minuto do dia. Mas, perdemos o frescor, esse extraordinário sentimento de vitalidade, de beleza, de imensidão, porque vamos sempre ao encontro da vida com nosso conhecimento acumulado e, consequentemente, nunca estamos aprendendo, porém, apenas adicionando mais alguma coisa às já existentes; com base nesse adicionamento, observamos as coisas, na esperança de aprender.
Assim, a mente que é séria, que está bem consciente da situação mundial, percebe que o mundo se acha num estado de angustiosa confusão. Nota-se um constante declínio em todas as nações; só uns poucos são capazes de funcionar inteligentemente, em liberdade talvez; os demais se limitam a imitar — são pobres imitações dos computadores, sua ação é ineficaz. A dor, a angústia, a ansiedade, o desespero é que são fatos, e não as crenças de vocês, suas esperanças, seus deuses; o fato do desespero, da ansiedade, da extraordinária persistência do sofrimento, sofrimento sem fim; a crescente animosidade e brutalidade — eis o mundo a que pertencem. A função da mente verdadeiramente séria é compreender a transcender esse mundo. A mente séria deve observá-lo. Isto é, vocês devem observar a si mesmos, porque vocês são o mundo; porque há em vocês angústia, sofrimento, solidão, desespero, ansiedade, medo, porque são impelidos pela ambição, a avidez, a inveja — vocês são esse mundo. Vocês não são o que pensam ser — que são Deus, etc. Isto é só absurda especulação. Vocês tem que partir dos fatos e tem de aprender a respeito de si mesmos.
Há, pois, diferença entre aprender e acumular conhecimento. O aprender é infinito, não há fim no aprender a respeito de si mesmo. E, por conseguinte, a mente que não está acumulando, porém aprendendo, é capaz de observar seus conflitos, suas tensões, suas dores e secretos desejos e temores. Se assim vocês fizeres, não acidentalmente, porém todos os dias, todos os minutos — e isso é possível — se vocês se mantiverem em constante observação, verão que adquirirão uma energia extraordinária. Porque então a autocontradição estará sendo compreendida.
Com a palavra "compreender" não me refiro a algo intelectual. A mente que está fragmentada nunca compreenderá nada. Quando digo que "compreendo uma certa coisa intelectualmente", o que realmente estou dizendo é que ouço a palavra e compreendo a palavra; isso nada tem a ver com a compreensão. Compreensão implica não só o aspecto semântico, isto é, o sentido da palavra, mas também a apreensão do inteiro conteúdo dessa palavra e de seu significado conforme se aplica a nós mesmos. A compreensão, pois, não é uma simples questão de "cerebração", mera atividade intelectual. Vocês só podem compreender alguma coisa, quando lhe aplicam a mente, o corpo, os sentidos, os olhos, os ouvidos, tudo. E dessa compreensão resulta a ação total, e não ação fragmentária, contraditória.
Nessas contradições, o que interessa — principalmente àqueles que são verdadeiramente sérios — é compreender. E a vida exige seriedade, pois não se pode viver neste mundo levianamente. Vocês não podem estar interessados apenas em suas próprias aflições, seus próprios divertimentos, seus próprios temores. Vocês são uma parte do mundo e devem compreender a si mesmos e isto constitui imensa tarefa. E quando são sérios, devem levar essa compreensão ao extremo, até perceberem tudo o que a existência implica.
E, também, o conflito é algo que temos de compreender — compreender, e não dominar. Não tentem negá-lo, não tentem fugir dele, porém, tratem de compreende-lo, de ver todo o seu significado, de perceber as várias contradições, na palavra, no pensamento, na ação. Em geral, vivemos vidas duplas, ou triplas, ou múltiplas! Funcionamos fragmentariamente, nosso existir é fragmentário; desejamos ser mundanos; desejamos ter todos os confortos que nos são devidos. O conforto, obviamente é necessário; mas, com esse conforto vem a exigência de segurança. Não só desejamos estar seguros em nossos empregos — reação natural e são — mas também desejamos estar seguros psicologicamente, interiormente.
É possível estar-se em segurança psicologicamente, em algum tempo — isto é, estarmos psicologicamente seguros em nossas relações e psicologicamente seguros em relação àquilo com que estamos identificados? A segurança exterior é evidentemente necessária. Exteriormente, é absolutamente necessário termos moradia, um lar, emprego; mas não nos contentamos com isso. Queremos estar em segurança interiormente, e nasce assim a ilusão. A partir desse momento, começa a desenrolar-se uma série de conflitos, de conflitos intermináveis.
Cumpre-nos, pois, descobrir a verdade em relação a essa formidável questão da segurança psicológica — sem procuramos saber o que outro qualquer diz. Psicologicamente, vemo-nos inseguros; por essa razão criamos deuses, deuses que se tornam nossa segurança permanente! Isso gera conflitos. Compreendem o que entendemos por "conflito"? Entendemos: a contradição; a ação fragmentária; os pensamentos que se chocam; os desejos conflitantes entre si; as exigências contraditórias; as pressões do mundo e a exigência interior de viver em paz com o mundo; a aspiração a encontrar algo além da existência diária, monótona, estúpida; o ver-nos presos na engrenagem da existência diária e desesperadora; o nunca termos uma solução para o nosso desespero; a angústia imensa, não apenas pessoal, mas também a angústia do mundo, e nunca encontrarmos uma saída dessa angústia. Eis todos os fatores que geram a contradição — dos quais podemos estar conscientes ou não. Onde a mente se acha em contradição, tem de haver conflito.
E, muito evidentemente, a mente que se acha em conflito não pode ir adiante; poderá prosseguir na ilusão, mas não é capaz de avançar para descobrir se algo existe além do tempo, além da medida humana. Sem dúvida, esta é a função da religião. A função da mente religiosa é descobrir o verdadeiro. E a verdade não pode ser encontrada num templo ou num livro, por mais venerado que ele seja. Vocês têm de descobrir por seus próprios meios. Não podem comprá-la com lágrimas, com orações, com repetições, com rituais; por esse caminho se vai ao absurdo, à ilusão, à insanidade.
A mente séria, por conseguinte, deve estar cônscia desse conflito. Com "estar cônscio" quero dizer, observar, escutar. Escutar é uma arte. Com efeito, é uma arte extraordinária o escutar um som. Não sei se vocês já escutaram um som — o som de um pássaro pousado numa árvore, ou o distante buzinar de um carro. Pelo escutar — não pelo julgar, pelo identificar tal som com determinada ave ou determinado carro ou determinado rádio da casa mais próxima, porém, pelo simples escutar, verão — se assim souberem escutar — como se tornarão extraordinariamente sensíveis. A mente se torna sobremodo alerta quando escutamos simplesmente — isto é, não interpretando o que ouvimos, não tentando traduzi-lo, não o identificando com o que já conhecemos — pois isso nos impede de escutar. Mas, se escutarem simplesmente — escutarem seus pensamentos, suas exigências, o desespero de suas existências, não tentando interpretar, traduzir nada, não tentando fazer alguma coisa em relação ao que se escuta — verão que a mente de vocês se tornará sobremodo lúcida.
E só a mente lúcida, a mente sã, racional, lógica, em que não há conflito, consciente ou inconsciente — só essa mente pode prosseguir até descobrir, por si própria, se existe uma Realidade. Só essa mente é religiosa. E só essa mente pode resolver os problemas do mundo. Os problemas do mundo são inumeráveis e estão se multiplicando. E se vocês não forem capazes de resolvê-los lógica, equilibrada, sadiamente, com o espírito de vocês de todo livre de conflito, estarão apenas criando mais confusão, mais angústias para o mundo e para vocês mesmos.
A primeira coisa, por conseguinte, que nos cumpre fazer é observar com atenção, todas as murmurações, todos os temores, ilusões, desesperos do próprio ser de vocês. E verão então, por si mesmos — e para isso vocês não necessitam de provas, nem de gurus, nem de livros sagrados — se a Realidade existe. E encontrarão aí, um extraordinário sentimento de libertação do sofrimento. Aí existe a claridade, a beleza e aquela coisa que está faltando hoje à mente humana: o amor, a afeição.
Madrasta, 12 de janeiro de 1964

sábado, 4 de agosto de 2012

Sobre o contemplar e a dissolução do Ego


Em última análise, a coisa que chamamos “eu”, o “ego”, é a entidade que está acumulando experiência. É essa a entidade que luta incessantemente? (…) Se você escutar devidamente, verá como, em presença da Verdade, acontece uma coisa extraordinária, a desintegração do “eu” e, em conseqüência, a possibilidade de uma mente nova, mente que estará de fato experimentando o que é verdadeiro, sendo ela própria, por conseguinte, a Verdade. (1)

A mente que compreende, que percebe a verdade relativa ao “vir-a-ser”, ao ser, a verdade relativa ao acumular - essa é uma mente tranqüila; e a mente tranqüila pode experimentar sem se corromper. E pode então, nessa tranqüilidade, penetrar mais fundo, (…) naquele estado maravilhoso que nenhuma mente consciente ou disciplinada (…) pode atingir. Deus, a Verdade, não pode ser acumulado - Ele é de momento a momento. (2)

(…) Todavia, esse “eu” está constantemente se afirmando, traduzindo toda experiência, (…) reação, (…) movimento do pensar em conformidade com seu próprio centro. O “eu”, o “ego” é fonte de conflito e dor, de luta perene por vir a ser, realizar, alcançar; e, enquanto não percebermos esse fato, a nossa mente, por mais hábil, sutil e ilustrada que seja, só haverá de criar mais problemas e (…) sofrimentos. Assim, pois, aqueles dentre nós que tiverem intenções realmente sérias, devem evidentemente orientar a sua indagação no sentido de descobrir se esse “eu” pode chegar a um fim. (3)

Uma vez cônscia da totalidade desse processo do “eu”, na sua atividade, que deve a mente fazer? Só com a renovação (…), a revolução - não pela evolução, ou pelo “vir-a-ser” do “eu”, mas pela completa extinção do “eu” - só assim o novo se apresenta. O processo do tempo não pode trazer-nos o novo, pois o tempo não é o caminho da criação. (4)

Porque, o que constitui o tempo é a ocupação da nossa mente com a memória, e a capacidade de distinguir diferentes lembranças. E é possível à mente permanecer fora do tempo, fora do conhecimento, que é memória, que é experiência, palavra, símbolo? Pode a mente estar livre de tudo isso e, por conseguinte, fora do tempo? Não há então, no centro, uma revolução, uma transformação fundamental? Porque então a mente já não está lutando por alcançar um resultado, acumular, chegar a um fim. Então não há mais temor. A mente, em si mesma, é o desconhecido; (…) é o novo, “o não-contaminado”. Por conseguinte, é o Real, o incorruptível independente do tempo. (5)

(…) Mas, por certo, o que muito nos interessa é descobrir a verdade acerca dessa coisa que chamamos de “eu”, desse centro que é a causa do conflito, bem como averiguar se existe a possibilidade de dissolver esse centro. (…) Mas podemos, de certo, averiguar se a mente pode ser livre, se pode achar-se naquele estado de “não saber”, em que não esteja preocupada com acumulações e “projeções” do seu próprio saber. (…) O que se precisa fazer é só vigiar a si mesmo, penetrar nos arcanos da mente, observar as tendências do “eu”, em sua atividade de acumulação e projeção. (6)

Pergunta: Como pode deter-se a ação do “eu”?

Krishnamurti: Só poderá deter-se se o virdes em atividade. Se o virdes em ação, ou seja, no estado de relação, esse ver será o fim do “eu”. Esse ver, não só é uma ação não condicionada, mas também atua no condicionamento. (7)

Como poderá o “eu”, o “ego” - que constitui todo o processo do nosso pensar - terminar, cessar? (…) Nessas condições, enquanto cada um de nós - pela compreensão do processo integral das relações, que nos são como um espelho - não descobrir a si mesmo (…); enquanto não estiver cônscio de todo o processo do “eu” - o que é autoconhecimento - tem muito pouca significação a nossa luta. (8)

(…) Devemos pôr de lado todas essas coisas e chegar-nos ao problema central, que é: “Como dissolver o “eu”, que nos prende ao tempo, e no qual não existe nem amor nem compaixão? Só é possível passarmos além, depois que a nossa mente não mais se dividir em pensador e pensamento. Quando pensador e pensamento são uma só unidade, só então há silêncio (…) em que não há fabricação de imagens, nem a expectativa de “mais” experiência. Nesse silêncio (…) há uma revolução psicológica criadora. (9)

Pode o “eu”, em algum tempo, libertar-se da auto-escravização e suas ilusões? Não deve o “eu” deixar de existir, para que tenha existência o “sem nome”? E esse lutar constante pelo alvo final não tem apenas o efeito de dar mais força ao “eu” (…)? Vós lutais pelo alvo final, outro anda atrás das coisas mundanas; (10)

(…) O homem que está observando o perpassar das suas experiências, lembranças, conhecimentos, sem a eles se prender, esse homem não aspira à virtude; não está acumulando. E quando a mente já não está acumulando, quando a mente está desperta para todo o processo da consciência, com todas as suas lembranças e seus motivos inconscientes, todos os impulsos de gerações, de séculos, deixando tudo isso passar por ela sem a prender - não se acha então a mente fora do tempo? A mente que, embora consciente das experiências, não se prende a nenhuma delas, já não está livre da rede do tempo? (11)

Nada dissolverá o “eu” enquanto a mente estiver diligenciando dissolvê-lo, uma vez que a mente é incapaz de arrasar as barreiras, as muralhas que ela própria criou. Mas, quando estou cônscio de toda essa complexa estrutura do “eu , que é o passado em cada movimento, através do presente, para o futuro; quando estou cônscio de tudo que se passa tanto interior como exteriormente, tanto oculta como abertamente - quando estou de todo cônscio de tudo isso, então, a mente, que criou as barreiras, no seu desejo de sentir-se segura, permanente, no seu desejo de continuidade, se torna extraordinariamente tranqüila, inativa; e só então apresenta-se a possibilidade de dissolução do “eu”. (12)

Assim, o que importa não é como ficar livre do orgulho, mas sim compreender o “eu”; e o “eu” é muito insidioso. (…) Portanto, enquanto existir esse centro do “eu”, o fato de uma pessoa ser orgulhosa ou reputadamente humilde será de pequeníssima significação. Serão apenas diferentes casacos para vestir. Quando um dado casaco me atrai, visto-o; e no ano seguinte, de acordo com minhas fantasias, desejos, visto outro. (13)

O que vocês têm de entender é como esse “eu” aparece. O “eu” surge por meio das várias formas da sensação de realização. Isso não quer dizer que vocês não devam agir; mas a sensação de que vocês estão agindo, (…) realizando, de que (…) precisam abandonar o orgulho, precisa ser entendida (14)

Vocês precisam compreender a estrutura do “eu”. Precisam tomar consciência de seu próprio pensar (…) observar como tratam o criado, os pais, o professor; (…) como consideram os que estão acima de vocês e os que estão abaixo de vocês, aqueles que vocês respeitam e aqueles que vocês desprezam. Tudo isso revela os processos do “eu”. Entendendo os processos do “eu”, há a libertação do “eu”. (…) (15)
(…) Mas será tão difícil assim o estudo do “eu”? Será necessária a ajuda de outra pessoa, por mais adiantado, elevado que seja o nível (…)? Ninguém, por certo, pode ensinar-nos a compreender o “eu”. Cabe-nos descobrir o processo total do “eu”; mas para isso requer-se espontaneidade. Não podemos impor-nos uma disciplina, um modo de operar; só podemos estar cônscios de instante a instante, de cada movimento do pensamento, de cada sentimento, na vida de relação (16) 

Enquanto houver um padrão de pensamento, a contradição continuará a existir; e, para eliminar o padrão e, assim, a contradição, torna-se necessário o autoconhecimento. (…) O “eu” precisa ser compreendido, na nossa linguagem diária, na maneira como pensamos e como consideramos o nosso semelhante. Se pudermos estar cônscios de cada pensamento, de cada sentimento, momento a momento, veremos que, na vida de relação, compreenderemos as peculiaridades e tendências do “eu”. Só então podemos ter aquela tranqüilidade da mente, (…) ver surgir a realidade final. (17)

Há compreensão do “eu”, e liberdade, só quando posso olhá-lo completa e integralmente, como um todo; e isso só posso fazer quando, sem justificar, sem condenar, sem reprimir, compreendo na íntegra o processo de toda a atividade do desejo, (…) porque o pensamento não é diferente do desejo. Se posso assim compreender, terei a possibilidade de transcender as restrições do “eu”.(18)

Assim sendo, o que me parece importante é essa investigação do “eu” de “mim”, para se conhecer o “eu” tal qual é, com suas ambições, invejas, exigências agressivas, falácias, divisão em “superior” e “inferior” - de tal maneira que não só seja revelada a mente consciente, mas também a inconsciente (…); o conhecimento da totalidade do “eu” significa o seu fim. (19)

Se houver correta compreensão do fato de que não pode existir verdadeiro discernimento enquanto persistir a vontade de desejo, essa mesma compreensão faz com que o processo do “eu” chegue a ser destruído. Não existe outro ou mais alto “eu” que destrua o processo do “eu”; nenhum ambiente e nenhuma divindade pode acabar com esse processo. Porém, a própria percepção do processo do “eu”, o discernimento de sua insensatez, de sua natureza transitória, é que o destrói. (20)

(…) Há uma atividade diferente que não procede do “ego” e que cumpre ser encontrada. Uma inteligência diferente é necessária para compreender o Atemporal, pois é só este que nos pode libertar de nossas lutas e sofrimentos (…) A inteligência que agora possuímos é produto do desejo de satisfação e segurança, material ou espiritual; é resultado da cupidez; (…) da auto-identificação. Tal inteligência é incapaz de compreender o Real. (21)

(…) Só depois de cessar a atividade do “ego”, da memória, apresenta-se uma consciência totalmente diferente, a respeito da qual toda especulação é somente estorvo. O esforço que visa à expansão é sempre atividade do “ego”, cuja consciência quer crescer, “vir a ser”. Essa consciência prende-se ao tempo e por isso não se encontra, nela, o Atemporal. (22)

O que podemos perceber é, somente, que estamos fechados, que a atividade da vontade é resistência e que o próprio desejo de alcançar vigilância passiva é um obstáculo a mais. (…) Estar atento para as atividades egocêntricas é anulá-las; (…) A vigilância passiva só nos vem quando tranqüila a mente-coração. Nessa tranqüilidade, vem o Real à existência. (23)

(…) O problema, pois, é este: pode a mente, que é resultado do tempo, a mente que é o “eu”, o “ego”, ainda que muito lhe agrade dividir-se em “eu” superior e “eu” inferior, observador e coisa observada - pode o “eu”, cuja consciência, no seu todo, é resultado da acumulação de experiência, de memória, de conhecimentos, findar sem o desejarmos? (24)

E pode essa mente, que pertence ao tempo e não tem relação nenhuma com a Verdade (…) deter-se instantaneamente, para que possa existir a outra mente, o outro “estado de ser”, a mente que experimenta a Realidade e é, por conseguinte, ela própria o Real? (25)

Em momentos de intensa criação, de grande beleza, há uma tranqüilidade absoluta; em tais momentos verifica-se uma ausência completa do “ego” e de todos os seus conflitos; é essa negação - a forma suprema do pensar-sentir - que é essencial para alcançarmos o estado de potência criadora. (26)

(1) O Problema da Revolução Total, pág. 120
(2) O Problema da Revolução Total, pág. 121
(3) Percepção Criadora, pág. 54
(4) A Primeira e Última Liberdade, 1ª ed., pág. 125
(5) Poder e Realização, pág. 73)
(6) A Renovação da Mente, pág. 25
(7) A Luz que não se Apaga, pág. 131
(8) O Problema da Revolução Total, pág. 25-26)
(9) Claridade na Ação, pág. 145
(10) Reflexões sobre a Vida, 1ª ed., pág. 128
(11) Poder e Realização, pág. 72
(12) Claridade na Ação, pág. 90-91
(13) O Verdadeiro Objetivo da Vida, pág. 88
(14) O Verdadeiro Objetivo da Vida, pág. 88
(15) O Verdadeiro Objetivo da Vida, pág. 88
(16) Viver sem Confusão, pág. 35-36
(17) Por que não te Satisfaz a Vida, pág. 40
(18) Quando o Pensamento Cessa, pág. 64-65
(19) Transformação Fundamental, p .60
(20) Palestras em Nova York, Eddington, Madras, 1936, pág. 56)
(21) O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 215-216)
(22) O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 200)
(23) O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 214
(24) Poder e Realização, pág. 71
(25) Poder e Realização, pág. 71
(26) (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 88)

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

A prática da observação sem escolhas dos pensamentos e emoções

Uma mente torturada, frustrada, moldada pelo que a rodeia, que se conforma à moral social estabelecida é, em si própria, confusa; e uma mente confusa não pode descobrir o que é a Verdade. Para a mente descobrir esse estranho mistério — se tal coisa existe — ela precisa de construir as bases de uma conduta moral, o que não tem nada a ver com a moralidade social, uma conduta sem medos e, portanto, livre. Só então — depois de lançada esta base profunda — a mente poderá prosseguir no sentido de descobrir o que é meditação, essa qualidade de silêncio, de observação, no qual o "observador" não existe. Se esta base de conduta correta não está presente na existência de cada um, na sua ação, então a meditação tem muito pouco significado.(1)

Para meditar, no sentido mais profundo da palavra, temos de ser íntegros, morais. Não se trata da moralidade de um padrão, de uma prática, ou da ordem social, mas sim da moralidade que brota naturalmente, inevitavelmente, suavemente, quando começamos a compreender-nos a nós próprios, quando estamos atentos aos nossos pensamentos e sentimentos, às nossas atividades, desejos, ambições, etc.atentos sem qualquer escolha, observando apenas. Dessa observação nasce a ação correta, que não tem nada a ver com conformismo ou com uma ação de acordo com um ideal. Então, quando isso existe profundamente em nós, com a sua beleza e austeridade na qual não há nenhuma rigidezrigidez só existe quando há esforçoquando tivermos observado todos os sistemas, todos os métodos, todas as promessas e olhado para eles objetivamente, sem gostar ou não-gostar, então podemos recusar tudo isso completamente, para que a mente fique liberta do passado; então podemos prosseguir na descoberta do que é meditação.(2)

A meditação exige a mais alta disciplina rigideznão a da repressão e do conformismo rigidezmas a que surge quando observamos o nosso pensamento. Essa mesma observação tem a sua própria disciplina, de uma subtileza extraordinária... E podemos fazê-lo em qualquer altura. Quando se está sentado no carro, pode-se observar, estar atento a tudo, ao que está acontecendo à nossa volta e ao que está acontecendo em nós mesmos rigidezestar consciente de todo o processo, do movimento total.(3)

Meditação é o perceber total de cada movimento do pensamento, e jamais negação dele; quer dizer, é deixar cada pensamento "florescer" livremente: pois só em liberdade pode o pensamento "florescer" e terminar. Assim, com esse trabalho (se isso se pode chamar "trabalho") ou, melhor, com essa observação, a mente tudo compreende. Está então quieta, sabe o que realmente significa "estar quieta", estar verdadeiramente tranquila. E, nessa tranquilidade, existem várias outras formas de movimento que, para quem nunca refletiu a esse respeito, só verbalmente se podem descrever.(4)

Uma revolução em toda a psique do homem não é realizável por meio da vontade, que é desejo, determinação, por meio de um plano de vida conducente à paz. Ela só é possível quando o cérebro pode estar quieto e ao mesmo tempo ativo, para observar sem criar imagens de acordo com sua experiência, conhecimentos e prazer. A paz é essencial, porque só na paz pode o indivíduo florescer em bondade e beleza. Essa possibilidade só existe quando somos capazes de escutar o todo da existência, com todas as suas agitações, aflições, confusão e angústiasescutá-lo, simplesmente, sem nenhum desejo de alterá-lo. O próprio ato de escutar é a ação que operará a revolução.(5)

O autoconhecimento não pode ser aprendido de outrem. Eu não posso lhes dizer o que ele é. Mas pode-se ver como a mente opera, não apenas a mente que está ativa todos os dias, porém a totalidade da mente — a mente consciente e a mente oculta. Todas as numerosas camadas da mente têm de ser percebidas, investigadas, mas não pela introspecção. A autoanálise não revela a totalidade da mente, porque há sempre a separação entre o analista e a coisa analisada. Mas se puderem observar as operações da sua mente, sem tendência para julgar, avaliar, sem condenação ou comparação — observar, simplesmente, como se observa uma estrela, desapaixonadamente, tranquilamente, sem ansiedade — observarão então que o autoconhecimento não depende do tempo, não é processo de penetração do inconsciente com o fim de remover todos os "motivos" ou de compreender os vários impulsos e compulsões. O que cria o tempo é a comparação, não resta dúvida; e porque nossa mente é resultado do tempo, só pode pensar em termos de mais — sendo isso o que chamamos progresso.(6)

A neurose oferece uma extraordinária impressão de segurança. O homem que crê é neurótico, e neurótico é também o que adora uma imagem. Nestas neuroses encontra-se muita segurança. E a segurança não faz operar-se uma radical revolução em nós mesmos. Para realizá-la, cumpre observar sem escolha, sem nenhuma deformação causada pelo desejo, pelo prazer ou pelo medo. Temos de observar o que realmente somos, sem nenhuma espécie de fuga. E não nomeiem ao que veem: Observem-no, apenas! Terão então a paixão, a energia necessária ao observar, e nesse observar verifica-se uma extraordinária transformação.(7)

O autoconhecimento brota quando vocês observam e compreendem todos os seus sentimentos e pensamentos, momento por momento, dia a dia. A totalidade dessa compreensão resolverá os problemas da vida.(8)

Agora por onde começar o entendimento de nós mesmos? Aqui estou eu, e como fazer para estudar a mim mesmo, me observar, ver o que está acontecendo de fato dentro de mim? Eu só posso me observar no relacionamento porque toda a vida é relação. Não tem nenhum sentido sentar-me em um canto e meditar sobre mim mesmo. Eu não posso existir sozinho. Eu só existo em relação com as pessoas, coisas e idéias, e estudando meu relacionamento com as coisas e as pessoas externas, bem como com as coisas internas, eu começo a me conhecer. Toda outra forma de conhecer-me é somente uma abstração e eu não posso me estudar em uma abstração; Eu não sou uma entidade abstrata; portanto eu tenho que me estudar na realidade — como eu sou, não como gostaria de ser. Eu só posso me observar no relacionamento.(9)

Para deixar um pensamento ou percepção florescer é necessária atenção — não concentração. Quero dizer que o florescimento de um pensamento dá a liberdade para ver o que acontece, o que está acontecendo no seu pensamento, na sua percepção. Qualquer coisa para florescer tem que ter liberdade, tem que ter luz, não pode ser restringida. Você não pode atribuir valores a isso, não se pode dizer, "Isso é certo, isso é errado, isto deve ser, e isso não deve ser" — assim, você limita o florescimento do pensamento. Então, se você for muito profundamente nisto, você verá que o florescer do pensamento é o cessar do pensamento... Na conscientização não existe nenhum vir a ser, não há nenhum objetivo a ser alcançado. Existe a observação silenciosa sem escolha e condenação, e é daí que surge a compreensão. Neste processo quando pensamento e a percepção desdobrar-se, o que só é possível quando não existe nem aquisição nem aceitação, então surge à conscientização ampla de todas as camadas ocultas e sua importância é revelada. Esta conscientização revela o vazio criativo que não pode ser imaginado nem pode ser formulado. Esta ampla e criativa conscientização e a vacuidade é um processo único global, não são diferentes fases. Quando você silenciosamente observa um problema sem condenação e justificação, surge a consciência serena. Nesta passiva conscientização, todo problema é compreendido e dissolvido. Na conscientização há aumento de sensibilidade em que existe a mais alta forma de pensar negativo. Quando a mente está formulando e produzindo não pode haver nenhuma criação. É só quando a mente está vazia, quando não cria um problema — nessa serena atenção existe criação. A criação só pode acontecer na negação, o que não é o contrário da positivação. Ser nada não é o oposto de ser algo. O problema vem à existência apenas quando há procura de resultado. Quando a procura de resultado cessa, só então não há mais problema nenhum.

Não sei se vocês têm observado que uma grande parte do intelecto interfere em nossa vida. Os jornais, as revistas, tudo atua sobre nós nos cultivando a razão. Não que eu seja contra a razão. Pelo contrário, é preciso ter a capacidade de raciocinar precisamente de forma muito clara. Mas, se você observar você verá que o intelecto está perpetuamente analisando, por que é que uma pessoa deve ou não pertencer a algo, por que é preciso ser o desconhecido para achar realidade, e outras coisas mais. Temos aprendido o processo de análise de nós mesmos. Portanto, existe o intelecto com a sua capacidade para investigar, de analisar, de raciocinar e chegar a conclusões, e há a percepção, percepção pura, que está sempre sendo interrompida, colorida pelo intelecto. E quando o intelecto interfere na percepção pura, esta interferência faz com que se desenvolva uma mente medíocre. De um lado, temos intelecto, com a sua capacidade de raciocinar com base em seu gostar e não gostar, de acordo com o seu condicionamento, em função de sua experiência e conhecimentos, e do por outro lado, temos a percepção, que é corrompida pela sociedade, pelo medo. E estes dois revelarão o que é a verdade? Ou existe apenas o discernimento, e nada mais?... Não sei se você tem considerado a natureza do intelecto. O intelecto e as suas atividades estão sempre no mesmo nível, não? Mas, quando o intelecto interfere na percepção pura, acontece a mediocridade. Conhecer a função do intelecto, e ser consciente desta percepção pura, sem deixar os dois misturados se destruírem um ao outro, requer uma consciência muito clara e nítida. Assim, a função do intelecto  sempre, não é, investigar, analisar, procurar exteriormente, mas, por querermos estar seguros interiormente, psicologicamente, por estarmos receosos, ansiosos na vida, chegamos a algum tipo de conclusão com que já estávamos comprometidos. De um compromisso avançamos para outro, e eu digo que essa mente, tal intelecto sendo escravizada a uma conclusão, cessou de pensar, de investigar.

Compreender o "eu" requer muitíssima inteligência, um estado de intensa vigilância, de alerta, de agudez mental, uma incessante observação para que o "eu" não possa escapulir-se. Como sou muito sério, quero dissolver o "eu". Quando digo isso, entendo que é possível dissolver o "eu". Por favor, seja paciente. Prontamente digo: "Quero dissolver este "eu", e no processo que sigo para dissolvê-lo, intervém a experimentação do "eu"; em consequência, o "eu" se fortalece. Como é possível, então, que o "eu" não experimente? Pode-se ver que a criação não é em absoluto uma experiência do "eu". A criação tem lugar quando o "eu" está ausente, porque a criação não é um fato intelectual, não pertence a mente, não é autoprojetada; é algo que está mais além de toda experimentação tal como a conhecemos. Pode estar a mente completamente quieta, num estado de não reconhecimento, ou seja, de não experimentação, um estado em que a criação possa ter lugar? Quer dizer, quando o "eu" não está ai, quando se acha ausente... Qualquer movimento da mente, positivo ou negativo, é uma experiência que de fato fortalece o "eu". Pode a mente não reconhecer? Isso pode ocorrer somente quando há completo silêncio, porém, não o silêncio que é uma experiência do "eu" e que, portanto, o fortalece.

Quando não existe nenhum observador que sofre, o sofrimento é diferente de você? Você é o sofrimento, não é? Você não está além da dor — você é a dor. O que acontece? Não há nenhuma identificação, nenhum dá nome e assim separando de você toda essa percepção dolorida — você é simplesmente essa dor, essa percepção, essa sensação de agonia. Quando você é isso, o que acontece? Quando você não o nomeia, quando não existe nenhum medo com relação a isso, o centro está relacionado com isso? Se o centro está relacionado com isso, então ele tem medo disso. Então deve agir e deve fazer algo em relação a isso. Mas se o centro é isso, então o que você faz? Nada há a ser feito, há? Se você é isso e você não está aceitando, não está se identificando, nem está pondo isso de lado — se você é isso, o que acontece? Então você diz que você sofre? Seguramente, aconteceu uma transformação fundamental. Então já não há mais um "eu sofro", porque não há nenhum centro para sofrer e o centro sofre porque nós nunca examinamos “o que é” o centro. Acabamos de viver isso palavra por palavra, de reação a reação.

Podemos nos tornar mais refinados, sutis, detalhistas, mudar nossos prazeres, mas no centro de tudo isso, existe o "eu" — o “eu", que está desfrutando, e que quer mais felicidade, o "eu", que procura, anseia ardentemente a felicidade, o “eu", que luta, o “eu", que se torna mais e mais refinado, que nunca quer chegar a um fim. É apenas quando o "eu", em todas as formas sutis chega ao fim de que existe um estado de êxtase, que depois não pode ser procurado, um êxtase, uma verdadeira alegria, sem dor, sem corrupção... Quando a mente vai além do pensamento, do "eu", do experimentador, do observador, do pensador, então existe a possibilidade de uma felicidade que é incorruptível. Essa felicidade não pode ser permanente, no sentido em que nós usamos essa palavra. Mas, a nossa mente está buscando uma felicidade permanente, algo que vá durar, que vá continuar. Esse desejo de continuidade é corrupção. Se pudermos entender o processo da vida, sem condenar, sem dizer que é certo ou errado, então eu penso, que vem a felicidade criadora que não está no "eu" ou no "meu”. Esta felicidade criadora é como a luz do sol. Se você quiser manter o sol para si mesmo, ele não se mantém por muito tempo dando vida e calor. Da mesma forma, se desejar felicidade porque está sofrendo, ou porque perdeu alguém, ou porque não é bem sucedido, então isso é apenas uma reação. Mas, quando a mente pode ir mais além, existe uma felicidade que não é da mente.(10)

Autoconhecimento não significa acumular conhecimentos sobre si próprio; significa observar a si próprio. Se aprendo acumulando conhecimentos, nada aprendo a respeito de mim mesmo... Para a compreensão da vida diária, não necessitamos de nenhum guru, de nenhuma autoridade ou instrutor. O que nos cabe fazer é, apenas, observar, estar cônscios de nossos atos, pensamentos, e "motivos", e descobrir se existe alguma possibilidade de transformarmos totalmente nossas humanas tendências, crenças e desesperos.(11)

Conhecer a si mesmo é sabedoria. Vocês podem ignorar todos os livros do mundo (e espero que sim), podem ignorar as mais modernas teorias, mas isso não é ignorância. Não nos conhecermos profundamente, fundamentalmente, é ignorância; e vocês não podem se conhecer se não são capazes de se olhar, de se ver exatamente como são, sem nenhuma deformação, sem nenhum desejo de mudar nada. Então, o que vocês veem se transforma, porque a distância entre o observador e a coisa observada desapareceu e, por conseguinte, não há conflito.(12)

Perceber, sem condenar, sem julgar; observar pura e simplesmente, e sem escolha, olhar sem condenação, interpretação, comparação; nisso há grande beleza, e grande clareza na observação. Se dessa maneira vosê se observar sem escolha, então, nesse percebimento, existe atenção, nenhuma entidade existe como "observador", nem "coisa observada". Não há "observador" a olhar aquilo a que está observando. (13)

Fontes dos textos citados:
(1) Krishnamurti
(2) Krishnamurti
(3) Krishnamurti - Excerto da entrevista de K. à BBC de Londres, em 7.12.70
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill