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domingo, 15 de setembro de 2013

O importante estado de prontificação do EU

Interrogante: Qual a entidade que tem o poder de observar a mente?

Krishnamurti: Senhor, se antes de tudo percebermos que o observador é a coisa observada — uma das coisas mais extraordinárias, uma vez percebida — então, nesse estado de atenção, não há observador e nem coisa observada. Eu me explico.

Olhe para aquele carvalho; olhe-o REALMENTE. Você é o observador, e o carvalho a coisa observada. Há um espaço entre você e o objeto — a árvore. Nesse intervalo ou espaço está o tempo — o tempo de que se precisa para ver o objeto. O objeto é sempre estático; e o que é estático — quando observado — é tempo.

Pois bem; o observador está a observar a árvore. Naquele intervalo, naquele espaço, criam-se as ideias de toda espécie: "Aquela árvore é um carvalho", "Gosto", "Não gosto", "Quem me dera tê-la em meu jardim", "Preferia que ela fosse 'isto' ou 'aquilo'" — dúzias de coisas diferentes, que me impedem de ver realmente o fato — a árvore — vê-la em sua totalidade; porque minha atenção é desviada pelas palavras, pelo nome, pelos conhecimentos botânicos que tenho a respeito da árvore. Essa distração me impede de olhar realmente a árvore. Quando já não estamos a dar nome, quando o pensamento já não funciona na forma de conhecimento relativo à arvore, há então algum espaço entre você e a árvore? Então — se você penetrar e observar profundamente tudo isso — verá que o observador é a coisa observada — o que não significa que o observador se identifica com a árvore. É bem de ver que a identificação do observador com a árvore é uma coisa perfeitamente absurda. O observador não se torna a árvore.

Interrogante: Você não observa o vácuo?

Krishnamurti: Meu caro senhor, examine isso; examine; não pergunte nada. Examine o fato. Olhe aquela flor. Alguma vez já olhou uma flor? Ou apenas a olha, lhe dá um nome, e passa adiante? Ou diz "Que bela! Vou cheirá-la"? Tudo isso são ações que lhe distraem e lhe impedem de olhar a flor. Assim também os entes humanos que se conhecem e nunca se olham, têm respectivas imagens um do outro, e essas imagens é que estão em relação entre si. O observar claramente uma coisa — e muito poucos o fazem — não exige esforço algum: estar-se tranquilamente sentado, numa tarde, quando se dispõe de tempo e de folga, e olhar uma flor, olhar a si próprio, olhar o movimento dos próprios pensamentos e sentimentos e reações; estar simplesmente a observar, sem escolha — isso é o começo do autoconhecimento. E sem esse autoconhecimento, ver-se-á o homem num estado de perpétua confusão e aflição. Quando o observador é a coisa observada — isso só se torna possível quando há atenção total, e não atenção fragmentária. Essa atenção pode durar um segundo ou um minuto; mas, o desejo de mantê-la torna-a desatenção.

Perguntar o que é o observador, qual o estado da mente quando não há observador, quando o observador é o objeto observado, formular em palavras o que é aquele estado, é negá-lo. Uma pessoa não pode comunicar algo que outra não conhece, não descobriu. E ao fazer-se tal comunicação (que é impossível), logo se quereria alcançar aquela coisa, dir-se-ia: "Ensine-me o método de alcançá-la" — e estar-se-ia no caminho errado.

Interrogante: Senhor, o que me impede de ver a árvore é o EU, e percebo que tenho de dispor-me a renunciar o EU, abandoná-lo, soltá-lo, antes de poder ver a árvore. Não é isso o que diz?

Krishnamurti: Qual é a entidade que vai renunciar?

Interrogante: O EU.

Krishnamurti: Senhor, o EU não pode renunciar a si próprio. O que pode fazer é só ficar quieto; mas, não poderá ficar quieto, sem a compreensão da inteira estrutura e significado de si próprio. Ou se compreende essa estrutura e significado total e imediatamente, ou não se compreende em absoluto. Esse é o único caminho; não há outro caminho. Se você disser "Eu me exercitarei e gradualmente farei que o EU morra" — se assim fizer, cairá numa armadilha diferente, que é o mesmo EU.

Interrogante: Se observo uma árvore na maneira como você descreveu, isto é, de modo que o observador seja a coisa observada, a árvore continua existente.

Krishnamurti: É claro, senhor.

Interrogante: Se observo o medo da mesma maneira, ele não continuará também existente?

Krishnamurti: Não. Veja, em primeiro lugar, que eu não desejo me livrar do medo, porém, compreendê-lo. Para compreender uma coisa devo ter interesse nela; tenho de amá-la; tenho de cuidá-la, e se digo "Preciso libertar-me dela", essa é a maneira mais insensata de agir. Porque eu tenho de compreender a natureza do medo; e, para compreendê-la, tenho de olhar o medo; mas não posso olhá-lo se digo que preciso, que desejo libertar-me dele, ou recalcá-lo ou sublimá-lo. Tenho de olhá-lo realmente, pôr-me em contato com ele, não através de uma palavra, porém diretamente em contato com o fato, com o que realmente É.


Jiddu Krishnamurti — A importância da Transformação

Um olhar onde você não existe

Interrogante: Se eu, o observador olho uma árvore como "coisa observada", a árvore e eu somos uma só e a mesma coisa?

Krishnamurti: Você ouviu isso, mas não ESCUTOU. Há enorme diferença entre "ouvir" e "escutar". Você não aprendeu a coisa; apenas ouviu dizer sobre ela, e ela se tornou uma ideia. É isso o que ocorre imediatamente: a ideia, o dizer "A árvore sou eu? Eu, o observador, olho a árvore, e a árvore sou eu". Mas, é claro que a árvore não É você. 

Você já olhou uma árvore, a beleza do pôr do Sol, sem nenhum observador? De ordinário, quando olha uma coisa, que ocorre realmente? Suas lembranças acodem aos borbotões. "Ah! Que maravilhoso poente contemplei outro dia na Califórnia; aquela luminosidade de montanha!" Ou o pôr do Sol lhe absorve inteiramente e, temporariamente, você fica silencioso. Nesse silêncio você se lembra daquele prazer e diz: "Eu gostaria de repetí-lo" — tal como o prazer sexual. É isso o que acontece: a coisa se torna uma repetição, porque nela você pensa, deseja repetir aquele prazer; e nessa armadilha você fica aprisionado. Mas, para olharmos realmente uma árvore, ou as dobras de uma montanha, o pensamento como memória tem de cessar. Se temos botânicos conhecimentos, estes mesmos conhecimentos nos impedem de olhar a árvore. Quando você olha a árvore sem o "observador", a árvore não é você, e você não é a árvore; não há espaço entre o observador e a coisa observada. Você não diz então: "Sou a árvore", ou "Devo identificar-me com a árvore". Isso nada significa.

Jiddu Krishnamurti — A importância da transformação

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O pensamento não pode resolver o problema do sofrimento

Por favor, não aceitem nem rejeitem o que está dizendo. Temos de ver o fato, e, quando o vemos muito claramente, não há aceitação e nem rejeição. Ele é o que é. A questão não é de “como colocar fim ao sofrimento”, ou “em que casos o pensamento deve funcionar e em que caso não deve funcionar”. Quando se compreende com muita clareza todo o movimento do pensamento, como ele opera, todos os fatores implicados, numa palavra, o mecanismo do pensamento, a origem do pensar e do pensamento — começa-se a perceber que o problema do tempo é realmente este: se o tempo, como pensamento, pode terminar. De outro modo, o sofrimento nunca terá fim: continuaremos, por mais dois milhões de anos, ou além, a aceitar, a fugir, a viver uma vida agitada, insegura, incerta.

Pode-se deter o tempo (psicológico)? Devemos primeiro perceber que a mente, o cérebro, o movimento do pensar — tudo está funcionando no tempo, e é tempo. Devemos perceber que o tempo é um movimento, uma corrente, que dividimos em ontem, hoje, amanhã. Temos de perceber esse movimento como um todo e dispensar-lhe toda a nossa atenção. A atenção implica completa cessação do esforço, aplicação do espírito à questão, ao que se está dizendo — nada aceitando, porém aplicando completamente a atenção, sem esforço algum. Não se pode prestar atenção mediante determinação. Se dizemos: “Quero prestar atenção”, toda nossa energia se dissipa no esforço para estarmos atentos. Prestar atenção não requer concentração, porque concentração significa exclusão. No esforço para concentrar-nos, estamos excluindo, erguendo barreiras, resistências; estamos nos forçando, ao passo que na atenção não há divisão, pois o intelecto, os nervos e tudo o mais está funcionando no mais alto nível. Nessa atenção não há observador.

Se aplicam a atenção de vocês a alguma coisa — uma flor, uma árvore — observando-a atentamente, completamente, não há separação entre observador e o objeto observado. Se se olha uma flor completa e atentamente, sem lhe dar nome, sem “gostar” ou “não gostar” — se se observa completamente, com todo o ser, não há observador e, por conseguinte, não há tempo. O observador é resultado do tempo. É o observador que diz “gosto” e “não gosto”; “isto me apraz” e “isso não me apraz”; “isto é vantajoso”, “isto não é vantajoso”; “tenho de conservar os meus prazeres, embora acarretem mais dores, mais ansiedades, mais sofrimento”. O prazer gera invariavelmente sofrimento e dor. A própria natureza do observador é o censor, que está sempre a escolher o prazer. Tudo ele olha desse ponto de vista e, por conseguinte, nunca está atento.

E necessário estar atento ao fluir do tempo, e nunca dizer: “Conservarei esta parte do tempo que me tem dado prazer, satisfação, a lembrança de algo que outrora me deleitou”. Necessita-se de uma atenção total, completamente isenta de sentimento e emoção. Na maioria dos casos, o sofrimento é autopiedade, e a autopiedade é um absoluto desperdício de tempo em excessos emocionais. Não tem nenhum valor. O que tem valor é o fato, e não a autocomiseração que experimentamos porque não podemos alterá-lo. A autopiedade gera ansiedade emocional, sentimentalismo, etc. Quando ocorre a morte de alguém que amamos, esse fato contém sempre o veneno da autopiedade. A autopiedade assume muitas formas  — o pesar pela ausência daquele que morreu, etc. etc. Mas, onde há sofrimento, não há amor. Onde há ciúme, não há amor. Intelectualmente, todos sabemos disso, entretanto continuamos pelo mesmo caminho que gera sofrimento.

Estar atento significa compreender a divisão do tempo em passado, presente e futuro — “Eu fui”, “Eu não devo”, “Eu farei”. Se percebermos claramente esse “processo” do tempo, veremos que o tempo terminará de todo. Experimentem-no! Para o fazermos, prática e não teoricamente, para percebermos o fato, devemos conhecer o passado.

(...) Para compreender tudo isso, temos de prestar-lhe atenção. Quando escutamos atentamente, completamente, o que está dizendo, não há “entidade que escuta”. Quando olhamos uma coisa de maneira completa, não há nenhuma entidade entendida como “aquele que está olhando”. O censor, o observador só se torna existente quando se põe em movimento o processo de pensar.

Ao apresentar-se o sofrer, deem-lhe toda a atenção, sem cuidar de fugir, nem de justificar, nem de encontrar alguma razão para ele. Todos sabemos porque sofremos. Sofremos porque não podemos achar emprego, ou porque nosso filho perdeu a razão ou se tornou “moderno”, ou porque não temos capacidade, e os outros têm. Todos conhecemos as razões do sofrimento, mas só é possível colocar-lhe fim se consideramos em sua inteireza o processo do tempo, que é pensamento. Se dermos essa atenção completa, veremos que, absolutamente, não há mais pensamento e, por conseguinte, não há tempo.

Quando alguém de quem gostamos ou que amamos nos abandona ou morre, passado o choque, “respondemos” a esse fato com reações de nossa solidão, de nossa autopiedade, do tempo que nos faltou para fazer isto ou aquilo, do que poderia ter sido e não foi. Isso é dissipação de energia. Se, passado o choque, prestarmos inteira atenção a esse sofrimento, sem nos arredarmos em nenhuma direção, veremos que ele terá fim, não num futuro distante, porém, imediatamente. Só a mente que não se acha anuviada pelo sofrimento conhecerá o amor. A meditação não é algo que se consegue com esforço, algo que se tem de praticar, de aprender, porém, sim, é aquela atenção — atenção para tudo, da coisa mais insignificante à mais profunda. Se assim fizerem, verão, por si mesmos, que se apresentará um silêncio que não é do tempo, que não é do pensamento. Ao alcançarem algo que não é construído pelo pensamento, verão que esse algo não é, em absoluto, tempo.


Jiddu Krishnamurti – Encontro com o eterno  

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Que se entende por mudança?

Para responder a esta pergunta, é necessário examinar a questão do "observador e a coisa observada" — sendo "observador" não só a percepção visual, mas também o que está atrás dela: memória, pensamento, idiossincrasias, preconceitos, um estado condicionado. Ele é o censor, o experimentador, o juiz, o avaliador. Todo esse feixe de "memórias" constitui o observador. E esse observador está sempre a se modificar, a mudar; não é um observador estático, a não ser sob pressão, tensão, necessidade. Há sempre um processo modificador em ação dentro do próprio observador. E enquanto existir "observador", existirá "coisa observada" — o oposto.

Quando uma pessoa diz que sente cólera, ciúme, que é violenta — está existente o observador, a afirmar que a pessoa é violenta; a violência está separada do observador. O observador, portanto, separou-se daquilo a que chama "violência". Diz ele, então, "Tenho de dominá-la, de encontrar meios e modos de reprimir, de mudar, de sublimar esta qualidade, esta violência; mas o observador criou a violência; ele é que é violento, e não a coisa que observa como violência. Portanto, o observador é a coisa observada. Isto é, o observador separa-se da coisa observada e cria uma distancia entre si e aquilo a que observa. O experimentador, que exige experiência, com essa própria exigência separa-se da experiência e, desse modo, cria a ânsia, o desejo de mais experiência e, portanto, conflito. Ele, o experimentador, criou um espaço entre si e a coisa a que quer experimentar. Mas o experimentador é a coisa que quer experimentar. Assim, quando diz: "preciso mudar, percebo a necessidade de mudança", ele, o observador, o experimentador, o pensador projeta um padrão, uma ideia daquilo que deveria ser, e querendo tornar-se isso, cria o conflito, contradição, porque se separou da coisa que deseja observar. Pode esse observador existir sem movimento de espécie alguma? Porque todo movimento de sua parte, para efetuar uma mudança dentro de si mesmo, cria o oposto e ele se vê enredado no conflito do oposto. Mas o observador é a coisa observada e, ao perceber isso, que significa então mudança?

Espero que isso não esteja abstrato demais; veremos.

Vemos, pois, que a total inação é mudança radical. Inação total por parte do observador e, portanto, inexistência do observador. Se você se examinar, sem ser teoricamente, nem por meio das palavras do orador, se se observar realmente verá isso ocorrer em si mesmo. O padrão do oposto se fixou através de milênios  bom e mau, Deus e Diabo, etc. etc. Esta luta constante entre o bom e o mau continua existente porque o observador é tanto o bom como o mau, e o cultivo do "bom" é cultivo do observador e não do "bom". Assim, se compreendemos isso, se o observamos em nós mesmos, verificamos que só é possível a mudança quando não há nenhum movimento por parte do observador. Por conseguinte, a inação total é revolução total.

Jiddu krishnamurti — A essência da maturidade

Como pode a mente condicionada, descondicionar-se?

Interrogante: Eu gostaria de saber como se origina o condicionamento da mente humana.

Krishnamurti: De maneira muito simples. Primeiro deixe-me concluir o que estava dizendo. Voltarei a sua pergunta.

Senhor, que é que há para conhecermos a respeito de nós mesmos? Condicionamento, herança racial e genealógica, peculiaridades, inclinações e tendências psicológicas, pressões do ambiente, uma deixe de "memórias" (o que sou — um devaneio). Não há muito o que aprender. Mas só posso dizer que não há muito o que aprender, após observar a mim mesmo. Mas, se dizemos "Não há muito o que aprender acerca de nós mesmo", não saímos do lugar em que estamos. Portanto, uma das perguntas fundamentais é esta: "Como pode a mente humana, condicionada como está, descondicionar-se?"

E qual a origem desse condicionamento? È bastante fácil descobrir-se, não? Observem-se os animais, como são agressivos, a fim de sobreviverem. Eis a origem do condicionamento. Observem as aves, como se fazem senhoras de seus domínios; os direitos territoriais sobrelevam os direitos sexuais — e aí está a origem da agressão. E nós também temos propriedades: a propriedade é para nós imensamente importante, tal como os direitos sexuais, etc. Mas, uma questão muito mais importante: "Há possibilidade, para uma mente tão condicionada como a nossa, de libertar-se imediatamente (não gradualmente, porém imediatamente) de todo o seu condicionamento? Dizemos que só é possível por meio da meditação — não de uma meditação "falsificada", nem da meditação de indivíduos de longas barbas ou barbas curtas, de longas cabeleiras ou cabeças raspadas: a meditação que existe quando estamos aprendendo, sem acumulação, sobre nós mesmos. Então, dessa meditação nasce uma maneira de vida completamente pacífica, não agressiva, que não exige que vivamos na sociedade ou fora da sociedade. Essa meditação produz sua ação própria, na qual nenhum conflito existe.

Interrogante: A meditação constitui uma maneira de vida?

Krishnamurti: Decerto; mas, para compreender a meditação temos de observar — observar como olhamos uma árvore, se há espaço entre nós e a árvore, entre o observador e a coisa observada — a árvore; ou, quando o observador se separa da sua avidez e diz: "Eu não sou a avidez, e tenho de livrar-me da avidez", e há um espaço entre o observador e a coisa observada e, em seguida, o conflito. Mas o observador é a coisa observada e, porque, sendo ávido, diz "Não devo ser ávido", criando assim uma dualidade. A meditação, pois, é uma coisa maravilhosa e não pode ser aprendida de ninguém; essa é a sua beleza. Não é uma coisa que se aprende, uma técnica e, por conseguinte, dispensa toda autoridade. Assim, se você deseja compreender-se, observe sua maneira de andar, de falar, o que diz, sua "tagarelice", seu ódio e ciúme. Se de tudo você está consciente, sem selecionar, isso faz parte da meditação, e ao caminhar, ao viajar, simultaneamente você medita. Esse movimento é, então, infinito, eterno. 

Jiddu krishnamurti - A essência da maturidade - ICK

Sobre o processo de imagens que impede o claro observar

(...)Nossas relações com os entes humanos se baseiam no mecanismo defensivo, formador de imagens. Em todas as nossas relações, formamos imagens uns dos outros, e são essas imagens que ficam em relação, e não os entes humanos... cada um tem uma imagem de sua pátria e uma imagem de si próprio. A essas imagens vamos fazendo mais e mais acréscimos, a fim de fortalecê-las. E, com profunda observação, pode-se ver que essas imagens têm relação umas com as outras. E, dessa maneira, por causa da formação das imagens, o verdadeiro estado de relação entre dois ou muitos entes humanos cessa completamente.

Cada um pode observar esse fato em si próprio; e, evidentemente, as relações baseadas em tais imagens jamais serão pacíficas, porquanto as imagens são fictícias e não se pode viver abstratamente. Todavia, é isso o que estamos fazendo: vivendo na esfera das ideias, das teorias, dos símbolos — tais como a nação, as imagens que criamos a respeito de nós mesmos e de outros, as quais são puros devaneios, irrealidades. Todas as nossas relações — com a propriedade, com as ideias, com pessoas — se baseiam essencialmente nessa formação de imagens e, por isso, há sempre conflito.

(...) Pode-se olhar sem nenhuma interferência do passado, do pensamento? Pode-se olhar o todo da consciência humana — que constitui a pessoa, o "eu" — sem interferência, juízo, avaliação, tudo isso essencialmente baseado no passado? Porque o importante é o ato de olhar e não aquilo que olhamos. Se sabemos olhar, então aquilo que olhamos muda completamente de natureza. Isso se pode observar em nossa vida de cada dia.

(...) O tempo é o intervalo entre o observador e a coisa observada... Pode-se enfrentar a chamada "morte" (ou o que quer que seja) sem esse intervalo de  espaço-tempo? Só é possível quando há atenta e profunda observação, na qual o observador não tem continuidade — o observador que é o criador de imagens, o observador que é a coleção de memórias, ideias, um feixe de devaneios. É possível enfrentar qualquer fato sem esse intervalo de tempo e, portanto, sem nenhuma contradição, vale dizer, sem conflito?

(...) Vários métodos já se experimentaram para eliminar o espaço entre o observador e a coisa observada: drogas, identificação, meditação, observância de sistemas e outros mais — tudo isso na esperança de eliminar esse intervalo de espaço entre o observador e a coisa observada e, desse modo, libertar-se da contradição e do conflito, criando-se assim a paz.

Não creio que algum sistema ou droga, alguma identificação, alguma forma de sublimação tenha o poder de eliminar o espaço. Mas, que é que pode eliminar o espaço e o tempo? É a maneira de olhar, de observar. A meu ver, esta é a chave: observar, realmente, sem nenhuma imagem. Eis porque cumpre haver muita simplicidade: observar uma flor sem nenhuma atividade mental, sem nenhuma interferência do pensamento; porque pensamento é tempo, e tempo é aflição. (...) Observar simplesmente!  

(...) se uma pessoa observa tudo isso dentro de si, e se penetrou suficientemente, junto comigo, nesta manhã — descobre ser possível viver sem conflito e sem contradição. Existe contradição quando há comparação, não apenas com alguma coisa, mas também a comparação com o que eu era  ontem. É assim que surge o conflito entre o que foi e o que é. Não havendo comparação, só há o que é. E viver completamente com o que é é ser pacífico. Porque então se pode dispensar toda atenção ao que é, sem distração alguma — a realidade interior, não importa o que seja: desespero, malevolência, brutalidade, medo, ansiedade, solidão — e viver plenamente com essa realidade. Não há então contradição e, por conseguinte, não existe conflito.
Essa compreensão que só pode nascer da observação de o que é — é paz. Isso não significa aceitar o que é; ao contrário, não se pode aceitar esta sociedade monstruosa e corrupta em que estamos vivendo, a qual entretanto é o que é. Significa, sim, observá-la, observar toda a sua estrutura psicológica, que sou eu — observá-la sem julgamento nem avaliação — observar realmente o que é e, observando-o, transformar-se completamente. Pode assim uma pessoa viver em paz com a esposa ou o marido, com o próximo, com a sociedade, porque ela própria está vivendo, dia a dia, uma vida pacifica.

(...) Pois bem; que é o sofrimento? E porque razão o homem jamais conseguiu livrar-se dele, acabar com ele, dentro em si mesmo? É possível colocar fim ao sofrimento, completamente, não teórica, porém realmente? Ele só pode cessar com a perfeita compreensão de nós mesmos. O autoconhecimento é o fim do sofrimento. Não queremos dar-nos ao trabalho de estudar-nos e ficamos inventando maneiras de fugir do sofrimento.

Enquanto existir o observador com todas as suas memórias, essa entidade separada criadora de um intervalo de tempo entre si e o que é, tem de haver sofrimento, que é conflito. E colocar fim ao sofrimento, de fato e não verbalmente, colocar-lhe fim todos os dias, é estar cônscio (o indivíduo) do movimento total da própria existência, a todas as horas.

(...) Só existe confusão quando não estou olhando diretamente o que é. E quando um homem está confuso, quanto mais tenta livrar-se da confusão, tanto mais confuso se torna. Assim, em primeiro lugar, que faz uma pessoa quando se vê confusa?

Eu estou confuso. Não sei o que fazer; há várias possibilidades de escolha. E compreendo que, havendo escolha, tem de haver confusão. E eu estou confuso; portanto, que devo fazer? Primeiro, tenho de parar, não? Detenho-me; não fico a procurar, a pedir, a perguntar, a olhar, a observar. Ao se perder numa floresta, você não se põe a correr a esmo; primeiro para e olha para todos os lados. Mas, quanto mais uma pessoa está confusa, tanto mais se põe a correr, a buscar, a interrogar, a exigir, a rogar. Portanto, a primeira coisa — se posso sugerir-lhe — é deter-se completamente em seu interior. E quando, interiormente, psicologicamente, você detém todo movimento de busca, de escolha, de indagação, a sua mente se torna muito plácida, muito clara. Pode então olhar. E só na claridade que se pode olhar, e não na confusão.  
   
(...) Eu lhe olho. Não lhe conheço e, por conseguinte, não tenho nenhuma imagem a seu respeito. Mas, se lhe conheço, olho-lhe com a imagem que tenho de você. Essa imagem foi formada, constituída pelo que você disse — insultando-me ou elogiando-me — e com essa imagem eu lhe olho. A imagem é uma distração que não me deixa olhá-lo. Só posso olhá-lo quando nenhuma imagem tenho de você; estou então em relação com você. É-me possível morrer para a imagem que construí, para as imagens que tenho de você que venho formando há tantos anos, vivendo com você como marido ou esposa ou vizinho — ou a imagem que tenho acerca dessas relações? Posso morrer para todas elas? Se não morro para elas, e visto que essas imagens constituem uma distração ou devaneio, não tenho a possibilidade de olhar.   Se tenho uma imagem relativa à arvore, não posso olhar a árvore.

(...) Assim, é possível morrer para tudo o que é conhecido, inclusive a imagem deste orador? De outro modo, a imagem se torna a autoridade, quer dizer, o devaneio se torna uma autoridade, em lugar do estado real. Estamos sempre fazendo isso, não?  

Jiddu krishnamurti — A essência da maturidade


terça-feira, 10 de setembro de 2013

Observando o "eu", o observador

Ora, que é o observador? Observemo-lo. O observador é constituído por essa entidade "acumulada", condicionada como cristão, nacionalista, comunista, socialista; o católico romano, a experiência, a memória temporal; tudo isso sou eu, com toda a memória acumulada, racial, hereditária, toda a memória temporal. Sou tudo isso. É ESSA ENTIDADE que está observando e, portanto, nenhuma possibilidade tem de compreender. Porque essa entidade se baseia no passado, mas o medo é uma coisa ativa, e o observador, com tudo o que foi acumulado no passado, diz: "Vou olhar". Está claro isso, podemos continuar? Não verbalmente, mas passo a passo? Ora, só há a "ação de observar", o observador; não há "eu" observando o medo, porém a "ação de observar" o observador. Não sei se você percebe a diferença.

Então, pelo observar, você aprende a respeito do observador e aprende que o observador é meramente uma série de ideias e de memórias, sem nenhuma validade, nenhuma substancia, a não ser como ideia, como feixe de memórias. Mas o medo é uma realidade; por conseguinte, você está procurando compreender o fato como uma abstração — e naturalmente não o consegue.

Consequentemente, quando há essa ação de observar o observador, só então há OBSERVAR, e não há "observador e coisa observada". Não sei se você percebe a diferença entre as duas coisas: "observar o medo" e "observador observando o medo". Se o observador observa o medo, há espaço entre o observador e a coisa observada. Nesse espaço, que é um intervalo de tempo,  faz-se um esforço para se ficar livre do medo; necessita-se de tempo para conseguir essa libertação. "Tenho de fazer alguma coisa em relação ao medo", "Tenho de dominá-lo", "Tenho de condená-lo". Quando há espaço entre observador e coisa observada, digo: "Preciso fugir do medo", "Preciso achar uma saída, uma pessoa que me ajude a libertar-me deste temor".

Mas, havendo a "ação de observar" o observador, há a percepção de que o observador é meramente um feixe de memórias acumuladas, condicionadas; então o observador É a coisa observada. Por conseguinte, a "ação de observar" é de máxima importância — e não o "observador e a coisa observada". E quando observamos de maneira tão completa e com tanta atenção, existe medo? Não teoricamente, porém realmente? Pode-se observar os temores externos, isto é, o medo consciente; nos níveis superficiais da consciência, podemos observar várias formas do medo. Nos níveis profundos, no nível inconsciente, existe alguma possibilidade de observar o medo? Porque, nesse nível, há temores ocultos, dos quais estou inteiramente inconsciente. Apresenta-se, assim, um problema: Como observar uma coisa oculta, uma coisa que não tenho possibilidade de sondar por meio do esforço consciente? Dessarte, fico na dependência dos sonhos e na respectiva interpretação — na dependência do analista. E nunca indago porque sonho! Mas nunca nos interrogamos se realmente é necessário sonhar.

(...) estamos perguntando como podemos estar cônscios, como exumar, desarraigar, trazer à luz o inconsciente com todos os seus temores  e motivos. No momento só nos interessa o medo; e existe medo, profundamente arraigado, naquele campo que a mente consciente nenhuma possibilidade tem de penetrar. A mente consciente — as camadas superficiais da mente — só podem examinar a si própria; não pode examinar uma coisa que desconhece. O inconsciente "projeta" em sonhos quando estamos dormindo. É um processo muito complexo, mas pode-se, durante o sonho, compreender o que se está sonhando, sem despertar para interpretá-lo. Mas, por que temos de sonhar? Esta é uma pergunta muito importante. Não é questão de sonhar, para depois procurar as interpretações do sonho, o que vem a ser um enorme desperdício de tempo; porém a questão é, antes, de saber porque temos de sonhar. Porque os sonhos e suas atividades, durante o sono, constituem uma dissipação de energia. Pois, durante o sono, a mente revigora-se, mas se estamos ativos, a sonhar, a agitar-nos, a preocupar-nos, a mente não pode revigorar-se. Portanto, cumpre descobrir porque sonhamos e se é possível não sonhar.

É possível não sonhar, mas só quando, durante o dia, estamos despertos, atentos a cada movimento do pensamento, de sentimento, de reação. Começamos então a desenterrar o inconsciente; e isso é impossível à mente consciente. Assim, ainda que estejamos viajando num ônibus — se estamos realmente vigilantes e não engolfados na leitura de alguma revista ou jornal — começa-se a descobrir, a perceber certos sinais, certos avisos desse medo, e podemos examiná-lo ao mesmo tempo que o estamos observando. Pode-se pois, revelar  conteúdo do inconsciente pela vigilância e o percebimento.

Aqui também é necessário observar, manter-se desperto, vigilante. E, se assim o fizer — não, esporadicamente quando você não tem o que fazer — se assim o fizer seriamente, descobrirá pessoalmente que é possível, no sentido psicológico, ficar-se inteiramente livre do medo. Sabe o que isso significa? Não há sombras, no interior, nem exteriormente. Pode-se ver claramente as coisas tais como são.

Eis o que é a clareza da mente: ver as coisas exatamente como são, tanto exteriormente, objetivamente, como interiormente. Olhando-se claramente, não há problema algum. Como quase todos nós andamos cheios de problemas — compreender um problema é compreender o processo total, e não unicamente um dado problema. Porque cada problema se relaciona com outros mais, e quando trato de compreender um problema completamente, de examiná-lo até o fim, compreendo então todos os problemas.

Jiddu Krishnamurti — A essência da maturidade

O observador difere da coisa observada?

Você pode olhar o medo sem ter conceitos a seu respeito? Existe o medo e o observador, não é verdade?... Existe aquilo que chamamos "medo de alguma coisa"; o medo não pode existir sozinho; existe por causa de alguma coisa. Há medo e você diz: "Estou com medo". Você é o observador daquele medo, não? Você é o observador, e a coisa observada é o medo. Há, pois, um espaço entre você e a coisa observada; quando você olha uma árvore, existe espaço, há o observador: "Eu olhando aquela árvore". Esse espaço é criado pelo pensamento, que é reação da memória. A memória é sempre velha. Não há liberdade de pensamento; você pode pensar o que quiser, mas seu pensamento vem do passado.

Assim, olhar sem conceito é estar consciente da existência do observador e da coisa observada. O observador difere da coisa observada? Isto é, quando digo "Estou com medo", o medo está fora de mim e eu sou o observador desse medo. Isso é um fato? Ou o observador é o medo?... Pelo que diz respeito à maioria de nós, há sempre o observador, o centro de onde olhamos. Esse centro é a memória, o pensamento, nosso condicionamento, nossa experiência, nosso conhecimento. Assim, quando nos vemos frente a frente com o medo, esse medo tem suas peculiares associações ou memórias; com essas memórias olhamos o fato que chamamos medo e, por conseguinte, nunca estamos em direto contato com ele. Você só pode estar diretamente com contato com alguma coisa, com seu vizinho, sua esposa, seu marido, com uma árvore, uma nuvem, quando não existe o observador; e o observador é pensamento com todas as suas ramificações. Você mesmo pode fazer essa experiência quando olhar uma árvore. Isso será muito simples, porque uma árvore é uma coisa objetiva. Nada deseja de você; só quer que você a deixe em paz. Se puder, olhe uma árvore sem nenhum conceito, sem pensamentos; isso não significa estar com a mente "em branco", vazia, porém, ao contrário, ela então se acha realmente livre para olhar e, por conseguinte, num extraordinário estado de atenção.

Da mesma maneira olhe o medo: sem o observador. É só então que o medo acaba, e não quando fugimos dele, quando o reprimimos por meio da bebida, do sexo, de divertimentos, de nossos deuses, igrejas e outras infantilidades.

Olhar é, pois, uma arte mais importante do que qualquer outra arte deste mundo; mais importante do que qualquer espécie de quadro, de música, de livro. Olhar, totalmente, quer se trate de sua esposa ou marido, quer se trate de uma árvore, de uma nuvem ou de seu deplorável condicionamento. Então, pelo direto contato com o medo, este acaba.

Jiddu Krishnamurti — A essência da maturidade — ICK

É possível perceber a coisa em seu todo, imediatamente?

Observar uma coisa objetiva é bastante simples. Mas, observar o que está se passando interiormente, em nós, observar nossa violência, nosso sofrimento, com clara atenção, já não é tão simples. Tal atenção, tal observação, nega totalmente qualquer espécie de inclinação ou tendência pessoal ou de compulsão por parte da sociedade; é como observar o movimento de um rio. Sentado na margem do rio, você pode observar o seu fluir, ver tudo. Mas você, que está sentado na margem, e o movimento do rio, são duas coisas diferentes; você é o observador, e o movimento do rio é a coisa observada. Mas, quando você está dentro d'água — e não sentado na margem — você faz parte desse movimento e não há nenhum observador. Do mesmo modo, observe a violência e o sofrimento, não como observador a observar uma coisa, porém sem espaço entre observador e coisa observada. Isso faz parte da investigação total, da meditação sobre a vida.

(...)É possível perceber a coisa em seu todo, imediatamente? — não intelectualmente, porque se ela é formulada como um problema intelectual não se encontra nenhuma solução e a pessoa acaba se suicidando de fato ou inventando alguma teoria, uma crença, um dogma, um conceito e a ele se escravizando — o que é também uma forma de suicídio; ou voltando às velhas religiões, tornando-se católico, protestante, hinduísta, seguidor do Zen, etc.

A questão, pois, é se há possibilidade de ver a coisa em seu todo imediatamente, e com esse ato de ver colocar-lhe fim.(...) Ninguém pode responder esta pergunta senão você mesmo — isto é, quando a ela responde sem depender de nenhuma autoridade, de quaisquer conceitos intelectuais ou emocionais, quaisquer formas ou ideologias. Mas, como dissemos, isso exige muita seriedade e séria observação — observação quando está sentado no ônibus, de tudo que o cerca; observação daquilo que está diante de você mesmo, movendo-se, transformando-se; observação, sem motivo algum, de todas as coisas como são. O que é tem muito mais importância do que o que deveria ser. Como resultado desse zelo, dessa atenção, talvez venhamos a saber o que é amar.

(...) Assim, observar significa: observar sem a interferência de nosso fundo. Entendem? Todo o nosso ser, que está a olhar, é o nosso fundo — cristão, francês, intelectual. Pela observação, descobre-se esse fundo; e observá-lo sem nenhuma escolha, nenhuma inclinação, é uma disciplina tremenda — não a absurda disciplina do ajustamento, de imitação. Essa observação torna a mente sobremodo ativa, sobremodo sensível.

(...) Você já esteve alguma vez diretamente em contato com alguma coisa, uma árvore, uma flor, um ente humano; diretamente, e não através da imagem? Quando você olha uma árvore, no parque, há sempre o observador e a coisa observada: você está a observar a árvore, e há espaço entre o observador e a coisa observada. Estar em contato direto (você pode tocar a árvore, mas isso não é contato, nem o é você se identificar com a árvore; não se trata disso, que é uma outra espécie de ginástica mental) — estar em contato direto é coisa de todo diferente, é não ter espaço algum. É o que se verifica quando se tomam certas drogas  — LSD, etc. — o espaço desaparece. Mas essa é uma espécie inteiramente diferente, pois aquele que espaço volta, obrigando a pessoa a repetir a droga, etc., e o resultado é que ela fica a deteriorar-se, a cansar-se cada vez mais da droga e a obter efeitos cada vez menores. Mas quando a pessoa é capaz de observar sem o observador, quer dizer, sem o fundo, sem conceitos ideológicos, sem a memória, o espaço desaparece então totalmente, entre as pessoas, e nesse estado talvez não haja medo, porém uma coisa chamada (podemos servir-nos da palavra "verbalmente") amor.

(...) É o pensamento que cria o intervalo de tempo gerador da desordem. Ver uma coisa com toda a clareza, na ausência do pensamento, é ver imediatamente; não há intervalo de tempo: ver é agir. Para ver muito claramente, sem nenhuma confusão, deve a mente estar em perfeito silêncio. Se desejo ver-lhes, compreender-lhes, minha mente deve deter o seu tagarelar, está visto. Naquele estado de incessante monólogo, de tagarelice mental, não é possível ver coisa alguma claramente. Só quando a mente está quieta, é possível ver com clareza; mas não se pode silenciar a mente mediante coerção, disciplina.

Só vem a quietação da mente quando se percebem todas as implicações do medo, da autoridade, do tempo e da separação entre o observador e a coisa observada; quando se percebe a estrutura total. Para ver a estrutura total, é óbvio que a mente deve estar quieta; precisamos aprender a olhar — não só as coisas mais complexas, mas também uma árvore, uma flor, uma nuvem — sem nenhum movimento do pensamento; olhar simplesmente.

Penso que muitos daqueles que tomam drogas fazem-no para eliminar a separação entre o observador e a coisa observada, a fim de experimentar aquele estado peculiar; mas, como ele é provocado artificialmente, as pessoas ficam em condições mais deploráveis do que nunca. A droga lhes proporciona, momentaneamente, uma nova sensibilidade; quimicamente produz uma alteração temporária na estrutura das células cerebrais. Nesse estado as coisas são experimentadas com muita clareza, com muita intimidade; não há separação alguma, devido à total ausência do pensamento, na forma do EU, com todas as suas memórias. Quanto mais e experimenta dessa maneira, tanto mais desejadas se tornam as drogas, para as pessoas poderem manter-se naquele estado.

(...) Quando compreendemos integralmente a natureza do tempo e do pensamento, deles nos desembaraçamos, não há então nenhuma necessidade de buscar o significado da vida. Há, então, um estado completamente diferente, não produzido pelo pensamento, estado que naturalmente não se pode explicar por meio de palavras. Quanto mais o explicamos por meio de palavras, tanto menos significativo ele se torna. Mas, quando realmente o encontramos a mercê da observação, esse estado mental, decerto, é a mente libertada. Nada tem que ver com qualquer crença organizada, qualquer dogma.  

Jiddu Krishnamurti — A essência da maturidade — ICK

Pensador, Observador e Pensamento, Coisa Observada

A liberdade não é uma idéia, uma filosofia. A liberdade não existe quando a mente está aprisionada no pensamento. (…) O pensamento é a resposta da memória, do conhecimento e da experiência, é sempre produto do passado e não pode criar liberdade (…)(O Mundo Somos Nós, pág. 15)

Como provocar então psicologicamente, interiormente, essa mudança radical (…) fundamental, se ela não acontece por meio de um estímulo, nem por meio da análise e da descoberta da causa? Uma pessoa pode facilmente saber por que é que está encolerizada, mas isso não faz com que ela deixe de se encolerizar. (Idem, pág. 17)

Quando se aprofunda essa questão, surge o problema inevitável do “analisador” e daquilo que é “analisado”, do “pensador” e do que é “pensado”, do “observador” e do “observado”, e o problema de saber se essa divisão (…) é real, (…) um problema de fato, e não uma questão teórica. (O Mundo Somos Nós, pág. 18)

Será o “observador” - o centro a partir do qual se olha, se vê, se ouve — uma entidade conceitual que se separa a si mesma do “observador”? Quando se diz que se está encolerizado, será a cólera diferente da entidade que sabe que está encolerizada? Estará essa violência separada do “observador”? A violência não faz parte do “observador”? (…) (Idem, pág. 18)

O “observador”, e o “eu”, o “ego”, o “experimentador”, o “pensador”, será diferente do pensamento, da experiência, da coisa que ele observa? Quando olhamos uma árvore, alguma vez a olhamos realmente? Ou será que a olhamos através das imagens pertencentes ao conhecimento adquirido, à experiência passada? (Idem, pág. 18)

Se existe uma divisão entre o “observador” e o “observado”, essa divisão é a origem de todo o conflito humano. Quando dizeis que amais alguém, será isso amor? Não haverá, nesse amor, o “observador”, de um lado, e do outro a coisa amada, o “observado”? Esse “amor” é produto do pensamento. (…) (O Mundo Somos Nós, pág. 19)

Vejamos a questão de maneira diferente. Vive-se no passado, todo o conhecimento é do passado. (…) A nossa vida está essencialmente baseada no ontem, e o “ontem” torna-nos impermeáveis, rouba-nos a capacidade da inocência, da vulnerabilidade. Assim, o “ontem” é o “observador”; no “observador” estão todas as camadas do inconsciente, assim como o consciente. (O Mundo Somos Nós, pág. 19-20)

Uma das causas principais do conflito é a existência de um centro, um ego, um “eu”, resíduo de todas as lembranças, (…) experiências, (…) conhecimentos. E esse centro está sempre tratando de ajustar-se ao presente ou de absorvê-lo (…) O que ele já conhece é todo o conteúdo de milhares de dias pretéritos, e com esse resíduo procura enfrentar o presente. (…) E nesse processo do passado, que traduz o presente e cria o futuro, se acha aprisionado o “eu”, o ego. E nós somos isso. (O Passo Decisivo, pág. 112)

Assim, a fonte do conflito é o “experimentador” e a coisa que está “experimentando”. (…) Enquanto houver separação entre pensador e pensamento, experimentador e coisa experimentada, observador e coisa observada, tem de haver conflito. (…) Ora, pode-se anular essa divisão ou separação, de modo que sejais o que vedes, sejais o que sentis? (O Passo Decisivo, pág. 112)

Se você está prestando atenção, o que ocorre? Não há o “você” prestando atenção. Não há um centro que diga: “Estou prestando atenção”. (…) Se você está sério e prestando atenção, logo descobrirá que todos os seus problemas se foram, pelo menos no momento. Resolver problemas é prestar atenção. (…) (Perguntas e Respostas, pág. 67)

Digo: “Eu penso”. O pensamento é diverso da entidade que diz: “estou pensando”? Dizemos que as duas coisas são separadas, que o “eu” pensa ser diferente do pensamento. Presumimos que o “eu” vem em primeiro lugar; o “eu”, o “ego” é o pensador; primeiro este, depois o pensamento, a mente. Separamos, pois, o “eu” e a mente. Mas, isso é um fato? (…) (As Ilusões da Mente, pág. 114)

(…) Só depois de eliminado o pensante, se manifesta a Realidade. Essa unidade indivisível do pensante e do pensamento é para ser conhecida. Esse conhecimento traz-nos libertação; existe nele uma alegria inexprimível. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 24-25)

Análise implica divisão - o analista e a coisa a analisar. Não importa se sois vós mesmo que vos analisais, ou se é um especialista quem o faz - de qualquer maneira há divisão e, por conseguinte, já temos o começo do conflito. (…) Eis por que tanto importa compreender o “processo” da análise, a que a mente humana está apegada há tantos séculos. (A Questão do Impossível, pág. 32)

Dentre os numerosos fragmentos em que nos achamos divididos, um assume a função de “analista”; a coisa que se vai analisar é outro fragmento. Esse analista se torna o “censor”; com seus conhecimentos acumulados, avalia o bom e o mau, o certo e o errado, o que deve ou não deve ser reprimido, etc. Outrossim, o analista tem o dever de fazer análises completas (…) (Idem, pág. 32)

Como já vimos, há separação entre o analista e a coisa a analisar, entre o observador e a coisa observada; esta é a causa básica do conflito. Quando observamos, sempre o fazemos com base num centro, em nosso fundo de experiência e conhecimento; o “eu”, como católico, comunista ou “especialista” - está observando. Há, assim, separação entre “mim” e a coisa observada. (…) Há, pois, “observador” e “coisa observada”; nessa divisão produz-se, inevitavelmente, contradição. Essa contradição é a raiz de todas as lutas. (Idem, pág. 33)

Ora, é o pensante diferente do seu pensamento? Se cessa o pensamento, onde fica o pensante? Se fossem retiradas as qualidades do pensante, do “eu”, continuaria ele a existir? Assim, os pensamentos são o pensante, não estão separados. (…) O pensante separou-se de seus pensamentos para proteger-se (…) No momento em que o pensante começa a modificar-se, deixa de existir. (Da Insatisfação à Felicidade, pág. 103)

Quando uma pessoa se analisa, há sempre “o analisador” e “a coisa analisada”. O analisador é aquele que está a olhar do lado de fora - a julgar, a avaliar, a controlar, a reprimir, etc. Mas será possível uma pessoa ver-se intimamente, como realmente é? Ou seja, poderá a pessoa olhar para si mesma sem o pensador, o observador - o observador que está sempre de fora, que é o censor, a entidade que avalia, que diz “isto está certo”, “isto está errado”, “isto deveria ser”, “isto não deveria ser” - o que torna a observação muito limitada e meramente de acordo com o condicionamento social, ambiental e cultural. (O Mundo Somos Nós, pág. 126)

Os pensamentos criaram o “pensador”, porque os pensamentos são transitórios, e (…) dizemos que o pensador é permanente. Desse modo, na busca de permanência, os pensamentos criaram o pensador. E então o pensador domina os pensamentos e molda-os. (…) Os pensamentos criaram o pensador (…) Ao ser percebida a verdade a esse respeito, não há mais o controlar dos pensamentos, (…) só há o pensar. Se digo tal coisa e ela é compreendida, nisso já há uma revolução extraordinária; porque então já não existe o “pensador” (…) Perceber a verdade a esse respeito é o começo da meditação. (…) (O Problema da Revolução Total, pág. 126)

E possível, pois, olhar-se não analiticamente e, portanto, observar sem que seja o “eu” aquele que observa? Quero compreender a mim mesmo e sei que o “eu” é muito complexo; é uma coisa viva, não algo morto; é uma coisa viva, vital, em movimento, não apenas um acúmulo de recordações, experiências e conhecimentos. (…) Pois bem: é possível olhar sem o observador que olha a coisa observada? (…) (El Despertar de la Inteligencia, pág. 116)

Se é o observador quem olha, então deve fazê-lo mediante a fragmentação, a divisão, e onde há divisão - dentro e fora de si mesmo - deve haver conflito. No externo, os conflitos nacionais, os religiosos, os econômicos, e, no interno, está este campo imerso, não só no superficial, senão na área dilatada acerca da qual nada sabemos. De modo que, se no ato de olhar existe essa divisão entre o “eu” e o “não eu”, entre o observador e o observado, o pensador e o pensamento, o experimentador e a experiência, então tem de haver conflito. (Idem, pág. 116)

Como se pode observar sem o “observador”, sendo este o passado, a imagem? (…) O “fabricante” de imagens é o observador, e perguntamos se podeis observar vossa esposa, a árvore, vosso marido, sem a imagem, sem o “observador”. Para se saber a resposta, impende descobrir o mecanismo formador de imagens. Que é que cria as imagens? Se o descobrirdes, jamais criareis imagens e podereis observar sem o “observador”. (O Novo Ente Humano, pág. 115)

Vós me injuriais; se, nesse momento, houver “percepção total”, não haverá registro, não tenho vontade de bater-vos ou de xingar-vos, estou passivamente cônscio do insulto e, por conseguinte, não há formação de imagem. A primeira vez (…) ficai totalmente cônscio, e vereis como a velha estrutura do cérebro se torna quieta (…) O “registrador” não faz nenhum registro (…) O ver dessa maneira é o verdadeiro estado de uma relação. Por conseguinte, a mente capaz de observar com clareza é também capaz de observar o que é a Verdade. (Idem, pág. 115-116)

Se se percebe que essa é a causa básica do conflito, logo se pergunta: Pode-se observar sem o “eu”, o “censor”, sem nenhuma de nossas experiências acumuladas, de aflição, conflito, brutalidade, vaidade, orgulho, desespero, que constituem o “eu”? Podeis, sem o passado - memórias, conclusões e esperanças, trazidas do passado - observar sem esse background? Esse background, sendo o “eu”, o “observador” - separa-vos da coisa observada. (A Questão do Impossível, pág. 33)

Mas, podeis olhar-vos interiormente sem “observador”? Tende a bondade de olhar-vos - vosso condicionamento (…) educação (…) maneira de pensar (…) conclusões e preconceitos - sem nenhuma espécie de condenação, explicação ou justificação - observando, apenas. Quando assim se observa, não há observador e, por conseguinte, não há conflito algum. (Idem, pág. 33)

Esse modo de vida difere totalmente do outro: não é o oposto do outro, nem uma reação a ele; é diferente. Nele, há liberdade infinita, abundante energia e paixão. Ele é observação total, ação completa. (…) (Idem, pág. 34)

Por certo, (…) ao compreendermos de maneira completa a natureza da nossa mente, desaparece, então, inevitavelmente, a divisão entre o “pensador” e o pensamento, desaparece o “observador” que está a observar aquela ansiedade ou temor e a esforçar-se por vencê-lo. Só há, então, aquele “estado de ser” que é o temor, ou a ansiedade, ou a solidão; não há mais o “observador” do temor. (A Renovação da Mente, pág. 41)

Essa integração do “pensador” e do pensamento só se realiza quando a mente abandona de todo as fugas e não mais se esforça para encontrar uma solução. Porque, qualquer movimento por parte da mente para compreender o problema central há de basear-se no tempo, no passado. E o tempo só vem à existência quando há temor e desejo. (Idem, pág. 42)

Cabe-nos, por conseguinte, observar esse processo dualista em ação, em nosso interior: a divisão em “eu” e “não eu”, observador e coisa observada. Foi o pensamento que efetuou essa divisão. É ele quem diz: “Estou insatisfeito com o que é, e só poderei satisfazer-me com o que deveria ser. (…) (Palestras com Estudantes Americanos, pág. 90)

Existe, pois, em cada um de nós, esse processo dualista, contraditório. Esse processo é um desperdício de energia. (…) Por que existe esse esforço constante: o que é e o que deveria ser? (…) O observador é sempre o passado: nunca é novo. A coisa observada pode ser nova, mas o observador a traduz sempre de acordo com o “velho”, o passado, e, assim, o pensamento nunca poderá ser novo e, portanto, livre. (Idem, pág. 90-91)

Assim, é possível a mente libertar-se do “observador”, do “censor”. Afinal, o “observador”, o “censor” é o “eu”, que quer sempre mais e mais experiência. Tive todas as “experiências” que este mundo pode proporcionar. Por conseguinte, desejo novas experiências noutro nível, a que chamo “o mundo espiritual”; mas o “experimentador” continua existente, o observador subsiste. (…) E pode o “experimentador”, o “eu”, deixar de existir completamente? Porque só então é possível a mente esvaziar-se e surgir o novo, a Verdade, a Realidade criadora. (O Homem Livre, pág. 156)

Quando um indivíduo descobre o que realmente é, ele se pergunta: “É ele mesmo, o observador, diferente do que observa?” - psicologicamente falando (…) Eu estou irado, cobiçoso, violento; é isso diferente da coisa observada, que é a ira, a cobiça, a violência? (…) Obviamente não é. (…) Portanto, eu sou a ira, o observador é o observado. A divisão é ilimitada por completo. O observador é o observado e, por conseqüência, o conflito termina. (La Totalidad de la Vida, pág.138)

Se o pensador separa o seu pensamento de si próprio, (…) sobreviverá inevitavelmente o conflito e a ilusão. Não há saída (…), a não ser que se transforme o pensador. Essa completa integração do pensador com o pensamento não é uma expressão verbal, senão uma experiência profunda que só se manifesta quando o pensador já não está colhido na oposição dualista.

Pelo autoconhecimento e pela meditação correta, verifica-se a integração do pensador com o pensamento (…) Na verdadeira meditação, o sujeito que se concentra é a própria concentração; (…) Na verdadeira meditação, não está o pensador separado do pensamento (…) É só então que há criação (…) eternidade. (…) (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 147-148)

Quando há “experimentar”, não há o que experimenta nem a coisa experimentada. Nesse “estado de experimentar”, que é sempre novo, que sempre é ser (…) o indivíduo sabe que a palavra não é a experiência, (…) não é a coisa, (…) nenhum conteúdo tem; só a própria “experiência” é repleta de conteúdo. (O que te fará Feliz, pág. 125-126)

O “experimentar” não é, pois, verbalização. “Experimentar” é a mais elevada forma de compreensão, porquanto é a negação do pensar. A forma negativa de pensar é a mais elevada forma de compreensão; e não pode haver pensar negativo, quando há verbalização do pensamento. (…) (Idem, pág. 126)

Não se trata, pois, absolutamente, de controlar e pensamento, mas de se ficar livre do pensamento. É só quando a mente fica livre do pensamento, que há percepção daquilo “que é”, do que é eterno, da Verdade. (Idem, pág. 126)

(…) O observador vê através da imagem, e tem continuidade no tempo. Portanto, não pode ver nada novo. Se olho a minha esposa com a imagem de anos, e a isso chamo relação, nada de novo há nisso. (El Despertar de la Inteligencia, pág. 119)

É possível então ver algo novo sem o observador? O observador é tempo. Posso olhar “o que é” não fragmentado, sem o observador, que é tempo? Pode haver uma percepção sem aquele que percebe? (Idem, pág. 119)

Como há de olhar-se um indivíduo? É possível olhar-se de modo total, sem a divisão entre o consciente e as camadas profundas da consciência, das quais talvez nem sequer nos damos conta? É possível observar, ver todo o movimento do “eu”, do “mim mesmo”, de “o que sou”, com uma mente não analítica, de modo tal que, no observar a mim mesmo, haja instantaneamente uma compreensão total? (…) (El Despertar de la Inteligencia, II, pág. 116)

Ao percebermos a verdade de que o observador é a coisa observada, não há então dualidade e, por conseguinte, não há conflito (que, como dissemos, é desperdício de energia). Só há então o fato: a mente condicionada. (…) (A Libertação dos Condicionamentos, pág. 34)

Ora, pode-se perceber muito bem que o pensador é resultado do pensamento; porque não existe pensador se não existir pensamento, não há experimentador quando não há experimentar. O experimentador, o observar, o pensar, produz o experimentador, o observador, o pensador. O experimentador não está separado da experiência, (…) do pensamento. (…) O pensamento criou o pensador, como entidade separada, porque o pensamento está sempre a modificar-se, transformar-se, e reconhece a própria impermanência. Sendo transitório, o pensamento deseja a permanência, e cria assim o pensador, como entidade permanente, fora da rede do tempo. (Viver sem Confusão, pág. 23)

Se percebemos a verdade desse fato - isto é, que o pensador é pensamento, que não existe pensador separado do pensamento, mas apenas o processo do pensar - o que acontece? (…) Até aqui, sabemos que o pensador está operando sobre o pensamento, e isso gera conflito entre o pensador e o pensamento; mas, se percebemos a verdade de (…) que o pensador é uma entidade arbitrária, artificial e inteiramente fictícia - que acontece? Não é então afastado o processo do conflito? (…) (Idem, pág. 23-24)

A raiz da contradição é a separação existente entre o pensador e o pensamento. Para a maioria de nós, existe um largo intervalo entre o “observador” e a “coisa observada”, entre o “pensador” e o “pensamento”, entre o “centro que experimenta” e a “coisa que se experimenta”; e é esse intervalo, vão ou demora, que é a verdadeira fonte da contradição. (O Descobrimento do Amor, pág. 68)

Temos, pois, de compreender a vida totalmente, para nos libertarmos de nosso sofrimento. (…) O viver não é então diferente do morrer. Não existe então esse vão, esse largo intervalo de tempo criado pelo “pensador”, (…) sempre a gerar medo. Compreender o que é viver, é morrer todos os dias, sem discussão, para toda aflição, (…) problemas, (…) prazeres (…) (Idem, pág. 71)

Devemos, pois, compreender a natureza da autocontradição, e só podemos compreendê-la observando a integral estrutura do “pensador” com seus pensamentos - o pensador que, como censor, está a criar uma perene contradição entre si próprio e a coisa que em si mesmo observa. Por conseguinte, a observação do que é, exige muita seriedade (…) (O Descobrimento do Amor, pág. 71)

Quando o “observador” é o “observado”, então o conflito cessa. Isso acontece (…) em circunstâncias de grande perigo, na qual não há “observador” separado do “observado”; há ação imediata, há uma resposta instantânea nessa ação. (…) Há uma transformação imediata, psicologicamente, interiormente, quando a divisão entre o “observador” e o “observado” deixa de existir. (O Mundo Somos Nós, pág. 19)

Quando uma pessoa diz que tem medo, é o observador que diz “tenho medo” e deseja fazer alguma coisa a respeito do medo. (…) O observador é a coisa observada. O observador, o centro, com seu pensamento, suas lembranças aprazíveis e dolorosas, criou esse medo e o colocou fora de si próprio. Há conflito entre o observador, o centro que diz “devo ser diferente, estou irritado e devo livrar-me da irritação” e a coisa observada. Há separação entre o observador e o objeto observado e, portanto, conflito. (A Importância da Transformação, pág. 79-80)

Seleta de Krishnamurti - ICK

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Pode-se olhar a vida sem os olhos do passado?

Vocês devem recusar, não apenas verbal, intelectual ou teoricamente, mas negar realmente tudo o que o homem tem dito. A cada um cabe descobrir, por si próprio, porque a Verdade não é coisa adquirível de outrem; tampouco está fixada num ponto. Compreendam, por favor, que precisamos ser verdadeiramente sérios, para rejeitarmos toda espécie de propaganda, pois religião (organizada) é uma contínua propaganda. Há mais de dois mil ou cinco mil anos lhes é dito o que devem fazer, o que devem pensar. Cumpre-lhes, pois, rejeitar tudo isso e descobrir por si mesmos o que é a Verdade, se tal coisa existe. Importa compreenderem a si mesmos, e não o que outros dizem sobre vocês. Se seguem um psicólogo, um filósofo, um analista, um intelectual ou um dos velhos instrutores, até dos mais antigos e venerados, etc., estão meramente seguindo o que eles dizem sobre vocês. Vocês têm, pois, de rejeitar tudo, para começarem a descobrir o que são.

Esse autodescobrimento faz parte da meditação, e é absolutamente necessário, porque, se não se conhecem, não apenas superficialmente, mas no mais profundo do ser de vocês, não terão nenhuma base para a ação, nenhum fundamento sobre o qual erguer um edifício estável, harmonioso. E ninguém senão vocês mesmos pode ensinar-lhes o que são; devem, pois, ser o guru, o discípulo, o mestre; o aprendizado de vocês deve vir de vocês. O que aprendem de outrem não é verdadeiro. Tratem, pois, de descobrir individualmente o que são e de aprender a se observarem.

Autoconhecimento não significa acumular conhecimentos sobre si mesmo; significa observar a si mesmo. Se aprendo acumulando conhecimentos, nada aprendo a respeito de mim mesmo.

Há duas maneiras de aprender. A primeira é aprender acumulando conhecimentos e, com eles, observar; isto é, observar através do crivo do passado. Observo-me, tenho experiências, acumulo conhecimentos derivados dessas experiências; olho-me através das experiências, isto é, olho-me mediante o passado. Essa é uma das maneiras de aprender. A outra maneira é observar o movimento de todos os pensamentos, de todos os “motivos”, e jamais acumular. Por conseguinte, este aprender é um processo constante.

Explicando melhor: vejo que sou violento; observo minha violência e a condeno. Condenando-a, aprendi que não deve existir violência. Na próxima ocasião em que me observo como pessoa violenta, reajo de acordo com o que aprendi. Por conseguinte, não há observação nova, porque estou olhando a nova experiência com “olhos velhos”, com o conhecimento anteriormente adquirido. Logo, não estou aprendendo. Aprender é um movimento constante, não oriundo do passado; um movimento de momento a momento, portanto, sem acumulação. Nós somos o resultado de milhares de anos de acumulação, e continuamos a acumular; e, se quiserem compreender essa acumulação, cumpre-lhes observá-la e deixar de acumular. Deve, pois, haver uma observação que seja um constante aprender sem acumulação. Acumulação é o “centro”, o “eu”, o “ego”; e, para compreendermos esse centro, devemos estar livres de toda espécie de acumulação; não, deixarmos de acumular num nível, para cumularmos noutro nível, com outro alvo.

Temos, pois, de a “aprender com o que somos”, observando-nos sem condenação, sem justificação, observando simplesmente nossa maneira de andar, de falar, as palavras que empregamos, os diferentes “motivos”, propósitos, intenções: estando totalmente vigilantes, sem escolha. E esse percebimento não significa acumulação, mas, sim, estar vigilante de instante em instante. Se, em qualquer momento, deixarem de estar vigilantes, não se preocupem: comecem novamente. Assim, a mente de vocês, está sempre nova. A auto-observação, pois, não se limita ao nível superficial, mas, penetra o nível mais profundo, o chamado “nível inconsciente”, “oculto”. Como observar uma coisa que se acha muito profundamente radicada, oculta, fechada? Nossa consciência é tanto superficial como oculta; e temos de reconhecer todo o conteúdo dessa consciência, uma vez que o conteúdo integra a consciência. Não são coisas separadas: o conteúdo é a consciência.

Por conseguinte, para se compreender o conteúdo deve haver observação sem o “observador”. Esta é uma das coisas mais fascinantes: descobrir como olhar a vida de maneira nova. Para observarmos o “oculto”, precisamos de olhos não condicionados pelo passado; não devemos ser hinduístas, cristãos, etc. Devemos olhar-nos cada vez como se fosse a primeira vez e, por conseguinte, sem acumular. Se puderem se observar dessa maneira, observar suas ações, seja no trabalho, seja no lar; observar seus apetites sexuais, suas ambições — observar sem condenar, sem justificar, observar simplesmente — verão que nessa observação não há conflito de nenhuma espécie. Mas, se observarem com uma mente torturada, deformada, jamais descobrirão o que é a verdade. Entretanto, em geral, nossa mente é deformada, torturada, degradada pelo controle, pela disciplina, pelo medo.

Jiddu Krishnamurti — Madras, 13 de janeiro de 1971

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill