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quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Sem novos indivíduos, não há nova sociedade

[...]Deveis saber que há enorme confusão, aflição e sofrimento no mundo, e que o homem — o homem de nossos dias — não soube dar a isso a devida solução. Assim sendo, apela-se para o passado. Considera-se necessário retroceder cinco ou sete mil anos, para ressuscitar aquele passado e restaurar o sentimento religioso. E por esse caminho, igualmente, nada se resolve. Não há solução mediante o tempo. O tempo poderá tornar a vida mais aprazível, mais confortável, mas conforto e prazer não são soluções positivas para a vida. Tampouco se encontra a solução por meio de reformas. Não há solução no frequentar o templo, no ler qualquer livro sagrado. É necessário que o indivíduo compreenda quanto é sério tudo isso; que sejam abandonadas todas aquelas futilidades e nos coloquemos frente a frente com os fatos — nossa vida cotidiana, nossa existência brutal, ansiosa, insegura, cruel, com seus prazeres e entretenimentos — para vermos se, como ente humanos que vivemos há dois milhões de anos, poderemos operar uma radical transformação em nós mesmos e, por conseguinte, na estrutura da sociedade. 

O tomar conhecimento dessa responsabilidade, dessa obrigação, é muito difícil. Temos de trabalhar não só em nosso interior, mas também em nossas relações com outrem. Com a palavra "trabalho" não me refiro a pôr em prática alguma fórmula estulta, alguma teoria absurda, as asserções fantásticas de algum filósofo, guru ou instrutor. Todas essas coisas são infantilidades, impróprias de um indivíduo amadurecido. Quando dizemos "trabalho", isso significa que o indivíduo, cônscio de sua responsabilidade como ente humano vivente neste mundo, deve trabalhar pela transformação de si próprio. Pois, se ele operar essa mutação em si próprio, poderá transformar a sociedade. A sociedade não pode ser transformada por nenhuma revolução, quer econômica, quer social. Disso já tivemos provas com a Revolução Francesa e a Revolução Russa. A eterna esperança do homem de que, mediante a alteração das coisas exteriores, o ente humano pode ser transformado, nunca se realizou e nunca se realizará. A reforma exterior, a reforma econômica que forçosamente terá de operar-se nests país tão pobre — não irá modificar a atitude do homem, suas maneiras de vida, sua aflição e confusão. 

Assim, para que se opere uma total transformação do ente humano, é necessário que o homem se torne cônscio de si próprio, aprenda de uma nova maneira a respeito de si próprio. O homem, segundo as recentes descobertas da antropologia, vive a dois milhões de anos; e até hoje não descobriu uma solução para suas aflições. Tem sabido fugir delas, por meio de fantasias e ilusões. Mas não encontrou a necessária solução, não edificou uma sociedade livre de ajustamentos. 

[...] Como se observa neste país, cada homem cuida apenas de sua família, de seu grupo, sua classe, sua região natal, suas diferenças idiomáticas. Vive inteiramente alheio ao que está acontecendo a seu próximo; isso pouco lhe importa; é total a sua indiferença aos acontecimentos. Entretanto, seus livros religiosos ensinam que ele terá uma vida futura e, portanto, deve comportar-se decentemente; que existe karma: tudo o que ele agora faz é levado em conta — como fala, como diz as coisas, não importa a quem seja; que deve proceder virtuosamente, pois, do contrário, pagará por seus atos na próxima vida. É isso, em linhas gerais, o que eles preceituam. Nesta base, há séculos, os indivíduos estão sendo educados. No entanto, tais crenças e ideias nada importam em vossa vida, porque não credes. Continuais a comportar-vos como se esta fosse a única vida realmente importante. Porque continuais a competir, a ser ambicioso, a destruir o vosso semelhante; socialmente, sois destituídos de espírito cívico

Há, pois, duas formas de sociedade. Numa delas, o indivíduo é obrigado a ajustar-se, forçado pela necessidade de cooperar. Aí, o ente humano adquire a mentalidade cívica: não jogo lixo na rua, porque se o fizer serei punido. Nessa sociedade há ordem. Mas, dentro dessa ordem, dessa organização cada um está contra todos. Na outra forma de sociedade, a existente neste país, não há nenhuma estrutura social. Não há a menor consciência cívica, porque ninguém crê no que lhe é dito ou ensinado. 

Há essas duas formas de sociedade; e cada uma delas traz em si o germe de sua própria destruição. Assim sendo, ao home religioso importa criar uma nova sociedade inteiramente diferente daquelas, ou seja, uma sociedade em que cada indivíduo proceda virtuosamente em cada minuto, por compreender suas responsabilidades como ente humano; por compreender que só ele responde por sua conduta e suas atividades; só ele será responsável, se for ambicioso, cruel, destruidor, rancoroso, ciumento, competidor, atormentado por temores. — Só tais indivíduos podem criar uma nova sociedade. 

Necessitamos de uma nova sociedade; e ninguém mais a pode criar senão vós mesmos. Mas, não parecemos sentir nossa imensa responsabilidade a esse respeito. E é isso o que mais importa, antes de tudo o mais. Porque essa é que é a base adequada, ou seja, o comportamento virtuoso, a conduta justa — que não é conduta ditada por um padrão, porém conduta que decorre do aprender. Se o indivíduo está aprendendo a todas as horas, esse próprio ato de aprender cria a ação virtuosa. Por isso, só a mente religiosa pode criar a nova sociedade. 

[...] Para irmos muito longe, temos de começar com o que está muito perto. Devemos começar aqui e não do outro lado da existência. Deveis começar com a Terra, conosco, com os entes humanos, com vós mesmo, e nunca tentar descobrir a "beleza transcendental" da vida. Para se achar a beleza transcendental da vida, é preciso primeiramente conhecer a própria vida. Só através de nossa existência diária e pela compreensão da beleza dessa vida, só por essa porta se pode descobrir o imensurável.

Jiddi Krishnamurti em, A Suprema Realização

É possível viver sem a esterilidade da moderna existência?

Para a maioria de nós, viver a existência diária, o escritório e sua insípida rotina, e as insignificantes disputas de cada dia, e as ambições, e as infindáveis tribulações da vida — é uma degradação; coisa fastidiosa e exaustiva.[...]

Para descobrir o pleno significado do viver, devemos compreender as diárias torturas de nossa complexa existência; delas não temos possibilidade de fugir. A sociedade em que vivemos precisa ser compreendida por cada um de nós  — não por um certo filósofo, instrutor ou guru; e nossa maneira de viver tem de ser transformada, mudada completamente.[...] No movimento da transformação, no movimento de operar, sem visar vantagens, uma transformação em nossa vida, há beleza; e, nessa transformação, descobriremos por nós mesmos, o inefável mistério que anda a buscada a mente de cada um de nós. Por conseguinte, o que nos deve interessar é[...] a compreensão de nossa nossa complexa e cotidiana existência, porque esta é que que constituí a base sobre a qual temos de edificar. Pois, se não a compreendermos e transformarmos radicalmente, nossa sociedade estará sempre num estado de corrupção e, por conseguinte, nos veremos num perene estado de deterioração.

Nós somos a sociedade; dela não somos independentes. Somos o resultado do ambiente — de nossa religião, nossa educação, do clima, dos alimentos que tomamos, das reações, das inumeráveis e sempre repetidas atividades a que nos entregamos todos os dias. Tal é a nossa vida. E a sociedade em que vivemos é parte integrante dessa vida. Sociedade são as relações entre os homens. Sociedade é cooperação. A sociedade, tal como ora existe, é o resultado da avidez, do ódio, da competição, da brutalidade e crueldade do homem; esse é o padrão conforme o qual vivemos. E, para compreendê-lo — não intelectualmente, de maneira puramente teórica, porém realmente — temos de pôr-nos diretamente com o fato, ou seja: todo ente humano — vós — é o resultado desse ambiente social, de sua pressão econômica, de seu sistema religioso, educativo, etc. Entrar em contato direto com uma coisa não é verbalizá-la, porém olhá-la. 

E essa parece ser uma das coisas mais difíceis — entrar diretamente em contato com o fato.[...] Para a maioria de nós o fato é inexistente. Vivemos com ideias; vivemos com nossas lembranças, nossas experiências; e à sombra dessas experiências e lembranças queremos observar o fato e transformá-lo — isto é, esperamos transformá-lo, mudá-lo. [...]

Nós nunca olhamos para as coisas.[...] Andamos ocupados demais com as nossas próprias aflições e tribulações; e tão fechados vivemos em nós mesmos, tão fechados em nossos próprios problemas, que nada mais vemos. Ora, observar significa aprender. Só com o aprender se pode operar uma transformação radical. O próprio ato de aprender é ato de transformar. Assim, olhar, observar, é a principal necessidade do homem religioso; nada importa o que um homem pensa, o que sente, ou quais sejam as suas reações.[...]

Observar exige quietude; exige da mente a capacidade de estar em silêncio, de não ficar incessantemente tagarelando entre si. Para observar, necessita-se de certo silêncio. E não se pode ter silêncio, se a mente, no ato de observar, está "projetando" suas próprias ideias, suas próprias exigências, esperanças, temores. Assim, para podermos observar a estrutura social em que vivemos, e promover uma radical transformação nessa sociedade, devemos primeiramente observar o que é, e não o que desejamos que a sociedade seja.

Porque a sociedade em que vivemos, nós mesmos a criamos e por ela somos responsáveis — cada um de nós. Ela não se tornou existente pela ação de forças fictícias, espirituais. Nasceu de nossa avidez, de nossa ambição, de nossos gostos, aversões, e inimizades pessoais, de nossas frustrações, de nossa busca de prazer e de satisfação. Nós criamos as religiões, as crenças, os dogmas, premidos pelo medo. É nessa sociedade que estamos vivendo. E o indivíduo, ou foge dessa sociedade (de qual ele faz parte) porque é incapaz de compreendê-la ou de transformá-la; ou se deixa absorver de tal maneira em suas próprias tribulações, que perde todo o interesse nessa exigência fundamental da mente humana de que ela (a sociedade) se transforme. 

A existência, pois, são as relações; a existência é um movimento de relações; e essa existência significa sociedade. E nenhuma possibilidade teremos de ultrapassar os limites de nossa mente, de nosso coração, se não compreendermos a estrutura de nosso próprio ser, ou seja, a sociedade. A sociedade não difere de vós; vós sois a sociedade. A estrutura da sociedade é vossa própria. Assim, ao começardes a compreender-vos, estareis começando a compreender a sociedade em que viveis. Não estais em oposição à sociedade. Dessa forma, ao homem religioso interessa o descobrimento de um novo caminho da vida, uma nova maneira de viver neste mundo, a fim de promover uma transformação na sociedade em que vive, porque, pela transformação de si próprio, transformará a sociedade. 

Em geral, temos muito interesse em descobrir uma maneira de viver harmonicamente, sem demasia de conflitos, sem a esterilidade da moderna existência. Mas, se não compreendermos a existência, nossa vida, não encontraremos nenhuma saída de nossa confusão, de nossas angústias, das tribulações que afligem o homem. É esta a primeira coisa que temos de considerar. Este é o fato.[...]

E, para olharmos, precisamos ter a mente vazia.[...] A "verbalização" do fato é uma distração, que nos afasta do fato. Mas, o observar exige uma mente capaz de estar quieta, de não verbalizar, de observar sem opinião nem julgamento. E esta é uma das coisas mais difíceis: observar "não verbalmente" uma coisa objetiva.[...]

E para a observação total de qualquer coisa, a mente deve estar de todo vazia. É difícil a observação exterior; porém, mais difícil ainda é observar a estrutura social, as influências ambientes, vossa própria mentalidade, como parte da sociedade. Observar requer uma enorme atenção. 

[...] Como indivíduo, tendes o dever de promover uma enorme transformação no mundo. Dever, porque sois parte integrante dessa sociedade, porque participais no imenso sofrer do homem, seus esforços, lutas, dores e ansiedades. Tendes essa obrigação. E se não a compreenderdes, se com ela não entrardes diretamente em contato, investigardes sua estrutura e mecanismo, tudo o que fizerdes — podeis percorrer todos os templos, recorrer a todos os gurus, todos os Mestres e todos os livros sagrados do mundo —  será sem significação, porque tudo isso são meras fugas à realidade. 

Temos, pois, de compreender esta existência, esta vida, nossas relações com a sociedade. Não só temos de compreender nossas mútuas relações, nossas relações sociais, mas ainda de transformá-las radicalmente. É nossa obrigação. Mas, não parecemos perceber quanto isso é urgente. Ficamos esperando que os políticos, ou alguma filosofia ou algo de misterioso venha operar uma transformação em nós mesmos. Não há outra solução senão essa, de que vos torneis conscientes dessa imensa responsabilidade que vos cabe, como ente humano, de modo que possais aprender tudo o que a ela se refere, sem recorrerdes a prévios conhecimentos. E o aprender requer liberdade, pois, do contrário, ficaremos repetindo a mesma coisa, indefinidamente.

Jiddu Krishnamurti em, A Suprema Realização

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Uma prisão chamada família

A família está em oposição à sociedade; a família está em oposição às relações humanas como um todo. É como viver uma pessoa numa parte de um grande edifício, num pequeno quarto, e dar exagerada importância a esse exíguo aposento — o lar. A família só tem importância em relação com o edifício todo. Assim como aquele pequeno quarto se relaciona com o edifício inteiro, assim está a família em relação com a humanidade em geral. Mas, nós a separamos e a ela NOS MANTEMOS APEGADOS. Fazemos muito escarcéu em torno da família — meus parentes, vossos parentes — e vivemos empenhados em perpétua batalha. Mas a família é como a pequena alcova em relação com todo o edifício. Quando esquecemos o edifício, em seu todo, o pequeno aposento se torna sumamente importante; assim também se torna sobremodo importante a família, quando ESQUECEMOS O TODO DA EXISTÊNCIA HUMANA. Só tem importância a família, em relação com a totalidade da existência humana; de contrário, converte-se numa coisa terrível, monstruosa.

Krishnamurti em, A Suprema Realização

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Não existe libertação sem a entrega do coração

O investigar requer mente equilibrada, sã, mente que não se deixe persuadir por opiniões, próprios ou alheias e, portanto, seja capaz de ver as coisas com toda a clareza, em cada minuto de seu movimento, de seu fluir. A vida é um movimento de relações, e portanto — ação. E, se não há liberdade, a mera revolta nenhuma significação tem. O homem verdadeiramente religioso nunca se revolta. É um homem livre — não do nacionalismo, da avidez, da inveja, etc.; livre, simplesmente. 

E o investigar requer a compreensão da natureza e significado do medo, porque a mente que, em qualquer de seus níveis, sente medo, é obviamente incapaz do rápido movimento que exige o investigar. Sabeis que neste país, em virtude da tradição e do prestígio da autoridade, gostamos de gabar-nos de nossa civilização sete vezes milenária. E os que tanto se orgulham dessa civilização provavelmente nada têm para dizer; por esta razão tanto se fala a respeito dela. Não é livre o espírito que está sob o peso da tradição e da autoridade. Terá de transcender a civilização e a cultura, porque só então será capaz de investigar e descobrir a verdade; de contrário, só saberá discorrer sobre a verdade, e a seu respeito ter inumeráveis teorias. O descobrir exige um espírito totalmente livre da autoridade e, portanto, do medo. 

A compreensão do medo é um enorme e complexo problema. Não sei se alguma vez já lhes destes a vossa mente — não só a mente, mas  também o coração. A mente talvez já tenhais dado, mas com toda a certeza nunca destes o coração. Para compreender uma coisa, temos de dar-lhe nossa mente e nosso coração. Quando só aplicamos a mente a uma certa coisa — principalmente ao medo — tratamos de resistir a essa coisa, de erguer uma muralha contra ela, de fechar-nos e isolar-nos, ou, ainda, tratamos de fugir da coisa. É o que fazemos quase todos nós, e para isso é que serve a maioria das religiões. Mas, quando aplicais o coração à compreensão de uma coisa, verifica-se então um movimento muito diferente. Quando dais o coração à compreensão de vosso filho — se isso vos interessa — observais todo o incidente, toda minúcia; nada é insignificante, e nada importante demais; e nunca vos enfadais. Entretanto, nunca damos o coração a coisa alguma — nem mesmo a nossa esposa ou marido, ou filhos; e muito menos à vida. Quando o indivíduo dá o seu coração, é instantânea a comunhão. 

"Dar o coração" é uma ação total. "Dar a mente" é ação fragmentária. E a maioria de nós dá a mente a tantas coisas! Por isso, vivemos uma vida fragmentária: pensando uma coisa e fazendo outra; e vemo-nos divididos pela contradição. Para compreender uma coisa, temos de dar-lhe não só a mente, mas também o coração. 

E para compreender esse complexo problema do medo... não se requer um mero esforço intelectual, porém que a ele nos apliquemos totalmente. Quando amamos uma coisa — e emprego a palavra "amor" em seu sentido total, isto é, sem dividir em "amor a Deus" e "amor ao homem", ou "amor profano" e "amor divino"; tais distinções não são o amor, em absoluto — quando amamos uma coisa, a ela nos entregamos com nossa mente e nosso coração. Isso não é o mesmo que vincular-se a uma coisa. Pode um indivíduo devotar-se de corpo e alma a uma certa causa — social, filosófica, comunista, religiosa. Mas, isso não é dar-se; é seguir uma mera convicção intelectual, uma ideia de que terá de cumprir certos deveres, a fim de melhorar a si próprio ou à sociedade, etc. Estamos, porém, falando de coisa bem diferente.

Ao darmos o coração, todas as coisas são percebidas claramente, na esfera dessa compreensão. Tentai fazê-lo — ou melhor, espero que o estejais fazendo neste momento. O homem que diz "Tentarei" — está no caminho errado, porque  tempo não existe; só há o presente momento, o agora. E se o fizerdes agora, vereis que, quando se dá o coração, a ação é total — e não uma ação fragmentária, forçada, nem uma ação que segue certo padrão ou fórmula. Se derdes o coração, compreendereis imediatamente, instantaneamente, qualquer coisa; isso nada tem de sentimentalismo ou devoção — que são coisas muito pueris.

Para dar o coração, necessitamos de muita compreensão, de muita energia e clareza, para que, na luz dessa compreensão, possamos ver as coisas claramente. E não podeis vê-las claramente, se não estais livre de vossa tradição, de vossa autoridade, de vossa cultura, de vossa civilização, de todos os padrões sociais; não é fugindo da sociedade, indo-se viver numa montanha, tornando-se eremita que se compreende a vida. Pelo contrário, para compreenderdes esse extraordinário movimento da vida — que é relação, que é ação — e o acompanhardes infinitamente, necessitais de liberdade, e esta só vem àquele que dá sua mente, seu coração, seu ser inteiro. Então, compreendereis a vida. Na compreensão não existe esforço; é um ato instantâneo.

Só a mente livre, lúcida — só essa mente é capaz de ver o verdadeiro e de afastar o falso.

Jiddu Krishnamurti em, A Suprema Realização

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Por que somos comidos pela culpa?

A maioria de nós está ocupada consigo mesma, em diferentes maneiras, da manhã à noite e, consciente ou inconscientemente, vamos alimentando essa corrente. Ao subir subitamente um desafio, esse movimento, essa ocupação egoísta perturba-se e, então, nos sentimos "culpados", sentimos que estamos fazendo algo iníquo, ou que deixamos de fazer algo justo; mas esse sentimento está ainda na corrente da atividade egocêntrica, não é verdade?[...]

Por que deveis sentir-vos "culpado"? Se estais vivendo intensamente, com todo o vosso ser, se percebeis plenamente tudo o que se passa ao redor de vós e dentro de vós, tanto consciente como inconscientemente, onde há lugar para a "culpa"? O homem que vive fragmentariamente, que está interiormente dividido, esse, sim, sente "culpa". Uma parte dele é boa, outra parte é corrupta; uma parte procura ser nobre, e a outra é ignóbil; uma parte é ambiciosa, cruel, e a outra fala de paz e de amor. Essas pessoas sentem-se "culpadas" porque se acham ainda dentro do padrão que elas próprias fabricaram. Enquanto houver atividade egocêntrica, não podereis superar o sentimento de culpa. Só desaparece esse sentimento quando ides ao encontro da vida totalmente, com todo o vosso ser, isto é, quando não há preenchimento de espécie alguma. Vedes então que o sentimento de culpa já não existe, porque não estais pensando em vós mesmos. Não há atividade egocêntrica.

Senhores, se estais escutando, mas não agis, isso é o mesmo que estar sempre a arar sem nunca semear. É melhor não escutar uma verdade, do que escutá-la sem agir, porque ela então se torna veneno. Se aprovais ou desaprovais certas particularidades do que se está dizendo, isso é sem importância; o importante é perceberdes a verdade de que, ENQUANTO FUNCIONARDES DENTRO DO CAMPO DA ATIVIDADE EGOCÊNTRICA, não podeis fugir a várias formas de sofrimento e frustração. O sofrimento e a frustração só podem cessar quando viveis totalmente, com a intensidade de todo o vosso ser, de vossa MENTE, CORAÇÃO e CORPO; e não podeis viver desse modo completo, com essa intensidade, se só cuidais de vossa própria virtude. Podeis estar livres hoje do sentimento de culpa , mas ele surgirá com outra forma amanhã ou um dia depois.

Experimentai isso, senhores, experimentai um pouco viver intensamente todos os dias, com toda a vossa mente, coração e corpo, com tudo o que possuís, e vereis que então não há contradição, não há pecado. É o desejo, a inveja, a ambição, que gera a contradição, e a mente envolvida em contradição NUNCA DESCOBRIRÁ A REALIDADE.

Jiddu Krishnamurti em, O Homem Livre

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Sobre o perene estado de contradição em nós mesmos

[...]Devemos estar interessados numa única questão, ou seja, como operar em nós mesmos uma transformação fundamengtal, que atinja não só as nossas relações sociais, mas também o nosso pensar, as nossas emoções, nossa expressão criadora e nosso viver diário. Se não se realiza, dentro do indivíduo, uma transformação fundamental, sem dúvida qualquer reforma proveniente do exterior só o forçará a ajustar-se ao novo padrão e, por conseguinte, não será transformação nenhuma. Transformação sob compulsão, influência, pressão sociológica, várias formas de legislação, não constitui a verdadeira transformação, porém, simplesmente, "continuidade modificada" do que já existia. Transformação dentro da esfera do tempo não é transformação — sendo "tempo" o processo de pensamento, de compulsão, imitação, gradual ajustamento. 

Agora, existe uma transformação fundamental não produzida sob pressão de espécie alguma, nenhum ajustamento a certo padrão ideológico? Existe uma transformação proveniente, totalmente, do interior e que não resulte de nenhuma pressão exterior? Nós nos transformamos superficialmente em virtude da compulsão, em várias formas, da ideia de recompensa, das pressões externas, da influência que em nós exercem os livros que lemos, etc.; mas tal mudança me parece superficial e, de modo nenhum, é a verdadeira transformação. Entretanto, é isso o que quase todos nós estamos fazendo com nossa vida. A mente consciente ajusta-se a um novo padrão social, econômico ou legislativo, mas isso não transforma na essência o indivíduo. Assim, se somos realmente sérios, deve-se-nos apresentar, inevitavelmente, a pergunta: É possível o indivíduo transforma-se a fundo, de modo que considere a vida, não parcialmente, fragmentariamente, porém como entidade integral, um ente humano total? 

Em regra, nós reagimos à ideia de recompensa e punição, a uma certa forma de compulsão, e é a isso que chamamos "atenção", em nossa vida diária. Se observardes, vereis que vossa ação, religiosamente e a outros respeitos, é parcial, fragmentária, não é a ação completa de nosso ser integral. E parece-me de toda necessidade, na presente crise mundial, que cada um de nós descubra por si mesmo se é possível agir, não em mera conformidade com padrões ideológicos, ou governamentais, ou pessoalmente impostos, porém como ente humano total, com todo o seu corpo, mente e coração. É possível atuar de maneira total? Basicamente, este me parece ser o único problema do homem.  

Vemos o que está acontecendo no mundo; vemos tirania, medonha crueldade, desditas a que estamos sujeitos, compulsões, uniformidade de pensar, como nacionalista, socialista, imperialista, o que quer que seja. Nesse "processo" não existe nenhuma ação plena por parte do indivíduo, ação em que sua mente e coração estejam unificados, seu ser inteiro completamente integrado. E parece-me que, se somos realmente sérios, em nosso próprio interesse devemos criar individualmente essa ação total; porque, enquanto nossa ação for simplesmente fragmentária, só da mente ou dos sentimentos, ou apenas dos sentidos, tal ação tem de ser contraditória e invariavelmente criará confusão. 

Agora, existe desejo, aspiração, vontade capaz de atuar como entidade total? Ou o desejo é sempre contraditório? E é possível a mente compreender a totalidade de si própria, tanto o consciente como o inconsciente, e atuar, não parcial ou fragmentariamente, porém como ente humano integrado, sem autocontradição? Para mim, tal ação é a única ação reta, porque todas as outras formas de ação gerarão conflito, tanto interior como exteriormente. 

Assim, como produzir essa transformação? Como poderá a mente atuar como entidade total, não dividida interiormente? Não sei se já refletistes alguma vez sobre este problema. Se já o fizestes, provavelmente pensais que os desejos contraditórios da mente podem ser harmonizados e que essa harmonia vem pelo esforço, pelas atividades ideológicas e várias formas de disciplina. Mas é possível harmonizar desejos contraditórios, como estamos tentando fazer? Eu sou violento e desejo ser "não-violento"; desejo ser artista, no lídimo sentido da palavra, e, no entanto, minha mente tende para a ambição, a avidez e a inveja, impedindo, assim, esse esforço criador. Dessarte, há uma perene contradição em nós mesmos. Esses desejos e conflitos promovem realmente certas atividades mas estas, também, em si mesmas, são contraditórias, como se pode ver diariamente em nossa vida. E é possível a mente alcançar aquela compreensão da totalidade de si própria, na qual a ação já não é questão de imitação, de compulsão, de medo, ou desejo de recompensa?[...] Isto é, a necessidade de uma ação não organizada pela mente, ação que não seja resultado de um pensar fragmentário, mas, sim, o reflexo de todo o nosso ser. Todos sentimos essa necessidade, porém não sabemos como atingir aquela ação. Podemos recorrer à religião, esperando encontrar uma ação não-contraditória, que seja completa; todavia, religião, para a maioria de nós, é uma coisa um tanto vaga e superficial, questão de crença, e nenhuma eficácia tem em nossa vida diária. Muito falamos a respeito disso que chamamos religião, mas o que dizemos não tem significação básica e apenas se torna mais um fator de contradição em nossa vida. Pensamos que devemos amar, mas não amamos. Desejamos buscar Deus, porém ao mesmo tempo estamos todos empenhados em atividades mundanas; e vemo-nos, assim, divididos, puxados em ambas as direções. Parece-me, entretanto, que a real compreensão do que é religião constitui a única solução para os nossos problemas. O mais importante, decerto, é que cada um de nós experimente diretamente a Realidade; e no próprio "processo" de experimentar a Realidade se encontra a ação da Realidade. Não se trata de experimentar a Verdade, e depois agir; o que há é ação da Verdade, no próprio "processo" de experimentar e compreender a Verdade. É então a Verdade que atua, e não a pessoa que compreende a Verdade. 

Jiddu Krishnamurti em, O Homem Livre

Criando a partir do Coração

A dimensão do coração é o total desinteresse por qualquer objetivo autocentrado, pois quem está no coração, já tem tudo o que necessita: a libertação da mente com seus desejos ilusórios; quando se é coração, não tem ninguém aí que cria algo, só há criação; some o agente criador; só há criação que visa bem-estar comum e não privilégios umbigóides.
Tudo vale a pena se tua observação não for pequena

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Por imposição, não se alcança o amor integrativo e fraternal

PERGUNTA: Pode a organização de uma sociedade com igual oportunidade para todos despertar aquele sentimento de compaixão que acabará, afinal, com a intromissão do governo em nossa vida pessoal?

KRISHNAMURTI: A primeira parte da pergunta é: "Impede-se a amizade com propagar a justiça, isto é, organizando a sociedade numa base equitativa?" Evidentemente, destrói-se a amizade ao depender-se da justiça para a organização de uma sociedade equitativa. Compreendeis? Se dependo da chamada ORDEM IMPOSTA POR UMA FORÇA EXTERIOR, o governo, a Lei, PERDEREI A SENSIBILIDADE NECESSÁRIA PARA TORNAR-ME VERDADEIRAMENTE AMIGÁVEL. Isto é bastante óbvio, não? E é exatamente o que está sucedendo. Vós continuais brâmane, ou o que quer que sejais, isolando-vos dos outros, e o governo intervém para estabelecer a justiça.[...]

Quando o homem depende da lei para manter dentro de certos limites a própria avidez, o seu coração invariavelmente emurchece. Senhores, é isso o que está acontecendo no mundo inteiro. A sociedade se está tornando cada vez mais complexa, e como temos de viver juntos, MAS NÃO POSSUÍMOS AQUELE SENTIMENTO DE AMIZADE, DE AMOR, DE COMPAIXÃO, que gerará sua ação própria, a legislação governamental NOS FORÇA a comportar-nos — e isso é o que se chama "justiça social". É a mesma coisa que um homem e uma mulher serem obrigados por lei a viver juntos. Isto é mais fácil de compreender, porque faz parte de vossa existência diária. Mas a outra coisa não está no campo de vossa experiência, não é como um sapato apertado que vos incomoda todos os dias. Não estais cônscios dela, porque vosso coração está murcho.

Como vemos, quando não há amizade, a lei tem de intervir. Compreendeis, senhores? O importante é a PERCEPÇÃO, O SENTIMENTO DE COMPAIXÃO, e não o que ela pode fazer. Vede, aqui também estais interessados na ação; e por estardes pensando na ação mas NÃO POSSUÍS O SENTIMENTO, vossa ação tem de ser controlada, moldada, REGULADA MEDIANTE INTIMIDAÇÃO. Porém, se tiverdes aquele sentimento de simples bondade, simples delicadeza, generosidade, vereis que, conquanto a legislação continue a existir para os que precisam ser compelidos, para vós ela não existe, porque estais atuando num nível diferente, numa diversa profundidade.

A segunda parte da pergunta é: "A organização de uma sociedade em que todos tenham igual oportunidade conduzirá à compaixão?" — Compreendeis? A organização do governo, do poder central através do estado e da Cidade, ou por parte da Igreja, com sua autoridade, suas sanções, seus sacerdotes, seus livros sagrados e excomunhões, seu moldar da mente em torno de uma crença, em nome do amor, etc., tal organização levará ao amor ou DESTRUIRÁ O AMOR, A COMPAIXÃO? Prestai atenção a isso , senhores. Trata-se de vossa própria vida e não da minha. A vós é que cabe responder.

Se para serdes fraterno, precisais ingressar numa certa sociedade ou pertencer a alguma religião que vos prescreve amar, depender de um sacerdote para terdes uma interpretação daquela extraordinária beleza, amareis então, sabereis então o que é a compaixão? Sereis sensível à ave, à árvore, à flor, à criança? Refleti, senhores. Dai-vos de coração a essa questão e não vos limiteis a ouvir meras palavras, para concordar ou discordar. ENQUANTO ESTÁ VAZIO O NOSSO CORAÇÃO, não é possível a extinção do poder do Estado; é mera ideia e, portanto, sem valor. Muito ao contrário, os governos irão tornar-se cada vez mais fortes, uma vez que estão nas mãos de homens como vós, ambiciosos de poder, posição, prestígio. Como vós, eles são políticos, em busca de vantagens pessoais, de resultados imediatos. Quanto mais se fizer sentir a ação mecânica da repressão, interior e exteriormente, tanto mais prosperará o Estado, e organizações como aquelas a que agora pertenceis continuarão a moldar-vos a mente; assim, FENECE O CORAÇÃO, NÃO HÁ AMIZADE, NÃO HÁ COMPAIXÃO ENTRE VÓS E MIM.

Quando há compaixão, o sentimento de compaixão, ela não atinge apenas o pobre aldeão ou o animal faminto; sua intensidade é sempre a mesma onde quer que estejais, numa choça ou num palácio, e esse sentimento não pode ser "organizado" e não podeis, tampouco, alcançá-lo por meio de uma organização. Os Mestres não vo-lo podem dar; e, se dizem que podem dá-lo, É MENTIRA. Senhores, porque há séculos seguis a autoridade do livro, do guru, do Estado, a autoridade do patrão, do vosso superior imediato, PERDESTES A SENSIBILIDADE Á BELEZA DA VIDA. Olhar com sentimento para o céu ao amanhecer, para uma estrela acima de uma nuvem, ver o aldeão e dar-lhe algo tirado de vosso coração E NÃO DE VOSSO BOLSO — nada disso perdestes, porque nunca o tivestes — e é por isso que tendes organizações; e por causa dessas organizações, CONTINUAREIS A NÃO TÊ-LO. Quando vos libertardes COMPLETAMENTE de todas as organizações e ficardes INTEIRAMENTE SÓS, só então podereis DESCOBRIR. DEPENDÊNCIA SIGNIFICA INTERESSE POR SI MESMO e, portanto, enquanto fordes dependente NÃO TEREIS COMPAIXÃO. E eu vos asseguro que quando existe compaixão não há necessidade de organizar a sociedade.

Jiddu Krishnamurti em, O Homem Livre

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Krishnamurti fala sobre o Deus real

Porque a Verdade - o Deus real, o verdadeiro, e não o "deus" feito pelo homem - não quer uma mente que é destruída, que é mesquinha, superficial, estreita, limitada.

[...] A Verdade precisa de uma mente lúcida, capaz de apreciá-la, de uma mente rica - não de conhecimentos, mas de inocência - uma mente em que a experiência nunca deixe a mais leve cicatriz, uma mente liberta do tempo. Os deuses que inventamos para nosso conforto, aceitam a tortura; aceitam uma mente que vamos tornando embotada. Mas a Realidade não quer isso; quer um ser humano total, completo, de coração pleno, rico, límpido, capaz de sentir intensamente, capaz de ver a beleza de uma árvore, o sorriso de uma criança, e a agonia da mulher que nunca teve comida suficiente para matar a fome. Cada um precisa de ter essa extraordinária sensibilidade, de ser sensível a tudo - ao animal, ao gato que passa sobre o muro, à miséria, à sordidez; à degradação do ser humano que vive na pobreza, no desespero. Temos de ser sensíveis, ou seja, temos de sentir intensamente, não apenas numa determinada direção. Sensibilidade que não é a emoção que vem e desaparece, mas uma sensibilidade de todo o nosso ser, de todo o nosso corpo - dos nervos, dos olhos, dos ouvidos, da voz. Se assim não for, não haverá inteligência. E a inteligência vem com a sensibilidade e a observação. A sensibilidade não é fruto da infinita acumulação de conhecimento e de informação. Podíamos conhecer todos os livros do mundo, lê-los, devorá-los; podíamos estar familiarizados com todos os autores, conhecer todas as coisas que tem sido ditas; mas isso não traz inteligência. O que traz inteligência é a sensibilidade, a sensibilidade total da mente - consciente e inconsciente e do coração, com as suas extraordinárias capacidades de afeição, de simpatia, de generosidade. E com isso vem aquela intensa sensibilidade, sensibilidade à folha descorada que cai da árvore, e à miséria de uma rua degradada - temos de ser sensíveis a ambas as coisas; não se pode ser sensível a uma e insensível à outra. Ser sensível - mas não apenas a isto ou àquilo. E quando há essa sensibilidade unida à observação, há a inteligência necessária para observar - para ver as coisas como são, sem nenhuma fórmula, sem nenhuma opinião; para ver a nuvem como nuvem; para ver os nossos íntimos pensamentos, os nossos secretos desejos, como realmente são, sem os interpretar, sem os aceitar ou rejeitar - para observar, apenas, escutar, apenas, esses desejos secretos; e para observar, quando vamos no autocarro, o passageiro ao nosso lado, os seus modos, a sua maneira de falar - observar, apenas. Então, dessa observação vem a clareza. Tal observação expulsa todas as formas de confusão. E assim, com a sensibilidade e a observação surge aquela extraordinária qualidade da inteligência.

Filme: Duas Mentes

SINOPSE: A vida de uma profissional de sucesso, esposa e mãe mudará com a morte de sua mãe, não somente pela triste perda, mas também por que terá que dividir sua vida com a irmã mais nova que sofre de esquizofrenia.

Como surge nossa coleção de preconceitos?

Foto: rede internet
Parece-me que uma das coisas mais difíceis é separar o pensar e a ação individual do pensamento e da atividade coletiva; entretanto, é de essencial importância libertar a mente, o inteiro processo de pensar, do "coletivo", sobretudo agora, quando o coletivo está tendo um papel tão compulsório em nossa diária existência. No mundo inteiro, todos os meios estão sendo empregados para dominar a mente do indivíduo. Não só os comunistas, mas também todas as classes de pessoas religiosas se mostram ansiosas por moldar a mente humana; e à medida que cresce a eficiência governamental, à medida que se universaliza a chamada educação e em todos os sentidos se expandem os progressos técnicos, o pensamento vai sendo moldado cada vez mais em conformidade com o padrão de uma dada cultura. 

Quase todos nós somos o resultado do "coletivo". Não há pensar individual. Não estou empregando a palavra "individual" em oposição ao "coletivo". Penso que a individualidade é completamente diferente da coletividade e tampouco é uma reação ao "coletivo"; mas, pela maneira como estamos atualmente constituídos, a individualidade como coisa inteiramente separada do "coletivo" não existe. O que chamamos "individualidade" é apenas uma reação, e reação não é ação total. Toda reação produz mais limitação, condiciona mais ainda a mente

Não emprego, pois, a palavra "individualidade" no sentido de "oposição ao coletivo"; estou-me referindo a um processo coletivo de pensar. O pensar, como hoje conhecemos, é quase uma reação ao "coletivo"; e quer-me parecer que, em face da crise atual, desse imenso desafio, com seus inumeráveis problemas de fome, miséria, guerra, horrível brutalidade, nenhum valor tem a reação de caráter coletivo. O "coletivo" só pode reagir consoante o velho condicionamento, o velho padrão de pensamento; o importante, decerto, é que se verifique o despontar da individualidade, a qual é exterior à atual estrutura social e não faz parte do padrão coletivo de pensamento, com seus dogmas e crenças, quer comunistas, quer da chamada religião. 

[...]Pode-se ver que a velha reação coletiva não se tem mostrado adequada e que essa maneira inadequada de reagir cria novos problemas — e é isso o que realmente se sucede no mundo nos tempos presentes. Nosso problema, portanto, é descobrir se a mente, resultado do coletivo, pode libertar-se e tornar-se individual — mas não no sentido de reação, de revolta contra o coletivo, porquanto tal revolta é evidentemente um "processo" adicional de condicionamento segundo um diverso padrão. Pode a mente, pela compreensão do "coletivo", pelo investigar, pesquisar o seu inteiro processo, dissociar-se do coletivo e, com essa profundeza de compreensão, promover, não intelectual porém realmente, ação imediata? Pode a mente libertar-se e atuar como individualidade total? Não estou empregando a palavra "individualidade" na acepção comum, ou seja, significando um indivíduo que se opõe ao coletivo, um individuo egocêntrico, interessado unicamente em sua própria atividade, em seu próprio gozo, seu próprio sucesso.

[...] Se estais razoavelmente cônscios dos acontecimentos mundiais, cônscios das compulsões e pressões sociais a que estais sujeitos, essa questão tem de surgir inevitavelmente. Pode a mente libertar-se do "coletivo", ou seja, de seu próprio condicionamento? Libertar-se do coletivo não é simplesmente questão de jogar fora vosso passaporte ou de renunciar verbalmente a determinado estado mental; significa libertar-se de todo o conteúdo emocional de palavras tais como "hinduísta", "budista", "cristão", "comunista", "hindu", "russo", "americano", etc. Podeis despojar a mente da etiqueta verbal, mas lá fica um certo "conteúdo íntimo", um íntimo sentimento de ser algo, numa determinada cultura ou sociedade. Sabeis o que quero dizer. Um homem reage como cristão, comunista, hinduísta, porque foi educado num certo ambiente, com uma perspectiva superficial, limitada; e essa reação "coletiva" é o que chamamos "nosso pensar". 

[...] Assim, peço-vos não escuteis simplesmente a minha descrição, mas, se o puderdes, observeis, por meio dela, o funcionamento de vossa própria mente. Vereis então quanto é difícil pensar de maneira totalmente nova, isto é, não pensar em termos de hinduísmo, budismo, cristianismo ou o que quer que seja. E se vos rebelais contra o padrão do hinduísmo apenas para cairdes em outra gaiola a que chamais "budismo", isto ou aquilo, neste caso a mente está ainda condicionada. 

Vemos, pois, que vossa mente é resultado do "coletivo". Ela reage, não como "indivíduo", no sentido em que estou empregando a palavra, porém como expressão do "coletivo", o que significa que está agrilhoada pela tradição, pelo inteiro processo de condicionamento. Vossa mente está sob o peso de certos dogmas, crenças, rituais, a que chamais religião, e com esse fundo (background) tenta reagir a algo essencialmente novo e vital. Mas só a mente que está livre de seu fundo pode corresponder de todo ao desafio, e só essa mente é capaz de criar um novo mundo, uma nova civilização, uma maneira de viver inteiramente nova.

Ora, pode-se libertar a mente de seu fundo, que é o "coletivo", não em reação, oposição, mas por se perceber a imperiosa necessidade de uma mente que não seja um mero mecanismo de repetição?[...] Atualmente, somos o resultado do que nos foi ensinado, não é verdade? Eis um fato óbvio. Desde a infância ensinaram-nos a crer ou não crer em algo, e nós repetimos tal ensino; e se não se trata da repetição das coisas velhas a que estamos presos, trata-se então da repetição das mesmas coisas em forma nova. Quer viva no mundo comunista, no mundo socialista, quer no mundo hinduísta, esse centro que chamamos "eu", "ego", é o "processo" de repetição e acumulação próprio do "coletivo".

O problema, pois, é saber se esse centro pode ser "dinamitado", de modo que nenhum outro centro possa formar-se e surja uma ação que seja total e não simples atividade do "eu". Afinal de contas, a mente é agora um processo de atividade egocêntrica, de tradição, não achais?[...]

Krishnamurti em Madastra, 19 de dezembro de 1956
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Nina Simone - Ain't Got No

É possível ver e ouvir ao outro sem preconceito?

Existe o ver sem preconceito? Só a mente que não tem conclusão, essa é a mente que pode ver. A outra não pode. Se eu tiver um conhecimento prévio desse armário, a mente identifica-o como um armário. Olhar para esse armário sem a acumulação prévia de preconceitos ou mágoas, é olhar. Se eu tiver mágoas, memórias, dor, prazer, desagrado anterior, não olhei. (...) (Krishnamurti em, Tradition and Revolution)

Desejo agora dizer uma coisa que considero importante: é de suma relevância a maneira como escutais. Em geral, ou ouvis só as palavras, concordando ou discordando, intelectualmente, ou ouvis com a mente ocupada em interpretar, traduzindo desse modo o que ouvis em conformidade com vossos preconceitos pessoais. Escutais (…) comparando o que ouvis com o que já sabeis. Essa maneira de ouvir impede-vos o escutar (…) Mas se, ao contrário, escutardes sem condenar nem aceitar, (…) com certo grau de atenção, assim como escutais o murmúrio do vento entre as folhas, se escutardes com todo o vosso ser, (…) vosso coração e vossa mente, então talvez possamos estabelecer entre nós um estado de comunicação. Teremos então a possibilidade de entender-nos mutuamente, de maneira muito simples e direta. (…) (Palestras com Estudantes Americanos, pág. 13)

Em geral nós escutamos de maneira casual, ouvindo apenas o que desejamos ouvir, não damos atenção ao que é penetrante ou perturbador e prestamos ouvido unicamente às coisas que nos são agradáveis, que nos satisfazem. (…) É uma verdadeira arte o escutar sem preconceito, sem (…) defesas, (…) pôr de parte todos os nossos conhecimentos adquiridos, nossas idiossincrasias e pontos de vista, com o intuito de descobrir a verdade contida em cada questão. (…) (Por que não te Satisfaz a Vida?, pág. 5)

Em regra, escutamos porque desejamos que nos digam o que devemos fazer, ou a fim de nos ajustarmos a dado padrão, ou, ainda, escutamos com o simples intuito de colher mais conhecimentos. Se aqui estamos com tal atitude, nesse caso o “processo” de escutar terá pouco valor (…) (O Homem Livre, pág. 153)

Não sabemos escutar para descobrir o que é; queremos impingir a outro as nossas idéias e opiniões, forçar o outro no molde do nosso pensamento. Nossos pensamentos e juízos são muito mais importantes, para nós, do que o descobrimento do que é. (…) Para escutar, devemos estar livres. (…) Devemos estar livres para ficarmos silenciosos, porque só então há possibilidade de escutar. (Comentários sobre o Viver, 1ª ed., pág. 243-244)

Pode-se dizer que, em geral, não escutamos; ouvimos uma grande quantidade de palavras, interpretando o que ouvimos com nossas opiniões, rejeitando-o ou aceitando-o. Mas, por “escutar” eu entendo: escutar realmente, sem tradução, sem interpretação, sem opinião; escutar (…) sem espírito de condenação - o que não significa necessariamente “aceitação”. Ao contrário, (…) fazemo-lo, com efeito, com um sentimento de afeição e amor; por que, sem atenção e interesse não é possível escutar coisa alguma. (…) (A Essência da Maturidade, pág. 61)

Ora, pode-se ouvir de diferentes maneiras. Podemos ouvir, procurando interpretar o que o outro está dizendo, ou comparando o que se está dizendo com o que já sabemos. Podeis ouvir com todas as reações de vossa memória ativa. Mas só há uma única maneira de escutar realmente, que é escutar sem a “tagarelice” de nosso próprio pensamento. (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 13)

Não sei se já experimentastes escutar simplesmente uma coisa agradável ou desagradável, sem “projetardes” o vosso próprio processo de pensar. (…) Assim, talvez possais (…) escutar simplesmente, sem concordar nem discordar do que se diz, sem “projetar” vossas próprias idéias ou interpretações - mas sem que com isso estejais sendo hipnotizados. Pelo contrário, o escutar exige atenção completa.

Mas atenção não é concentração. Concentrar-se é enfocar, excluir, e nessa exclusão cria uma barreira ao escutar. (…) Quando escutais com naturalidade e calma, sem exclusão, estais escutando tudo, não apenas as palavras, e estais também cônscios de vossas próprias e interiores reações. As palavras são então o meio de abrir a porta através da qual podeis olhar a vós mesmos. (Idem, pág. 13-14)

Não sei se alguma vez já observastes - quando estais a ouvir alguém que conheceis há muitos anos, com quem tendes certa familiaridade - o pouco que escutais. Já sabeis o que a pessoa vai dizer. Já tendes opinião formada, (…) certas conclusões, imagens, que impedem o verdadeiro escutar.

Penso que, se soubésseis escutar (…) também tudo o que vos cerca na vida diária; (…) todos os barulhos, o incessante tagarelar de vosso amigo, (…) esposa ou marido, as murmurações de vossa mente, o monólogo que ela entretém continuamente, sem condenar nem justificar, (…) esse escutar traria uma ação bem diferente da ação do pensamento calculista e disciplinado. (A Importância da Transformação, pág. 46)

Vede, por favor, que vós e eu estamos aprendendo juntos; e, para aprender, é necessário escutar. Escutar é aprender. (…) Escutar é ação. Se vós e eu soubéssemos escutar os sucessos humanos, tudo o que está ocorrendo no mundo, as filosofias, os dogmatismos, (…) a televisão - se tudo soubermos escutar, então o próprio ato de escutar se tornará ação; e nisso consiste, a meu ver, a arte de escutar.

Se sabeis escutar o trem que passa, (…) vosso vizinho, o rádio, a vós mesmos; (…) o sofrimento, a confusão, o enorme conflito entre os homens (…) então, talvez, esse próprio escutar será ação. E é disso que necessitamos: ação. Mas, para agir, necessitamos de simplicidade (…) A simplicidade nasce da alta sensibilidade e da compreensão do sofrimento. (O Descobrimento do Amor, pág. 153-154)

Não é importante descobrir a maneira de escutar? Parece que, em geral, não escutamos coisa alguma. Escutamos por detrás de várias cortinas de preconceitos, examinando o que se diz como hinduísta, (…) muçulmano, (…) cristão, com uma opinião já formada. Não ouvimos livremente, calmamente e em silêncio. Ouvimos com a intenção de concordar ou discordar, ou (…) predispostos à argumentação; não ouvimos com o propósito de descobrir. A mim me parece importantíssimo saber ouvir, (…) ler, ver, observar. (…) (Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 115)

Temos tantos preconceitos, conclusões e opiniões, temos conhecimentos acerca de tantos assuntos, os quais obviamente impedem a percepção. Quero saber o que você está falando a respeito. Devo escutar, e escutar implica que não deve haver interpretação, mas que devo realmente escutar. Isso implica que, enquanto eu estiver escutando, não deve haver comparação com aquilo que anteriormente aprendi, porque você pode estar dizendo alguma coisa inteiramente diferente. (Talks and Dialogues, Sidney, Austrália, 1970, pág. 85)

Então, eu devo ter a capacidade e a arte de escutar, senão eu não posso entender o que você está falando sobre o assunto. Da mesma forma, deve-se observar claramente o que está ocorrendo externa e internamente, sem nenhuma imagem; é isso possível? Significa observar realmente, sem condicionamento, não como um cristão, um comunista, um hippie, um quadrado e tudo o mais; escutar tão completamente que se possa ver sem distorção alguma. É isso possível? (Idem, pág. 85)

Se escutastes tudo isso realmente, vereis que vem um despertar e, observareis então que vossa mente é purificada pelo extraordinário milagre que se opera quando escutamos uma coisa que é um fato. Escutando o fato, sem resistência, tereis uma mente nova, (…) não mais enredada nas conclusões do passado, (…) sem temor. Estando só, essa mente é o eterno, o real, porque a verdade está só, a cada momento. (…) Só a mente que está só, purificada, sozinha, pode ver a verdade (…) (Visão da Realidade, pág. 169)

Posso garantir-vos que temos possibilidade de livrar-nos da velha “fita”, da velha maneira de pensar, de sentir, de reagir, dos inúmeros hábitos que adquirimos. Isso é possível quando se presta realmente atenção. Se a coisa que estamos escutando é, para nós, verdadeiramente séria, (…) então haveremos de escutar de tal maneira que o próprio ato de escutar apagará tudo o que é velho. Experimentai isso (…) (A Questão do Impossível, pág. 14)

Senhores, quando falo de influência, refiro-me a todas as qualidades de influência, e não a uma determinada influência. Ao escutarmos, temos de estar intensamente cônscios, para não nos deixarmos influenciar, nem conduzir. (…) Mas, (…) se puderdes escutar um fato sem resistência, seja uma coisa dita por vossa mulher, (…) filho, por um carregador, seja (…) deste orador, descobrireis então por vós mesmos que podeis ultrapassar toda influência, que podeis livrar-vos completamente dessa destrutiva influência da sociedade. (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 136-137)

Nessas condições, poderia uma pessoa escutar sem nenhum preconceito, nenhuma conclusão, sem interpretação? Porque, é bastante evidente, nosso pensar é condicionado (…) Estamos condicionados como hinduístas, comunistas ou cristãos, e tudo o que escutamos, seja novo, seja velho, é sempre apreendido através da cortina desse condicionamento; por conseguinte, nunca, nunca conseguimos chegar-nos a um problema com a mente nova. Por essa razão, torna-se importantíssimo saber escutar. É bem clara a necessidade de uma revolução total no indivíduo; (…) (Visão da Realidade, pág. 138-139)

(…) Vós escutais de dentro da vossa experiência: tendes conclusões, passastes por experiências inumeráveis, provações, sofrimento, aflições, e é com esse fundo que estais escutando; estais escutando com uma conclusão. Isso é escutar? Se escuto o que dizeis, que talvez seja novo, diferente, com a mente já entrincheirada em certa ideologia, (…) experiência, num conhecimento específico, pode a minha mente escutar? (…) Há, pois, uma arte de escutar, e eu acho essa arte muito importante (…) (O Problema da Revolução Total, pág. 115)

(…) A mente condicionada não pode escutar, não é livre para escutar. Mas se fordes capazes de escutar de maneira total, creio que se verificará então uma revolução fundamental, não produzida por nenhuma ação do “eu”, a qual, por conseguinte, será uma verdadeira transformação. (…) (Viver sem Temor, pág. 18)

Ora, quando escutamos - e isso é uma verdadeira arte - é necessária certa tranqüilidade do intelecto. Como acontece com a maioria de nós, o intelecto está incessantemente ativo, sempre a reagir ao desafio de uma palavra, idéia ou imagem; e esse constante processo de reação e desafio não produz compreensão. (…) (O Passo Decisivo, pág. 200)

Escutar, se posso dizê-lo, não é processo de concordar, condenar, interpretar, mas, sim, de olhar cada fato totalmente, globalmente. Para isso, o intelecto deve estar quieto, porém muito vivo, capaz de seguir (o que se diz) correta e racionalmente, não sentimental ou emocionalmente. Só então é possível considerar os problemas da existência humana como um processo total, e não fragmentariamente. (Idem, pág. 200)

Há o ouvir e o escutar. Quando você ouve, concorda ou discorda, e diz: “eu concordo com ele, (…) gosto ou não gosto, ele é convincente ou não é convincente”. Mas, quando você está realmente escutando - isto é, dando sua completa atenção - o que acontece? O que ocorre (…), sendo a atenção sua mente, coração, nervos, corpo, tudo (…) escutando? Sua mente está completamente quieta? (Talks and Dialogues, Sidney, Austrália, 1970, pág. 123)

Não argüindo concordando, discordando, opondo ou formando nenhuma opinião. É um ato de completo escutar. Nesse ato de escutar há comunhão real, não há? Comunhão no sentido de completo relacionamento. Não há desentendimento. (…) Nunca damos nossa total atenção a coisa alguma. Mas apenas aprendemos o que é se concentrar. Concentração significa exclusão. Por conseguinte, concentração não é atenção. Na atenção não há fronteiras. (Idem, pág. 123)

Não sei se alguma vez examinastes a maneira como escutais (…) Quando tentamos escutar, (…) estamos sempre a projetar nossas opiniões e idéias, (…) preconceitos, nosso fundo, (…) inclinações, (…) impulsos; (…) Só se pode escutar quando nos achamos num estado de atenção, (…) silêncio, em que todo aquele fundo está em suspenso, quieto; então há possibilidade de comunicação. (Como Viver neste Mundo, pág. 8)

Há várias coisas a considerar. Se escutais com o fundo ou com a imagem que formastes do orador, se o escutais atribuindo-lhe certa autoridade (…) então é bem evidente que não estais escutando. Estais escutando a “projeção” que à vossa frente colocastes, e esta vos impede de escutar. Assim (…) é impossível a comunicação. (…) (Idem, pág. 8)

Nessas condições, se sabeis escutar, (…) quando compreendemos o condicionamento da nossa mente - então a compreensão mesma do nosso condicionamento liberta a mente. Percebei claramente que sois um hinduísta (…) Assim sendo, só é possível escutar e estudar o problema de maneira correta quando a mente é capaz de operar sem estar ancorada em algum fundo de conhecimento ou experiência (background) (…) (O Problema da Revolução Total, pág. 11)

A mente, pois, tem de estar livre, fantasticamente livre, dos interesses de “eu” e das âncoras do conhecimento, para que possa observar o problema e, desse modo, produzir uma revolução total. (Idem, pág. 11)

(…) Nessas condições, pois, se pudermos discutir serenamente, sem nos bombardearmos mutuamente com idéias, examinando cada problema meticulosamente, com sensatez, inteligência, vereis que, sem necessidade de esforço (…) ocorrerá a revolução. (O Problema da Revolução Total, pág. 12)

Talvez tenhais escutado (…) Se souberdes escutar tranqüilamente, sem esforço, sem interpretação, o que se está dizendo, e, bem assim, tudo o que vos circunda, verificareis que estais escutando não só o que está muito perto de vós, mas também coisas que estão (…) muito longe - aquilo que não tem medida, nem espaço, que não está aprisionado em palavras nem no tempo. (…) Quando a mente se acha de fato tranqüila, por estar toda enlevada pela canção do seu próprio escutar, só então desponta na existência o imensurável, o eterno. (Visão da Realidade, pág. 260)

(…)Tendes de escutar com a totalidade do vosso ser, sem esforço algum, sem luta, e com a intenção de compreender, de explorar, de descobrir, de achar realmente a Verdade ou a falsidade (…) A meu ver, tal ato de escutar é meditação. (…) (As Ilusões da Mente, pág. 37)

(…) Só podeis escutar quando vossa mente está quieta, quando não “reage” imediatamente, quando há um intervalo entre a reação e o que se ouve dizer. Então, nesse intervalo, há quietude, silêncio. Só nesse silêncio há a compreensão que não é compreensão intelectual. (…) Esse intervalo é o cérebro novo. A reação imediata é o cérebro velho (…) (O Magistério da Compreensão, pág. 10)

Fonte: Instituição Cultural Krishnamurti

A meditação é o caminho da cura psíquica

Quando você está com raiva de alguém e você joga sua raiva em uma pessoa, você está criando uma reação em cadeia. Agora ela também ficará com raiva. Isso pode continuar a vida toda e você continuará a ser inimigo dela. Como você pode acabar com isto? Há apenas uma possibilidade. Você pode acabar com isto somente através da meditação, porque na meditação você não está com raiva de alguém: você está furioso simplesmente.

Esta diferença é fundamental. Você não está com raiva de alguém, você é raiva simplesmente e, na meditação, a raiva é liberada para o cosmos. Você não está com raiva de ninguém. Se a raiva vem, você é raiva simplesmente e então, através da meditação, a raiva é jogada fora. Na meditação, as emoções não são abordadas. Elas não tem solução. Elas se mudam para o cosmos, e o cosmos purifica tudo.

É como um rio sujo que cai no oceano: o mar vai purificá-lo. Sempre que a sua raiva, seu ódio, sua sexualidade se muda para o cosmos, para o oceano – ele purifica. Se um rio sujo cai em outro rio, o outro rio também fica sujo. Quando você está com raiva de alguém, você está jogando sua sujeira para o outro. Então ele também vai lançar sua sujeira para você e isso se tornará um processo de sujar mútuo.

Na meditação você está jogando para ser purificado pelo cosmos. Toda a energia que você joga é purificada no cosmos. O cosmos é tão vasto e tão grande que você não pode torná-lo sujo. Na meditação, não estamos relacionados com pessoas. Na meditação, estamos relacionados diretamente com o cosmos.

Quem entendeu o poeta?

Raça - Milton Nascimento (1976)

Lá vem a força, lá vem a magia
Que me incendeia o corpo de alegria
Lá vem a santa maldita euforia
Que me alucina, me joga e me rodopia

Lá vem o canto, o berro de fera
Lá vem a voz de qualquer primavera
Lá vem a unha rasgando a garganta
A fome, a fúria, o sangue que já se levanta

De onde vem essa coisa tão minha
Que me aquece e me faz carinho?
De onde vem essa coisa tão crua
Que me acorda e me põe no meio da rua?

É um lamento, um canto mais puro
Que me ilumina a casa escura
É minha força, é nossa energia
Que vem de longe prá nos fazer companhia

É Clementina cantando bonito
As aventuras do seu povo aflito
É Seu Francisco, boné e cachimbo
Me ensinando que a luta é mesmo comigo

Todas Marias, Maria Dominga
Atraca Vilma e Tia Hercília
É Monsueto e é Grande Otelo
Atraca, atraca que o Naná vem chegando

domingo, 8 de novembro de 2015

A ignorância da diversidade


O Núcleo de Pesquisa em Estudos Culturais através de produção da CPFL Energia vem discutir a ignorância na sociedade provocada pela globalização.

Educação e Diversidade


Entrevista com o mestre em sociologia, teórico da comunicação e professor emérito da UFRJ, Muniz Sodré. Ele fala sobre "Educação e Diversidade".

Entrevista com Criolo


Vale conferir o rapper conversando sobre questões sociais e culturais brasileiras.

Reinventando a Educação


Livros: Reinventando a Educação: Diversidade, descolonização e redes - Muniz Sodré

Ederson Granetto conversa com o professor Muniz Sodré, da UFRJ, sobre o livro Reinventando a Educação - Diversidade, descolonização e redes, publicado recentemente pela Editora Vozes. A obra traz um estudo sobre como enfrentar os desafios de educar no século XXI, num mundo globalizado e afogado em novas tecnologias de comunicação e informação.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

A revelação da dimensão do coração

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Com a pensamentose, não tem melzinho na chupeta

domingo, 1 de novembro de 2015

O que significa o estado de "não-mente"?

Não-mente não significa que a mente está destruída. Não-mente significa apenas que a mente foi colocada de lado. Você pode acioná-la a qualquer momento em que você precisar se comunicar com o mundo. Ela será sua serviçal. Neste exato momento, ela é a sua patroa. Mesmo quando você está sentado só, ela segue com seu blá-blá-blá, e você nada consegue fazer, você está totalmente impotente.

Não-mente simplesmente significa que a mente foi colocada em seu devido lugar. Como uma serviçal, ela é um grande instrumento; como uma patroa, ela é muito inconveniente. Ela é perigosa. Ela destruirá toda a sua vida.

A mente é apenas um meio para quando você quiser se comunicar com os outros. Mas quando você estiver só, não há necessidade da mente. Assim, sempre que você quiser usá-la, você poderá.

E lembre-se de uma coisa mais: quando a mente permanece silenciosa por horas, ela se torna mais fresca, jovem, mais criativa, mais sensitiva, rejuvenescida através do descanso. 

Em geral, a mente das pessoas tem início por volta dos três ou quatro anos de idade, e a partir daí, ela vai continuando por setenta, oitenta anos sem férias. Naturalmente ela não consegue ser muito criativa. Ela está completamente cansada, cheia de lixo. Milhões de pessoas no mundo vivem sem qualquer criatividade. Criatividade é uma das experiências mais felizes. Mas as mentes estão tão cansadas... elas não estão num estado de energia transbordante.

Um homem de não-mente mantém a mente em descanso, cheia de energia, imensamente sensitiva, pronta para entrar em ação no momento em que for ordenada. Não é uma coincidência entre as pessoas que têm experienciado não-mente, que suas palavras começam a ter uma magia em si mesmas. Quando elas usam suas mentes, há um carisma e uma força magnética. Há uma tremenda espontaneidade e o frescor de gotas de orvalho de uma manhã antes do sol nascer. E a mente é o meio de expressão e criatividade.

Mas Isso é um milagre, mas o milagre consiste numa mente descansada, numa mente que está sempre cheia de energia e que é usada somente de vez em quando.

Quando eu falo com vocês, eu tenho que usar a mente. Quando eu estou sentado em meu quarto por quase todo o dia, esqueço tudo a respeito de mente. Eu sou apenas um silêncio puro... e enquanto isso a mente está descansando. Os únicos momentos em que eu uso a mente, é quando eu falo com vocês. Quando eu estou só, eu fico completamente só, e não há necessidade de usar a mente.

OSHO

sábado, 31 de outubro de 2015

Atravessando a ponte da lógica, da razão e do limite das palavras

Sobre o vício do corpo de dor

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Não fique perdido na floresta dos prazeres

O que é Felicidade? Depende de você, de seu estado de consciência ou de inconsciência, se você está adormecido ou desperto.(...)

A felicidade depende de onde você está em sua consciência. Se você estiver adormecido, então o prazer é a felicidade. Prazer significa sensação, tentar alcançar algo por meio do corpo. De todas as maneiras, as pessoas estão tentando alcançar a felicidade por meio do corpo. O corpo pode lhe dar apenas prazeres momentâneos, e cada prazer é equilibrado na mesma medida, no mesmo grau pelo desprazer, pelo sofrimento.

Cada prazer é seguido pelo seu oposto, pois o corpo existe no mundo da dualidade. Assim como o dia é seguido pela noite, a morte é seguida pela vida e a vida é seguida pela morte...

Trata-se de um circulo vicioso. Seu prazer é seguido pela dor, sua dor será seguida pelo prazer, mas você nunca ficará à vontade. Quando estiver em um estado ficará com medo de perdê-lo e esse medo o envenenará. Quando estiver perdido na dor, é claro, estará em sofrimento e fará todo esforço possível para sair dele, apenas para voltar a ele mais tarde.

Buda chama isso de roda do nascimento e da morte.

Seguimos nos movendo nessa roda e nos apegamos a ela...e a roda segue em frente. Às vezes aflora prazer, às vezes o sofrimento, mas somos esmagados entre essas duas rochas.

A pessoa adormecida não conhece mais nada além de algumas sensações do corpo: comida e sexo; esse é seu mundo. Ela segue se movendo entre esses dois... Estes dois são os terminais de seu corpo: comida e sexo. Se ela reprime o sexo, fica viciada em comida; se ela reprime a comida fica viciada em sexo. A energia segue movendo como um pêndulo. No máximo, tudo o que você chama de prazer é apenas um alívio de um estado tenso. (...)

O que chamamos de "felicidade" depende da pessoa. Para a pessoa adormecida, sensações prazerosas são a felicidade; ela vive de prazer em prazer. Ela está simplesmente correndo de uma sensação a outra, vivendo de pequenas excitações; sua vida é muito superficial, não tem profundidade, não tem qualidade. Ela vive no mundo da quantidade.

E há pessoas que estão no meio, que não estão adormecidas nem despertas. Às vezes você tem essa experiência quando levanta pela manhã e ainda não sabe se está acordado ou ainda está dormindo. Ouve os sons, mas ainda tem a impressão de tudo fazer parte do sonho; não é parte de sonho, mas você ainda está em um estado intermediário.

O mesmo acontece quando você começa a meditar. O não-meditador dorme e sonha; o meditador começa a se afastar do estado adormecido em direção ao estado desperto; ele está em um estado transitório. Então felicidade tem um significado totalmente diferente; ela se torna mais uma qualidade e menos uma quantidade, é mais psicológica e menos fisiológica.

O meditador desfruta mais a música, a poesia, desfruta criar alguma coisa, desfruta a natureza e sua beleza, o silêncio, desfruta o que nunca desfrutou antes, e isso é muito mais duradouro. Mesmo se a música cessar, algo se prolonga nele.

E a felicidade não é um alívio. A diferença entre o prazer e essa qualidade de felicidade é que essa última não é um alívio, mas um enriquecimento. Você fica mais repleto e começa a transbordar. Ao escutar uma boa música, algo se desencadeia em seu ser, uma harmonia surge em você; você se torna musical. Ou, ao dançar, subitamente você se esquece de seu corpo; ele fica leve, deixa de existir a força da gravidade sobre você; de repente você está em um espaço diferente: o ego não é mais tão sólido, o dançarino se dissolve e se funde na dança.

Isso é bem superior, bem mais profundo do que o prazer que você obtém da comida e do sexo; isso tem uma profundidade, mas também não é o final.

O final acontece somente quando você está completamente desperto, quando você é um Buda, quando todo o sono, o sonhar se foram, quando todo o seu ser estiver repleto de luz, quando não houver escuridão dentro de você. Toda escuridão desapareceu e, com essa escuridão, o ego se foi; todas as tensões desapareceram, toda angústia, toda ansiedade.

Você fica em um estado de total satisfação e vive no presente, sem mais nenhum passado e nenhum futuro. Você fica completamente no aqui-agora; este momento é tudo, o agora é o único tempo e o aqui é o único espaço. E então de repente, todo o céu repousa sobre você. Esse é o estado de plenitude, a felicidade verdadeira.

Procure o estado de plenitude, ele é seu direito inato.

Não fique perdido na floresta dos prazeres; eleve-se um pouco mais, alcance a felicidade e depois a plenitude.

O prazer é animal, a felicidade é humana, a plenitude é divina.
O prazer o prende, o acorrente; ele é uma escravidão. A felicidade lhe dá um pouco mais de corda, um pouco de liberdade, mas somente um pouco. A plenitude é a liberdade absoluta; você começa a se elevar, ela lhe dá asas. Você deixa de ser parte da terra grosseira e passa a ser parte do céu, você se torna luz, alegria.

O prazer depende dos outros; a felicidade não depende tanto dos outros, mas ainda assim está separada de você; a plenitude não dependente e também não está separado...ele é o seu próprio ser, a sua própria natureza.

Osho em Alegria a Felicidade que Vem de Dentro.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

A crise iniciática libera a arte que somos

Krishnamurti e a visão dos "Centros de Estudo"

Pergunta: Senhor, eu queria lhe perguntar sobre o Centro de Estudo e o que significa estudar os Ensinamentos.

Krishnamurti: Se eu fosse para o Centro, primeiramente eu queria ficar quieto, não levar nenhum problema para lá: meus problemas caseiros, preocupações com negócios e outros. E penso, também que aquilo que K diz seja de todo parte da minha vida, não apenas que eu tenha estudado K e eu repito o que ele diz. E sim, que no próprio estudo dos Ensinamentos eu estou realmente absorvendo aquilo; não pedaços aqui e ali, não apenas aquilo que me serve.

P: Podemos falar sobre como isso acontece, por que eu sinto que é por aí que decidiremos a natureza do lugar e suas atividades.

K: Se eu for lá para estudar o que K está dizendo, eu gostaria de investigar, questionar, duvidar; não apenas ler alguma coisa e depois ir embora. Eu estaria lendo não apenas para memorizar, eu estaria lendo para aprender, para ver o que ele está dizendo e minhas reações a isso, se corresponde ou contradiz, se ele está certo ou eu estou certo, para que exista uma comunicação constante e um intercâmbio entre aquilo que estou lendo e o que estou sentindo. Eu gostaria de estabelecer um relacionamento entre aquilo que estou lendo, vendo, ouvindo, e mim mesmo com minhas reações, condicionamentos etc.; um diálogo entre ele e eu. Tal diálogo deve, inevitavelmente, trazer uma mudança radical.

Vamos dizer que um homem como você vem a esse novo Centro. Você passa por todas as dificuldades para chegar a esse lugar, e nos primeiros poucos dias você pode querer estar quieto. Se você é sensível você perceberá que há alguma coisa ali diferente da sua casa, totalmente diferente de ir a uma discussão em algum lugar. Então você começa a estudar, e não apenas você, mas todas as pessoas que vivem ali estão estudando, vendo e questionando. E todos escutando com a totalidade de seus seres produzirão, naturalmente, uma atmosfera religiosa.

Isso é o que eu gostaria se eu fosse lá. Eu seria sensível o bastante para capturar, rapidamente, o que K está dizendo. E na hora do almoço ou num passeio ou na sala de estar com os outros, eu posso querer discutir. Eu posso dizer: “Vejam, eu não entendi o que ele quis dizer com aquilo, vamos falar sobre isso” – não que você vá me falar sobre aquilo, ou eu sei mais – “Vamos questionar isto”; assim aquilo será uma coisa viva. E à tarde eu posso ir caminhar ou executar qualquer outra atividade física.

O Centro será um lugar para todas as pessoas sérias que tenham deixado para trás todas as suas nacionalidades, suas crenças sectárias e todas as outras coisas que dividem os seres humanos.

P: Podemos falar mais sobre o que significa estudar profundamente os Ensinamentos?

K: Eu já esclareci isto.

P: Sim. Mas tem mais a acrescentar. Ao organizar o Centro eu também tenho que perguntar sobre o meu próprio estudo. Eu entendo que se assim não o fizer seriamente, eu não tenho nenhum trabalho a fazer lá, se eu não estiver fazendo isto, certo?

K: Isto está entendido.

P: É esta a questão, ou seja, de os Ensinamentos de alguma maneira entrarem no sangue.

K: Nós o faremos, estou certo que conseguiremos, sempre que estejamos falando juntos como agora e permanecer nisto.

P: Mas, Krishnaji, eu também sinto que tem que ser alguma coisa que não esteja dependente do Senhor.

K: Depende dos Ensinamentos.

P: E, no como eu me relaciono com os Ensinamentos. Mas do meu próprio relacionamento com os Ensinamentos existem outras coisas que eu quero perguntar, por que há alguma coisa a mais que eu sinto ser importante.

K: O que é, resumidamente?

P: Eu tenho estudado os Ensinamentos todos os dias, já por alguns anos.

K: Vamos logo, o que o Senhor está dizendo?

P: Algumas vezes estudar os Ensinamentos significa para mim, apenas ler uma frase.

K: Está muito bem, isto é com o senhor.

P: Mas agora, espere. É isto, Krishnaji. Aquela frase ficar com ela de alguma maneira durante o dia – sustentá-la na ação e no relacionamento.

K: Correto. O senhor está carregando uma jóia. Está tomando conta dela todo o tempo ou ela se perderá.

P: Agora eu quero falar sobre aquele “sustentar”, porque para mim há um segredo naquele sustentar, há algo bastante especial sobre aquele sustentar que a maioria das pessoas não sabe e que eu muitas vezes esqueço.

K: Sim, senhor. Escute cuidadosamente. Alguém me oferece um relógio maravilhoso, super bom. Trata-se de uma coisa muito preciosa – eu tomo bastante cuidado – eu o vejo por todo o dia.

P: Sim.

K: A coisa – eu não tenho que sustentá-la, ela está lá em minhas mãos. Compreende? Eu a vejo. Eu vivo com ela.

P: Sim. Se eu posso voltar a isto, Krishnaji. Está lá em suas mãos. Agora, para continuar com a metáfora, vamos dizer: - Olhe, você, por favor, lavaria a louça: aqui estão duas luvas.
O senhor não vai ficar com o relógio em sua mão, o senhor o colocará no bolso, ou fará alguma outra coisa com ele.

K: Mas o relógio ainda estará funcionando.

P: Exatamente. Então, no Centro, eu sinto que de alguma forma nós queremos estabelecer alguma atividade que ajude as pessoas a sustentar essa coisa por todo o dia.

K: Cuidado! Não faça isso. Nenhuma atividade está sustentando isso. Nenhuma ajuda externa.

P: Nenhuma ajuda externa. Então talvez não devêssemos dar às pessoas muitas coisas para fazer.

K: Sim. Faça tudo o que tem a fazer. Deve permitir a si mesmo quatro ou cinco horas, ou duas horas, o quanto queira. Digamos, olhe, eu fecho a minha porta depois das duas horas ou qualquer outra hora. Então, ninguém me perturbará. Devemos ter tempo para estudar, para escutar, absorver – absorva para que esteja em seu sangue.

P: Sim.

K: É realmente como ter um maravilhoso colar de pérolas. O senhor o coloca em volta do pescoço e elas estão sempre lá. Compreende?

P: Pode descrever melhor, Krishnaji, sem metáforas, quando uma pessoa lê alguma coisa extraordinária, como ela sustenta aquilo?

K: Senhor, você não sustenta aquilo. No momento em que você tenha lido e visto a verdade daquilo, aquilo é seu. Você não tem que sustentá-lo. O senhor olha aquelas montanhas, não as segura, elas estão lá. Você sempre está consciente delas. Você está sempre olhando para elas. Mesmo quando está lavando louça, elas estão lá.

P: Sim.

K: Fique com isso. Não fale mais sobre isso. Fique com isso. Você entendeu o que isso significa. Entre nisso consigo mesmo. Terá que falar às pessoas que vêm ao Centro sobre isso. Então terá que ter clareza.
Eu posso vir de Barcelona e dizer, o que o senhor pensa sobre tudo isso? Eu gostaria de discutir com o senhor o que K quer dizer por meditação, o que ele quer dizer por – o senhor sabe – tudo o mais. E o senhor deverá estar apto a discutir isso.

P: Sim, eu sei, senhor.

K: Está tudo certo com os trabalhos práticos que têm que ser feitos para o prédio, o qual deve ser bem bonito, austero. Mas o outro trabalho - o senhor tem uma responsabilidade imensa. Não a reduza. E não esteja receoso. O senhor tem que fazê-lo. Não é fácil.

P: Por que aqui, Krishnaji, nós estamos falando sobre o sagrado, criando alguma coisa do sagrado.

K: Isto virá. O senhor não pode, apenas, cruzar os braços e esperar.

P: Não.

K: Isto vem quando vivemos os Ensinamentos.

CENTRO DE ESTUDO

... é um lugar onde as pessoas vêm apenas para ser uma luz para si mesmas. Não há guru, nem autoridade, nem o seguir. Os indivíduos que vêm aqui devem não só meditar, mas também trabalhar com suas mãos e ter lazer para aprender – a fim de que a mente não esteja ocupada. Eles não devem pegar um romance ou ler para ocupar a mente. Conversas e diálogos são necessários. Uma pessoa no grupo deve ser capaz de levantar e dizer: ‘este é o meu problema, gostaria de discuti-lo com vocês’. Não para alimentá-lo (o problema), no sentido de conduzir psicologicamente...

...as pessoas devem estudar o “Ensinamento” inteiramente. Ficar de molho nele como você faria se fosse estudar medicina ou Budismo, ou qualquer outro assunto. Estudar significa ir profundamente às sutilezas das palavras usadas e o conteúdo delas – e ver a verdade nelas em relação à vida diária...

...Enquanto estão estudando, essas pessoas devem ter um espírito de cooperação. Um espírito de cooperação não significa trabalhar juntos por algum propósito, mas quer dizer que a pessoa é capaz de compartilhar com o outro suas descobertas e o que tem encontrado. Por exemplo, eu compartilho com você como amigo o que descobri. Você pode duvidar, questionar, mas estou compartilhando com você a descoberta. Não é minha descoberta – ela não pertence a mim ou a outra pessoa. A percepção nunca é pessoal. Tal partilha é cooperação. Mas ela não deve ser uma confissão. Há grupos em muitos lugares que fazem confissão um para o outro, entre si, como lavar sua roupa suja em público...

Estes centros são para durar mil anos sem serem poluídos, como um rio que tem a capacidade de limpar a si mesmo; o que significa que os residentes não possuem qualquer autoridade. Os ensinamentos em si mesmos têm a autoridade da verdade. É um lugar para o florescimento da bondade, onde existe uma comunicação e cooperação não baseada em trabalho, em um ideal ou em uma autoridade pessoal. Cooperação não é algo em torno de algum objeto ou princípio, crença, etc., mas um compartilhar de insights. Quando a pessoa vem para este lugar, cada um em seu trabalho – trabalhando no jardim ou fazendo qualquer outra coisa – ela pode descobrir algo enquanto está trabalhando. Ela comunica isto e tem um diálogo com os outros residentes de forma que esta descoberta seja questionada para que se veja o peso de sua verdade. Assim, há uma comunicação constante e não uma conquista solitária, uma iluminação ou entendimento solitário. É responsabilidade de cada um compreender que se alguém descobre algo basicamente novo isto não é pessoal dele, mas é para que todas as pessoas que estão lá compartilhem.

Não é uma comunidade. A própria palavra “comunidade” ou “comuna” é um movimento agressivo ou separador do resto da humanidade...

O Centro de Estudo é um lugar onde a pessoa não só está fisicamente ativa, mas onde ela se mantém em contínua observação interior. Assim há um movimento de aprender onde cada um se torna o professor e o discípulo. Não é um lugar para a sua iluminação própria, ou para o seu preenchimento seja artisticamente, religiosamente ou de qualquer outra forma, mas ao invés disso, é um lugar para nutrir e sustentar um ao outro para florescerem em bondade.

Não é um lugar para românticos ou sentimentalistas. Há necessidade de um bom cérebro, o que não significa um cérebro intelectual, mas objetivo, fundamentalmente honesto consigo mesmo, e que tenha integridade na palavra e ação.

Este lugar deve ser de grande beleza, com árvores, pássaros, e deve ser quieto, pois a beleza é verdade e a verdade é bondade e amor. A beleza externa, a tranqüilidade externa e o silêncio podem afetar a tranqüilidade interior, mas o ambiente de fora, de forma alguma, deve influenciar a beleza interior. A beleza só pode existir quando o eu não está; o meio-ambiente, que deve ser maravilhoso, de jeito algum deve ser um fator de absorção, como um brinquedo para uma criança. Aqui não há brinquedos mas profundidades interiores, substância e integridade que não é construída pelo pensamento.

(extraído do livro: “A Vision of the Sacred”, Sunanda Patwardhan pgs 63, 64; 110; 111)
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill