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segunda-feira, 22 de julho de 2013

Observando a natureza exata da contradição

Não é possível a ação produtiva de energia enquanto existe contradição interior; e quase todos temos, consciente ou inconscientemente, muitas formas de contradição(...) Toda nossa vida se acha enredada nesse estado de contradição e, por conseguinte, não há uma ação clara, direta — a única que produz energia. (...) Em geral, estamos conscientes dessa contradição interior se de algum modo percebemos nossas atividades, nossos pensamentos e estados psicológicos. Por conseguinte, tentamos promover uma integração dentro de nós, e, para mim, esse ato, essa tentativa de integração é PURO CONTRA-SENSO. Não se podem integrar os opostos; não há nenhuma possibilidade de integrar o amor e o ódio.(...) Deve, pois, ficar bem claro — pelo menos por hora — que a tentativa de realizar a integração interior nada significa. O importante é COMPREENDER A CONTRADIÇÃO e, assim, ficar livre dela.

Para nos libertarmos da contradição, temos, primeiramente, de nos TORNARMOS CONSCIENTES DELE; e provavelmente nem todos a percebemos. Vamos, simplesmente, seguindo nosso caminho habitual. E ao darmos com essa enorme contradição, existente não só em nossa vida exterior, mas também muito profundamente, dentro de nós, o que ocorre? Como para ela não achamos solução, nenhuma possibilidade de libertação, voltamo-nos para aquilo que chamamos Deus, para aquela estrutura de crença, dogmas, ritos e autoridade, conhecida em geral pelo nome de “religião”. Ou aceitamos a vida tal como se nos oferece e nenhuma significação lhe damos — como estão tentando fazer vários escritores modernos. Rejeitaram toda a estrutura da Igreja, da religião organizada — COMO DEVE FAZER TODO HOMEM INTELIGENTE, já que, de fato, ELA NADA SIGNIFICA; mas, vendo-se, então, forçados a enfrentar suas próprias contradições, seus ódios, esperanças, frustrações, sua total impotência, dizem eles: “ A vida não tem significação nenhuma; tratemos, pois, de tirar dela o melhor partido possível” — e inventam uma filosofia do desespero. Existem, por conseguinte, estes dois e contraditórios extremos.

No meu sentir, é perfeitamente possível desarraigar todas as contradições — MAS NÃO PELO ATO DA VONTADE, porque a vontade, por sua vez, gera em si CONTRADIÇÃO. (...) Somos educados para exercer a vontade de todas as maneiras possíveis; somos ensinados a superar, a negar, a afirmar, a determinar. E, se se observa a natureza da vontade, percebe-se que ela é, em si própria, uma forma de resistência e, portanto, intrinsecamente, um estado de contradição.

(...) Para compreendermos a contradição em nossa vida, temos de penetrá-la muito profundamente (a contradição); e é aí que se nos apresenta o problema. Queremos que nos digam o que fazer; queremos ajustar-nos a algum padrão, ou seguir alguém, esperando, assim, sublimar, negar ou reprimir todas as formas de contradição — maneira muito superficial de proceder. Assim, para investigarmos a questão da contradição, temos de aprofundar-nos muito mais.

(...)Penetrar fundo significa compreender a contradição; e é necessário compreendermos a contradição, para podermos ter paz, não só dentro de nós, mas também na sociedade de que fazemos parte. Devemos ter paz; não guerra e paz. Para compreendermos esse extraordinário estado de contradição, altamente complexo e sutil, não podemos simplesmente ataca-lo exteriormente ou procurar remediar seus sintomas; o que temos de fazer é penetrar-lhe as próprias raízes.

A raiz da contradição é a separação entre o pensador e o pensamento. Para a maioria de nós existe um largo intervalo entre o “observador” e a “coisa observada”, entre o “pensador” e o “pensamento”, entre o “centro que experimenta” e a “coisa que é experimentada”; e é esse intervalo, vão, ou demora que é a verdadeira fonte da contradição.

Enquanto houver “pensador”, um censor a determinar o que é bom e o que é mau, haverá inevitavelmente essa constante separação criada pelo “pensador”, a qual, obviamente, sustenta a contradição. Esse é um fato que você deve descobrir diretamente, e não apenas aceita-lo porque alguém lhe disse; e esse próprio descobrimento é o começo daquela energia com a qual você tem a possibilidade de atacar a raiz do problema da contradição. (...) Se você admite essa separação entre o “pensador” e o “pensamento”, só porque lhe dizem que ela existe, isso não será para você uma revelação vital. Mas, se pessoalmente, descobre a separação, e percebe como um fato real, esse próprio percebimento produz a energia necessária para extinguir a contradição.

(...)Havendo na mente uma forte contradição, esta produz uma certa tensão. Quanto maior a tensão e maior a capacidade de expressão do indivíduo — como escritor, artista, político — tanto mais desgraças ele criará não só para si mesmo, mas também para o público.

(...) É necessário, pois, compreendermos a grande profundeza e o significado da contradição, para dela nos libertarmos completamente; porque, de outra maneira, o amor não pode existir. O que conhecemos do amor é apenas um estado contraditório, em que há ciúme, ódio, antagonismo. Amor não é o prazer carnal que denominamos “amor”, e tampouco é o suposto amor que está ligado ao ódio, à inveja, à ambição. O homem ambicioso, é óbvio, nunca conhecerá o amor. Quando o ambicioso, aquele que compete, fala a respeito de paz, o que diz nada significa. Só existe paz quando sua mente não compete, não compara e, por conseguinte, nenhuma contradição há em você. Assim, para se poder criar uma diferente estrutura social, uma diferente sociedade, é absolutamente necessário compreender a natureza e o significado dessa contradição interior.

(...) Assim, como estava dizendo, a raiz da contradição é essa separação existente entre “pensador” e o “pensamento”; e esses dois não podem integrar-se. Mas, se você observar a estrutura do “pensador”, verá que ele não existe quando não há pensamento. O pensamento é que gera o “pensador”, o “experimentador”, a entidade criadora do tempo e que é a origem do medo.

(...) Devemos, pois, compreender a natureza da contradição, e só podemos compreendê-la observando a integral estrutura do “pensador” com seus pensamentos, suas esperanças, seus desesperos — o pensador que, como censor, cria uma perene contradição entre si próprio e a coisa que em si mesmo observa. Por conseguinte, a observação DO QUE É exige seriedade, ardor, e não uma maneira leviana de observar. Só o ardoroso vive realmente; o homem superficial não viver absolutamente. Poderá ter riquezas, posse, posição, mas nada sabe acerca da vida. Dela só conhece a superfície. Para compreendermos toda essa estrutura de nós mesmos, a ela nos devemos chegar, não com a determinação de mudar, um esforço para sermos diferentes, porém, tão só com a disposição de observar O QUE É. Não há então, contradição, porque o observador já não está atuando como censor, como juiz que condena, que rejeita, que diz o que é certo e o que é errado, o que é bom e o que é mau. Isso não significa viver uma vida extremamente superficial. Ao contrário, para você alcançar esse ponto em que o censor é inexistente, você tem de compreender todo o seu condicionamento. Não se trata simplesmente de aceitar minha asserção, porquanto, para você compreender o condicionamento, tem de trabalhar, e verá então que sua mente se tornará simples observadora. Já não se achará num estado de contradição e, por conseguinte, disporá de intensa energia. Essa energia é amor, paixão — não a paixão física, que é relativamente fácil, relativamente comum, que é a sensualidade que todos conhecemos. Refiro-me à paixão que não tem causa e, portanto, nenhuma contradição encerra, nenhum motivo e, consequentemente, nenhum fim. Onde está o amor, aí está também a morte; os dois são inseparáveis, porque o amor é sem ambição.

A criação só pode verificar-se quando há uma energia que nunca foi contaminada pela vontade, que de nenhum esforço resulta; essa é a energia que a própria ação traz consigo. Atualmente todas as nossas atividades são mais ou menos egocêntricas, tem por centro nós mesmos em relação com várias coisas; e essa atividade egocêntrica, que é a atividade do “pensador”, inevitavelmente gera contradições. Vendo-se num estado de contradição, a mente exige alguma forma de expressão: preciso fugir, escrevendo, fazendo isto ou aquilo. O homem que se acha num estado de autocontradição — estado de atividade egocêntrica — e que porventura é pintor, artista, músico, poderá chamar “criação” ao que faz, mas não é criação. A criação DEVE ser, e é algo totalmente diferente.  

Agora, como disse, a mente não atingida pela contradição por ter compreendido sua integral estrutura, tanto consciente como inconsciente, essa mente está perfeitamente tranquila; porque todo movimento constitui dissipação de energia. Só quando a mente está serena e carregada de forte energia, pode verificar-se uma “explosão”; essa explosão é criação, a qual pode expressar-se ou não. A mente temerosa, ambiciosa, ávida, invejosa, ciumenta, que está competindo — essa mente nunca terá aquela energia que vem com a AÇÃO SEM MOTIVO; e também, naturalmente, jamais conhecerá o amor. Onde está o amor, há constante morrer para todas as “memórias” da experiência de cada dia e, por conseguinte, o amor e a morte coexistem. O amor é sempre vigoroso, novo, juvenil, puro, e sempre incontaminado pelo passado, porque morre para o passado de cada dia. O amor e a morte existem nessa abundante energia, quando essa energia está totalmente imóvel. Há então CRIAÇÃO — ou você pode lhe dar o nome que quiser. O nome é de ínfima importância. A menos que se verifique essa transformação em cada ente humano — que faz parte da sociedade, que é o próprio meio social, não poderá existir uma nova sociedade.

Krishnamurti - O descobrimento do amor

terça-feira, 16 de julho de 2013

A integração só vem pelo estado de revolta

Pergunta: Como podemos nos tornar “integrados”, sem conflito?

Krishnamurti: Por que vocês se opõem ao conflito? Todos parecem pensar que o conflito é uma coisa terrível. Neste momento, vocês e eu estamos em conflito, não? Estou tentando lhes transmitir algo, e vocês não o estão compreendendo; há, por conseguinte, uma espécie de oposição, de conflito. E o que há de mau no atrito, no conflito, na perturbação? Não devem ser perturbados? A integração não vem quando vocês a buscam com evitar o conflito. Só pelo conflito, e pela compreensão do conflito, pode haver “integração”.

A integração é uma das coisas mais difíceis de alcançar, porque ela representa a completa unificação de todo o ser de vocês em tudo o que fazem, em tudo o que dizem, em tudo o que pensam. Você não podem ter a “integração” sem a compreensão das relações — suas relações com a sociedade, suas relações com o pobre, com o aldeão, com o milionário e com o Governador.

Para vocês compreenderem as relações, devem lutar com elas, devem contestar e não meramente aceitar os valores estabelecidos pela tradição, por seus pais, pelos sacerdote, pela religião e pelo sistema econômico da sociedade a que pertencem. Eis porque é essencial vocês estarem em revolta, pois, de outro modo, nunca terão a integração.  

Krishnamurti — A cultura e o problema humano  

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Inteligência e conflito não podem existir

O conflito só pode existir entre duas coisas falsas; o conflito não pode existir entre a verdade e aquilo que é falso.
(...)
Para mim, o conflito é o fluir interrompido da ação espontânea do pensamento e sentimento harmoniosos. Quando o pensamento e a emoção estão desarmonizados, há conflito na ação; isto é, quando a mente e o coração estão em um estado de discórdia, criam um empecilho à expressão da ação harmoniosa e daí vem o conflito.

Tal empecilho à ação harmoniosa é causado pelo desejo de fugir à experiência completa da vida, pelo encarar a vida sempre com o peso da tradição — seja ela religiosa, política ou social.

Esta incapacidade de fazer face à experiência em sua totalidade cria o conflito e o desejo de fugir dele.
(...)
O conflito humano, sua dor e sofrimento, residem entre duas coisas falsas, entre aquilo que o homem considerar essencial e não essencial.

Enquanto não compreendermos o mérito do ambiente que cria o indivíduo que contra ele combate, tem de haver luta, tem de haver conflito, tem de haver sempre crescente refreio e limitação. Portanto, a ação cria barreiras interiores.

E a mente e coração — que para mim são o mesmo, eu as divido apenas para conveniência de linguagem — estão tolhidos e anuviados pela memória, e a memória é o resultado oriundo da busca de segurança, é a resultante do ajustamento ao ambiente, e essa memória está continuamente anuviando a mente, isto é, a própria inteligência. Esta memória cria a falta de entendimento; essa memória cria o conflito entre a mente e o ambiente. Se vocês, porém, puderem se acercar do ambiente renovado e não oprimido pela memória do passado que nada mais é que um cuidadoso ajustamento e, portanto, meramente uma advertência; se forem essa inteligência, essa mente que continuamente está renovando a si mesma, não se ajustando, se modificando, segundo uma condição, porém fazendo frente renovadamente, semelhante ao sol de uma fresca manhã ou às estrelas da tarde, então, nessa frescura, nesse estado de alerta, advém a compreensão de todas as coisas. Portanto, o conflito cessa por completo, pois que a inteligência e conflito não podem existir. A desarmonia cessa quando a inteligência está funcionando em sua plenitude.
(...)
Vocês se esforçam para buscar a realidade última, a qual chamam de Deus, Verdade ou Vida, através das névoas dos seus desejos, lutas e ilusões, e, com ideais preconcebidos, relativos a esta realidade, tentam viver todos os seus dias na sombra dessa imagem. Ora, para mim, esta maneira de viver, é falsa, pois que onde há conflito, luta e sofrimento, não pode haver compreensão da verdade. É somente por meio da completa cessação da luta, do esforço, da tristeza, que advém o entendimento dessa viva realidade.
(...)
O homem que se acha livre do medo, posto que se submeta às coisas externas, permanece isento da influência delas, livre em seu pensamento e puro em seu coração.

Tal homem gozará da harmonia interna e, por isso, compreenderá a verdade.

Krishnamurti — O medo — 1946 — ICK

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

A dualidade cria o conflito

O conflito de qualquer espécie – físico, psicológico, intelectual – é um desperdício de energia. Por favor, é extraordinariamente difícil compreender e ser livre disso porque a maioria de nós é educada para lutar, para fazermos esforços. Quando nós estamos na escola, esta é a primeira coisa que nos é ensinada, o fazer esforço. E essa luta, esse esforço é desenvolvido ao longo da vida, ou seja, para ser bom você deve lutar, você deve lutar contra o mal, tem que resistir e controlar. Assim, educacional, sociológica, religiosamente, os seres humanos são ensinados a lutar! Está dito que para encontrar Deus, você deve trabalhar, disciplinar, forçar, praticar e torturar sua alma, sua mente, seu corpo, negar, suprimir, e para isso não deve desanimar, você deve lutar, lutar, lutar até aquele nível chamado “espiritual” – que não é o nível espiritual coisa alguma. Então, socialmente cada pessoa é por si mesma, por sua família. Assim, todos ao redor, estamos desperdiçando energia! E esse desperdício de energia na sua essência é o conflito: o conflito entre o "eu deveria" e o "eu não deveria", entre "eu devo" e "não devo". Depois de ter criado a dualidade, o conflito é inevitável! Assim, é preciso compreender todo esse processo da dualidade, não que não exista homem e mulher, verde e vermelho, luz e trevas, o alto e o baixo, tudo isso são fatos. Mas naquele esforço existente da divisão entre o fato e a ideia, existe desperdício de energia.
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J. Krishnamurti - O livro da vida.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Onde há dependência, há contradição e o conflito

É verdadeiramente extraordinário o descobrirmos diretamente que só há pensar e não há pensador. Porque se vê, então, que se pode viver neste mundo sem contradição, já que se necessita de muito pouca coisa. Se se necessita de muita coisa — sexual, emocional, psicológica ou intelectualmente — há dependência de outrem; e no momento em que começa a dependência, começa a contradição e o conflito. Quando a mente se liberta do conflito, com essa liberdade se manifesta um movimento de caráter de todo diferente. A palavra “paz”, como a conhecemos, não tem aí aplicação, porque esta palavra tem para nós diferentes significados, conforme a pessoa que a emprega — um político, um sacerdote, ou quem quer que seja. Não é a prometida paz celestial, após a morte; ela não se encontra em nenhuma igreja, nenhuma ideia, nem na adoração de nenhum Deus. Ela surge quando ocorre a cessação total de todo conflito interior; e isso só é possível quando não há nenhuma necessidade. Não há então necessidade, nem mesmo de Deus. Só há um movimento imensurável que não pode ser corrompido por ação alguma.

Krishnamurti – 10 de setembro de 1961

sábado, 22 de setembro de 2012

Pode o tempo psicológico determinar o fim do conflito humano?


Para observar claramente, é óbvio, é preciso ser livre para olhar. Se alguém se apega às suas experiências, julgamentos e preconceitos particulares, então não é possível pensar com clareza. A crise do mundo que está bem a nossa frente exige, reclama que pensemos juntos de modo a podermos resolver o problema humano juntos, não de acordo com alguma pessoa em particular, com um determinado filósofo ou guru. Estamos tentando observar juntos.

(...) É muito importante entender que a nossa consciência não é a nossa individual. A nossa consciência não é somente a consciência específica de um grupo, da nacionalidade, e assim por diante, mas é também toda a agonia humana, o conflito a miséria, a confusão e a dor. (13) 

(...) Vivemos com o conflito desde que nascemos, e assim continuamos até a morte. Há luta constante para ser, para ser alguma coisa espiritualmente, como se diz, ou psicologicamente, tornar-se bem-sucedido no mundo, realizar-se — tudo isso é movimento do vir a ser: eu agora sou isto e chegarei à meta final, ao princípio mais alto, tenha esse princípio o nome de deus, de brahman ou qualquer outro nome. A luta constante, seja para vir a ser ou para ser é a mesma. Mas quando alguém está tentando vir a ser em várias direções, então está negando o ser. Quando você tenta ser, você também está se tornando. Vejam este movimento da mente, do pensamento: eu acho que sou e, estando insatisfeito, descontente com aquilo que sou, tento realizar-me em alguma coisa, eu me dirijo em determinado objetivo; pode ser doloroso, mas pensa-se que o fim é agradável. Há esta constante luta para ser e vir a ser.

Estamos todos tentando vir a ser; fisicamente, queremos uma casa melhor, uma melhor posição, com mais poder, um status mais elevado. Biologicamente, se não estamos bem, procuramos ficar bem. Psicologicamente, todo o processo interior do pensamento, da consciência, toda a propensão interior vem do reconhecimento de que na realidade nada somos e, pelo vir a ser, nos afastamos disso. Psicologicamente, interiormente, há sempre a fuga “do que é”, sempre o escapar daquilo que eu sou, daquilo pelo que estou descontente para alguma coisa que irá me satisfazer. Seja essa satisfação concebida como um grande contentamento, felicidade ou iluminação, o que é uma projeção do pensamento, ou a aquisição de um maior conhecimento, ainda é o processo de vir a ser — eu sou, eu serei. Esse processo implica tempo. O cérebro é “programado” para isso. Toda a nossa cultura, todas as nossas sansões religiosas, tudo diz: “torne-se”. É um fenômeno que se pode constatar em todo o mundo. Não apenas neste mundo ocidental, mas no Oriente todo mundo está tentando vir a ser, ou ser, ou evitar ser. Agora: será esta a causa do conflito, interior e externamente? (14) 

(...) O nosso cérebro está programado para o conflito. Temos um problema que nunca fomos capazes de resolver. Vocês podem escapar neuroticamente para alguma fantasia, ficar totalmente contentes, ou podem imaginar que interiormente alcançaram alguma coisa e ficarem totalmente contentes com isso; uma mente inteligente deve questionar tudo isso, deve exercitar a dúvida, o ceticismo. Por que os seres humanos, durante milhões de anos, desde o aparecimento do homem até o momento presente, viveram em conflito? Nós aceitamos isso, nós toleramos isso; nós dizemos que faz parte de nossa natureza competir, sermos agressivos, imitar, nos conformarmos, dizemos que faz parte do eterno modelo da vida.

Por que o homem, que é tão altamente sofisticado num sentindo, é tão completamente desinteligente em outros? O conflito termina com o conhecimento? O conhecimento de si mesmo, ou do mundo, o conhecimento da matéria, aprender mais a respeito da sociedade a fim de ter melhores organizações e melhores instituições, adquirir cada vez mais conhecimento. Isso solucionará o conflito humano? Ou a libertação do conflito nada tem a ver com o conhecimento?

Temos um grande conhecimento do mundo, da matéria e do universo; temos também um grande conhecimento histórico de nós mesmos; esse conhecimento libertará o ser humano do conflito? Ou a libertação do conflito nada tem a ver com a análise, com a descoberta das várias causas e fatores do conflito? A descoberta analítica da causa, das muitas causas, libertará o cérebro do conflito? Do conflito que temos enquanto estamos despertos, durante o dia, e do conflito que prossegue enquanto estamos dormindo? Podemos examinar e interpretar os sonhos, podemos discutir toda a questão sobre por que os seres humanos sonham — isso solucionará o conflito? A mente analítica, analisando com muita clareza, racionalmente, sensatamente a causa do conflito porá fim ao conflito? Na análise, o analista tenta analisar o conflito e, ao fazer isso, separa-se do conflito — isso solucionará o conflito? Ou a liberdade nada tem a ver com quaisquer desses processos? Se vocês seguem alguém que diz: “Eu lhes mostrarei o caminho, estou livre do conflito e vou lhes mostrar o caminho”, isso os ajudará? Esta tem sido a parte do sacerdote, a parte do guru, a parte do assim chamado homem iluminado: “Sigam-me, que eu lhes mostrarei”, ou “Eu lhes apontarei o seu objetivo”. A história mostra isto durante milênios e milênios e, no entanto, o homem não foi capaz de solucionar o seu conflito, tão profundamente enraizado. (15)

(...) O cérebro, sendo programado para o conflito, é aprisionado nesse modelo. Estamos perguntando se esse modelo pode ser rompido imediatamente, não gradualmente. Vocês podem pensar que podem rompê-lo por meio das drogas, do álcool, do sexo, das diferentes formas de disciplina, entregando-se a alguma coisa — o homem tentou mil modos diferentes de fugir do terror do conflito. Agora, estamos perguntando: é possível para um cérebro condicionado romper esse condicionamento imediatamente? (16)

(...) se examinarem o assunto racionalmente, logicamente, com inteligência, verão que o tempo não solucionará este condicionamento. A primeira coisa a perceber é que não há nenhum amanhã psicológico. Se vocês olharem realmente, não verbalmente, mas profundamente nos seus corações, nas suas mentes, na própria profundeza do seu ser, irão perceber que o tempo não vai solucionar este problema. E isso quer dizer que vocês já romperam com o modelo, já começaram a ver rachaduras no modelo do tempo que nós aceitamos como um meio para desenredar, para fazer parar este cérebro programado. Os filósofos e os cientistas afirmaram: o tempo é um fator de crescimento, biologicamente, linguisticamente, tecnologicamente, mas nunca indagaram a natureza do tempo psicológico. Qualquer indagação sobre o tempo psicológico implica todo o complexo do vir a ser psicológico — eu sou isto, mas serei aquilo; estou infeliz, irrealizado, desesperadamente só, mas amanhã serei diferente. Perceber que esse tempo é fator de conflito, então, essa própria percepção é ação; realizou-se a decisão — vocês não têm que decidir — a própria percepção é a ação e a decisão. (17)

(...) Existe uma percepção, uma percepção que não nasça da memória, do conhecimento, que veja toda a natureza e estrutura do conflito? Uma percepção desse todo? Existe essa percepção? Não uma percepção analítica, não uma observação intelectual dos vários tipos de conflito, não uma resposta emocional ao conflito. Existe uma percepção que não seja feita da lembrança, que é o tempo, que é o pensamento? Existe uma percepção que não pertença ao tempo ou ao pensamento, que possa ver toda a natureza do conflito e, com essa percepção, produzir o fim do conflito? O pensamento é tempo. O pensamento é experiência, conhecimento formado no cérebro como memória. É o resultado do tempo — “eu não sabia há uma semana, mas agora sei”. A multiplicação do conhecimento, a expansão do conhecimento, a profundidade do conhecimento, pertencem ao tempo. Assim, o pensamento é tempo — qualquer movimento do psicológico é tempo... Assim, o pensamento é tempo. O pensamento e o tempo são indivisíveis.

E nós estamos fazendo a seguinte pergunta: existe uma percepção que não pertença ao tempo e ao pensamento? Uma percepção inteiramente fora do modelo ao qual o cérebro se acostumou? Existe isso, essa coisa que, talvez, por si irá solucionar o problema? Nós não solucionamos o problema em um milhão de anos de conflito, estamos dando continuidade ao mesmo padrão. Devemos descobrir, com inteligência, hesitantemente, com cuidado, se há um modo, se há uma percepção que cubra todo o conflito, uma percepção que rompa com este modelo. (18) 

(...) Agora, podemos observar — não importa o que — sem nomear, sem a lembrança?... Vocês alguma vez já tentaram fazer isso diretamente? Olhem para a pessoa sem nomeá-la, sem o tempo e a lembrança, e olhem também para vocês mesmos — para a imagem que construíram de vocês mesmos, a imagem que construíram do outro; olhem como se estivessem olhando pela primeira vez... Aprendam a olhar; aprendam a observar esta qualidade que surge sem toda a operação do pensamento... Agora, podemos nós, juntos, ouvir ou observar assim, sem a palavra, sem a lembrança, sem todo o movimento do pensamento? Isto significa atenção completa, não a atenção de um centro, mas uma atenção que não tem um centro. Se vocês possuem um centro através do qual prestam atenção, esta é apenas uma forma de concentração. Mas se vocês estão prestando atenção e não há um centro, isto significa que estão dando completa atenção; nessa atenção não há nenhum tempo. (19) 

(...) Nós estamos dizendo: para romper com esse programa, com esse modelo, observem o movimento do pensamento. Parece muito simples, mas vejam a lógica disso, a razão, a sensatez disso, não porque o conferencista o diz, mas porque é sadio. Obviamente, deve-se exercer a capacidade de ser lógico, racional e, ainda assim, conhecer as suas limitações, porque o pensar racional, lógico, ainda faz parte do pensamento. Sabendo que o pensamento é limitado, estejam cônscios dessa limitação e não o empurrem para adiante, porque ele ainda será limitado, por mais longe que vocês vão, enquanto que, se vocês observam uma rosa, uma flor, sem a palavra, sem nomear a cor, mas apenas olham para ela, então esse olhar produz grande sensibilidade, quebra esse sentido de densidade do cérebro e dá uma extraordinária vitalidade. Há uma espécie de energia totalmente diferente quando há a percepção pura, que não está relacionada com o pensamento e o tempo. (20) 
Krishnamurti - 16 de julho de 1981

(13) A rede do pensamento – pág. 29 
(14) A rede do pensamento – pág. 30-31
(15) A rede do pensamento – pág. 32-33
(16) A rede do pensamento – pág. 33
(17) A rede do pensamento – pág. 34
(18) A rede do pensamento – pág. 34-35
(19) A rede do pensamento – pág. 36-37
(20) A rede do pensamento – pág. 37-38

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Pode a mente abster-se de fugir e olhar de frente o seu vazio?

Pode a mente abster-se de fugir e olhar de frente o seu vazio, esse extraordinário sentimento de solidão, que é a expressão autêntica do "eu"? — visto que o "eu" é a entidade, a consciência que, quando não está em movimento, é vazia. Compreendeis o que estou explicando?...

Afinal de contas, o "ego", o "eu", se expressa na ambição, no desejo de aquisição, na inveja, no ser violento e no lutar para ser não-violento, etc. Tudo isso são expressões do "eu"; e, reconhecendo-as como tais e investigando-as profundamente, vejo também que essas atividades do "eu" resultam justamente do seu extraordinário sentimento de vazio. Não sei se tendes notado que, quando seguimos as pegadas do "eu" como entidade completamente vazia; a mente, em verdade, não quer ver esse vazio, preferindo voltar-lhe as costas, fugir. 

Ora, se sou capaz de compreender o que é esse vazio, então é bem provável que eu possa resolver o problema da violência. Mas, para compreender o que é o vazio, preciso olhá-lo, e não posso olhá-lo se estou fugindo. É justamente a fuga que causa o medo e precipita a ação da inveja, da competição, da crueldade, da inimizade, e tudo o mais. Assim sendo, pode a mente olhar essa coisa, de que está fugindo por meio da ação? espero que me esteja fazendo claro. 

Não tendes consciência de um estado de solidão, de vazio? Não estamos considerando o que deveis fazer a respeito desse estado. Foi esse "que se deve fazer?" que produziu este mundo estúpido e caótico. Estou indagando o que há atrás do desejo de fazer alguma coisa — o que é dificílimo de descobrir, visto que a mente está sempre evitando esse fator central. Mas se a mente for capaz de ficar cônscia, totalmente, de estar vazia, solitária — o que significa o completo descobrimento das atividades do "eu", que a levaram àquele estado — vereis que toda ação sem tal compreensão há de precipitar, necessariamente, a violência, sob diversas formas.

(...) Pode a vossa mente estar cônscia daquele vazio, sem fugir dele? É porque vos sentis vazio e só, que necessitais de um companheiro, que quereis depender de alguém, e essa dependência cria a autoridade, que seguis; e a própria circunstância de estar seguindo uma autoridade, já é um indício de violência. Pode a mente, ao perceber a verdade a esse respeito, deter a sua fuga e olhar a sua própria vacuidade? Compreendeis o que significa "olhar"? Não podeis olhar para aquele vazio se lhe tendes medo, se desejais evitá-lo; só podeis ter conhecimento pleno dele, quando não há espírito de condenação.

(...) Estou cônscio de estar só e vazio, e estou a observar esse vazio; mas não posso observá-lo se o condeno. A condenação é justamente uma distração, que estorva o observar. Ora, posso observar o vazio, tomar conhecimento dele, sem lhe dar um nome? Compreendeis? E, quando não lhe dou nome , o observador é então diferente do vazio a que está observando? É só quando o observador lhe dá nome, que ocorre a separação, não é verdade? 

(...) Quando digo "estou irritado", estou dando nome a uma certa sensação ou reação, e esta própria circunstância cria uma dualidade, não achais? Mas, se não dou nome à sensação, então essa coisa sou eu mesmo. Entendeis? Vede: dou nome a um sentimento porque minha mente está exercitada em reconhecer, em rotular; mas se a mente não põe rótulo em coisa alguma, desaparece então a separação entre observador e a coisa observada. Por outras palavras, quando não se dá nome a uma coisa, só há um único estado, e nesse estado não existe entidade separada, para fazer algo a respeito dessa coisa. A mente — que é violenta, por natureza — já não está operando com relação a uma coisa que deseja compreender, e por conseguinte a sua atividade cessa. 

(...) Enquanto a mente está operando em termos de ambição ou não-ambição, ela cria necessariamente o caos, e lutas, e sofrimentos para si própria e para outros. E se, aprofundando mais o problema, a mente compreende todo o processo relativo a esse impulso para ser alguma coisa, então, invariavelmente, ela chegará ao ponto em que perceberá que está a procurar um meio de fugir ao "ser nada", que é um estado de vazio. E posso compreender esse vazio? Pode a mente penetrá-lo, prová-lo, senti-lo? Por certo, a mente não poderá compreender essa coisa extraordinária que chamamos "vazio", "solidão", enquanto estiver, de alguma maneira, a condenar, enquanto desejar rejeitá-lo, dominá-lo ou ultrapassá-lo. A mente rejeitará sempre esse estado, enquanto estiver a dar-lhe nome; e o reconhecer, o dar nome, é justamente o "processo" peculiar da mente. Afinal, não podeis pensar sem símbolos, sem idéias, sem palavras. E pode a mente deixar de "verbalizar"? Pode acabar com esse processo e considerar aquilo a que chama "vazio", sem lhe dar nome ou criar um símbolo tirado da imaginação? E quando deixa de verbalizar, o estado a que chama "vazio" é então diferente dela própria? Não é, por certo. O que há então é só um estado, em que não há verbalização, não há dar nome, e por conseguinte em que terminou aquela atividade da mente, que separa, que compete, que gera antagonismo. Nesse estado se verifica um movimento completamente diferente. Não há mais violência. Há uma delicadeza, que não pode ser compreendida pela mente que diz: "tenho de ser delicado". A volição cessou de todo — porque a vontade é também produto da violência. 

Krishnamurti - Realização sem esforço

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

É possível não fugir da confusão, conhecer sua causa e se abster de agir?

Pergunta: É hoje um fato definitivamente estabelecido que muitas de nossas doenças são de natureza psicossomática, causadas por profundas frustrações e conflitos interiores de que muitas vezes não estamos cônscios. Devemos agora correr para psiquiatras, como antes corríamos para os médicos, ou há um caminho pelo qual o homem pode libertar-se de sua agitação interior?

KRISHNAMURTI: isto suscita a pergunta: Qual a posição dos psicoanalistas? E qual a posição daqueles de nós, portadores deste ou daquele incomodo ou doença? A doença é produzida por nossas perturbações emocionais, ou é sem significação emocional? Quase todos nós sofremos de perturbações. Quase todos estamos confusos, agitados, mesmo os mais prósperos de nós, que possuem geladeiras, automóveis, etc.; e, como não sabemos de que maneira atender às perturbações, elas reagem inevitavelmente ao nosso físico, produzindo doença, como é bastante óbvio. E a questão fica sendo: Devemos correr para os psiquiatras, para nos ajudarem a livrar-nos de nossos distúrbios e recuperar a saúde, ou é possível descobrirmos por nós mesmos como não nos deixarmos perturbar, não nos deixarmos agitar por ansiedades e temores?

Por que estamos perturbados, se o estamos? Que é uma perturbação? Desejo uma coisa, mas, como não posso obtê-la, fico num certo estado. Desejo preencher-me através de meus filhos, minha esposa, minha propriedade, minha posição, êxitos felizes, etc., mas me vejo contrariado, e isso gera um estado de perturbação. Sou ambicioso, mas outro me empurra para o lado e toma-me a frente; eis-me de novo num caos, numa agitação, que produz sua reação física própria. 

Ora bem, podemos, vós e eu, libertar-nos de toda esta agitação e confusão? Que é confusão? Compreendeis? Que é confusão? A confusão existe somente quando há o fato e mais aquilo que eu penso a respeito do fato: minha opinião relativa ao fato, minha desatenção ao fato, minha fuga ao fato, minha avaliação do fato, etc. Se eu puder considerar o fato sem adicionar-lhe alguma qualidade, não haverá confusão. Se reconheço o fato de que um certo caminho leva a Ventura —  (NT - Cidade próxima a Ojai) —, não haverá confusão. Só pode surgir confusão se me oponho a pensar ou teimar que o caminho leva a outro lugar; e é este o verdadeiro estado em que geral nos encontramos. Nossas opiniões, são tão fortes, e tão grande o seu peso, que somos capazes de olhar o fato. 

Nessas condições, o fato, mais a opinião, o julgamento, a avaliação, a ambição, etc., geram confusão. E podemos, vós e eu, que estamos confusos abster-nos de agir? Por certo, toda ação nascida da confusão há de levar, necessariamente, a mais confusão, mais agitação, e tudo isso reage no corpo, no sistema nervoso, produzindo doença. Eu estou confuso, e o admitir para mim mesmo que estou confuso não requer coragem, mas só uma certa clareza de pensamento, clareza de percepção. Em geral, nós temos medo de reconhecer que estamos confusos, e, assim, do meio de nossa confusão, escolhemos os líderes, os guias, os instrutores, os políticos; e quando de dentro da confusão escolhemos alguma coisa essa própria escolha há de ser confusa e o guia, por conseguinte, tem de ser confuso.

É possível, pois, ficarmos cônscios de nossa confusão, conhecer a causa da confusão, e abster-nos de agir? Quando a mente que está confusa, age, só pode produzir mais confusão; mas a mente que está cônscia de achar-se confusa e compreende todo esse "processo" de confusão, não tem necessidade de agir, porque essa própria claridade é ação. Isto deve ser um tanto difícil de compreender, à maioria das pessoas, pois estamos muito acostumados a agir, fazer alguma coisa; mas, se se puder observar a ação, perceber os seus resultados, observar o que se está passando no mundo, politicamente e a todos respeitos, tornar-se-á bastante evidente que a chamada ação reformadora só está produzindo mais confusão, mais caos, e mais reformas. 

Podemos, então, individualmente, ficar cônscios de nossa confusão, nossa própria agitação, e "viver com ela", compreende-la, sem procurarmos livrar-nos dela, afastá-la, fugir dela? Enquanto ficarmos a dar-lhe pontapés, condená-la, fugi-la, essa própria condenação, essa própria fuga constitui o "processo" de confusão. E, a meu ver nenhum analista pode resolver este problema. Poderá ajudar-vos temporariamente a acomodar-vos a certo padrão social, a que ele chama "existência normal", mas o problema é muito mais profundo e ninguém, senão vós mesmo, pode resolve-lo. Vós e eu fizemos esta sociedade; ela é o resultado de nossas ações, nossos pensamentos, do nosso próprio existir, e enquanto ficarmos meramente a procurar reformar o produto, sem compreensão da entidade que o produziu, teremos mais doenças, mais caos e mais delinquência. A compreensão do "eu" produz a sabedoria e a ação correta.  

Krishnamurti - Realização sem esforço, pág. 29 à 32
Ojai, Califórnia, USA - 7 de agosto de 1955

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Áudio: Examinando a questão do conflito


Áudio da reunião pelo Paltalk na noite de 11/08/2012

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Examinando a questão do conflito.


Áudio da reunião de estudo deste tema, pelo Paltalk, na noite de 11/08/2012

Para compreender o conflito, vocês precisam observar a si mesmos. E a observação exige desvelo. Desvelo significa compreensão, afeição: como quando se cuida de uma criança, em que não há repúdio ou condenação. Cuidar de uma criança é observá-la, sem condená-la, sem compará-la. Observá-la com infinita afeição, imensa compreensão; estudá-la em todos os seus movimentos, em todas as fases de seu desenvolvimento, em suas travessuras, suas lágrimas, seus risos. O observar, pois, exige desvelo. Esse é o primeiro requisito da auto-observação.; por conseguinte, nunca deve haver um momento de condenação, de justificação, de comparação, porém, sempre a observação pura e simples de tudo o que está ocorrendo, a cada momento do dia, quer a pessoa se ache no escritório, ou viajando num ônibus, ou conversando com alguém, etc. Cada um deve observar a si próprio tão completamente, com tão infinito desvelo, que daí resulte a precisão, uma precisão absoluta, e não apenas idéias vagas, ação ineficaz.
Como disse, para observarem a si mesmos, exige-se atenção completa. Uma mente que está atenta, cônscia de si própria no justo momento em que está a observar-se, está aprendendo a respeito de si mesma. Aprender é coisa toda diferente de acumular conhecimentos. Da infância até à morte, estamos sempre registrando; nossa mente se tornou uma espécie de fita de gravação, na qual tudo se vai registrando. De acordo com tal registro, nós atuamos, pensamos, reagimos; e a esse registro vamos acrescentando coisas e mais coisas, todos os dias, consciente ou inconscientemente. Guardamos toda experiência, toda informação, todo incidente, toda lembrança. E a isto chamamos experimentar, aprender. Mas isto, em absoluto, não é aprender; aprender é coisa totalmente diferente. No momento em que se começa a acumular, deixa-se de aprender. Pois só a mente que está fresca, que é nova, só a mente que observa com atenção, aprende.
Penso que devemos perceber a diferença entre estas duas coisas. O conhecimento técnico é acumulativo. A ele vai-se acrescentando mais e mais, e é com base nesse conhecimento que atuamos. Se são engenheiro, se são físico, tratam de acumular a maior soma possível de conhecimentos para trabalhar com base nesse conhecimento acumulado. E, por essa razão, nunca há liberdade. É sempre um agir com base no que se aprendeu, consoante o que se adquiriu. No nível do conhecimento técnico, tal ação, tal memória, tal processo acumulativo é absolutamente necessário. Mas nós estamos falando de coisa inteiramente diferente, ou seja que o observar com atenção não implica processo aditivo. Porque, se ficamos meramente adicionando, adquirindo, então, no minuto seguinte de nossa observação, observamos com base no que temos acumulado e, por conseguinte, já não estamos observando. Compreendam isso, por favor.
É importantíssimo compreender que, quando a mente está sempre acumulando, acrescentando algo a si própria e de tal base observando, então, tudo o que ela observa recebe o colorido do que antes foi aprendido, do conhecimento prévio. Essa mente, por conseguinte, é incapaz de compreender um fato novo. E a vida é sempre nova; o viver é algo totalmente novo, a cada minuto do dia. Mas, perdemos o frescor, esse extraordinário sentimento de vitalidade, de beleza, de imensidão, porque vamos sempre ao encontro da vida com nosso conhecimento acumulado e, consequentemente, nunca estamos aprendendo, porém, apenas adicionando mais alguma coisa às já existentes; com base nesse adicionamento, observamos as coisas, na esperança de aprender.
Assim, a mente que é séria, que está bem consciente da situação mundial, percebe que o mundo se acha num estado de angustiosa confusão. Nota-se um constante declínio em todas as nações; só uns poucos são capazes de funcionar inteligentemente, em liberdade talvez; os demais se limitam a imitar — são pobres imitações dos computadores, sua ação é ineficaz. A dor, a angústia, a ansiedade, o desespero é que são fatos, e não as crenças de vocês, suas esperanças, seus deuses; o fato do desespero, da ansiedade, da extraordinária persistência do sofrimento, sofrimento sem fim; a crescente animosidade e brutalidade — eis o mundo a que pertencem. A função da mente verdadeiramente séria é compreender a transcender esse mundo. A mente séria deve observá-lo. Isto é, vocês devem observar a si mesmos, porque vocês são o mundo; porque há em vocês angústia, sofrimento, solidão, desespero, ansiedade, medo, porque são impelidos pela ambição, a avidez, a inveja — vocês são esse mundo. Vocês não são o que pensam ser — que são Deus, etc. Isto é só absurda especulação. Vocês tem que partir dos fatos e tem de aprender a respeito de si mesmos.
Há, pois, diferença entre aprender e acumular conhecimento. O aprender é infinito, não há fim no aprender a respeito de si mesmo. E, por conseguinte, a mente que não está acumulando, porém aprendendo, é capaz de observar seus conflitos, suas tensões, suas dores e secretos desejos e temores. Se assim vocês fizeres, não acidentalmente, porém todos os dias, todos os minutos — e isso é possível — se vocês se mantiverem em constante observação, verão que adquirirão uma energia extraordinária. Porque então a autocontradição estará sendo compreendida.
Com a palavra "compreender" não me refiro a algo intelectual. A mente que está fragmentada nunca compreenderá nada. Quando digo que "compreendo uma certa coisa intelectualmente", o que realmente estou dizendo é que ouço a palavra e compreendo a palavra; isso nada tem a ver com a compreensão. Compreensão implica não só o aspecto semântico, isto é, o sentido da palavra, mas também a apreensão do inteiro conteúdo dessa palavra e de seu significado conforme se aplica a nós mesmos. A compreensão, pois, não é uma simples questão de "cerebração", mera atividade intelectual. Vocês só podem compreender alguma coisa, quando lhe aplicam a mente, o corpo, os sentidos, os olhos, os ouvidos, tudo. E dessa compreensão resulta a ação total, e não ação fragmentária, contraditória.
Nessas contradições, o que interessa — principalmente àqueles que são verdadeiramente sérios — é compreender. E a vida exige seriedade, pois não se pode viver neste mundo levianamente. Vocês não podem estar interessados apenas em suas próprias aflições, seus próprios divertimentos, seus próprios temores. Vocês são uma parte do mundo e devem compreender a si mesmos e isto constitui imensa tarefa. E quando são sérios, devem levar essa compreensão ao extremo, até perceberem tudo o que a existência implica.
E, também, o conflito é algo que temos de compreender — compreender, e não dominar. Não tentem negá-lo, não tentem fugir dele, porém, tratem de compreende-lo, de ver todo o seu significado, de perceber as várias contradições, na palavra, no pensamento, na ação. Em geral, vivemos vidas duplas, ou triplas, ou múltiplas! Funcionamos fragmentariamente, nosso existir é fragmentário; desejamos ser mundanos; desejamos ter todos os confortos que nos são devidos. O conforto, obviamente é necessário; mas, com esse conforto vem a exigência de segurança. Não só desejamos estar seguros em nossos empregos — reação natural e são — mas também desejamos estar seguros psicologicamente, interiormente.
É possível estar-se em segurança psicologicamente, em algum tempo — isto é, estarmos psicologicamente seguros em nossas relações e psicologicamente seguros em relação àquilo com que estamos identificados? A segurança exterior é evidentemente necessária. Exteriormente, é absolutamente necessário termos moradia, um lar, emprego; mas não nos contentamos com isso. Queremos estar em segurança interiormente, e nasce assim a ilusão. A partir desse momento, começa a desenrolar-se uma série de conflitos, de conflitos intermináveis.
Cumpre-nos, pois, descobrir a verdade em relação a essa formidável questão da segurança psicológica — sem procuramos saber o que outro qualquer diz. Psicologicamente, vemo-nos inseguros; por essa razão criamos deuses, deuses que se tornam nossa segurança permanente! Isso gera conflitos. Compreendem o que entendemos por "conflito"? Entendemos: a contradição; a ação fragmentária; os pensamentos que se chocam; os desejos conflitantes entre si; as exigências contraditórias; as pressões do mundo e a exigência interior de viver em paz com o mundo; a aspiração a encontrar algo além da existência diária, monótona, estúpida; o ver-nos presos na engrenagem da existência diária e desesperadora; o nunca termos uma solução para o nosso desespero; a angústia imensa, não apenas pessoal, mas também a angústia do mundo, e nunca encontrarmos uma saída dessa angústia. Eis todos os fatores que geram a contradição — dos quais podemos estar conscientes ou não. Onde a mente se acha em contradição, tem de haver conflito.
E, muito evidentemente, a mente que se acha em conflito não pode ir adiante; poderá prosseguir na ilusão, mas não é capaz de avançar para descobrir se algo existe além do tempo, além da medida humana. Sem dúvida, esta é a função da religião. A função da mente religiosa é descobrir o verdadeiro. E a verdade não pode ser encontrada num templo ou num livro, por mais venerado que ele seja. Vocês têm de descobrir por seus próprios meios. Não podem comprá-la com lágrimas, com orações, com repetições, com rituais; por esse caminho se vai ao absurdo, à ilusão, à insanidade.
A mente séria, por conseguinte, deve estar cônscia desse conflito. Com "estar cônscio" quero dizer, observar, escutar. Escutar é uma arte. Com efeito, é uma arte extraordinária o escutar um som. Não sei se vocês já escutaram um som — o som de um pássaro pousado numa árvore, ou o distante buzinar de um carro. Pelo escutar — não pelo julgar, pelo identificar tal som com determinada ave ou determinado carro ou determinado rádio da casa mais próxima, porém, pelo simples escutar, verão — se assim souberem escutar — como se tornarão extraordinariamente sensíveis. A mente se torna sobremodo alerta quando escutamos simplesmente — isto é, não interpretando o que ouvimos, não tentando traduzi-lo, não o identificando com o que já conhecemos — pois isso nos impede de escutar. Mas, se escutarem simplesmente — escutarem seus pensamentos, suas exigências, o desespero de suas existências, não tentando interpretar, traduzir nada, não tentando fazer alguma coisa em relação ao que se escuta — verão que a mente de vocês se tornará sobremodo lúcida.
E só a mente lúcida, a mente sã, racional, lógica, em que não há conflito, consciente ou inconsciente — só essa mente pode prosseguir até descobrir, por si própria, se existe uma Realidade. Só essa mente é religiosa. E só essa mente pode resolver os problemas do mundo. Os problemas do mundo são inumeráveis e estão se multiplicando. E se vocês não forem capazes de resolvê-los lógica, equilibrada, sadiamente, com o espírito de vocês de todo livre de conflito, estarão apenas criando mais confusão, mais angústias para o mundo e para vocês mesmos.
A primeira coisa, por conseguinte, que nos cumpre fazer é observar com atenção, todas as murmurações, todos os temores, ilusões, desesperos do próprio ser de vocês. E verão então, por si mesmos — e para isso vocês não necessitam de provas, nem de gurus, nem de livros sagrados — se a Realidade existe. E encontrarão aí, um extraordinário sentimento de libertação do sofrimento. Aí existe a claridade, a beleza e aquela coisa que está faltando hoje à mente humana: o amor, a afeição.
Madrasta, 12 de janeiro de 1964
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill