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quinta-feira, 5 de abril de 2018

No estar só, psicologicamente, a liberdade

No estar só, psicologicamente, a liberdade

PERGUNTA: Estudei muitos sistemas de filosofia e as doutrinas dos grandes guias religiosos. Tendes algo melhor para oferecer, do que a que já sabemos?

Krishnamurti: Pergunto-me a mim mesmo porque é que estudais, porque ledes filosofia, porque ledes os ditos dos guias religiosos. Pensais que o saber que tendes adquirido dos instrutores e dos livros vos levará a alguma parte? Ele poderá ser útil, numa discussão, para "deitardes erudição", mostrardes quanto sois perspicaz. Mas o saber acumulado — afora no mundo científico — pode conduzir um homem, a vós ou a mim, ao descobrimento do que é real, do que é verdadeiro, Deus, o Eterno, descobrimento sem o qual a nossa vida muito pouco significa? Sem dúvida, para se achar o Eterno, temos de largar todo o nosso saber, não é verdade? Tudo o que disse Buda, Cristo, ou outro qualquer — tudo isso não tem de ser posto de lado? Senão estareis meramente perseguindo vossas próprias "projeções" ou a "projeção" da vossa igreja; estareis, na verdade, reagindo ao vosso próprio condicionamento.

Ora, vós tendes de deixar de ser cristãos, hinduístas, budistas ou praticantes da ioga, deveis deixar tudo isso completamente para que "o que está além" (caso exista) possa manifestar-se. Se dizemos, simplesmente, que além existe algo, e aceitamos este algo, e esperamos alcançá-lo, com isso nos mostramos muito superficiais. Mas podemos empreender uma jornada sem nada sabermos, sem apoio nenhum, sem sermos cristãos, budistas, hinduístas, que são simples rótulos e denotam uma mente condicionada? O pormos de parte tudo o que sabemos, eis o único problema, e pouco importa que eu tenha "algo melhor para oferecer". Porque, sem dúvida, um homem deve estar só — não isolado, não "sozinho" — no saber, na experiência, porque todo saber e toda experiência são obstáculos ao descobrimento do real. A mente deve estar livre de todo condicionamento, tem de estar só, para descobrir. Quanto mais uma pessoa observa certa prática, quanto mais acumula, quanto mais disciplina, molda, torce, luta, tanto menos compreenderá o que é. Não estou falando de nenhuma filosofia indiana de negação, de "nada fazer", quando tendes a mentalidade ocidental de "fazer algo"; não é disso que estou falando. Estamos tratando de coisa completamente diferente. A mente deve tornar-se pura, nova.

Não pode ser nova e pura se há acumulação de saber ou a mera repetição das palavras de um instrutor, ou o resultado final de certa prática. Não pode a mente tornar-se apercebida de seu próprio condicionamento? Não só do condicionamento superficial, mas de todos os símbolos, ideologias, filosofias, imagens, todas as coisas, enfim, que jazem nas profundezas da mente e a estão condicionando. Tornar-se apercebido dessas coisas e delas libertar-se, eis o que é "liberdade religiosa". Esta liberdade é que opera a revolução - a única revolução que pode transformar o mundo.

Krishnamurti, Primeira Conferência em Londres
17 de junho de 1955

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

O "eu" nunca pode preencher-se

Pergunta: Como pode um homem preencher-se, se não tem ideais?

Krishnamurti: Existirá o preenchimento, — embora a maioria de nós esteja em busca do preenchimento? Queremos nos preencher, por meio da família, de nosso filho, nosso irmão, nossa esposa, por meio da propriedade, da identificação com uma nação ou um grupo, ou pelo cultivo de um ideal, ou pelo desejo e continuidade do "eu". Há formas variadas e diferentes de preenchimento, em diversos níveis da consciência. 

Mas existe de fato o preenchimento? Que é que se preenche? Que entidade é essa que busca existir dentro ou por meio de uma certa identificação? Quando é que vocês pensam em preenchimento? Quando é que procuram o preenchimento? 

Como já disse, não estou fazendo uma conferência no nível verbal. Se assim a consideram, será melhor que se retirem, porque perdem o tempo. Se, porém, desejam penetrar profundamente, então fiquem vigilantes e sigam-me; porque necessitamos de inteligência, e não de uma repetição morta, — repetição de frases, de palavras, de exemplos, dos quais já estamos fartos. 

O que necessitamos é de criação, criação inteligente, "integrada"; o que vale dizer, devem investigar, para descobrir o processo da mente pela própria compreensão de vocês. 

Assim, ao escutarem o que digo, o relacionem diretamente com vocês mesmos, "experimentem" o que estou falando. Não podem experimentá-lo através das minhas palavras. Só o experimentarão se tiverem verdadeiro empenho, se observarem o próprio pensar e o próprio sentir de vocês. 

Quando há de ser preenchido o desejo? Quando possuem consciência desse impulso a ser, a vir-a-ser, a se preencher? Por favor, se observem. Quando possuem consciência dele? Não estão conscientes dele quando ele é contrariado? Não estão conscientes dele quando sentem uma solidão extraordinária, quando possuem um sentimento de nulidade absoluta, o sentimento de não serem alguma coisa? Vocês só possuem percepção desse impulso para o preenchimento, quando sentem um vazio, uma solidão. E, então, procuram o preenchimento por inúmeras maneiras, por meio da seita, pela relação com a propriedade de vocês, as árvores, com todas as coisas, em diferentes níveis de consciência. O desejo de ser, de se identificar, de se preencher, só existe quando há consciência de que o "eu" está vazio, solitário. O desejo de preenchimento é uma fuga daquilo que chamamos solidão. Nosso problema, pois, não é como nos preenchermos, ou o que é o preenchimento; porque tal coisa — o preenchimento — não existe. O "eu" nunca pode preencher-se; ele é sempre vazio; vocês podem ter umas poucas sensações ao alcançarem um resultado; mas assim que se desvanecem as sensações, vocês se encontram de novo naquele estado de vazio. Por isso, começam a seguir o mesmo processo de antes. 

O "eu", pois, é o criador daquele vazio. O "eu" é o vazio; o "eu" é um processo egocêntrico, no qual estamos conscientes daquela extraordinária solidão. Assim, estando conscientes dela, tentamos a fuga, por meio de várias formas de identificação. A essas identificações chamamos preenchimento. Na realidade não existe preenchimento, porque a mente, o "eu", nunca pode preencher-se; pela própria natureza, o "eu" é egocêntrico. 

Nessas condições, que deve fazer a mente que está consciente daquele vazio? Nosso problema é esse, não é verdade? Para a maioria de nós, essa dor do vazio é extremamente forte. Fazemos qualquer coisa, para fugir a ela. Qualquer ilusão serve, e essa é a fonte da ilusão. A mente tem o poder de criar ilusões. E enquanto não compreendermos aquele vazio, aquele estado de vazio, que é egocêntrico, podemos fazer o que quisermos, podemos buscar qualquer espécie de preenchimento, mas haverá sempre aquela barreira que separa, que não conhece a plenitude. 

Nossa dificuldade, por conseguinte, consiste em estarmos conscientes desse vazio, desse isolamento. Nunca nos vemos frente a frente com ele. Não sabemos como ele é, quais são as suas qualidades; porque vivemos continuamente fugindo dele, nos retraindo, nos isolando, nos identificando. Nunca estamos na presença dele, diretamente, em comunhão com ele. Por isso, somos "observador" e a "coisa observada". Isto é, a mente, o "eu", observa o vazio; e, então, o "eu", o pensante, trata de livrar-se desse vazio, ou de fugir.

Esse vazio, esse isolamento, será diferente do observador? Ou será que o próprio observador é que está vazio, e não que está observando o vazio? Porque, se o observador não for capaz de reconhecer esse estado a que ele chama "vazio", não haverá experiência alguma. Ele está vazio; está vazio, não pode atuar sobre isso, nada pode fazer a respeito. Porque, se fizer alguma coisa, torna-se ele o observador a atuar sobre a coisa observada, o que é uma relação falsa. 

Assim, quando a mente reconhece, percebe, está consciente de que está vazia, e que não pode atuar sobre esse estado, então, esse vazio, do qual estamos conscientes, do exterior, tem um sentido diferente. Até agora, tínhamos nos ocupado com ele como "observador". Agora é o "observador" que é vazio, que está só, solitário. Pode ele fazer alguma coisa a respeito? Não pode, evidentemente. Sua relação com esse estado é, então, inteiramente diferente da relação de observador. Ele está só, acha-se naquele estado em que não há a verbalização "estou vazio". No momento em que o verbaliza, em que o exterioriza, é diferente dele. Assim, quando cessa a verbalização, quando cessa o "experimentador" que "experimenta" o vazio, quando deixa de fugir, vê-se ele, inteiramente solitário, sua relação, em si mesma, é isolamento; ele próprio é o isolamento; e ao perceber isso plenamente, com toda a certeza, deixa de existir o vazio, a solidão. 

Mas a solidão é coisa de todo diversa de "estar só". Essa solidão tem de ser transposta, para então "estarmos sós". A solidão não é comparável com o "estar só". O homem que conhece a solidão, nunca conhecerá o "estar só". Estão sós? Nossas mentes não estão integradas para estarmos sós. O próprio processo da mente é separativo. E quem separa, conhece a solidão. 

Mas o "estar só" não é separativo. É algo que não é a multiplicidade, que não é influenciado pela multiplicidade, pela multidão, que não é resultado da multidão, que não é composto de partes, como a mente. A mente é produto da multidão. A mente não é uma entidade que está só, porque foi montada, peça por peça, fabricada, através de séculos. A mente nunca pode estar só, nunca pode conhecer o "estar só". Mas, uma vez consciente do isolamento, ao passar por esse estado, vem ela a conhecer o "estar só". Então, e só então, pode existir aquilo que é imensurável. A maioria de nós, infelizmente, buscamos a dependência. Queremos companheiros, queremos amigos, queremos viver num estado de separação, num estado que produz conflito. O que está só nunca pode se achar em estado de conflito. A mente, porém, não pode perceber isso, não pode compreender isso; só pode conhecer a solidão.

Krishnamurti em, Quando o pensamento cessa

domingo, 5 de abril de 2015

Maomé e a necessidade de períodos de retiro e solidão

(...)Ele percebeu claramente que a religião de seus patrícios não apresentava condições satisfatórias e pareceu-lhe ter chegado o momento de lhe introduzir grandes reformas, ou melhor, uma renovação total.

Foi-nos contado que ele se afastou, gradualmente da companhia dos seus familiares e buscou a solidão de uma caverna no Monte Hara (mais ou menos três léguas de Meca), onde, à semelhança dos anacoretas cristãos no deserto, permaneceria por três dias e noites, mergulhado em orações e meditação... Tornou-se suscetível de ter visões, êxtases e transes... Por fim, segundo o relato, o que lhe havia aparecido em sonhos tornou-se visível sob a forma de um anjo, cuja aparição lhe trazia uma mensagem divina.

Essa forma de revelação lhe ocorreu aos 40 anos... Estava ele instalado, como de hábito, no mês do Ramadan, na caverna do Monte Hara, jejuando, orando e meditando, para elevar seus pensamentos à contemplação da VERDADE divina... Enquanto Maomé, no silêncio da noite, se aquecia envolto em seu manto, ouviu uma voz que o chamava. Descobrindo a cabeça, viu-se envolvido por uma ONDA DE LUZ de tal esplendor, que lhe era intolerável. Recobrando o domínio, percebeu um anjo, sob forma humana, que se aproximando, desdobrou diante dele um pano de seda, onde certos caracteres estavam escritos. "Leia", disse-lhe o anjo. "Não sei ler!", replicou-lhe Maomé. "Leia", repetiu o anjo, "em nome do Senhor, que criou todas as coisas, que criou o homem a partir de uma pinta de sangue. Leia em nome do MAIS ALTO, que ensinou o homem o uso da pena, que derramou em sua alma o desejo de conhecimento e lhe ensinou o que ele antes ignorava".

Logo após Maomé sentiu que SUA MENTE SE ABRIA, iluminada pela luz celestial, e leu o que estava escrito no pano, que continha o decreto de Deus, tal como depois foi promulgado no Corão. Quando ele terminou, o mensageiro celestial anunciou: "Maomé, em verdade és o profeta de Deus! E eu sou o seu Anjo Gabriel!"

O relato diz-nos que Maomé regressou trêmulo à Cadijah, pela manhã, sem saber se o que tinha visto e ouvido era realmente verdade, e se ele era o profeta escolhido para realizar a reforma que por tanto tempo havia sido objeto de suas meditações, ou se tudo não passava de uma visão, de uma deturpação dos sentidos, ou, pior ainda, da aparição de um espírito do mal.

Vida de Maomé, por Washington Irving

terça-feira, 24 de março de 2015

Sobre o natural estado de isolamento

O filósofo aceita seu isolamento predestinado não apenas porque essa deve ser a sua posição, mas também porque sua presença física desperta sentimentos negativos no coração das pessoas comuns, da mesma forma que desperta sentimentos positivos no coração de certos aspirantes. Os sentimentos negativos podem cobrir toda uma gama, desde confusão, desnorteamento e suspeita, até medo, oposição e inimizade direta. Os positivos podem ir desde a atração instintiva até a disposição de sacrificar a vida à sua defesa ou serviço. Todos esses sentimentos surgem de modo espontâneo, irracional e instintivo. E nada têm a ver com o fato de o filósofo ter ou não ter revelado sua verdadeira identidade pessoal. Isso ocorre porque esses sentimentos são a consequência do fato de sua aura impingir-se psiquicamente à dos outros. O contato é invisível e não se manifesta no mundo físico, mas é muito real no mundo mental-emocional. Trata-se realmente de uma experiência psíquica para ambos: clara, precisa e corretamente compreendida pelo filósofo; vaga, perturbadora e totalmente incompreendida pelas pessoas comuns e pelos pseudobuscadores. É uma experiência tanto psíquica quanto mística para os que genuinamente buscam, e com os quais o filósofo tenha alguma afinidade interior, o alegre reconhecimento de um Irmão Mais Velho muito venerado e há muito perdido. Infelizmente, a despeito da generosa compaixão e da enorme boa vontade que ele reserva dentro do coração por todos igualmente, são os contatos desagradáveis que somam o maior número, sempre que o filósofo desce ao mundo. Que não o culpem se ele prefere a solidão à sociedade, pois nada pode fazer a respeito disso. As pessoas são o que são. Na maioria das vezes, quando tenta ser-lhes agradável, como se ambos pertencessem ao mesmo nível espiritual, ele fracassa. Aprende, um tanto exaustivamente, a aceitar como inevitáveis o seu próprio isolamento e a limitação das pessoas, e, no atual estágio da evolução humana, inalteráveis. Aprende, também, que é fútil desejar que essas pessoas sejam diferentes. 

A paz da qual o filósofo se tornou herdeiro não é um descanso das outras atividades que abandonou, descanso no qual só pensa em si mesmo, mas um divino estado de alerta que subsiste sob as novas atividades que aceita.

Paul Brunton em, Ideias em perspectiva

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Todo desejo de pertencer é ilusório

Amado Bhagawan, às vezes vem um sentimento de não pertencer a lugar nenhum, que mesmo as roupas laranja e o mala não servem de consolos. Nós somos realmente tão sós, eu estou sendo negativa e fechada quando sinto isso?
Primeiro: você não pertence a lugar algum; isso é verdade. Todo desejo de pertencer é ilusório. A própria ideia de pertencer cria organizações, cria igrejas, pois você não pode ficar sozinho; então quer mergulhar em algum lugar, numa multidão.

Um sannyasin é aquele que aceitou a própria solidão. Isso é fundamental. Tornando-se um sannyasin, você não está se tornando parte de uma organização; isto aqui não é absolutamente uma organização. Tornando-se um sannyasin, você está se tornando suficientemente corajoso para aceitar um fato: que o homem existe na solidão. E isso é tão fundamental que não há jeito de escapar; é fundamental como a morte. Na verdade, a morte não faz mais do que avisá-lo de que você sempre esteve sozinho e que continua sozinho.

O que é a morte? Durante toda a sua vida você esteve se enganando dizendo para si mesmo que estava com alguém, que pertencia a uma família, a um clã, a uma sociedade, a uma cultura, ao Oriente, ao Ocidente, a uma organização, a um partido... a multidões e multidões. Você se sentia muito bem: "Não estou sozinho".

Então vem a morte e deixa você chocado.Você quer se apegar, começa a chorar, sente-se desamparado. Um sannyasin não se sentirá desamparado quando a morte vier, e, sim, perfeitamente feliz, pois a morte não o deixará chocado. O sannyasin sabe que está sozinho. A morte não pode lhe tirar nada; ela só tira as ilusões que você colocou em sua vida.

Tornar-se um sannyasin significa que você anulou a morte, e pode lhe dizer: "Agora pode vir, que não encontrará nada para destruir, pois eu mesmo destruí tudo." O sannyas é uma morte voluntária, é um suicídio espiritual. É uma declaração: "Estou só, e minha solidão é tão fundamental que não há jeito de perdê-la."

Por momentos você pode esquecer, pode apaixonar-se por uma mulher ou por um homem, e criar a ideia, a ilusão de que está junto. Mas ambos estão sós. Quando duas pessoas se apaixonam, casam-se e começam a viver juntas, são duas solidões vivendo juntas: só isso. Elas não estão juntas; ninguém pode estar junto. Isso não pode acontecer, e é bom que não possa acontecer, senão você perderia a sua alma e não teria mais centro.

Duas pessoas que se amam tocam o ser uma da outra, mas seus seres continuam límpidos e separados. Seus limites podem se sobrepor mas seus centros permanecem distantes. Elas não perdem suas almas; do contrário, o amor não seria belo. Dois amantes não estão juntos no sentido de estarem perdidos um no outro, mas no sentido de que duas solidões estão juntas; de mãos dadas, eles sabem perfeitamente que estão sozinhos, compartilhando a sua solidão, a sua beleza, o seu silêncio, o seu amor, mas sabendo que estão sozinhos. Esse fato é tão fundamental que não pode ser mudado.

As pessoas tentam evitar isso. Da mesma forma que tentam evitar a morte, tentam evitar a solidão.

O S H O em, A Divina Melodia

domingo, 26 de outubro de 2014

A solidão de visão mareja os olhos do coração

A solidão é outro componente intrínseco da emergência espiritual. Pode variar desde uma vaga percepção de separação das outras pessoas e do mundo até um mergulho profundo e abrangente na alienação existencial. Alguns sentimentos de alienação interior têm relação com o fato de que as pessoas em emergência espiritual têm de encarar os estados incomuns de consciência que nunca ouviram ninguém descrever e que são diferentes das experiências diárias de seus amigos e de sua família. Porém, a solidão existencial parece ter muito pouco a ver com as influências pessoais ou exteriores. 

Muitas pessoas em processo de transformação se sentem isoladas pela natureza das experiências que estão tendo. Como o mundo interior se torna mais ativo, pode-se experimentar a necessidade de afastar-se temporariamente das atividades diárias e preocupar-se com pensamentos profundos, com sentimentos e processos internos. O relacionamento com os outros pode ir perdendo a importância e a pessoa chega a se sentir desligada do que realmente é. Quando isso está acontecendo, a pessoa pode ter uma grande sensação de separação de si mesma, dos outros e do mundo que a cerca. Para as pessoas nesse estado, até o calor humano e a segurança familiar são inacessíveis. 

Um jovem professor fala sobre a solidão que viveu durante a emergência espiritual: "Eu costumava me deitar na cama, ao lado de minha esposa, à noite, e me sentia completa e inegavelmente sozinho. Ela foi uma grande ajuda e um grande conforto para mim durante a minha crise. Mas, durante esse período, nada que ela fizesse poderia me ajudar — nenhum carinho, nenhum grau de encorajamento". 

Sempre ouvimos pessoas em emergência espiritual dizerem: "Ninguém nunca passou por isso antes. Sou o único que já se sentiu desse jeito!" Essas pessoas não só sentem que o processo é único para elas, mas também estão convencidas de que ninguém na história jamais passou pelo que estão passando. Talvez porque se sintam tão especiais, acreditem também que determinado terapeuta ou professor confiável seja o único que possa conseguir compartilhar de seus sentimentos e ajudá-las. Suas fortes emoções e percepções estranhas as estão levando para tão longe de suas vivências anteriores que facilmente assumem o fato de serem anormais. Sentem que há algo de muito errado com elas e que ninguém seria capaz de compreendê-las. Se têm terapeutas que também sofrem de mistificação, suas sensações de total isolamento aumentam. 

Mesmo que as pessoas nesse estado estejam conscientes da variedade de planos teóricos e sistemas espirituais que descrevem estados semelhantes, encontrarão diferença entre estudá-los e estar no meio deles. 

(...) Durante a crise existencial, a pessoa se sente separada do seu eu mais profundo, do mais alto poder ou de Deus — o que quer que seja de que ele dependa além de recursos pessoais para ter força se inspiração. O resultado é o mais devastador tipo de solidão, uma total e completa alienação existencial que penetra todo o ser.

(...) Essa profunda sensação de isolamento parece ser acessível a muitos seres humanos, independentemente de sua história e é, quase sempre, um ingrediente fundamental na transformação espiritual. Irina Tweedy, uma mulher russa que estudou com um mestre sufi na Índia, escreveu: 
A grande separação está aqui... uma sensação especial e estranha de solidão absoluta... não pode ser comparada a nenhum sentimento de solidão pelo qual todos tenhamos passado alguma vez na vida. Tudo parece escuro e inanimado. Não há nenhum propósito em lugar algum ou em coisa alguma. Nenhum Deus para quem rezar, nenhuma esperança. Nada, de modo algum.

Essa sensação de extremo isolamento é refletida na desolada prece de Jesus na cruz: "Meu Deus, meu Deus. Por que me abandonaste?" As pessoas que estão assim perdidas frequentemente citam o exemplo do momento mais sombrio de não encontrar nenhuma ligação com o Divino; ao contrário, têm uma sensação permanente e angustiosa de que foram abandonadas por Deus. Mesmo quando a pessoa é cercada de amor e apoio, pode imbuir-se de uma solidão profunda e dolorosa. Quando desce ao abismo da alienação existencial, nenhum calor humano pode mudar isso. 

As pessoas às voltas com uma crise existencial não se sentem apenas isoladas, mas também insignificantes, como pontinhos inúteis na vastidão do cosmos. O universo parece ser absurdo e sem sentido, e nenhuma atividade humana aparenta ter importância. Essas pessoas podem ver a humanidade como que sendo envolvida por estilo de vida em que "um quer engolir o outro", sem um objetivo que valha a pena. Por esse ângulo, não podem entender nenhum tipo de ordem cósmica e não têm contato com a força espiritual. Chegam a tornar-se extremamente depressivas, desesperadas e até suicidas. Frequentemente, percebem que mesmo o suicídio não é a solução; parece que não há nenhuma saída para seu sofrimento.

Christina Grof — A Tempestuosa Busca do Ser

terça-feira, 23 de setembro de 2014

O medo da solidão e desamparo é o que acreditamos ser amor

Vocês sabem o que é o amor? Vocês amam seus pais, seus irmãos, seus professores, seus amigos? Sabem o que quer dizer amar? Quando dizem que amam seus pais, o que é que significa isso? Vocês se sentem seguros com eles, sentem-se à vontade com eles. Seus pais os estão protegendo, eles lhes dão dinheiro, abrigo, alimento e roupas, e vocês têm, com respeito a eles, uma sensação de relação íntima, não é verdade? Vocês também sentem que podem confiar neles — ou talvez não. Provavelmente vocês não falam com eles tão fácil e alegremente como o fazem com seus amigos. Mas os respeitam, são guiados por eles, obedecendo-lhes, sentindo que deverão apoiá-los quando eles forem velhos. Eles, por sua vez, os amam, desejam protegê-los, guiá-los, ajudá-los — ao menos assim o dizem. Eles desejam fazê-los casar para que levem uma chamada vida moral e fiquem fora de problemas, para terem um marido que cuide de vocês, ou uma esposa que cozinhe para vocês e que crie seus filhos. Isso tudo se chama amor, não é? 

Não podemos dizer de imediato que é o amor, porque o amor não é facilmente explicável por meio de palavras. Isso não nos vem facilmente. Entretanto, sem amor, a vida é estéril; sem amor, as árvores, os pássaros, o sorriso dos homens e das mulheres, a ponte do rio, o barqueiro e os animais não têm sentido. Sem amor, a vida é como um lago vazio. Num rio profundo há riqueza e muitos peixes podem viver; mas o charco é logo seco pelo forte calor do Sol, e nada resta, salvo, lama e sujeira. 

Para a maioria de nós, o amor é uma coisa extraordinariamente difícil de entender porque nossas vidas são muito vazias. Queremos ser amados, e também queremos amar, e por trás dessa palavra há um medo oculto. Então, não será importante para cada um de nós descobrir o que é realmente essa coisa extraordinária? E só podemos descobrir isto se tivermos consciência de como consideramos os outros seres humanos, de como olhamos para as árvores, para os animais, para um estranho, para o faminto. Temos que ter consciência de como encaramos nossos amigos, de como consideramos nosso guru, se tivermos um, de como consideramos nossos pais. 

Quando vocês dizem, "Amo meu pai e minha mãe, amo meu guardião, meu professor", o que isto significa? Quando vocês respeitam alguém tremendamente, e o consideram, quando acham que devem obedecer-lhes e esse alguém, por sua vez, espera obediência de vocês, será isso amor? O amor será apreensivo? Certamente, quando vocês consideram muito a alguém, também desconsideram muito alguma outra pessoa, não é? E será isso amor? No amor haverá alguma sensação de consideração ou desprezo, alguma compulsão para obedecer os outros? 

Quando vocês dizem que amam alguém, não dependem interiormente dessa pessoa? Enquanto forem crianças, naturalmente dependeram de seus pais, de sua professora, de seus guardiões. Eles precisam cuidar de vocês, alimentá-los, vesti-los e abrigá-los. Vocês precisam ter a sensação de segurança, a sensação de que alguém está cuidando de vocês. 

Mas o que acontece geralmente? À medida que vocês crescem, essa sensação de dependência continua a existir, não é verdade? Já não a observaram em pessoas mais velhas, em seus pais e professores? Notaram como eles ainda dependem emocionalmente de suas esposas ou maridos, de seus filhos ou de seus próprios pais? Quando cresce, a maioria das pessoas ainda continua apegada a alguém; continua a ser dependente. Se não tiverem alguém em que se apoiar, que lhes dê a sensação de conforto e segurança, as pessoas se sentem sós, não é assim? Elas se sentem perdidas. Essa dependência que temos em relação aos outros é chamada de amor; mas se vocês observarem isso de perto, verão que dependência é medo, e não amor. 

A maioria de nós tem medo de ficar só; tem medo de pensar por si, medo de sentir profundamente, de explorar e descobrir todo o significado da vida. Por isso essas pessoas dizem que amam a Deus, e elas dependem daquilo que chamam Deus; mas não é Deus, o desconhecido, é algo criado pela mente. 

Fazemos o mesmo com um ideal ou uma crença. Acredito em alguma coisa, ou entrego-me a um ideal, e isso me dá grande conforto; mas removam o ideal, removam a crença e eu estarei perdido. Ocorre o mesmo com o guru. Eu dependo porque quero receber, é então que há a dor do medo. É também isso o que ocorre quando vocês dependem dos pais ou dos professores. É natural e é certo que isso ocorra quando vocês são jovens; mas se continuarem dependendo depois de maduros, isso os tornará incapazes de pensar, de ser livres. Onde há dependência há medo, e onde há medo há autoridade, não amor. Quando seus pais dizem que vocês precisam obedecer, que devem seguir determinada tradição, que devem apenas aceitar um certo emprego ou só desempenhar uma certa qualidade de trabalho — em nada disso há amor. E não há amor em seus corações quando vocês dependem da sociedade no sentido de aceitarem a estrutura da sociedade tal qual ela é, sem discutir. 

Homens e mulheres ambiciosos não sabem o que é o amor — e nós somos dominados por pessoas ambiciosas. Eis aí porque não há felicidade no mundo e porque é muito importante que vocês, à medida que crescem, vejam e compreendam tudo isto, e percebam por si mesmos se é possível descobrir o que é o amor. Vocês podem ter uma boa posição, uma casa excelente, um maravilhoso jardim, roupas; podem tornar-se primeiros-ministros; mas, sem amor, nenhuma dessas coisas terá sentido algum. 

Portanto, devem começar a descobrir agora — não esperar até serem velhos, porque então nunca descobrirão — o que é que realmente sentem em seus relacionamentos com seus pais, com seus professores, com o guru. Vocês não podem meramente aceitar a palavra "amor" ou qualquer outra palavra, mas devem ir além do sentido das palavras para ver o que é a realidade — sendo a realidade aquilo que realmente se sente e não o que se supõe sentir. Se vocês efetivamente se sentem ciumentos, ou irados, dizer "não devo ser ciumento, não devo me irar" é meramente um desejo, não tem realidade. O que importa é ver, com muita honestidade e clareza, o que é que estão sentindo no momento, sem trazer à baila o ideal de como deveriam sentir ou como sentirão em data futura, pois poderão então fazer algo a respeito. Mas dizer: "Eu devo amar meus pais, devo amar meus professores" não faz sentido, faz? Porque seus verdadeiros sentimentos são muito diferentes, e essas palavras se tornam uma cortina atrás da qual vocês se escondem. 

(...) O que importa é ir além da palavra "amor" para ver se vocês realmente amam seus pais e se seus pais os amam realmente. Sem dúvida, se vocês e seus pais realmente se amassem, o mundo seria inteiramente diferente. Não haveria guerras, não haveria fome, não haveria diferença de classes. Não haveria ricos e pobres. Vejam bem, sem amor nós procuramos reformar a sociedade economicamente, tentamos corrigir as coisas; mas enquanto não tivermos amor em nossos corações não poderemos criar uma estrutura social livre de conflito e de miséria. Aí está por que temos de esmiuçar essas coisas cuidadosamente; e, talvez, então, venhamos a descobrir o que é o amor. 

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Mergulhando no poço sem fundo chamado solidão

Acho que a maioria de nós sabe o que é solidão. Conhecemos esse estado em que todos os laços de relação foram cortados, em que não há senso do futuro nem do passado, em que prevalece um completo sentimento de isolamento. Vocês podem se achar no meio de uma multidão, num ônibus superlotado, ou estar sentado ao lado de um amigo, do marido ou da esposa, e eis que subitamente lhes assalta essa onda, esse sentimento de vácuo, vazio, de um abismo. E a reação instintiva é fugir. Assim, tratam de ligar o rádio, de tagarelar, de ingressar em alguma associação, ou de pregar Deus, a verdade, o amor, etc. O meio de fuga de vocês pode ser Deus ou pode ser o cinema; todos os meios de fuga são idênticos. E a reação é de medo a esse sentimento de total isolamento e, por conseguinte, a fuga. Vocês conhecem todos os meios de fuga: o nacionalismo, a pátria, os filhos, o nome, a propriedade, — e por todas essas coisas vocês estão dispostos a lutar e a morrer. 

Ora, se se reconhece que todos os meios de fuga são iguais, e se percebe realmente a significação de um dado meio de fuga, pode-se ainda fugir? Ou não há mais fuga? E, se não estão fugindo, há ainda conflito? Estão me seguindo? É a fuga ao que é, o esforço para alcançar uma coisa diferente do que é, que cria o conflito. Assim, para que a mente possa transcender esse sentimento de solidão, essa súbita cessação da lembrança de todas as relações, as quais envolvem ciúme, inveja, ânsia de aquisição, esforço para ser virtuoso etc. — primeiro ela tem de enfrentá-lo, passar por ele, de modo que o medo em todas as suas formas se definhe até desaparecer de todo. Dessa forma, pode a mente perceber, um dado meio de fuga, a futilidade de todas as fugas? Não há então conflito, há? Porque já não há nenhum observador da solidão: só há o experimentar dela. Estão seguindo? Essa solidão é o cessar de todas as relações; as ideias já não tem importância; o pensamento perdeu toda a valia. Estou descrevendo as coisas, mas não se limitem a ouvir, pois, assim, ao saírem daqui, levarão somente cinzas. Afinal de contas, estas nossas investigações têm por fim liberar-nos de todas essas terríveis complicações, dar-nos na vida algo mais do que apenas conflito, medo, fadigas e tédio. 

Onde não existe o medo, está a beleza — não a beleza de que falam os poetas, aquela que os artistas pintam, etc., porém, coisa bem diferente. E para descobrir a beleza, um homem terá de conhecer esse isolamento completo — ou, melhor, não terá de conhecê-lo, pois ele já existe. Vocês fugiram dele, mas ele continua existente e lhes segue para sempre. Ele lá está, no coração e na mente, nos mais profundos recessos do ser de vocês. Vocês o encobriram, fugiram dele; mas ele continua existente. E a mente tem de passar por ele, como quem se submete à purificação pelo fogo. Ora, pode a mente passar por ele sem reação, sem dizer que é um estado horrível? No momento em que há reação, torna-se existente o conflito. Se vocês o aceitam, continuarão debaixo de seu peso; e se o rejeitam, tornarão a encontrá-lo na primeira curva do caminho. A mente, pois, tem de passar por ele. Estão me acompanhando? A mente é então aquela solidão, não precisa de passar por ela; ela é a solidão. Quando vocês pensam em termos de "passar por uma coisa" para alcançar outra, já estão em conflito. No momento em que dizem: : "De que maneira devo passar pela solidão, de que maneira devo olhá-la?" — nesse momento já se acham de novo em conflito. 

Existe, pois, uma solidão extraordinária que nenhum Mestre, nenhum guru ou ideia, nenhuma atividade poderá afastar de vocês. Já andaram "mexendo" com essas coisas, já se entretiveram com todas elas; mas elas não podem preencher esse vazio; ele é um abismo sem fundo. Mas deixa de ser esse "abismo sem fundo" no momento em que o experimentam. Compreendem?

Para que a mente possa ficar inteiramente livre do conflito, total e completamente livre de apreensão, medo e ansiedade, torna-se necessário o experimentar desse extraordinário sentimento de não relação com alguma coisa; daí provem o sentimento de solidão. Não imaginem que já o possuem; isso é muito difícil. Só quando temos esse sentimento de solidão em que não há medo é que existe o movimento para o imensurável; porque então não há ilusão, não há fabricante de ilusão, não há o poder de criar ilusão. Enquanto existe conflito, existe o poder de criar ilusão; e com a total cessação do conflito, o temor deixa de existir completamente, e, portanto, não há mais o buscar. 

(...) A mente que passou por essa extraordinária revolução pode enfrentar todo ou qualquer problema, sem que nenhum problema deixe marca nem raízes. Desapareceu, então, todo o sentimento de medo.

Krishnamurti em, O PASSO DECISIVO

sábado, 30 de agosto de 2014

Somos entes humanos solitários

Interrogante: Há em mim alguma coisa que tem medo de fazer, de seguir, de pensar ou de ver claramente o que você está dizendo. 

Krishnamurti: Aí está! Acho que é bem claro o que digo, não? É algo de positivamente revolucionário. Fazê-lo é extremamente perigoso, porquanto você terá, talvez, de alterar toda a estrutura de sua vida. Intelectualmente, você diz: "Sim, compreendo perfeitamente o que você está dizendo". Inconscientemente, porém, você percebe o perigo que encerra; e, assim sendo, você fica nervoso, apreensivo, assustado, porque deseja viver com muita segurança, conforto, facilidade, bem fechado e protegido em seu isolamento. O que estou dizendo poderá destruir tudo isso. Destruirá! Você deixará de ser cristão, inglês, indiano, etc. Não pertencerá a nenhum grupo ou seita. Estará completamente — "só", não no sentido de "estar isolado". 

O que está só é sempre belo. Uma árvore solitária, no meio de um campo, oferece-nos um belíssimo espetáculo. Temos medo de estar sós, e antes de estar sós tememos o isolamento. Somos entes humanos solitários. Todas as nossas atividades conduzem à solidão, que é isolamento. Embora sejamos casados, tenhamos filhos, empregos, sejamos membros de determinados grupos e seitas, em nosso íntimo profundo existe aquele isolamento, aquele medo da solidão, da privação de relações. Apelamos para diversões de todo gênero, inclusive a missa, a igreja, o culto — qualquer coisa que nos livre da solidão. Não poderemos compreendê-la se não compreendermos as atividades egocêntricas de nossas vidas, causadoras desse isolamento; mas, após tê-las compreendido, penetrado, ultrapassado, alcançaremos aquele estado em que estaremos completamente sós, incontaminados pela sociedade. Se não estamos sós, não temos possibilidade de ir mais longe.

Krishnamurti em, Encontro com o Eterno

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Diálogo sobre solidão

Acredito que a maioria de nós sabe o que é ser solitário. Conhecemos esse estado quando todos os relacionamentos foram cortados, quando nem o passado e nem o futuro têm sentido, quando há uma completa sensação de isolamento. Ainda que você esteja com um grande número de pessoas, num ônibus cheio, ou simplesmente sentado ao lado do seu amigo, do seu marido ou da sua mulher, essa onda subitamente passa por você, essa sensação de incrível vazio, um abismo, um vácuo. E a reação instintiva é fugir dela.

Para isso você liga o rádio, conversa, ou se filia a determinada sociedade, ou prega sobre Deus, sobre a verdade, o amor e tudo o mais. Você pode escapar através de Deus, ou através do cinema; todos os modos de escape são o mesmo. E a reação é o medo desse completo senso de isolamento e de fuga. Você conhece todos os meios de fuga através do nacionalismo, da pátria, dos filhos, do seu nome, da sua propriedade, em nome dos quais você está disposto a lutar, a brigar, a morrer.

Entretanto, se verificar que todos os meios de fuga são o mesmo, e se você realmente percebe o significado de escapar, você pode ainda assim escapar? Ou melhor, existe fuga? E se você não estiver fugindo, haverá ainda conflito? Você compreende? É a fuga daquilo “que é”; é o desejo de atingir algo diferente daquilo “que é” que acaba criando o conflito. Assim, para que a mente possa ir além desse senso de solidão, desse súbito cessar de toda lembrança de qualquer relacionamento, onde se inclui a inveja, o ciúme, o desejo de aquisição, a tentativa de ser virtuoso e tudo o mais — ela deve primeiro enfrentar isso, passar por isso, de sorte que o medo, em qualquer forma que se apresente, se dissolva. Pergunto: pode a mente perceber a futilidade de todos os meios de fuga através de uma fuga? Então não haverá conflito, não é verdade? Pois não haverá observador da solidão; não haverá o vivencial da solidão. Você está me acompanhando? Essa solidão é a cessação de todo relacionamento; idéias não importam mais; o pensamento perdeu todo o seu significado. Estou descrevendo, mas, por favor, não se limitem a ouvir porque depois vocês serão deixados com as cinzas. Afinal, o objetivo destas conversas é realmente livrar desses terríveis emaranhados, ter na vida algo mais que o conflito, algo mais que o medo, o aborrecimento e a monotonia da existência.

Onde não existe o medo há a beleza, não a beleza de que falam os poetas, a que é pintada pelos artistas, e assim por diante, mas algo bastante diferente. E para descobrir a beleza é preciso passar por esse completo isolamento; ou melhor, você não precisa passar por ele; ele está presente. Você escapou dele, mas ele está aí, sempre a persegui-lo. Está aí, no seu coração, na sua mente, nas profundezas e recessos do seu ser. Você o encobriu, escapou dele, fugiu; mas ele está aí. E a mente precisa vivenciá-lo como uma purgação pelo fogo. Pode a mente fazer isso sem uma reação, sem dizer que se trata de um estado horrível? No momento em que você tem uma reação, há o conflito. Se você o aceita, ainda assim carrega o seu peso e, quando o nega, o encontrará logo adiante. Sem nenhuma reação, a mente é essa solidão; ela não precisa passar por ela, é ela. No momento em que você pensa em termos de superar isso e atingir algo diferente, você de novo está em conflito. No momento em que você diz, “Como irei superar isso, como deverei realmente encarar isso?”, você está novamente em conflito.

Assim, há o vazio, há esta extraordinária solidão que nenhum Mestre, nenhum guru, nenhuma idéia, nenhuma atividade pode afastar. Você brincou com todas elas, experimentou todas elas, mas elas não podem preencher este vazio; é um poço sem fundo. Mas não é um poço sem fundo no momento em que você o está experimentando. Compreende?

Percebem, se a mente ficar inteiramente livre de conflitos, totalmente, completamente sem apreensões, sem medo e ansiedade, deve haver o experimentar deste extraordinário senso de ter relacionamento com nada. E daí decorre uma sensação de solidão. Por favor, não imagine que você a tem; é tarefa muito árdua. E é apenas então, nesse senso de solidão em que não há medo, que ocorre um movimento em direção ao imensurável, pois então não há ilusão, não há o produtor de ilusões, não há o poder de criar ilusão. Enquanto houver conflito, haverá poder de criar ilusão, e com a total cessação do conflito todo medo terá cessado, e portanto não há mais busca.

Fico a me perguntar se vocês entenderam. Afinal, vocês todos estão aqui por estarem procurando. E, se examinarem bem, o que estão procurando? Estão procurando algo além desse conflito, dessa desgraça, sofrimento, agonia, ansiedade. Estão em busca de um meio de sair disso. Mas quando se compreende o que foi dito, cessa toda a busca, o que é um estado extraordinário da mente.

Sabem, a vida é um processo de desafios e respostas, não é? Há o desafio de fora — o desafio da guerra, da morte, de dúzia de coisas diferentes — e respondemos. E o desafio é sempre novo, mas nossas respostas são sempre antigas, condicionadas. Não sei se isto está claro. No intuito de responder ao desafio preciso reconhecê-lo, não é verdade? E se eu o reconheço, o faço em termos do antigo, então é o antigo, obviamente. Peço que percebam isto, pois pretendo avançar um pouco mais.

Para um homem muito voltado para dentro, os desafios de fora não mais interessam, mas ainda assim ele tem seus próprios desafios interiores e respostas. No entanto, estou falando da mente que não está mais a procurar, e, portanto não mais está tendo um desafio e resposta. Este não é um estado satisfeito, que se contentou, acovardado. Quando você tiver compreendido a significação do desafio exterior e a resposta, e o significado do desafio interior que se atribui a si mesmo e à resposta, e tiver percorrido tudo isso com docilidade, sem perder meses ou anos com isso, então a mente não mais está moldada pelo ambiente; não é mais influenciável. A mente que atravessou essa extraordinária revolução pode enfrentar qualquer problema sem que este deixe qualquer marca, qualquer raiz. Então, qualquer sentido de medo terá desaparecido.

Não sei até onde me acompanharam nisso. Sabem, ouvir não é meramente escutar; ouvir é uma arte. Tudo isso é parte do autoconhecimento; e se alguém realmente ouviu e mergulhou em si mesmo com profundidade, é uma purificação. E aquilo que está purificado recebe uma bênção que não é a bênção das igrejas.

Krishnamurti - Londres, 18 de Maio de 1961 – Sobre Relacionamentos – Ed. Cultrix

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Até quando você vai fugir de si mesmo?

Nascemos sozinhos, vivemos sozinhos e morremos sozinhos.A solitude é nossa verdadeira natureza, mas não estamos cientes dela. Por não estarmos cientes, permanecemos estranhos a nós mesmos e, em vez de vermos nossa solitude como uma imensa beleza e bem-aventurança, silêncio, paz e um estar à vontade com a existência, a interpretamos erroneamente como solidão.

A solidão é uma solitude mal-interpretada. E, quando se interpreta a solitude como solidão, todo o contexto muda. A solitude tem uma beleza e uma imponência, uma positividade; a solidão é pobre, negativa, escura, melancólica.

A solidão é uma lacuna. Algo está faltando, algo é necessário para preenchê-la e nada jamais pode preenchê-la, porque, em primeiro lugar, ela é um mal-entendido. À medida em que você envelhece, a lacuna também fica maior. As pessoas têm tanto medo de ficar consigo mesmas que fazem qualquer tipo de estupidez. Vi pessoas jogando baralho sozinhas, sem parceiros. Inventam jogos de carta em que a pessoa faz o papel dos dois adversários. 

Aqueles que conhecem a solitude dizem algo completamente diferente. Eles dizem que não existe nada mais belo, mais sereno, mais agradável do que estar só.

A pessoa comum insiste em tentar esquecer sua solidão e o meditador começa a ficar mais e mais familiarizado com a solitude. Ele deixou o mundo, foi para as cavernas, para as montanhas, para a floresta, apenas para ficar só. Ele quer saber quem ele é. Na multidão fica difícil; existem tantas perturbações... E aqueles que conhecem suas solitudes conhecem a maior das bem-aventuranças possíveis aos seres humanos, porque seu verdadeiro ser é bem-aventurado. 

Depois de entrar em sintonia com sua solitude, você pode se relacionar, o que lhe trará grandes alegrias, porque a relação não acontecerá a partir do medo. Ao encontrar sua solitude, você poderá criar, poderá se envolver com tantas coisas quanto quiser, porque esse envolvimento não será mais fugir de si mesmo. Agora ele será a sua expressão, será a manifestação de tudo o que é seu potencial. 

Mas o básico é conhecer inteiramente sua solitude. 

Assim, lembro a você, não confunda solitude com solidão. A solidão certamente é doentia; a solitude é saúde perfeita. Seu primeiro e mais fundamental passo em direção à descoberta do significado e do sentido da vida é mergulhar em sua solitude. Ela é seu templo, é onde vive seu deus, e você não pode encontrar esse templo em nenhum outro lugar. 

O S H O 

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Quem é você longe da multidão?

O primeiro ponto a perceber é que, querendo ou não, você está sozinho. A solitude é sua verdadeira natureza. Você pode tentar esquecê-la, tentar não ficar sozinho fazendo amigos, tendo amantes, misturando-se à multidão... Mas tudo o que você fizer fica apenas na superfície. No fundo de você, sua solitude é inatingível, intocável.

Um curioso fato acontece com todo ser humano: quando ele nasce, a própria situação de seu nascimento começa numa família. E não existe outra maneira, porque o recém-nascido humano é o recém-nascido mais frágil em toda a existência. Outros animais nascem completos. O cachorro vai continuar sendo um cachorro durante toda a vida; ele não vai evoluir, não vai se desenvolver. Sim, ele ficará mais velho, mas não ficará mais inteligente, mais consciente, não se tornará iluminado. Nesse sentido, todos os animais permanecem exatamente no ponto em que nasceram; nada de especial muda neles. A morte e o nascimento deles são horizontais — numa só linha.

Somente o ser humano tem a possibilidade de seguir na vertical, para cima, e não apenas na horizontal. Mas a maioria das pessoas se comporta como os outros animais: a vida é apenas um envelhecer, e não um amadurecer. Amadurecer e envelhecer são experiências totalmente diferentes.

O ser humano nasce numa família, entre seres humanos. Desde o primeiro momento, ele não está sozinho; portanto, ele adquire um certo padrão psicológico de sempre permanecer com pessoas. Em solitude, ele começa a ficar com medo... medos desconhecidos. Ele não está exatamente consciente do que está com medo, mas, quando ele se afasta da multidão, algo dentro dele fica pouco à vontade. Quando está com os outros, ele se sente aconchegado, à vontade, confortável.

Por essa razão, ele nunca vem a conhecer a beleza da solitude; o medo o impede. Por ter nascido num grupo, ele continua fazendo parte de um grupo. E, à medida que envelhece, começa a formar novos grupos, novas associações, novos amigos. As coletividades já existentes não o satisfazem — a nação, a religião, o partido político — e ele cria suas próprias novas associações, Rotary Club, Lions Club... Mas todas essas estratégias estão a serviço de um só objetivo: nunca ficar sozinho.

Toda a experiência de vida é a de conviver com outras pessoas. A solitude parece uma morte. De certa maneira, ela é uma morte, a morte da personalidade que você criou na multidão. Esse é um presente das outras pessoas para você. No momento em que você se afasta da multidão, também se afasta da sua personalidade.

Na multidão, você sabe exatamente quem você é; sabe seu nome, sua posição social, sua profissão, sabe tudo o que é necessário para seu passaporte, para sua carteira de identidade. Mas, no momento em que você se afasta da multidão, qual é a sua identidade? Quem é você? De repente, você fica consciente de que você não é seu nome — seu nome foi dado a você. Você não é sua raça — que relação tem a raça com a sua consciência? Seu coração não é hindu ou muçulmano, seu ser não está confinado à fronteira política de uma nação, sua consciência não é parte de alguma organização ou igreja. Quem é você?

De repente, sua personalidade começa a se dispersar. Este é o medo: a morte da personalidade. Agora você precisará começar a descobrir, precisará, pela primeira vez, perguntar quem você é. Você precisará começar a meditar sobre a questão, quem sou eu? — e existe o temor de que você possa não ser absolutamente nada! Talvez você não seja nada, mas uma combinação de todas as opiniões da multidão; nada, exceto sua personalidade.

Ninguém quer ser nada, ninguém quer ser ninguém e, na verdade, todo mundo é um ninguém.

[...] Assim, o primeiro problema do buscador é entender exatamente a natureza da solitude. Ela significa ser ninguém, significa abandonar sua personalidade, que é um presente a você da multidão. Quando você se afasta, quando sai da multidão, não pode levar esse presente com você em sua solitude. Em sua solitude, precisará descobrir de novo, descobrir outra vez, e ninguém pode garantir que você encontrará alguém ali dentro ou não. 

Aqueles que atingiram a solitude não encontraram ninguém lá. Realmente quero dizer ninguém — sem nome, sem forma, mas uma pura presença, uma pura vida, inominável, amorfa. Essa é exatamente a verdadeira ressurreição e ela certamente precisa de coragem. Somente pessoas muito corajosas foram capazes de aceitar com alegria o seu ser ninguém, o seu ser nada. O ser nada delas é o puro ser delas; é uma morte e uma ressurreição, as duas coisas. 

O S H O

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Fique com suas inquietações e salte através delas

[...]Como você pode alcançar o êxtase se não conhece a agonia? Se você alcançar o mundo do êxtase sem saber o que é a agonia, não será capaz de reconhecê-lo. O reconhecimento é impossível. Somente através da escuridão se pode reconhecer a luz. Você pode estar vivendo na luz mas, se não conhece a escuridão, não pode saber que está vivendo na luz. Um peixe do mar não pode saber que o mar existe. Somente se o peixe for lançado fora do mar é que poderá reconhecê-lo. Se for jogado outra vez para dentro do mar, esse peixe será totalmente diferente e o mar também será totalmente diferente. A partir de então o peixe será capaz de reconhecê-lo. Sansar, o mundo, é apenas um local de aprendizado. Você precisa entrar profundamente na matéria. Só assim poderá retornar ao outro pólo, ao pico da consciência.

[...]O silêncio real, autêntico, ocorre somente depois de você ter passado pela tormenta. Apenas quando cessa a tormenta é que o silêncio pode explodir dentro de você; nunca antes. Você pode criar uma quietude falsa, antes da tormenta; mas nesse caso estará apenas se iludindo. Você pode criar uma quietude - artificial, cultivada, imposta a partir do exterior - mas ela não será espontânea, não pertencerá ao seu ser interior.

[...]A quietude autêntica surge somente depois da tormenta.

Não force a tormenta a desaparecer. Antes, viva-a; permita que ela aconteça. Traga-a para fora, expulse-a. Permita que a tormenta o abandone, deixe que ela se dissipe. Não a reprima. Reprimida, ela permanecerá em você. Reprimida no inconsciente, ela persistirá; aguardará o momento certo para explodir. Você sempre receará sua explosão, precisará combatê-la continuamente. E você nunca sairá vitorioso, pois aquilo que é reprimido precisa ser combatido repetidas vezes, precisa ser reprimido muitas vezes. Sua quietude estará assentada sobre um vulcão e, a qualquer momento, o vulcão poderá entrar em erupção.

Então você sempre temerá a vida, porque a vida pode criar situações nas quais o vulcão poderá entrar em erupção. Você negará a vida, tentará fugir dela. Desejará ir para Himalaia, pois ali não haverá ninguém que lhe forneça uma oportunidade para que seu vulcão entre em erupção. Mas o vulcão ainda estará aí e o Himalaia não poderá ajudar, a menos que o vulcão seja expulso.

E é bom expulsá-lo. Você está perdendo uma experiência básica, a de expulsar completamente o vulcão, de liberar totalmente a loucura, de trazer para fora tudo o que se encontra ali: a tormenta interior. Deixe-a sair e não resista, não reprima. Deixe-a sair totalmente. Então chegará o momento em que a tormenta passará.

Nesse momento, a quietude real acontece em você. Real no sentido de que, agora, não é cultivada; é espontânea. O rio está fluindo. Não se trata de algo que você criou; não é algo que está acontecendo devido ao seu esforço. Pelo contrário, você não está aí. Apenas a quietude está. E essa quietude é destemida. Nada pode perturbá-la, porque aquilo que poderia ser distúrbio foi expulso. A tormenta se dissipou.

Por isso é que insisto, e insisto bastante para que você expulse a sua loucura. Dentro, ela é perigosa. Expulse-a e ela desaparece. Seu coração torna-se vazio; um certo espaço é criado. Somente nesse espaço a quietude pode acontecer. Então você tem um lugar para ela, está pronta para ela, aberto para ela.

Espere a flor desabrochar na quietude que sucede à tormenta: não se adiante. O que é a flor?

O florescimento do seu ser só ocorrerá quando a quietude real acontecer em você; nunca antes. Você não pode forçar a flor a se abrir. Ela se abre por si mesma. Você não pode forçar o seu ser a se abrir; isso é impossível. Você não pode violentá-lo, não pode ser violento com ele. Ele será simplesmente destruído.

A flor se abre por si mesma. O único solo necessário é a quietude autêntica, real e espontânea. A partir de uma quietude cultivada, a flor nunca se abrirá. Com uma quietude cultivada, você simplesmente se tornará entorpecido. Seu ser ficará menos vivo, apenas isso. Com menos vida, você estará menos inquieto. Isso parece bem, mas lembre-se de que a inquietude é um aprendizado. Você não deve tentar ter menos inquietações. Fique com as suas inquietações e mova-se através delas. Não as abandona, não fuja delas. Chegará um momento em que você terá ido além delas, mas só se atinge esse momento passando-se através delas. Passe através da tormenta e permita que surja uma verdadeira quietude. Só então seu ser florescerá, nunca antes.

[...]Não pense que a tormenta é sua inimiga. Ela não é. Essa tormenta é a sua maior amiga, pois sem ela não haverá quietude, sem ela não haverá florescimento, sem ela não haverá liberação. Assim, nunca pense em termos de inimizade. Não há nada que seja seu inimigo; a existência inteira é amiga. Até mesmo aquilo que parece estar contra você - até mesmo isso não é seu inimigo. Jesus diz: “Ame o seu inimigo.” O verdadeiro inimigo que você precisa amar não é o seu vizinho ou o inimigo do seu país. Eles não são seus verdadeiros inimigos. Seus verdadeiros inimigos são a tormenta, o mundo, o mal. A sexualidade, a raiva, a paixão, o ódio - estes são os seus verdadeiros inimigos.

Jesus diz: “Ama a teus inimigos como a ti mesmo.” Por quê? O cristianismo nunca pôde entender isso. [...] Jesus é muito esotérico. Quando diz: “Ama a teus inimigos como a ti mesmo”, quer dizer: através do pólo oposto, através do inimigo, alcança-se o amigo supremo. Viva o inimigo em sua totalidade para que possa transcendê-lo. Qualquer experiência total torna-se transcendental. Qualquer experiência, eu disse. Viva com a sua totalidade e terá ido além dela. Ela nunca ficará presa a você; você terá ido acima dela. Terá passado através dela, terá aprendido tudo a seu respeito. Esse conhecimento é revolucionário. Cria uma mutação; transforma você.

[...] Não pense que a tormenta é sua inimiga, pois enquanto ela prossegue embaixo da terra, oculta na escuridão, a flor se desenvolverá.

[...] Quando a tormenta cessar, a flor desabrochará. Mas ela já estava se preparando durante a tormenta. Através da tormenta, ela estava se preparando para desabrochar. Estava acumulando energia, vida, vitalidade. Estava se aprontando para explodir. A tormenta é o solo. Sem ela, a flor não pode desabrochar.

[...] Somente passando pela tormenta é que você poderá alcançar uma calma em seu interior, semelhante àquela que, num país tropical, sucede à chuva intensa. Lembre-se disso profundamente, pois lhe será de grande ajuda.

Com cada sofrimento, você está criando a possibilidade de algum êxtase. Após cada sofrimento, o êxtase se seguirá imediatamente. Mas se você estiver muito preso ao sofrimento, poderá perder o êxtase. Se você estiver doente, um momento de saúde, um momento de bem-estar virá a você após essa doença. Mas você pode estar tão preocupado com a doença que, quando o momento vier, poderá perdê-lo — estará muito envolvido com a doença que não existe mais. O momento é instantâneo; você pode perdê-lo facilmente. Após cada dor, o momento vem e visita você.

Após cada sofrimento, o êxtase vem bater à sua porta; mas você continua perdendo-o porque o passado é muito intenso. A doença já passou, mas você continua doente. Ela permanece na memória, cobrindo sua mente de névoas, e você perde esse momento fugaz.

Lembre-se disto: sempre que você estiver deprimido, espere pelo momento em que a depressão for embora. Nada permanece eternamente; a depressão irá embora. E quando ela o deixar, espere — fique atento e alerta — porque após a depressão, após a noite, virá a aurora e o Sol nascerá. Se você puder estar alerta nesse momento, ficará feliz por ter estado deprimido. Ficará grato por ter estado deprimido, porque somente por intermédio dessa depressão é que esse momento de felicidade tornou-se possível.

Mas o que é que fazemos? Movemo-nos numa regressão infinita. Ficamos deprimidos. Então, ficamos deprimidos por causa da depressão; segue-se uma segunda depressão. Se você está deprimido, ótimo. Não há nada de errado nisso. É bom, pois através da depressão você aprenderá e amadurecerá. Mas você se sente mal. “Por que estou deprimido? Não quero ficar deprimido.” Então começa a lutar com a depressão. A primeira depressão é boa, mas a segunda depressão é irreal. E essa depressão irreal cobrirá sua mente de névoas. Você perderá o momento que se seguiria à depressão real.

Quando estiver deprimido, continue deprimido. Simplesmente, continue deprimido. Não fique deprimido por causa da sua depressão. Não lute, não procure se desviar, não force a depressão a ir embora. Apenas permita que ela aconteça; ela irá embora por si mesma. A vida é um fluxo; nada permanece o mesmo. Você não é requisitado; o rio move-se por si mesmo, não precisa que você o empurre. Se está tentando empurrá-lo, você está sendo tolo. O rio fluir por si mesmo. Deixe-o fluir.

Quando a depressão se manifesta, permita que ela se manifeste. Não fique deprimido por causa dela. Se você quiser afastá-la cedo demais, ficará deprimido. Se lutar com ela, você criará uma depressão secundária que é perigosa. A primeira depressão é boa, uma dádiva divina. A segunda depressão é criação sua. Não é uma dádiva divina; não é mental. Então você entrará em esquemas mentais, e eles são infinitos.

Se você ficar deprimido, fique feliz por estar deprimido e permita que a depressão se manifeste. Então, de repente, a depressão desaparecerá e surgirá um espaço, uma brecha. Não haverá nuvens e o céu estará claro. Por um único momento, o céu se abrirá para você. Se você não estiver deprimido por causa de sua depressão, poderá entrar em contato, estar em comunhão, atravessar o portão celeste. E quando o conhecer, terá aprendido uma das leis supremas da vida: que a vida usa o oposto como um professor, como uma base ou trampolim.

[...] Olhe a vida deste modo, e não estará distante o momento em que o sofrimento desaparecerá completamente, em que a dor desaparecerá completamente, em que a morte desaparecerá completamente. Aquele que sabe que a agonia existe em benefício do êxtase não ficará agoniado. Aquele que sabe, sente e compreende que o sofrimento existe em benefício da felicidade, jamais sofrerá. É impossível. Ele usa o próprio sofrimento para ser mais feliz, usa a própria agonia como um degrau para o êxtase. Vai além do domínio do mundo, salta para fora da roda de sansar.

O S H O — A Nova Alquimia

quarta-feira, 12 de março de 2014

Só a tristeza lhe dá profundidade, o riso é superficial


Pergunta: Em algum ponto existe um medo que me faz ficar fechado, duro, triste, desesperado, com raiva e impotente. Parece ser tão sutil que eu não consigo nem entrar em contato realmente com ele. Como posso vê-lo com mais clareza?
O único problema em relação à tristeza, ao desespero, à raiva, à impotência, à ansiedade, à angústia, à miséria, é que você quer se livrar deles. Essa é a única barreira.

Você tem que conviver com eles. Não pode simplesmente fugir. É nessas situações que a vida se integra e cresce. São os desafios da vida. Aceite-os. São bênçãos disfarçadas. Quando você quer fugir deles, quando quer de alguma maneira evitá-los, é que o problema surge — pois quando se quer fugir de alguma coisa, nunca se olha diretamente. E a coisa começa a se esconder, porque você a condena; a coisa vai entrando cada vez mais no inconsciente, escondendo-se nos cantos escuros do seu ser, onde você não pode encontrá-la. Move-se para os alicerces do seu ser e ali se esconde. E é claro, quanto mais fundo for, mais problemas causará — porque então começarão a agir a partir de cantos desconhecidos do seu ser e você ficará completamente desamparado.

Portanto, a primeira coisa é: jamais reprima. Esta é a primeira coisa: seja o que for que esteja acontecendo, está acontecendo. Aceite e deixe acontecer — deixe que venha à tona. Na verdade, dizer apenas 'não reprima' não é suficiente. Se você me der permissão, gostaria de lhe dizer: "Acolha tudo como a um amigo". Está se sentindo triste? Permita. Sinta compaixão por isso. A tristeza também tem um ser. Permita-a, abrace-a, sente-se com ela, dê-lhe a mão. Seja amigável. Goste dela. A tristeza é bonita! Não há nada de errado com ela. Quem lhe disse que é errado sentir-se triste? Na verdade, só a tristeza lhe dá profundidade. O riso é superficial, a tristeza é profunda. A tristeza chega até os ossos, até a medula. Nada vai mais fundo que ela.

Portanto, não se preocupe. Fique com a tristeza e ela o levará ao seu centro mais profundo. Você poderá conviver com ela e conhecer algumas coisas novas novas sobre o seu ser as quais nunca conheceu. Essas coisas só podem ser reveladas num estado de tristeza, nunca num estado de felicidade. A escuridão também é boa, também é divina. Não só o dia é de Deus, a noite também é. Chamo a isto de atitude religiosa.[...] Deixe que as coisas sejam como elas são. Isto é coragem religiosa permitir que sejam como são. [...]

Um homem que jamais se entristece não pode ser realmente feliz. É impossível que ele seja feliz. Sua felicidade será apenas um gesto forçado — vazio e impotente. Você pode ver isso no rosto das pessoas quando elas riem: o riso é superficial, está só nos lábios. Não tem relacionamento com o coração, está totalmente desligado.

É exatamente como um — os lábios parecem vermelhos e rosados mas essa cor não vem do vermelho do sangue. É bom que os lábios sejam vermelhos, mas quando a cor vem da vitalidade, das células sanguíneas, da sua energia, da juventude. Não, você pinta os lábios — eles parecem vermelhos mas são feios. O batom é feio. E você verá que só as mulheres feias usam batom. Por que as belas precisariam usá-lo? É absurdo. Se os seus lábios são vermelhos, vitais, para que pintá-los? Assim os tornará feios.

A sua felicidade também é como batom. Você não está feliz e sabe que não está, mas não pode aceitar o fato porque isso abalaria o seu ego. Você não é feliz? Como aceitar isso? Talvez não esteja feliz interiormente, mas isso é problema seu; não precisa expressar, não tem que dizer a verdade. Para o mundo, você tem que manter uma aparência, uma personalidade. Por isso continua rindo. Observe o riso das pessoas e verá imediatamente qual deles vem do coração. Quando o riso vem do coração você pode imediatamente sentir uma vibração diferente — um extravasamento. Esse homem  está realmente feliz. Quando o riso acontece apenas nos lábios, é vazio. É só um gesto; não há nada por trás. É só uma fachada.

O homem que não pode rir profundamente é aquele que reprime a tristeza — não pode rir de verdade porque tem medo da tristeza. Mesmo que entre profundamente no riso, tem medo de que a tristeza venha à tona, que ele possa borbulhar. Ele tem de estar sempre em guarda.

Portanto, por favor, seja qual for a situação, comece a aceitá-la. Se você está triste, está triste. É isso o que Deus quer para você — pelo menos nesse momento ele quer que você fique triste. Seja verdadeiro... fique triste! Viva essa tristeza. E se conseguir vivê-la surgirá em você uma nova qualidade de felicidade, a qual não será uma repressão da tristeza, a qual estará além da tristeza.

Uma pessoa que consegue se sentir pacientemente triste descobre, de repente, numa manhã, que uma felicidade está surgindo em seu coração a partir de alguma fonte desconhecida. Essa fonte desconhecida é Deus. Você a merecerá se a sua tristeza tiver sido verdadeira; se tiver se sentido verdadeiramente desesperado, desamparado, infeliz, miserável; se tiver vivido no inferno, merecerá o céu. Você pagou o preço justo.

O S H O

quinta-feira, 6 de março de 2014

O "outro estado" além da monotonia da vida

Penso que a maioria de nós acha a vida muito insípida. Para ganharmos sustento, precisamos exercer uma certa profissão, e esta se torna muito monótona; começa-se uma rotina, que temos de seguir, ano por ano, até morrer. Ricos ou pobres, e ainda que sejamos muito eruditos ou dotados de espírito filosófico, nossas vidas são em geral superficiais, vazias. Há evidentemente uma insuficiência em nós mesmos, e ao nos tornarmos cônscios desse vazio procuramos preenchê-lo com conhecimentos, com alguma espécie de atividade social, ou nos refugiamos em divertimentos de toda ordem, ou apegamo-nos a alguma crença religiosa. Ainda que tenhamos uma certa capacidade e sejamos muito eficientes, nossas vidas são, ainda assim, insípidas e, para nos livrarmos dessa insipidez, dessa cansativa monotonia da vida, buscamos uma certa forma de enriquecimento religioso, tentamos conquistar "aquele estado de ser" extra-mundano que não é uma rotina e que, por enquanto, pode ser chamado "o outro estado". Em nossa busca desse "outro estado", encontramos muitos sistemas diferentes, diferentes caminhos que se supõe conduzirem a ele; e, assim, pelo disciplinamento de nós mesmos, pela prática de determinado sistema de meditação, pela observância de certo ritual ou a repetição de certas frases, esperamos alcançar aquele estado. Sendo a nossa vida um ciclo interminável de dores e prazeres, de variadas experiências sem muita significação ou mera repetição, sem sentido algum, de uma mesma experiência — o viver constitui para a maioria de nós uma monótona rotina. Por esta razão, o problema de nosso enriquecimento interior, da conquista do "outro estado" — chame-o Deus, Verdade, bem-aventurança ou como você quiser — se torna muito urgente, não é verdade? Você pode estar bem de vida, bem casado, ter filhos, você pode pensar inteligente e equilibradamente, entretanto, sem aquele estado, a vida se torna horrivelmente vazia. 

Que se deve fazer? Como conquistar aquele estado? Ou é completamente impossível conquistá-lo? A nossa mente, como hoje está constituída, é sem dúvida muito insignificante, limitada, condicionada; e embora uma mente limitada possa especular a respeito do "outro estado", suas conjecturas serão sempre limitadas. Ela poderá formular um estado ideal, conceber e descrever aquele outro estado, mas as suas concepções permanecem dentro de suas estreitas limitações, e penso que aí é que se encontra o fio da meada: no perceber que a mente não pode, em circunstância alguma, experimentar, viver aquele outro estado, se se limita a formulá-lo ou a especular a seu respeito. Não há dúvida de que esta é uma descoberta extraordinária: o perceber que, sendo a mente limitada, pequena, estreita, superficial, todo movimento que faça para alcançar aquele estado extraordinário, constitui um empecilho. O descobrimento deste fato, não especulativamente porém REALMENTE, é o começo de uma maneira nova de considerar o problema.

Nossas mentes, em verdade, são produto do tempo, de muitos milhares de dias passados, resultado da experiência baseada no "conhecido". A mente de cada um de nós é resultado da cultura, educação, e por mais extenso que seja o seu saber ou preparo técnico, ela é sempre produto do tempo; por conseguinte, é limitada, condicionada. Com esta mente, queremos descobrir o incognoscível; e compreender que essa mente nunca poderá descobrir o incognoscível, constitui uma experiência verdadeiramente extraordinária. Descobrir que a mente de um indivíduo, por mais sagaz, por mais sutil, por mais ilustrada que seja, não pode de modo algum compreender aquele estado — esse descobrimento traz consigo uma certa compreensão "fatual" e acho que este é o começo de uma perspectiva da vida que poderá abrir a porta que conduz  àquele outro estado. 

Expressando o problema de maneira diferente: a mente está sempre e sempre ativa, "tagarelando", planeando, e é capaz de extraordinárias sutilezas e invenções. E de que maneira pode esta mente tornar-se quieta? Vê-se que toda atividade da mente, todo movimento que faça, em qualquer direção, é reação do passado. Como aquietar esta mente? Se a aquietamos por meio da disciplina, sua quietude é um estado em que não há investigação, busca, não é exato? Em tais condições, ela não está aberta para o "desconhecido", o "outro estado".

[...] Disciplina implica, invariavelmente, repressão e o conflito da dualidade — e isso está na esfera da mente — e por esse caminho prosseguimos, esperando captar o "outro estado". Mas nunca indagamos inteligentes e sãmente se nossa mente é capaz de captá-lo. Sugeriu-se-nos que a mente deve estar tranquila, mas a tranquilidade foi sempre cultivada por meio da disciplina. Isto é, temos o ideal de uma mente tranquila, e buscamos realizar este ideal por meio do controle, luta, esforço.

Ora bem, se você considera atentamente esse processo, em sua inteireza, verá que está todo no terreno do conhecido. Cônscia da monotonia da existência, cansada de suas repetidas experiências, empenha-se a mente em conquistar aquele "outro estado". Mas, quando se percebe que a mente é o "conhecido" e que este movimento que faz não a leva ao outro estado, que é "o desconhecido", o nosso problema se resume então, não em como conquistar o desconhecido, mas descobrir se a mente pode libertar-se do "conhecido". Penso que este problema deve ser considerado por todo aquele que deseje descobrir se existe alguma possibilidade de "realizar o outro estado", o desconhecido. Assim sendo, como pode a mente, que é resultado do passado, do conhecido, libertar-se do conhecido? Espero que esteja me fazendo claro.

Como disse, a mente atual — tanto consciente como inconsciente — é produto do passado, resultado acumulado de influências raciais, climáticas, dietéticas, e outras. A mente, portanto, está condicionada, condicionada como cristão, hinduísta, budista, comunista, e é bem óbvio que ela projeta aquilo que considera ser o real. Mas, quer a sua "projeção" seja a do comunista, que julga prever o futuro e quer forçar toda a humanidade a adaptar-se ao padrão de sua Utopia, quer seja a "projeção" do chamado homem religioso, que também julga conhecer o futuro e educa a criança, a pessoa de acordo com o seu ponto de cista particular — nem uma nem outra dessas projeções é o Real. Sem o Real, a vida se torna muito insípida, como é atualmente para a maioria das pessoas. E sendo insípidas as nossas vidas, começamos a tornar-nos românticos e sentimentais, a respeito do outro estado, do Real.

[...] Tudo o que fazemos se baseia em luta, em ambição, sucesso, consecução de objetivos; e por esta razão, pensamos que a "realização" de Deus, ou da Verdade, só se torna possível mediante esforço. Mas esforço denota atividade egocêntrica para alcançar um fim. Não significa abandono do "eu". 

Agora, se você está cônscio de todo esse processo da mente — tanto consciente como inconsciente — se o percebe e compreende realmente, verá a mente tornar-se sobremaneira tranquila, sem esforço algum. A tranquilidade conseguida à força de disciplina, controle, repressão, é a tranquilidade da morte. A tranquilidade a que me refiro se manifesta SEM ESFORÇO ALGUM assim que compreendemos todo esse processo da mente Só então existe a possibilidade de manifestar-se aquele outro estado, que se pode chamar a Verdade, ou Deus.

Krishnamurti — Da solidão à plenitude humana


Sobre o significado ou qualidade do "estar só"

Temos muito medo do vazio e desejamos preenchê-lo. Temos medo de nossa esgotante solidão, e procuramos fugir dela. É o fugir que gera o medo; mas o fugir nos põe ativos e, por isso, quando fugimos, pensamos que estamos sendo muito POSITIVOS. Quando você tiver compreendido essa solidão, depois de atravessá-la e ultrapassá-la, descobrirá por si mesmo o que HÁ quando o "eu" já não existe. Mas, como em tudo mais, Senhor, você deve começar pelo VAZIO. A taça só é útil quando vazia. Mas, para compreender esse vazio, É PRECISO ATRAVESSÁ-LO num clarão, por assim dizer, e lançar a base correta. Então, você SABERÁ; nunca mais perguntará o que HÁ além daquele vazio.[...]

A taça só pode ser útil quando vazia. Você pode então enchê-la com o de que gosta. Mas se sua taça já está cheia — cheia de sofrimento, aflição, conflito — que utilidade ela tem? Senhor, que utilidade tem nossa vida, tal como é: competição, guerras, conflitos internacionais, divisão entre Oriente e Ocidente, entre esta e aquela religião? Que utilidade tem isso?[...]

A verdade não deve ser buscada. Não há buscar. Como pode uma mente pequena buscar a verdade? A mente pequena, a mente ambiciosa, invejosa, psicologicamente confusa, poderá imaginar, conceber ou formular o que é a verdade; mas o que formular será ainda mesquinho, pequeno, estreito. O importante não é buscar a verdade, porém ficar livre da pequenez, porque então deixais a janela aberta, deixais um espaço no qual aquela imensidade — SE EXISTE — poderá manifestar-se.[...]

Meras ideias, conceitos, conclusões não podem alterar na essência a mente humana.[...] O de que necessitamos é uma tremenda revolução psicológica.[...] A palavra 'deus' não é Deus; o conceito que você tem de Deus não é Deus. Para se descobrir se existe isso que se pode chamar 'Deus', devem desaparecer totalmente todos os conceitos verbais e formulações, todas as ideias, todo pensamento que seja reação da memória. Só então existe aquele estado de 'inocência' em que não há automistificação, nem o querer ou desejar resultado; e então você poderá descobrir por si mesmo o que é verdadeiro. Assim, a mente já não está em busca de experiência. A mente que busca experiência é imatura. A mente inocente já não se interessa por experiência. Está livre da palavra, ou seja da capacidade de reconhecer, com seu fundo de conhecimento.[...] A mente religiosa, ou inocente, está livre da palavra, livre de conceitos, padrões, formulações, e só assim pode uma mente descobrir por si própria se há, ou não, o Imensurável.[...]

É muito difícil comunicar a outra pessoa o significado ou qualidade do "estar só". Em geral nunca estamos sós. Você pode retirar-se para as montanhas e viver como recluso, mas, ainda que fisicamente esteja sozinho, você está ainda acompanhado de suas ideias, suas experiências, suas tradições, seu conhecimento de coisas passadas. [...] Refiro-me a uma solidão em que a mente se acha completamente livre do passado; só assim a mente é virtuosa, porque só nessa solidão pode haver "inocência".[...] Dessa solidão surge uma virtude viril e portadora de um extraordinário sentimento de pureza e delicadeza. Não importa se cometemos erros; o que importa é termos esse sentimento de estarmos completamente sós, não contaminados, porque só então a mente pode conhecer ou perceber aquilo que transcende a palavra, que transcende o nome, que transcende todas as projeções da imaginação.

Krishnamurti - O homem e seus desejos em conflito

segunda-feira, 3 de março de 2014

Encare o fato e veja o que acontece

Todos nós tivemos experiências de tremenda solidão, onde livros, religião, tudo passou e ficamos tremendamente, interiormente sós, vazios. A maioria de nós não pode encarar esse vazio, essa solidão, e fugimos dela. A dependência é uma das coisas para onde corremos, dependemos porque nós não conseguimos ficar sós conosco mesmos. Temos que ter o rádio ou livros ou conversa, o tagarelar incessante sobre uma coisa ou outra, sobre arte e cultura. Assim nós chegamos nesse ponto em que sabemos que existe este extraordinário sentido de autoisolamento. Podemos ter um emprego muito bom, trabalhar furiosamente, escrever livros, mas interiormente há este tremendo vácuo. Queremos preencher isso e a dependência é um dos meios. Usamos dependência, diversão, trabalho na igreja, religiões, bebida, mulheres, uma dúzia de coisas para encher, encobrir isto. Se virmos que é absolutamente fútil tentar encobrir isto, completamente fútil, não verbalmente, não com convicção e, portanto, concordância e determinação, mas se virmos o total absurdo disto, então estamos frente a um fato. Não é uma questão de como se livrar da dependência; isso não é um fato; isso é apenas uma reação a um fato. Por que eu não encaro o fato e vejo o que acontece? Agora surge então o problema do observador e do observado. O observador diz, “Eu sou vazio; não gosto disso” e foge disto. O observador diz, “Eu sou diferente do vazio”. Mas o observador é o vazio; não é o vazio visto por um observador. O observador é o observado. Há uma tremenda revolução no pensar, no sentir, quando isso acontece.

J. Krishnamurti, The Book of Life

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Por que observar o tédio, a insatisfação e a solidão?

Quando nos observamos, observamos os seres humanos.
Eu gostaria agora, se me permitem, de abordar o problema de nós mesmos nos observarmos. Quando nos observamos, não estamos nos isolando, ou nos limitando, ou nos tornando centrados em nós mesmos, porque, conforme explicamos, nós somos o mundo e o mundo é nós. Isso é um fato. E quando nós, como seres humanos, examinamos todo o conteúdo da nossa consciência, de nós mesmos, estamos realmente investigando o ser humano como um todo — quer ele viva na Ásia, na Europa ou na América. Então, não se trata de uma atividade autocentrada. Quando nos observamos, não estamos nos tornando egoístas, centrados em nós mesmos, nos tornando cada vez mais neuróticos, desequilibrados; ao contrário, quando nos olhamos, estamos examinando todo o problema humano da desgraça, do conflito, bem como tudo quanto de aterrador o homem produziu para si mesmo e para os outros. Assim, é muito importante compreender este fato: nós somos o mundo e o mundo é nós. Você pode ter maneirismos superficiais, tendências superficiais, mas, na essência, todos os seres humanos, por toda parte deste mundo desafortunado, estão acometidos de angústia, de confusão, de agitação, de violência, de desespero, de agonia. Há então um espaço comum, sobre o qual todos nós nos encontramos. Assim, quando nos observamos, observamos os seres humanos.

Krishnamurti — Saanen, 13 de julho de 1976

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill