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sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

O porque do processo, do ritmo e da necessidade de solidão

Não se pode pensar que o rigoroso segredo que envolveu um dia o aprendizado dessa matéria era inteiramente intencional. Quatro fatores respondem o fato. O primeiro é a clara percepção de que a verdade da religião sendo popularizada, todo o estofo da moralidade pública resultaria seriamente comprometido. A veiculação indiscriminada de um ensinamento descrevendo Deus tal qual Ele é na realidade e repudiando a Sua imagem presumível, e demonstrando que todos os ritos, sacrifícios e sacerdócio não passam de recursos meramente provisórios, em pouco tempo elidiria a influência da religião institucionalizada junto àqueles que dela têm necessidade; e concomitantemente desapareceriam as consequentes restrições de caráter ético e as disciplinas morais. As confusas massas de pessoas sem instrução (base emocional) voltar-se-iam então contra os seus ídolos aceitos, sem contudo dar-se conta das inegáveis vantagens que em troca propiciaria a filosofia mais elevada, pois esta última viria a ser rejeitada por demasiado diante dessas mesmas massas. estas ficariam mergulhadas num vácuo mental, ou, pelo mínimo, numa desnorteante incompreensão, com o resultado de que a sociedade seria atirada ao caos e a vida social possivelmente reverteria à impiedosa lei da selva. Seria danoso perturbar a mente das massas ainda adolescentes do ponto de vista mental (sem base), suprimindo-lhe a fé na religião tradicional quando nada que estivesse a seu alcance se lhe poderia dar em troca. Daí terem os sábios tratado de conservar para si os seus conhecimentos e só instruído aqueles poucos que estavam em condições de iniciar-se por haverem perdido o gosto pela religião ortodoxa e sentido a necessidade de alguma coisa mais racional. Ao demais das pessoas mentalmente amadurecidas, a iniciação era também propiciada aos reis, estadistas, generais, altos sacerdotes brâmanes e outros investidos nas responsabilidades de orientar as vidas das pessoas. Por essa forma, proporcionava-se-lhes melhores condições para um desempenho mais sensato e eficaz das suas tarefas. 


O segundo fator repousa na natureza aristocrática desta filosofia. Ela não se presta igualmente a leões e ovelhas. Não pode ser levada até as grutas e cabanas dos iletrados na esperança de encontrar ali boa acolhida. É tão impenetrável do ponto de vista mental e tão avançada no ponto de vista ético que paira muito além do alcance popular. Se pudesse encontrar uma aceitação fácil, tal aceitação se teria consumado tão logo foi pela primeira vez anunciada. Por ser impossível de inculcar a não ser a poucos privilegiados seu destino certo é o OSTRACISMO. Seus princípios só podem ser compreendidos por pessoas de bom desenvolvimento intelectual e nobre caráter; são princípios por demasiado sutis para as mentes imaturas, para as pessoas obtusas e estúpidas, bem como para as mesquinhas e egoístas. As populações primitivas eram compostas principalmente de camponeses que da aurora ao crepúsculo labutavam arduamente nos campos ou por pastores que se entregam a acompanhar mecanicamente seus rebanhos. Ambas as classes não poderiam desenvolver com facilidade inteligências aptas e dispostas a ponderar longo tempo nos tópicos mais abstratos que pareciam deveras distantes do campo e do lar, mas se inclinariam de preferência a dar crédito a estórias singelas. Por esta razão contentavam-se em acreditar tão-somente naquilo em que seus pais acreditavam. As massas, eram, via de regra, iletradas e viviam num mundo que as obrigava a manterem-se deveras ativas para garantir a subsistência e dentro do qual o polvo gigantesco atividade pessoal e da responsabilidade familiar as mantinha firmemente presas entre os seus tentáculos; tão firmemente que não lhes sobrava ânimo nem tempo para explorar o significado mais sutil da sua própria existência e menos ainda o conhecimento derradeiro da mais ampla e remota existência universal. Trabalhar, sofrer, perpetuar a espécie e morrer; eis o resumo do seu acanhado horizonte. Pouco se lhes dava a razão mais elevada da sua presença neste mundo. Como se poderia então desejar que compreendessem princípios e apreciassem devidamente valores que se encontram tão distantes da sua órbita quanto o estão as conferências de nível pré-universitário dos alunos do curso primário? É preciso que a imatura mente popular tenha tempo para desenvolver-se (processo) e, naquelas épocas primitivas, não se poderia esperar que ela tivesse condições para opinar sobre assuntos que amiúde superam a capacidade dos mais sagazes.

Ademais, a frase do Novo Testamento: "Muitos serão chamados mas poucos serão escolhidos" — encontra o seu equivalente hindu no dito: "Entre as multidões um homem, vez por outra, luta por compreender a verdade — estampado no Bhagavad Gita. Não há aqui nenhum exclusivismo arbitrário, apenas um reconhecimento das limitações humanas, pois esta última obra diz ainda: "Eu não me revelo a toda a gente, a maioria das pessoas tendo a sua visão toldada pela ilusão". 

O terceiro fator do segredo (da mensagem) é que os poucos sábios que dominavam essa doutrina viviam, quase sempre, em eremitérios ou em obscuros retiros monteses. Essa forma de viver à distância das multidões não era escolhida  por atender às suas necessidades pessoais, pois aqueles sábios possuíam uma fortaleza de caráter que lhes permitiria permanecer incólumes em meio às atividades das cidades mais populosas, como no caso de Shankara, ou manter-se alheios ao áureo esplendor das cortes, como no caso de Janaka. Tal reclusão era escolhida com vistas aos interesses daqueles que dela necessitavam, vale dizer, os poucos discípulos já maduros para a iniciação filosófica. A concentração constante e a reflexão profunda exigidas pela deusa da sabedoria oculta aos seus adeptos encontrava um mínimo de antagonismo e de interrupção em seus derradeiros postos avançados no seio das florestas bravias ou na imensa grandiosidade das montanhas solitárias. A tal ponto se reconhecia essa tendência a recorrer a locais desérticos com o fito de estudar que os antigos textos usados pelos mestres em suas preleções chamavam-se (e ainda se chamam) Doutrinas da Floresta. Seria, porém, um grave erro confundir esse exílio voluntário de uns poucos visando a equipar-se melhor, através de laboriosos estudos, para primeiro compreender e depois ajudar a humanidade, com o asceticismo barato que prevalece hoje em dia os avantajados e apinhados arremedos daqueles pequeninos eremitérios de outrora. A letargia estéril e a especulação supersticiosa ocupam hoje o lugar do esforço mental e do estudo disciplinado. Os antigos estudantes do terceiro grau eram homens que compreendiam estar há muito empenhados numa atividade incessante, sem perceber as razões determinantes dessa mesma atividade; que se davam conta de viverem presos como marionetes a cordéis e serem obrigados a dançar ao som de uma música alheia. Eles haviam chegado ao ponto de entender o significado das coisas, o motivo da sua presença na Terra, e os rumos para onde eram impelidos pela roda da vida. Sentiam que era preciso reservar um lugar na sua programação para o estudo da filosofia.Uma vida totalmente vazia de pensamentos mais profundos era considerada como indigna do homem, pois aproximava-o do animal. Em resumo, o que se queria era conhecer a Verdade. Daí o fugir ao mundo da atividade, em função não de uma frustração emocional mas de uma séria empreitada espiritual. Esse prolongado afastamento da sociedade, embora destinado a ser apenas um meio provisório e não um fim permanente, de forma gradual (porém inapelável) foi retirando o conhecimento adquirida da tradição cultural normal da sociedade até que a palavra sânscrita significando Doutrina da Floresta terminou por traduzir-se também por Doutrina Oculta. Não que os sábios se mantivessem sempre escondidos, mas quando se aventuravam a apresentar-se perante o público ensinavam às pessoas apenas aquilo que consideravam mais adequado, isto é, a religião pura na maior parte dos casos e o misticismo puro em alguns casos. 

O quarto fator já foi mencionado. Trata-se do perigo de os textos tradicionais serem mal interpretados e incompreendidos, de maneira que a falsidade comece gradualmente a passar por verdade e venha mesmo no futuro a ser rotulada como tal. Aqueles que do ponto de vista ético e mental estivessem despreparados iriam atribuir aos textos o seu real significado, imaginariam interpretações condizentes com os seus gostos pessoais e temperamentos. E este perigo é assaz verdadeiro, pois os textos são altamente condensados e requerem laboriosas explicações.

[...] A principal proibição à revelação da filosofia oculta em outras épocas era atribuída ao perigo que essa filosofia representava para a autoridade da religião ortodoxa, e, consequentemente, para a moralidade. Desde aqueles dias tantos fatores vêm solapando tal autoridade que ela mal tem conseguido desincumbir-se do seu papel de guardiã da moralidade. Hoje as condições já não são as mesmas daqueles dias em que Sócrates podia ser condenado à morte porque sua fé religiosa havia enfraquecido. As mentes das pessoas encontram-se atualmente em estado de perturbação e as suas convicções religiosas estão abaladas. De tal forma está alterada a posição hoje em dia que chega a ser um tanto paradoxal, pois a filosofia oculta, ao invés de destruir o que resta da religião, poderá salvá-la através de sua exegese simbólica e da sua justificativa perante os espíritos cultos do lugar e dos objetivos da religião institucionalizada. Suas revelações mal poderiam hoje afetar as massas, pois estas não tomariam conhecimento delas, como não tomam de toda filosofia abstrata, ou então, caso viessem a fazê-lo, não chegariam a aperceber-se das sutilezas.

Paul Brunton em, A sabedoria oculta além da ioga  

Deus não é uma pessoa

Deus não é uma pessoa. Isto é provavelmente o mais longo mal entendido da história. Sempre que uma mentira é repetida por séculos ela parece verdade, mas não é.

Deus é presença, não uma pessoa. É por isso que toda adoração é sem sentido. O espírito de oração é necessário, a oração não. Não existe ninguém para rezar, não existe possibilidade de diálogo entre você e Deus. Diálogo é possível apenas entre duas pessoas, e Deus não é uma pessoa mas uma presença - como a beleza, a alegria... o amor..

Deus simplesmente significa piedade.

Por causa disso é que Buda negou a existência de Deus. Ele quis enfatizar que Deus é uma qualidade, uma experiência - como o amor. Você não pode falar sobre o amor, você precisa vivê-lo. Você não precisa criar templos ao amor, você não precisa criar estátuas ao amor, e se prostrar aos pés dessas estátuas, isso é um contra-senso. (...)

O homem tem vivido sob a pressão de um Deus enquanto pessoa, e duas calamidades tem surgido em função disso: Uma é o chamado homem religioso, que acredita que Deus está em algum lugar no céu e você precisa rezar para ele, para persuadi-lo a realizar seus desejos e a saciar suas ambições , para lhe dar prosperidade neste mundo e no outro mundo também. E isso é puro desperdício.

(Osho)

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

A respeitabilidade é uma maldição

A respeitabilidade é uma maldição; é um “mal” que corrói a mente e o coração. Infiltra-se sorrateiramente na pessoa e destrói o amor. Ser respeitável é se sentir bem-sucedido, criar para si mesmo uma posição no mundo, construir em torno de si um muro de segurança, da autoconfiança que vem junto com o dinheiro, o poder, o sucesso, a capacidade ou a virtude. Esse exclusivismo da autoconfiança resulta em ódio e antagonismo nos relacionamentos humanos, que são a sociedade. Os respeitáveis são sempre a nata da sociedade, e, portanto, eles são sempre a causa de discórdias e miséria. Os respeitáveis, como os desprezados, estão sempre à mercê das circunstâncias; as influências do ambiente e o peso da tradição são extremamente importantes para eles, pois isso esconde sua pobreza interior. Os respeitáveis estão na defensiva, assustados e desconfiados. O medo está em seus corações, portanto a raiva é sua justiça. Suas virtudes e devoções são sua defesa. Eles são como o tambor, vazio por dentro mas barulhento quando golpeado. Os respeitáveis jamais podem estar abertos à realidade, pois, como os desprezados, eles estão presos na preocupação com seu próprio aprimoramento. A felicidade é negada a eles, que evitam a verdade.
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"Um ente humano respeitável nenhuma possibilidade tem de aproximar-se daquela infinita, imensurável realidade."
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"Seriamente observado, a "respeitabilidade social" é como uma maldição, é um “mal” que corrói a mente e o coração, se tratando de elemento que possa servir ao ser humano na "perspicácia da atenção sobre si mesmo", pois valorizada culturalmente distorce e desvirtua o "conhecer a si mesmo" nas relações. A respeitabilidade rasteja sobre a pessoa desavisadamente e destrói o amor."
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A maioria de nós aspira à satisfação de ocupar certa posição na sociedade, porque temos medo de ser ninguém. A sociedade é formada de tal modo que o cidadão que ocupe posição respeitável é tratado com toda cortesia (…) Esse anseio de posição, de prestígio, de poder, de ser reconhecido pela sociedade como pessoa de destaque, representa desejo de dominar os outros, e esse desejo de domínio é uma forma de agressão. (…) E qual é a causa dessa agressividade? O medo, não? 
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Todos nós, velhos e jovens, desejamos ser altamente respeitáveis (…) Respeitabilidade implica reconhecimento por parte da sociedade; e a sociedade só reconhece o que teve êxito, o que se tornou importante, famoso, e despreza o resto. Por isso, adoramos o êxito e a respeitabilidade. E quando pouco vos importa se a sociedade vos considera respeitável ou não, quando não buscais êxito, não desejais tornar-vos alguém, existe então intensidade – e isso significa que não existe medo, nem conflito, nem contradição, interiormente; por conseguinte, dispondes de abundante energia para acompanhardes o fato “até o fim”.
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Sabem o que a palavra “respeitabilidade” significa? Vocês são respeitáveis quando são considerados (…) pela maioria (…) E o que a maioria das pessoas respeita (…)? Respeitam as coisas que elas mesmas desejam e que projetaram como meta ou ideal; (…). Se você é rico e poderoso, ou tem grande reputação política, ou escreveu livros de sucesso, você é respeitado pela maioria.[...] O que você diz pode até ser um completo disparate, mas, quando você fala, as pessoas ouvem porque o consideram um grande homem. E quando você, dessa forma, conquistou o respeito da maioria, o fato de a multidão o seguir, dá-lhe uma sensação de respeitabilidade, (…). Mas o chamado pecador está mais próximo de Deus do que o homem respeitável, porquanto o respeitável está coberto de hipocrisia. (…) 
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Um dos empecilhos ao viver criador é o medo, e a respeitabilidade constitui manifestação desse medo. Os indivíduos respeitáveis, moralmente agrilhoados, não conhecem o integral e verdadeiro significado da vida. Estão encerrados dentro dos muros da sua virtude, nada podem enxergar além deles.
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A respeitabilidade é um flagelo, um mal que corrói a mente e o coração. Insinua-se furtivamente; destrói o amor. Ser respeitável é sentir-se vitorioso, é talhar para si mesmo uma posição no mundo, construir em torno de si uma muralha de segurança, daquela segurança que vem com o dinheiro, o poder, o sucesso, e a capacidade ou a virtude. Este isolamento arrogante gera ódios e antagonismos nas relações humanas que constituem a sociedade.

Os homens respeitáveis são sempre a nata da sociedade, e, como tais, causadores de conflitos e sofrimentos. (…) Estão sempre na defensiva, cheios de medo e de suspeitas. O medo habita-lhes os corações, e por isso a indignação é sua virtude. A virtude e a piedade são suas defesas. (…) Os homens respeitáveis nunca podem estar abertos para a Realidade, (…). A felicidade lhes é negada porque evitam a Verdade.

Jiddu Krishnamurti

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Buscar o tal do "Eu Sou", uma ova!

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

A mente superior não é compreendida pela mente ordinária

domingo, 29 de novembro de 2015

Sobre a necessidade de esforço e entrega

Na primeira fase da prática espiritual — e por primeira eu não quero dizer uma parte pequena — o esforço é indispensável. Também a entrega, naturalmente, mas a entrega não é uma coisa que é feita em um dia. A mente tem suas ideias e se apega a elas; o vital humano resiste à entrega, pois o que ele chama de entrega, nos estágios iniciais, é uma espécie duvidosa de dar-se que inclui uma exigência; a consciência física é como uma pedra e o que ela chama de entrega frequentemente não é mais do que inércia. É só o psíquico que sabe como entregar-se, e o psíquico está normalmente muito velado no começo. Quando o psíquico desperta, ele pode trazer uma entrega repentina e verdadeira do ser todo, pois a dificuldade do resto é rapidamente superada e desaparece. Mas até lá, o esforço é indispensável. Ou pelo menos ele é necessário até que a Força venha afluindo do alto e entre no ser e assuma a prática espiritual, faça-a por ele cada vez mais, e deixe ao esforço pessoal uma parte cada vez menor — mas mesmo neste caso, se não o esforço, pelo menos a aspiração e a vigilância são necessárias, até que a posse da mente, da vontade, da vida e do corpo pelo Poder divino seja completa.

Por outro lado, existem algumas pessoas que desde o começo partem de uma vontade genuína e dinâmica para uma entrega total. São aqueles que são governados pelo psíquico ou que são governados por uma vontade mental clara e iluminada que, uma vez tendo aceito a entrega como a lei da prática espiritual, não vai tolerar nenhum fingimento com relação a ela, insistindo sobre as outras partes do ser para que sigam sua direção. Aqui ainda há esforço; mas ele é tão pronto e espontâneo e tem tanto o sentido de uma Força maior atrás dele, que o praticante dificilmente sente que está fazendo algum esforço. No caso contrário, quando existe na mente ou no vital uma disposição para conservar sua vontade independente, uma relutância em abandonar seu movimento autônomo (idiorritmia), tem que haver luta e esforço até que seja quebrada a parede entre o instrumento na frente e a Divindade atrás ou acima. Nenhuma regra que se aplique indistintamente a todo mundo pode ser estabelecida — as variações da natureza humana são grandes demais para serem abrangidas por uma única regra absoluta.

Existe um estado em que o praticante é consciente da Força divina trabalhando nele, ou pelo menos de seus resultados, e não obstrui a descida ou a ação dela por suas próprias atividades mentais, sua inquietude vital ou obscuridade e inércias físicas. Isto é abertura ao Divino. A entrega é a melhor maneira de abrir-se; mas a aspiração e a quietude podem fazer isso até certo ponto, enquanto não houver entrega. Entrega significa consagrar tudo de si ao Divino, oferecer tudo que se é e que se tem, não insistir em suas ideias, desejos, hábitos, etc., mas permitir que a Verdade divina os substitua em toda parte pelo conhecimento, vontade e ação dela.

Mantenha-se sempre em contato com a Força divina. A melhor coisa para você é fazer isso simplesmente e permitir que ela faça seu próprio trabalho; sempre que necessário, ela se apoderará das energias inferiores e as purificará; outras vezes, o esvaziará delas e o encherá consigo mesma. Mas se você deixar sua mente tomar a direção e discutir e decidir o que deve ser feito, você perderá o contato com a Força divina, e as energias inferiores começarão a agir por si mesmas, e todas conduzirão à confusão e a um movimento errado.

O ser psíquico só pode abrir-se plenamente quando o praticante tiver se livrado da mistura de motivos vitais (físicas-emocionais-sensoriais) com sua prática espiritual e for capaz de uma oferenda de si simples e sincera à Força. Se houver alguma espécie de tendência egoísta ou uma insinceridade de motivo, se o autoconhecimento for feito sob uma pressão de exigências vitais, ou parcial ou totalmente para satisfazer uma ambição espiritual ou qualquer outra, algum orgulho, vaidade ou busca de poder, posição ou influência sobre os outros, ou ainda com qualquer impulso para a satisfação de algum desejo vital com a ajuda da força espiritual, então o psíquico não pode abrir-se, ou abre-se apenas parcialmente ou apenas uma ou outra vez e fecha-se de novo porque é velado pelas atividades vitais; o fogo psíquico extingue-se na sufocante fumaça vital. Do mesmo modo, se a mente assume a parte dirigente no autoconhecimento e empurra a alma interior para o fundo, ou se a força devocional ou outros movimentos da prática espiritual tomam uma força vital em vez de psíquica, ocorre a mesma inabilidade. A pureza, a sinceridade simples e a capacidade de uma auto-oferenda sem egoísmo e sem mistura, sem pretensões ou exigências, são as condições para uma inteira abertura do ser psíquico.

Sri Aurobindo em, A Consciência que vê, Volume 2

Sobre os altos e baixos do processo de retomada da Consciência

Essas variações na consciência durante do dia são uma coisa que é comum a quase todos na prática espiritual. O princípio de oscilação, relaxamento, recaída de um estado mais alto, experienciado mais ainda não perfeitamente estável, para uma condição mais baixa habitual ou passada, torna-se muito forte e acentuado quando o trabalho da prática espiritual é feito na consciência física. Pois há uma inércia na natureza física que não permite facilmente que a intensidade, natural à consciência mais alta permaneça constante — o físico está sempre submergindo de volta para algo mais ordinário; a consciência mais alta e sua força têm que trabalhar por muito tempo e voltar sempre de novo, antes que elas possam se tornar constantes e normais na natureza física. Não fique perturbado ou desencorajado por essas variações na consciência ou este atraso, por mais longo e tedioso que seja; apenas tenha cuidado em ser tranquilo, sempre com uma quietude interior, e tão aberto quanto possível ao Poder Superior, não permitindo que qualquer condição realmente adversa se aposse de você. Se não houver onda adversa, então o resto é somente uma persistência de imperfeições que todos têm em abundância; a Força deve trabalhar sobre essa imperfeição e essa persistência e eliminá-las, mas para a eliminação é necessário tempo.

Você não deveria permitir-se ficar desencorajado pela persistência dos movimentos da natureza vital mais baixa. Alguns deles tendem sempre a persistir e a retornar, até que toda a natureza física seja mudada pela transformação da consciência mais material; até lá, a pressão deles ocorre repetidamente — algumas vezes com uma revivificação de sua força, algumas vezes mais frouxamente — como um hábito mecânico.Tire deles toda força de vida, recusando-lhes todo consentimento mental ou vital; então o hábito mecânico perderá o poder de influenciar os pensamentos e os atos, e finalmente cessará. (¹)

Fidelidade é não admitir ou manifestar nenhum outro movimento a não ser os movimentos inspirados e guados pelo Divino.

Sinceridade significa elevar todos os movimentos do ser ao nível da consciência e da realização mais altas já alcançadas.

A sinceridade exige a unificação e a harmonização do ser inteiro, em todas as suas partes e movimentos, em torno da Vontade Divina central.

O Divino se dá àqueles que se dão sem reservas e em todas as suas partes ao Divino. São para eles, a calma, a luz, o poder, a alegria, a liberdade, a amplidão, as alturas do conhecimento, os mares de bem-aventurança.

Falar de entrega ou ter uma ideia ou um tépido desejo de consagração integral não é a coisa; deve haver um impulso ardente para uma mudança radical e total.

Não é tomando uma mera atitude mental que isto pode ser feito, ou mesmo por um número qualquer de experiências interiores que deixam o homem exteriorizado como ele era. É este homem exteriorizado que tem que se abrir, entregar-se e mudar. O menor de seus movimentos, hábitos, ações, tem que ser entregue, visto, levado para cima e exposto à Luz divina, oferecido à Força divina, para que suas velhas formas e motivos sejam destruídos e a Verdade divina e a ação da consciência transformadora da Mãe divina tomem seu lugar.(²)

(¹) Sri Aurobindo em, A Consciência que vê - vol. 1
(²) Sri Aurobindo em, A Consciência que vê - vol. 2

sábado, 28 de novembro de 2015

Descobrindo um fogo na catedral do coração

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Na experiência religiosa não existe eu e Deus

A mente adquirida se alimenta de mimimi bichoso

Nos momentos de crise ocorrem os saltos quânticos

Da crise de identidade à consciência que somos

A bem aventurada crise de identidade

A vivência do vazio de identificação

Sem o colapso do mental e do emocional, o oculto não se manifesta

Sem base emocional, dá se o efeito dominó

Sem base emocional, a casa cai

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Necessidade de silêncio e solidão

terça-feira, 24 de novembro de 2015

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Por que o homem tem fé na razão?

Por que o homem tem fé na razão? Porque a razão tem uma legítima função a cumprir, para a qual está perfeitamente adaptada; e esta função é justificar e iluminar, para o homem, suas diversas experiências, dando-lhe fé e convicção para persistir na tarefa de ampliar sua consciência.
Essa verdade está escondida ao racionalista porque ele se apóia em dois constantes artigos de fé: primeiro, que sua razão está certa e que a razão dos outros, que dele divergem, está errada; segundo, que quaisquer que possam ser as atuais deficiências do intelecto humano, a razão humana coletiva certamente acabará por alcançar pureza e será capaz de fundar o pensamento e a vida humana, com segurança, sobre uma base racional clara que satisfaça inteiramente a inteligência. Seu primeiro artigo de fé é sem dúvida a expressão comum de nosso egoísmo e arrogante falibilidade, e no entanto é alguma coisa mais; ele expressa esta verdade de que é função legítima da razão justificar ao homem sua ação e sua esperança e a fé que está nele, e dar-lhe aquela ideia e conhecimento, embora restritos, e aquela convicção dinâmica, embora estreita e intolerante, de que ele necessita para poder viver, agir e crescer na mais alta luz acessível a ele.  A razão não pode abarcar a verdade toda, porque a verdade é infinita demais para ela; mas ainda assim ela realmente apanha da verdade o algo de que imediatamente necessitamos, e sua insuficiência não diminui o valor de seu trabalho, mas dá antes a medida de seu valor. Pois o homem não está destinado a apoderar-se de vez da verdade inteira de seu ser, mas a movimentar-se rumo a ela através de uma sucessão de experiências e de uma auto-expansão constante, embora de modo algum perfeitamente contínua. É então a primeira tarefa da razão justificar e elucidar para ele suas diversas experiências e dar-lhe fé e convicção para persistir em suas auto-ampliações. Ela lhe justifica ora isto, ora aquilo, as experiências do momento, a luz refluente do passado, a visão semivista do futuro. Sua inconstância, sua divisibilidade contra si mesma, seu poder de sustentar pontos de vista opostos são o inteiro segredo de seu valor. Ela não conseguiria de fato suportar pontos de vista conflitantes demais no mesmo indivíduo,  exceto em momentos de despertar e de transição, mas no corpo coletivo dos homens e nas sucessões do Tempo esta é toda a sua tarefa. Pois assim que o homem se move rumo à infinidade da Verdade, através da experiência de sua variedade; assim sua razão o ajuda a construir, modificar, destruir o que construiu e a preparar uma nova construção — em uma palavra, a progredir, crescer, ampliar-se em seu autoconhecimento e conhecimento do mundo e de seus trabalhos. 
Mas a razão nem pode chegar a uma verdade final, porque ela nem pode alcançar a raiz das coisas nem abraçar a totalidade delas. Ela lida com o infinito, o separado, e não tem medida alguma para o todo e o infinito.
O segundo artigo de fé de quem acredita na razão é também um erro, e ainda assim contém uma verdade. A razão não pode chegar a uma verdade final porque ela nem pode alcançar a raiz das coisas nem abraçar a totalidade dos segredos delas; ela lida com o finito, o separado, o agregado limitado, e não tem medida alguma para o todo o e o infinito. Tampouco pode a razão fundar uma vida perfeita para o homem ou uma sociedade perfeita. Uma vida humana puramente racional seria uma vida malograda e privada de suas fontes dinâmicas mais poderosas; seria uma substituição do soberano pelo ministro. Uma sociedade puramente racional não poderia chegar a existir e, se ela pudesse nascer, ou não conseguiria viver ou esterilizaria e petrificaria a existência humana. Os poderes da raiz da vida humana, suas causas íntimas, estão abaixo, irracionais, e estão acima, supra-racionais. Mas é verdade que por constante ampliação, purificação, abertura, a razão do homem é obrigada a alcançar um sentido inteligente mesmo daquilo que está oculto a ela, um poder de reflexão passiva, e no entanto concordante, da Luz que a ultrapassa. Seu limite é alcançado, sua função terminou quando ela pode dizer ao homem: "Existe uma Alma, um SI, um Deus no mundo e no homem que trabalha oculto, e tudo é seu auto-ocultamento e seu gradual autodesdobrar-se. Seu ministro eu tenho sido, para lentamente declarar teus olhos, remover os grossos tegumentos de tua visão até que haja somente meu próprio véu luminoso entre ti e ele. Remove isto e faze a alma do homem uma realidade e natureza com este Divino; então tu conhecerá, descobrirás a lei mais alta e mais vasta de teu ser, te tornarás o possuidor, ou pelo menos o receptor e instrumento de uma vontade e conhecimentos mais altos que os meus, e por fim te apoderarás do verdadeiro segredo e do inteiro sentido de um viver humano e, no entanto, divino". 
As limitações da razão se tornam evidentes quando a confrontamos com a vida religiosa.
Eis um reino para o qual a razão intelectual olha atenta, com a mente embaraçada de um estrangeiro que ouve uma língua cujas palavras e espírito lhe são ininteligíveis, e vê em todo lugar formas de vida e princípios de pensamento e ação absolutamente estranhos à sua experiência. 

A razão intelectual desajustada, defrontada com os fenômenos da vida religiosa, tende naturalmente a adotar uma de duas atitudes, ambas extremamente superficiais e precipitadamente presunçosas e errôneas. Ou ela encara a coisa toda como uma massa de superstição, um contra-senso místico, uma mixórdia de remanescências bárbaras e ignorantes — esse foi o espírito extremo do racionalista, felizmente já enfraquecido e quase moribundo, embora não morto — ou ela patrocina a religião, tenta explicar-lhe as origens, livrar-se dela pelo processo de explicá-la; ou, ainda, trabalha suavemente ou vigorosamente para rejeitar ou corrigir suas superstições, cruezas e absurdos, para depurá-la até um nada abstrato ou persuadi-la a depurar-se ela própria à luz da inteligência raciocinante; ou lhe designa um papel, deixa-a, talvez, para a edificação do ignorante, admite seu valor como influência moralizadora, ou a utilidade que tem para o Estado por manter as classes mais baixas em ordem, e talvez ela tente mesmo inventar aquela estranha quimera, uma religião racional

Sri Aurobindo em, A evolução futura do homem

A razão como trave de tropeço

Afirma-se frequentemente que a razão é a faculdade mais alta do homem e que ela lhe possibilitou dominar-se a si mesmo e dominar a Natureza. Foi a razão realmente bem sucedida nisto?
À parte da ação vacilante do mundo, tem havido um trabalho do pensador individual no homem, e este atingiu uma qualidade mais alta e se ergueu a uma atmosfera mais elevada e mais clara, acima dos níveis de pensamentos humanos gerais. Tem havido o trabalho de uma razão que sempre busca conhecimento e pacientemente se esforça por descobrir a verdade por ela mesma — sem desvio, sem a interferência de interesses que distorcem — por estudar tudo, por analisar tudo, por conhecer o princípio e o progresso de tudo. A Filosofia, a Ciência, o conhecimento adquirido, as artes fundadas na razão, todos os trabalhos de eras da razão crítica ao homem, tem sido o resultado deste esforço. Na era moderna, sob o impulso da Ciência, este esforço assumiu enormes proporções e pretendeu por algum tempo examinar com êxito, e finalmente estabelecer, o verdadeiro princípio e a suficiente norma de processo não apenas para todas as atividades da Natureza, mas para todas as atividades do homem. Isto fez grandes coisas, mas não foi, por fim, bem sucedido. A mente humana começa a perceber que deixou o coração de quase todo problema sem ser tocado, e iluminou apenas exterioridades e uma certa ordem de processos. Tem havido uma classificação e mecanização grande e ordenada, uma grande descoberta e resultado prático de conhecimento cada vez maior, mas apenas na superfície das coisas. Jazem em baixo, vastos abismos da Verdade, nos quais estão ocultas as reais fontes, os misteriosos poderes e as influências secretamente decisivas da existência. A questão é se a razão intelectual será algum dia capaz de nos dar uma explicação adequada destas coisas mais profundas e maiores, ou de submetê-las à vontade inteligente, pelo fato dela ter conseguido explicar e canalizar, embora ainda imperfeitamente mas com muita mostra de resultado triunfante, as forças da Natureza física. Mas estes outros poderes são muito mais vastos, sutis, profundos, encobertos, indefiníveis e variáveis que aqueles da Natureza física. Mas estes outros poderes são muito mais vastos, sutis, profundos, encobertos, indefiníveis e variáveis que aqueles da Natureza física. 

Toda a dificuldade da razão em tentar governar nossa existência advém do fato de que, devido suas limitações inerentes, ela é incapaz de lidar com a vida em sua complexidade, ou em seus movimentos integrais; ela é compelida a decompô-la em partes, a fazer classificações mais ou menos artificiais, a construir sistemas com dados limitados, que são contraditos, derrubados ou têm que ser continuamente modificados por outros dados, obrigada a elaborar uma seleção de potencialidades ainda não reguladas.
Quando a razão se aplica à vida e à ação, ela se torna parcial e apaixonada, e se torna serva de outras forças que não a verdade pura.
Mas mesmo que o intelecto se mantenha tão imparcial e desinteressado quanto possível — e totalmente imparcial, totalmente desinteressado o intelecto humano não pode ser, a menos que ele se satisfaça com o chegar a um inteiro divórcio da prática, ou a um tipo de tolerantismo e ecletismo grandes mas inefetivos, ou a uma curiosidade cética — ainda assim as verdades que ele descobre ou as ideias que promulga se tornam, no momento em que são aplicadas à vida, o brinquedo de forças sobre as quais a razão tem pouco controle. A Ciência, em sua maneira fria e imparcial, fez descobertas que serviram por um lado a um humanitarismo prático, e por outro forneceram armas monstruosas para o egoísmo e a destruição mútua; ele tornou possível uma gigantesca eficiência de organização que tem sido usada por um lado para o melhoramento econômico e social das nações, e por outro para tornar cada uma delas um aríete de agressão, demolição e matança. De um lado ela deu surgimento a um grande humanitarismo racionalista altruísta, e de outro justificou um egoísmo e vitalismo perversos, ambição vulgar de poder e sucesso. Ela juntou a espécie humana e deu-lhe uma nova esperança, ao mesmo tempo em que a esmagou com a carga de um comercialismo monstruoso. E isto não se deve a seu divórcio da religião, como frequentemente se afirma, nem a uma falta de idealismo. A filosofia idealista tem estado igualmente a serviço do bem e do mal, e proporcionou uma convicção intelectual tanto para reação quanto para progresso. A própria religião organizada, bastante frequentemente no passado, incitou os homens ao crime e ao massacre e justificou o obscurantismo e a opressão. 

A verdade é isto em que estamos agora insistindo: que a razão é em sua natureza uma luz imperfeita, com uma grande mas ainda assim restrita missão, e que, tão logo se aplica à vida e à ação, ela se torna sujeita ao que estuda, e serva e conselheira das forças  em cuja luta obscura e mal compreendida intervém. Ela pode em sua natureza ser usada, e sempre o tem sido, para justificar qualquer ideia, teoria de vida, sistema de sociedade ou governo, ideal de ação individual ou coletiva a que a vontade do homem se apegue momentaneamente ou através dos séculos. Na filosofia ela dá igualmente boas razões para o monismo e o pluralismo ou para qualquer estação intermediária entre eles, para a crença no Ser ou para a crença no Tornar-se, para o otimismo e pessimismo, para ativismo e quietismo. Ela pode justificar o religiosismo mais místico e o ateísmo mais positivo, descartar-se de Deus ou não ver nenhuma outra coisa. Na estética ela fornece a base igualmente para o classicismo e para o romantismo, para uma teoria idealística, religiosa ou mística da arte, ou para o realismo mais terra-a-terra. Ela pode com igual poder fundamentar austeramente um moralismo rigoroso e estreito ou provar triunfantemente a tese do antinomiano. Ela tem sido o profeta suficiente e convincente de toda espécie de autocracia ou oligarquia e de todas as espécies de democracia; ela fornece razões excelentes e satisfatórias para o individualismo competitivo, e igualmente razões excelentes e satisfatórias para o comunismo ou contra o comunismo e para o socialismo de Estado ou para uma variedade de socialismo contra outra. Ela pode colocar-se com igual eficácia a serviço do utilitarismo, economismo, hedonismo, esteticismo, eticismo, idealismo, ou qualquer outra necessidade ou atividade essencial do homem, e construir em torno disso uma filosofia, um sistema político e social, uma teoria de conduta de vida. Peça-lhe que não se incline para uma ideia só, mas que faça uma combinação eclética ou uma harmonia sintética, e ela irá satisfazê-lo; somente, qualquer que seja o número de combinações ou harmonias possíveis, ela justificará igualmente bem uma ou outra, e erigirá ou derrubará qualquer uma delas, conforme o espírito no homem for por ela atraído ou dela se retirar. Pois em verdade é ele quem decide, e a razão é apenas um servo e ministro brilhante deste velado e secreto soberano.

Sri Aurobindo em, A evolução futura do homem

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

A verdade tem que ser solicitada

Um homem que está em busca da verdade não pensa em termos de felicidade. Sua felicidade ou infelicidade, não é o que interessa. "Eu preciso saber a verdade. Mesmo que seja doloroso, mesmo se ela me levar para o inferno, eu estou pronto para passar por isso. Onde quer que ela me leve, estou pronto para ir até a verdade."

Existem apenas dois tipos de pessoas. Uma delas esta em busca da felicidade, ela é do tipo mundano. Ela pode ir para um mosteiro, mas o tipo não muda: há também o fato de ele estar buscando a felicidade, o prazer a gratificação. Mesmo de uma forma diferente – através de meditação, oração, Deus – ele está tentando tornar-se feliz, cada vez mais feliz. Depois, há outro tipo de pessoa – e existem apenas dois tipos – o que está em busca da verdade. E este é o paradoxo: aquele que procura a felicidade nunca vai encontrá-la, porque a felicidade não é possível a menos que você alcançou a verdade. A felicidade é apenas uma sombra da verdade, não é nada em si – é apenas uma harmonia.

Quando você se sentir um com a verdade, tudo se encaixa, cai junto. Você se sente num ritmo – o ritmo é a felicidade. Você não pode buscá-la diretamente.

A verdade tem que ser solicitada. A felicidade é encontrada quando a verdade é encontrada, mas a felicidade não deve ser o objetivo. E se você procurar a felicidade diretamente você será cada vez mais infeliz. E, além disso, a sua felicidade será apenas como uma bebida alcoólica para que você possa esquecer a infelicidade, apenas isso, você bebe para ser feliz. A felicidade é como uma droga – é como LSD, como a maconha, como a mescalina.

Por que o Ocidente chegou as drogas? É um processo muito, muito racional. Chegou porque na busca pela felicidade uma pessoa chega ao LSD, cedo ou tarde. O mesmo aconteceu antes na Índia. Nos Vedas chegaram ao soma, o LSD da época, porque eles estavam buscando a felicidade, pois eles não estavam realmente buscando a verdade. Eles estavam buscando mais e mais gratificação – então chegaram ao soma. Soma é a droga definitiva. E Aldous Huxley tem chamado a droga final, quando é para ser comparado com alguma coisa no século XXI, ele a chamou Soma. Sempre que uma sociedade, um homem, uma civilização, busca a felicidade, tem de haver com algum lugar para as drogas – porque a felicidade é uma busca por drogas. A busca da felicidade é uma busca para esquecer-se de si mesmo, e é a droga que o ajuda fazer-lo. Você se esquece de si mesmo, então não há nenhuma miséria. Você não está lá, como pode haver miséria? Você está dormindo.
A busca da verdade é apenas a dimensão oposta: sem gratificação, sem prazer, sem a felicidade, mas: "Qual é a natureza da existência? O que é verdade". Um homem que procura a felicidade nunca vai encontrá-la – no máximo ele vai encontrar o esquecimento. Um homem que busca a verdade vai encontrá-la, porque ao buscar a verdade, ele terá que se tornar verdadeiro a si mesmo.

A pensamentose é a doença da ingratidão

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

A mais importante obrigação de todo ente humano

[...] Cumpre encontrar ordem na sociedade e na liberdade. A sociedade são relações organizadas entre homens. Nessa organização, nessa sociedade, temos de encontrar liberdade, e nessa liberdade — ordem; do contrário, não é liberdade, porém mera reação contra a sociedade. Quer dizer, muitos de nós, vendo-nos cativos do ambiente, reagimos, revoltamo-nos; e essa revolta, segundo cremos, é liberdade. Mas, é bem evidente que nenhuma revolta originada de reação traz a liberdade; só traz desordem. A liberdade é um estado de espírito que não resulta de nenhuma reação — tal o comunismo, que é uma reação ao capitalismo. E essa reação, na vida diária ou numa sociedade organizada, só pode gerar mais desordem. 

Na sociedade existe ordem, tecnologicamente, como se vê, no mundo inteiro. A ordem é necessária para os indivíduos poderem viver e trabalhar juntos; toda cooperação exige ordem. Mas, essa ordem é produto da necessidade tecnológica, da necessidade criada pela conveniência, pelo medo, etc. Nessa ordem tecnológica há desordem, porque o homem não é livre. Só quando se compreendem as relações psicológicas entre os homens, e nessas relações se estabelece a ordem, só então há liberdade.

Ao falamos de liberdade, não estamos falando de reação; estamo-nos referindo à ordem que nasce da integral compreensão da psique humana, da essência total do homem, da inteira estrutura sociológica e psicológica do homem. Da compreensão dessa estrutura nasce a liberdade que traz a ordem. Só dentro dessa ordem poderão os homens conviver pacificamente. Tal é o alvo que temos em mira, isto é, promover uma transformação na mente humana, mediante a compreensão das relações sociológicas e psicológicas do homem; pois dessa compreensão nascerá a liberdade, e dessa liberdade a ordem. O que nos interessa, por conseguinte, é descobrir uma maneira de viver em que não sejamos escravos da sociedade e possamos, ao mesmo tempo, estabelecer, num mundo novo, um estado de ordem e não de desordem nas relações humanas. 

Na sociedade hoje existente, as relações entre os homens são organizadas; nela há desordem, porque vivemos em conflito, não só com nós mesmos, mas também uns com os outros. Exteriormente, estamos divididos em comunidades, separadas umas das outras por diferenças idiomáticas, nacionais e religiosas; divididos em famílias, em oposição à comunidade, e a comunidade em oposição à nação, etc. Interiormente, observa-se uma extraordinária ânsia de sucesso, um forte impulso à competição, ao ajustamento; a compulsão da ambição, do desespero, do tédio da existência de cada dia; o desespero do ente humano que se vê num estado de total e irremediável solidão. Tudo isso, consciente ou inconscientemente, constitui o campo de batalha das relações. A menos que se estabeleça a ordem nessas relações, qualquer que seja o resultado da revolução econômica, social ou científica, é inevitável a desintegração, porquanto não foi compreendida, resolvida e libertada a estrutura da mente humana. 

Nosso problema, pois, se refere à obrigação que temos de promover uma completa revolução psicológica; porque cada um de nós, cada ente humano, é parte integrante da sociedade, dela não está separado. Não existe isso que se chama "um indivíduo". Pode um ente humano ter um nome, uma família separada, etc.; mas, psicologicamente, não é um indivíduo, porque está condicionado pela sua sociedade; por suas crenças, seus temores, seus dogmas; por todas as influências exercidas pela sociedade; pelas circunstâncias em que vive. Isso é bem óbvio. O indivíduo é condicionado pela sociedade em que vive, e esta foi criada por ele. Por essa sociedade ele é responsável; e somente a ele, como ente humano, cabe promover-lhe a transformação. 

Eis a mais importante obrigação de todo ente humano. Não tem ele de aderir a certas reformas sociais, pois isso seria inteiramente inadequado e absurdo. Como entes humanos, cabe-nos a obrigação de promover uma revolução psicológica que estabeleça a ordem nas relações humanas. Essa ordem só poderá nascer da revolução psicológica, e esta só se realizará quando cada um de nós compenetrar-se de sua enorme responsabilidade. 

Em geral, cremos que alguém, um outro qualquer promoverá essa revolução; que, por obra das circunstâncias, de Deus, de crenças, de políticos, rezas, leituras de certos livros chamados "livros sagrados", etc., nossa mente será transformada. Quer dizer, passamos adiante a nossa obrigação, a algum líder ou guia, a um certo padrão social, uma certa influência. Tal maneira de pensar denota total irresponsabilidade e profunda indolência. 

[...] Deveis tornar-vos bem cônscios deste problema: que não há solução na revolução econômica, política ou científica; que nenhum líder político, por mais tirânico ou benfazejo que seja, nenhuma autoridade poderá promover a ordem psicológica; que ninguém, senão vós mesmo, como ente humano, pode promovê-la — não num mundo celestial, se tal mundo existe, porém neste mundo, e já!

Portanto, o problema é vosso. Podeis não desejá-lo, e dizer: "Preciso que alguém me mostre o caminho; estou disposto a seguir". Pois estamos muito acostumados a seguir pessoas: no passado, temos os instrutores religiosos; no presente, Marx ou um certo guru ou santo, com suas peculiaridades e idiossincrasias. Estamos sempre na sujeição da autoridade. A mente, escravizada há séculos pela autoridade, pela tradição, pelas convenções, pelo hábito, está sempre disposta a seguir e, em consequência, a transferir a outrem suas responsabilidades; nessas circunstâncias, não é possível estabelecer-se a ordem psicológica. Essa ordem psicológica é indispensável, porque nela é que temos de basear a nossa vida diária — a única coisa realmente importante. Daí, dessas bases sólidas, temos possibilidade de ir muito longe. Mas, se nos faltam essas bases ou se as assentamos na crença, no dogma, na autoridade, na confiança em outrem, estamos então totalmente extraviados.

Cabe-nos, pois, promover uma transformação psicológica em nossas relações com a sociedade em que vivemos. Por conseguinte, não há motivo de retirar-nos para o Himalaia, tornar-nos monges ou freiras ou prestar serviços sociais, e demais puerilidades. Nós temos de viver neste mundo, de realizar uma transformação radical em nossas mútuas relações, não num futuro distante, porém agora; é essa a nossa maior obrigação. Porque, se não modificar-se a psique, a estrutura interna da mente e do coração, nos veremos em eterna confusão, angústia e desespero. 

Krishnamurti em, A Suprema Realização

Buscar o tal do "Eu Sou", uma ova!

Para irmos muito longe, temos de começar com o que está muito perto. Devemos começar aqui e não do outro lado da existência. Deveis começar com a Terra, conosco, com os entes humanos, com vós mesmo, e nunca tentar descobrir a "beleza transcendental" da vida. Para se achar a beleza transcendental da vida, é preciso primeiramente conhecer a própria vida. Só através de nossa existência diária e pela compreensão da beleza dessa vida, só por essa porta se pode descobrir o imensurável.

Nossa mente busca sempre algo não transitório, algo chamado "Deus", algo chamado "Verdade". E vemo-nos tão desesperados, tão ansiosos, tão assediados pelo medo, que todos os esforços fazemos por achar isso que chamamos "Deus" ou "Verdade". Mas, para achá-lo, precisamos lançar a base correta, e a base correta é a ação correta, na conduta. Não devemos, pois, lançar as bases sobre a areia, porém aceitando a responsabilidade de nossa vida diária e diligenciando promover nessa vida uma extraordinária revolução. 

Para a maioria de nós, toda mudança consiste numa espécie de transação mercantil. Desejo mudar e começo a "especular" sobre se isso será "lucrativo", se "valerá" a pena, etc. Portanto, para nós, mudança significa "transação". Refleti sobre isso, e vereis de que maneira extraordinária a vossa mente funciona em relação a qualquer mudança. Mudamos, quando o consideramos proveitoso, aprazível; ou mudamos, se é doloroso o nosso atual estado. Mas toda mudança especulativa não é mudança, de modo nenhum. Por conseguinte, se nossa mente deseja encontrar a Realidade, deve começar por si própria. 

E existe algo não mensurável pela mente ou pelos instrumentos inventados pelo homem. Existe a Verdade, a Bem-Aventurança. Mas não é por meio de orações nem de esperanças que a alcançaremos, porém pelo nos tornarmos totalmente responsáveis por cada uma de nossas ações, em cada dia, em cada minuto do dia. E, então, dessa responsabilidade desponta a flor da compreensão, que é o verdadeiro caminho da vida. Esse caminho tem de ser descoberto por cada um de nós, pois só por ele se alcançará a realidade, a iluminação, a profundeza do espírito.

Krishnamurti em, A Sublime Realização

Sem novos indivíduos, não há nova sociedade

[...]Deveis saber que há enorme confusão, aflição e sofrimento no mundo, e que o homem — o homem de nossos dias — não soube dar a isso a devida solução. Assim sendo, apela-se para o passado. Considera-se necessário retroceder cinco ou sete mil anos, para ressuscitar aquele passado e restaurar o sentimento religioso. E por esse caminho, igualmente, nada se resolve. Não há solução mediante o tempo. O tempo poderá tornar a vida mais aprazível, mais confortável, mas conforto e prazer não são soluções positivas para a vida. Tampouco se encontra a solução por meio de reformas. Não há solução no frequentar o templo, no ler qualquer livro sagrado. É necessário que o indivíduo compreenda quanto é sério tudo isso; que sejam abandonadas todas aquelas futilidades e nos coloquemos frente a frente com os fatos — nossa vida cotidiana, nossa existência brutal, ansiosa, insegura, cruel, com seus prazeres e entretenimentos — para vermos se, como ente humanos que vivemos há dois milhões de anos, poderemos operar uma radical transformação em nós mesmos e, por conseguinte, na estrutura da sociedade. 

O tomar conhecimento dessa responsabilidade, dessa obrigação, é muito difícil. Temos de trabalhar não só em nosso interior, mas também em nossas relações com outrem. Com a palavra "trabalho" não me refiro a pôr em prática alguma fórmula estulta, alguma teoria absurda, as asserções fantásticas de algum filósofo, guru ou instrutor. Todas essas coisas são infantilidades, impróprias de um indivíduo amadurecido. Quando dizemos "trabalho", isso significa que o indivíduo, cônscio de sua responsabilidade como ente humano vivente neste mundo, deve trabalhar pela transformação de si próprio. Pois, se ele operar essa mutação em si próprio, poderá transformar a sociedade. A sociedade não pode ser transformada por nenhuma revolução, quer econômica, quer social. Disso já tivemos provas com a Revolução Francesa e a Revolução Russa. A eterna esperança do homem de que, mediante a alteração das coisas exteriores, o ente humano pode ser transformado, nunca se realizou e nunca se realizará. A reforma exterior, a reforma econômica que forçosamente terá de operar-se nests país tão pobre — não irá modificar a atitude do homem, suas maneiras de vida, sua aflição e confusão. 

Assim, para que se opere uma total transformação do ente humano, é necessário que o homem se torne cônscio de si próprio, aprenda de uma nova maneira a respeito de si próprio. O homem, segundo as recentes descobertas da antropologia, vive a dois milhões de anos; e até hoje não descobriu uma solução para suas aflições. Tem sabido fugir delas, por meio de fantasias e ilusões. Mas não encontrou a necessária solução, não edificou uma sociedade livre de ajustamentos. 

[...] Como se observa neste país, cada homem cuida apenas de sua família, de seu grupo, sua classe, sua região natal, suas diferenças idiomáticas. Vive inteiramente alheio ao que está acontecendo a seu próximo; isso pouco lhe importa; é total a sua indiferença aos acontecimentos. Entretanto, seus livros religiosos ensinam que ele terá uma vida futura e, portanto, deve comportar-se decentemente; que existe karma: tudo o que ele agora faz é levado em conta — como fala, como diz as coisas, não importa a quem seja; que deve proceder virtuosamente, pois, do contrário, pagará por seus atos na próxima vida. É isso, em linhas gerais, o que eles preceituam. Nesta base, há séculos, os indivíduos estão sendo educados. No entanto, tais crenças e ideias nada importam em vossa vida, porque não credes. Continuais a comportar-vos como se esta fosse a única vida realmente importante. Porque continuais a competir, a ser ambicioso, a destruir o vosso semelhante; socialmente, sois destituídos de espírito cívico

Há, pois, duas formas de sociedade. Numa delas, o indivíduo é obrigado a ajustar-se, forçado pela necessidade de cooperar. Aí, o ente humano adquire a mentalidade cívica: não jogo lixo na rua, porque se o fizer serei punido. Nessa sociedade há ordem. Mas, dentro dessa ordem, dessa organização cada um está contra todos. Na outra forma de sociedade, a existente neste país, não há nenhuma estrutura social. Não há a menor consciência cívica, porque ninguém crê no que lhe é dito ou ensinado. 

Há essas duas formas de sociedade; e cada uma delas traz em si o germe de sua própria destruição. Assim sendo, ao home religioso importa criar uma nova sociedade inteiramente diferente daquelas, ou seja, uma sociedade em que cada indivíduo proceda virtuosamente em cada minuto, por compreender suas responsabilidades como ente humano; por compreender que só ele responde por sua conduta e suas atividades; só ele será responsável, se for ambicioso, cruel, destruidor, rancoroso, ciumento, competidor, atormentado por temores. — Só tais indivíduos podem criar uma nova sociedade. 

Necessitamos de uma nova sociedade; e ninguém mais a pode criar senão vós mesmos. Mas, não parecemos sentir nossa imensa responsabilidade a esse respeito. E é isso o que mais importa, antes de tudo o mais. Porque essa é que é a base adequada, ou seja, o comportamento virtuoso, a conduta justa — que não é conduta ditada por um padrão, porém conduta que decorre do aprender. Se o indivíduo está aprendendo a todas as horas, esse próprio ato de aprender cria a ação virtuosa. Por isso, só a mente religiosa pode criar a nova sociedade. 

[...] Para irmos muito longe, temos de começar com o que está muito perto. Devemos começar aqui e não do outro lado da existência. Deveis começar com a Terra, conosco, com os entes humanos, com vós mesmo, e nunca tentar descobrir a "beleza transcendental" da vida. Para se achar a beleza transcendental da vida, é preciso primeiramente conhecer a própria vida. Só através de nossa existência diária e pela compreensão da beleza dessa vida, só por essa porta se pode descobrir o imensurável.

Jiddi Krishnamurti em, A Suprema Realização

É possível viver sem a esterilidade da moderna existência?

Para a maioria de nós, viver a existência diária, o escritório e sua insípida rotina, e as insignificantes disputas de cada dia, e as ambições, e as infindáveis tribulações da vida — é uma degradação; coisa fastidiosa e exaustiva.[...]

Para descobrir o pleno significado do viver, devemos compreender as diárias torturas de nossa complexa existência; delas não temos possibilidade de fugir. A sociedade em que vivemos precisa ser compreendida por cada um de nós  — não por um certo filósofo, instrutor ou guru; e nossa maneira de viver tem de ser transformada, mudada completamente.[...] No movimento da transformação, no movimento de operar, sem visar vantagens, uma transformação em nossa vida, há beleza; e, nessa transformação, descobriremos por nós mesmos, o inefável mistério que anda a buscada a mente de cada um de nós. Por conseguinte, o que nos deve interessar é[...] a compreensão de nossa nossa complexa e cotidiana existência, porque esta é que que constituí a base sobre a qual temos de edificar. Pois, se não a compreendermos e transformarmos radicalmente, nossa sociedade estará sempre num estado de corrupção e, por conseguinte, nos veremos num perene estado de deterioração.

Nós somos a sociedade; dela não somos independentes. Somos o resultado do ambiente — de nossa religião, nossa educação, do clima, dos alimentos que tomamos, das reações, das inumeráveis e sempre repetidas atividades a que nos entregamos todos os dias. Tal é a nossa vida. E a sociedade em que vivemos é parte integrante dessa vida. Sociedade são as relações entre os homens. Sociedade é cooperação. A sociedade, tal como ora existe, é o resultado da avidez, do ódio, da competição, da brutalidade e crueldade do homem; esse é o padrão conforme o qual vivemos. E, para compreendê-lo — não intelectualmente, de maneira puramente teórica, porém realmente — temos de pôr-nos diretamente com o fato, ou seja: todo ente humano — vós — é o resultado desse ambiente social, de sua pressão econômica, de seu sistema religioso, educativo, etc. Entrar em contato direto com uma coisa não é verbalizá-la, porém olhá-la. 

E essa parece ser uma das coisas mais difíceis — entrar diretamente em contato com o fato.[...] Para a maioria de nós o fato é inexistente. Vivemos com ideias; vivemos com nossas lembranças, nossas experiências; e à sombra dessas experiências e lembranças queremos observar o fato e transformá-lo — isto é, esperamos transformá-lo, mudá-lo. [...]

Nós nunca olhamos para as coisas.[...] Andamos ocupados demais com as nossas próprias aflições e tribulações; e tão fechados vivemos em nós mesmos, tão fechados em nossos próprios problemas, que nada mais vemos. Ora, observar significa aprender. Só com o aprender se pode operar uma transformação radical. O próprio ato de aprender é ato de transformar. Assim, olhar, observar, é a principal necessidade do homem religioso; nada importa o que um homem pensa, o que sente, ou quais sejam as suas reações.[...]

Observar exige quietude; exige da mente a capacidade de estar em silêncio, de não ficar incessantemente tagarelando entre si. Para observar, necessita-se de certo silêncio. E não se pode ter silêncio, se a mente, no ato de observar, está "projetando" suas próprias ideias, suas próprias exigências, esperanças, temores. Assim, para podermos observar a estrutura social em que vivemos, e promover uma radical transformação nessa sociedade, devemos primeiramente observar o que é, e não o que desejamos que a sociedade seja.

Porque a sociedade em que vivemos, nós mesmos a criamos e por ela somos responsáveis — cada um de nós. Ela não se tornou existente pela ação de forças fictícias, espirituais. Nasceu de nossa avidez, de nossa ambição, de nossos gostos, aversões, e inimizades pessoais, de nossas frustrações, de nossa busca de prazer e de satisfação. Nós criamos as religiões, as crenças, os dogmas, premidos pelo medo. É nessa sociedade que estamos vivendo. E o indivíduo, ou foge dessa sociedade (de qual ele faz parte) porque é incapaz de compreendê-la ou de transformá-la; ou se deixa absorver de tal maneira em suas próprias tribulações, que perde todo o interesse nessa exigência fundamental da mente humana de que ela (a sociedade) se transforme. 

A existência, pois, são as relações; a existência é um movimento de relações; e essa existência significa sociedade. E nenhuma possibilidade teremos de ultrapassar os limites de nossa mente, de nosso coração, se não compreendermos a estrutura de nosso próprio ser, ou seja, a sociedade. A sociedade não difere de vós; vós sois a sociedade. A estrutura da sociedade é vossa própria. Assim, ao começardes a compreender-vos, estareis começando a compreender a sociedade em que viveis. Não estais em oposição à sociedade. Dessa forma, ao homem religioso interessa o descobrimento de um novo caminho da vida, uma nova maneira de viver neste mundo, a fim de promover uma transformação na sociedade em que vive, porque, pela transformação de si próprio, transformará a sociedade. 

Em geral, temos muito interesse em descobrir uma maneira de viver harmonicamente, sem demasia de conflitos, sem a esterilidade da moderna existência. Mas, se não compreendermos a existência, nossa vida, não encontraremos nenhuma saída de nossa confusão, de nossas angústias, das tribulações que afligem o homem. É esta a primeira coisa que temos de considerar. Este é o fato.[...]

E, para olharmos, precisamos ter a mente vazia.[...] A "verbalização" do fato é uma distração, que nos afasta do fato. Mas, o observar exige uma mente capaz de estar quieta, de não verbalizar, de observar sem opinião nem julgamento. E esta é uma das coisas mais difíceis: observar "não verbalmente" uma coisa objetiva.[...]

E para a observação total de qualquer coisa, a mente deve estar de todo vazia. É difícil a observação exterior; porém, mais difícil ainda é observar a estrutura social, as influências ambientes, vossa própria mentalidade, como parte da sociedade. Observar requer uma enorme atenção. 

[...] Como indivíduo, tendes o dever de promover uma enorme transformação no mundo. Dever, porque sois parte integrante dessa sociedade, porque participais no imenso sofrer do homem, seus esforços, lutas, dores e ansiedades. Tendes essa obrigação. E se não a compreenderdes, se com ela não entrardes diretamente em contato, investigardes sua estrutura e mecanismo, tudo o que fizerdes — podeis percorrer todos os templos, recorrer a todos os gurus, todos os Mestres e todos os livros sagrados do mundo —  será sem significação, porque tudo isso são meras fugas à realidade. 

Temos, pois, de compreender esta existência, esta vida, nossas relações com a sociedade. Não só temos de compreender nossas mútuas relações, nossas relações sociais, mas ainda de transformá-las radicalmente. É nossa obrigação. Mas, não parecemos perceber quanto isso é urgente. Ficamos esperando que os políticos, ou alguma filosofia ou algo de misterioso venha operar uma transformação em nós mesmos. Não há outra solução senão essa, de que vos torneis conscientes dessa imensa responsabilidade que vos cabe, como ente humano, de modo que possais aprender tudo o que a ela se refere, sem recorrerdes a prévios conhecimentos. E o aprender requer liberdade, pois, do contrário, ficaremos repetindo a mesma coisa, indefinidamente.

Jiddu Krishnamurti em, A Suprema Realização

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Uma prisão chamada família

A família está em oposição à sociedade; a família está em oposição às relações humanas como um todo. É como viver uma pessoa numa parte de um grande edifício, num pequeno quarto, e dar exagerada importância a esse exíguo aposento — o lar. A família só tem importância em relação com o edifício todo. Assim como aquele pequeno quarto se relaciona com o edifício inteiro, assim está a família em relação com a humanidade em geral. Mas, nós a separamos e a ela NOS MANTEMOS APEGADOS. Fazemos muito escarcéu em torno da família — meus parentes, vossos parentes — e vivemos empenhados em perpétua batalha. Mas a família é como a pequena alcova em relação com todo o edifício. Quando esquecemos o edifício, em seu todo, o pequeno aposento se torna sumamente importante; assim também se torna sobremodo importante a família, quando ESQUECEMOS O TODO DA EXISTÊNCIA HUMANA. Só tem importância a família, em relação com a totalidade da existência humana; de contrário, converte-se numa coisa terrível, monstruosa.

Krishnamurti em, A Suprema Realização

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Não existe libertação sem a entrega do coração

O investigar requer mente equilibrada, sã, mente que não se deixe persuadir por opiniões, próprios ou alheias e, portanto, seja capaz de ver as coisas com toda a clareza, em cada minuto de seu movimento, de seu fluir. A vida é um movimento de relações, e portanto — ação. E, se não há liberdade, a mera revolta nenhuma significação tem. O homem verdadeiramente religioso nunca se revolta. É um homem livre — não do nacionalismo, da avidez, da inveja, etc.; livre, simplesmente. 

E o investigar requer a compreensão da natureza e significado do medo, porque a mente que, em qualquer de seus níveis, sente medo, é obviamente incapaz do rápido movimento que exige o investigar. Sabeis que neste país, em virtude da tradição e do prestígio da autoridade, gostamos de gabar-nos de nossa civilização sete vezes milenária. E os que tanto se orgulham dessa civilização provavelmente nada têm para dizer; por esta razão tanto se fala a respeito dela. Não é livre o espírito que está sob o peso da tradição e da autoridade. Terá de transcender a civilização e a cultura, porque só então será capaz de investigar e descobrir a verdade; de contrário, só saberá discorrer sobre a verdade, e a seu respeito ter inumeráveis teorias. O descobrir exige um espírito totalmente livre da autoridade e, portanto, do medo. 

A compreensão do medo é um enorme e complexo problema. Não sei se alguma vez já lhes destes a vossa mente — não só a mente, mas  também o coração. A mente talvez já tenhais dado, mas com toda a certeza nunca destes o coração. Para compreender uma coisa, temos de dar-lhe nossa mente e nosso coração. Quando só aplicamos a mente a uma certa coisa — principalmente ao medo — tratamos de resistir a essa coisa, de erguer uma muralha contra ela, de fechar-nos e isolar-nos, ou, ainda, tratamos de fugir da coisa. É o que fazemos quase todos nós, e para isso é que serve a maioria das religiões. Mas, quando aplicais o coração à compreensão de uma coisa, verifica-se então um movimento muito diferente. Quando dais o coração à compreensão de vosso filho — se isso vos interessa — observais todo o incidente, toda minúcia; nada é insignificante, e nada importante demais; e nunca vos enfadais. Entretanto, nunca damos o coração a coisa alguma — nem mesmo a nossa esposa ou marido, ou filhos; e muito menos à vida. Quando o indivíduo dá o seu coração, é instantânea a comunhão. 

"Dar o coração" é uma ação total. "Dar a mente" é ação fragmentária. E a maioria de nós dá a mente a tantas coisas! Por isso, vivemos uma vida fragmentária: pensando uma coisa e fazendo outra; e vemo-nos divididos pela contradição. Para compreender uma coisa, temos de dar-lhe não só a mente, mas também o coração. 

E para compreender esse complexo problema do medo... não se requer um mero esforço intelectual, porém que a ele nos apliquemos totalmente. Quando amamos uma coisa — e emprego a palavra "amor" em seu sentido total, isto é, sem dividir em "amor a Deus" e "amor ao homem", ou "amor profano" e "amor divino"; tais distinções não são o amor, em absoluto — quando amamos uma coisa, a ela nos entregamos com nossa mente e nosso coração. Isso não é o mesmo que vincular-se a uma coisa. Pode um indivíduo devotar-se de corpo e alma a uma certa causa — social, filosófica, comunista, religiosa. Mas, isso não é dar-se; é seguir uma mera convicção intelectual, uma ideia de que terá de cumprir certos deveres, a fim de melhorar a si próprio ou à sociedade, etc. Estamos, porém, falando de coisa bem diferente.

Ao darmos o coração, todas as coisas são percebidas claramente, na esfera dessa compreensão. Tentai fazê-lo — ou melhor, espero que o estejais fazendo neste momento. O homem que diz "Tentarei" — está no caminho errado, porque  tempo não existe; só há o presente momento, o agora. E se o fizerdes agora, vereis que, quando se dá o coração, a ação é total — e não uma ação fragmentária, forçada, nem uma ação que segue certo padrão ou fórmula. Se derdes o coração, compreendereis imediatamente, instantaneamente, qualquer coisa; isso nada tem de sentimentalismo ou devoção — que são coisas muito pueris.

Para dar o coração, necessitamos de muita compreensão, de muita energia e clareza, para que, na luz dessa compreensão, possamos ver as coisas claramente. E não podeis vê-las claramente, se não estais livre de vossa tradição, de vossa autoridade, de vossa cultura, de vossa civilização, de todos os padrões sociais; não é fugindo da sociedade, indo-se viver numa montanha, tornando-se eremita que se compreende a vida. Pelo contrário, para compreenderdes esse extraordinário movimento da vida — que é relação, que é ação — e o acompanhardes infinitamente, necessitais de liberdade, e esta só vem àquele que dá sua mente, seu coração, seu ser inteiro. Então, compreendereis a vida. Na compreensão não existe esforço; é um ato instantâneo.

Só a mente livre, lúcida — só essa mente é capaz de ver o verdadeiro e de afastar o falso.

Jiddu Krishnamurti em, A Suprema Realização

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Por que somos comidos pela culpa?

A maioria de nós está ocupada consigo mesma, em diferentes maneiras, da manhã à noite e, consciente ou inconscientemente, vamos alimentando essa corrente. Ao subir subitamente um desafio, esse movimento, essa ocupação egoísta perturba-se e, então, nos sentimos "culpados", sentimos que estamos fazendo algo iníquo, ou que deixamos de fazer algo justo; mas esse sentimento está ainda na corrente da atividade egocêntrica, não é verdade?[...]

Por que deveis sentir-vos "culpado"? Se estais vivendo intensamente, com todo o vosso ser, se percebeis plenamente tudo o que se passa ao redor de vós e dentro de vós, tanto consciente como inconscientemente, onde há lugar para a "culpa"? O homem que vive fragmentariamente, que está interiormente dividido, esse, sim, sente "culpa". Uma parte dele é boa, outra parte é corrupta; uma parte procura ser nobre, e a outra é ignóbil; uma parte é ambiciosa, cruel, e a outra fala de paz e de amor. Essas pessoas sentem-se "culpadas" porque se acham ainda dentro do padrão que elas próprias fabricaram. Enquanto houver atividade egocêntrica, não podereis superar o sentimento de culpa. Só desaparece esse sentimento quando ides ao encontro da vida totalmente, com todo o vosso ser, isto é, quando não há preenchimento de espécie alguma. Vedes então que o sentimento de culpa já não existe, porque não estais pensando em vós mesmos. Não há atividade egocêntrica.

Senhores, se estais escutando, mas não agis, isso é o mesmo que estar sempre a arar sem nunca semear. É melhor não escutar uma verdade, do que escutá-la sem agir, porque ela então se torna veneno. Se aprovais ou desaprovais certas particularidades do que se está dizendo, isso é sem importância; o importante é perceberdes a verdade de que, ENQUANTO FUNCIONARDES DENTRO DO CAMPO DA ATIVIDADE EGOCÊNTRICA, não podeis fugir a várias formas de sofrimento e frustração. O sofrimento e a frustração só podem cessar quando viveis totalmente, com a intensidade de todo o vosso ser, de vossa MENTE, CORAÇÃO e CORPO; e não podeis viver desse modo completo, com essa intensidade, se só cuidais de vossa própria virtude. Podeis estar livres hoje do sentimento de culpa , mas ele surgirá com outra forma amanhã ou um dia depois.

Experimentai isso, senhores, experimentai um pouco viver intensamente todos os dias, com toda a vossa mente, coração e corpo, com tudo o que possuís, e vereis que então não há contradição, não há pecado. É o desejo, a inveja, a ambição, que gera a contradição, e a mente envolvida em contradição NUNCA DESCOBRIRÁ A REALIDADE.

Jiddu Krishnamurti em, O Homem Livre

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Sobre o perene estado de contradição em nós mesmos

[...]Devemos estar interessados numa única questão, ou seja, como operar em nós mesmos uma transformação fundamengtal, que atinja não só as nossas relações sociais, mas também o nosso pensar, as nossas emoções, nossa expressão criadora e nosso viver diário. Se não se realiza, dentro do indivíduo, uma transformação fundamental, sem dúvida qualquer reforma proveniente do exterior só o forçará a ajustar-se ao novo padrão e, por conseguinte, não será transformação nenhuma. Transformação sob compulsão, influência, pressão sociológica, várias formas de legislação, não constitui a verdadeira transformação, porém, simplesmente, "continuidade modificada" do que já existia. Transformação dentro da esfera do tempo não é transformação — sendo "tempo" o processo de pensamento, de compulsão, imitação, gradual ajustamento. 

Agora, existe uma transformação fundamental não produzida sob pressão de espécie alguma, nenhum ajustamento a certo padrão ideológico? Existe uma transformação proveniente, totalmente, do interior e que não resulte de nenhuma pressão exterior? Nós nos transformamos superficialmente em virtude da compulsão, em várias formas, da ideia de recompensa, das pressões externas, da influência que em nós exercem os livros que lemos, etc.; mas tal mudança me parece superficial e, de modo nenhum, é a verdadeira transformação. Entretanto, é isso o que quase todos nós estamos fazendo com nossa vida. A mente consciente ajusta-se a um novo padrão social, econômico ou legislativo, mas isso não transforma na essência o indivíduo. Assim, se somos realmente sérios, deve-se-nos apresentar, inevitavelmente, a pergunta: É possível o indivíduo transforma-se a fundo, de modo que considere a vida, não parcialmente, fragmentariamente, porém como entidade integral, um ente humano total? 

Em regra, nós reagimos à ideia de recompensa e punição, a uma certa forma de compulsão, e é a isso que chamamos "atenção", em nossa vida diária. Se observardes, vereis que vossa ação, religiosamente e a outros respeitos, é parcial, fragmentária, não é a ação completa de nosso ser integral. E parece-me de toda necessidade, na presente crise mundial, que cada um de nós descubra por si mesmo se é possível agir, não em mera conformidade com padrões ideológicos, ou governamentais, ou pessoalmente impostos, porém como ente humano total, com todo o seu corpo, mente e coração. É possível atuar de maneira total? Basicamente, este me parece ser o único problema do homem.  

Vemos o que está acontecendo no mundo; vemos tirania, medonha crueldade, desditas a que estamos sujeitos, compulsões, uniformidade de pensar, como nacionalista, socialista, imperialista, o que quer que seja. Nesse "processo" não existe nenhuma ação plena por parte do indivíduo, ação em que sua mente e coração estejam unificados, seu ser inteiro completamente integrado. E parece-me que, se somos realmente sérios, em nosso próprio interesse devemos criar individualmente essa ação total; porque, enquanto nossa ação for simplesmente fragmentária, só da mente ou dos sentimentos, ou apenas dos sentidos, tal ação tem de ser contraditória e invariavelmente criará confusão. 

Agora, existe desejo, aspiração, vontade capaz de atuar como entidade total? Ou o desejo é sempre contraditório? E é possível a mente compreender a totalidade de si própria, tanto o consciente como o inconsciente, e atuar, não parcial ou fragmentariamente, porém como ente humano integrado, sem autocontradição? Para mim, tal ação é a única ação reta, porque todas as outras formas de ação gerarão conflito, tanto interior como exteriormente. 

Assim, como produzir essa transformação? Como poderá a mente atuar como entidade total, não dividida interiormente? Não sei se já refletistes alguma vez sobre este problema. Se já o fizestes, provavelmente pensais que os desejos contraditórios da mente podem ser harmonizados e que essa harmonia vem pelo esforço, pelas atividades ideológicas e várias formas de disciplina. Mas é possível harmonizar desejos contraditórios, como estamos tentando fazer? Eu sou violento e desejo ser "não-violento"; desejo ser artista, no lídimo sentido da palavra, e, no entanto, minha mente tende para a ambição, a avidez e a inveja, impedindo, assim, esse esforço criador. Dessarte, há uma perene contradição em nós mesmos. Esses desejos e conflitos promovem realmente certas atividades mas estas, também, em si mesmas, são contraditórias, como se pode ver diariamente em nossa vida. E é possível a mente alcançar aquela compreensão da totalidade de si própria, na qual a ação já não é questão de imitação, de compulsão, de medo, ou desejo de recompensa?[...] Isto é, a necessidade de uma ação não organizada pela mente, ação que não seja resultado de um pensar fragmentário, mas, sim, o reflexo de todo o nosso ser. Todos sentimos essa necessidade, porém não sabemos como atingir aquela ação. Podemos recorrer à religião, esperando encontrar uma ação não-contraditória, que seja completa; todavia, religião, para a maioria de nós, é uma coisa um tanto vaga e superficial, questão de crença, e nenhuma eficácia tem em nossa vida diária. Muito falamos a respeito disso que chamamos religião, mas o que dizemos não tem significação básica e apenas se torna mais um fator de contradição em nossa vida. Pensamos que devemos amar, mas não amamos. Desejamos buscar Deus, porém ao mesmo tempo estamos todos empenhados em atividades mundanas; e vemo-nos, assim, divididos, puxados em ambas as direções. Parece-me, entretanto, que a real compreensão do que é religião constitui a única solução para os nossos problemas. O mais importante, decerto, é que cada um de nós experimente diretamente a Realidade; e no próprio "processo" de experimentar a Realidade se encontra a ação da Realidade. Não se trata de experimentar a Verdade, e depois agir; o que há é ação da Verdade, no próprio "processo" de experimentar e compreender a Verdade. É então a Verdade que atua, e não a pessoa que compreende a Verdade. 

Jiddu Krishnamurti em, O Homem Livre

Criando a partir do Coração

A dimensão do coração é o total desinteresse por qualquer objetivo autocentrado, pois quem está no coração, já tem tudo o que necessita: a libertação da mente com seus desejos ilusórios; quando se é coração, não tem ninguém aí que cria algo, só há criação; some o agente criador; só há criação que visa bem-estar comum e não privilégios umbigóides.
Tudo vale a pena se tua observação não for pequena

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Por imposição, não se alcança o amor integrativo e fraternal

PERGUNTA: Pode a organização de uma sociedade com igual oportunidade para todos despertar aquele sentimento de compaixão que acabará, afinal, com a intromissão do governo em nossa vida pessoal?

KRISHNAMURTI: A primeira parte da pergunta é: "Impede-se a amizade com propagar a justiça, isto é, organizando a sociedade numa base equitativa?" Evidentemente, destrói-se a amizade ao depender-se da justiça para a organização de uma sociedade equitativa. Compreendeis? Se dependo da chamada ORDEM IMPOSTA POR UMA FORÇA EXTERIOR, o governo, a Lei, PERDEREI A SENSIBILIDADE NECESSÁRIA PARA TORNAR-ME VERDADEIRAMENTE AMIGÁVEL. Isto é bastante óbvio, não? E é exatamente o que está sucedendo. Vós continuais brâmane, ou o que quer que sejais, isolando-vos dos outros, e o governo intervém para estabelecer a justiça.[...]

Quando o homem depende da lei para manter dentro de certos limites a própria avidez, o seu coração invariavelmente emurchece. Senhores, é isso o que está acontecendo no mundo inteiro. A sociedade se está tornando cada vez mais complexa, e como temos de viver juntos, MAS NÃO POSSUÍMOS AQUELE SENTIMENTO DE AMIZADE, DE AMOR, DE COMPAIXÃO, que gerará sua ação própria, a legislação governamental NOS FORÇA a comportar-nos — e isso é o que se chama "justiça social". É a mesma coisa que um homem e uma mulher serem obrigados por lei a viver juntos. Isto é mais fácil de compreender, porque faz parte de vossa existência diária. Mas a outra coisa não está no campo de vossa experiência, não é como um sapato apertado que vos incomoda todos os dias. Não estais cônscios dela, porque vosso coração está murcho.

Como vemos, quando não há amizade, a lei tem de intervir. Compreendeis, senhores? O importante é a PERCEPÇÃO, O SENTIMENTO DE COMPAIXÃO, e não o que ela pode fazer. Vede, aqui também estais interessados na ação; e por estardes pensando na ação mas NÃO POSSUÍS O SENTIMENTO, vossa ação tem de ser controlada, moldada, REGULADA MEDIANTE INTIMIDAÇÃO. Porém, se tiverdes aquele sentimento de simples bondade, simples delicadeza, generosidade, vereis que, conquanto a legislação continue a existir para os que precisam ser compelidos, para vós ela não existe, porque estais atuando num nível diferente, numa diversa profundidade.

A segunda parte da pergunta é: "A organização de uma sociedade em que todos tenham igual oportunidade conduzirá à compaixão?" — Compreendeis? A organização do governo, do poder central através do estado e da Cidade, ou por parte da Igreja, com sua autoridade, suas sanções, seus sacerdotes, seus livros sagrados e excomunhões, seu moldar da mente em torno de uma crença, em nome do amor, etc., tal organização levará ao amor ou DESTRUIRÁ O AMOR, A COMPAIXÃO? Prestai atenção a isso , senhores. Trata-se de vossa própria vida e não da minha. A vós é que cabe responder.

Se para serdes fraterno, precisais ingressar numa certa sociedade ou pertencer a alguma religião que vos prescreve amar, depender de um sacerdote para terdes uma interpretação daquela extraordinária beleza, amareis então, sabereis então o que é a compaixão? Sereis sensível à ave, à árvore, à flor, à criança? Refleti, senhores. Dai-vos de coração a essa questão e não vos limiteis a ouvir meras palavras, para concordar ou discordar. ENQUANTO ESTÁ VAZIO O NOSSO CORAÇÃO, não é possível a extinção do poder do Estado; é mera ideia e, portanto, sem valor. Muito ao contrário, os governos irão tornar-se cada vez mais fortes, uma vez que estão nas mãos de homens como vós, ambiciosos de poder, posição, prestígio. Como vós, eles são políticos, em busca de vantagens pessoais, de resultados imediatos. Quanto mais se fizer sentir a ação mecânica da repressão, interior e exteriormente, tanto mais prosperará o Estado, e organizações como aquelas a que agora pertenceis continuarão a moldar-vos a mente; assim, FENECE O CORAÇÃO, NÃO HÁ AMIZADE, NÃO HÁ COMPAIXÃO ENTRE VÓS E MIM.

Quando há compaixão, o sentimento de compaixão, ela não atinge apenas o pobre aldeão ou o animal faminto; sua intensidade é sempre a mesma onde quer que estejais, numa choça ou num palácio, e esse sentimento não pode ser "organizado" e não podeis, tampouco, alcançá-lo por meio de uma organização. Os Mestres não vo-lo podem dar; e, se dizem que podem dá-lo, É MENTIRA. Senhores, porque há séculos seguis a autoridade do livro, do guru, do Estado, a autoridade do patrão, do vosso superior imediato, PERDESTES A SENSIBILIDADE Á BELEZA DA VIDA. Olhar com sentimento para o céu ao amanhecer, para uma estrela acima de uma nuvem, ver o aldeão e dar-lhe algo tirado de vosso coração E NÃO DE VOSSO BOLSO — nada disso perdestes, porque nunca o tivestes — e é por isso que tendes organizações; e por causa dessas organizações, CONTINUAREIS A NÃO TÊ-LO. Quando vos libertardes COMPLETAMENTE de todas as organizações e ficardes INTEIRAMENTE SÓS, só então podereis DESCOBRIR. DEPENDÊNCIA SIGNIFICA INTERESSE POR SI MESMO e, portanto, enquanto fordes dependente NÃO TEREIS COMPAIXÃO. E eu vos asseguro que quando existe compaixão não há necessidade de organizar a sociedade.

Jiddu Krishnamurti em, O Homem Livre
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill