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quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Sobre o sofrimento do mundo


Todo sofrimento do mundo pode ser explicado de forma simples: todos foram recortados, moldados, reorganizados pelos outros sem que eles mesmos sequer tentassem descobrir o que supostamente deveriam ser por sua própria natureza. Eles não deram uma chance à existência.

Desde o momento em que uma criança nasce, começam a estragá-la, sempre com boas intenções, é claro. Os pais não fazem isso de forma consciente, mas eles mesmos foram condicionados assim. Depois repetem o processo com seus filhos, pois não sabem fazer de outra forma.

Uma criança desobediente é continuamente condenada. Por outro lado, uma criança obediente é sempre recompensada. Contudo, alguém já ouviu falar de alguma criança obediente mundialmente famosa em qualquer uma das dimensões da criatividade? Já ouviram falar de uma criança obediente que tenha recebido um prêmio Nobel em qualquer área: literatura, paz, ciência?

As crianças obedientes se tornam parte do rebanho. Tudo que é trazido de novo à existência é ocasionado pelos que desobedecem.


Osho, em "Osho de A a Z: Um Dicionário Espiritual do Aqui e Agora"

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Para além das superficiais camadas da consciência

Mesmo quando repetimos certas palavras de profunda significação, vivemos, em geral, bem superficialmente; vivemos num mundo verbal, num mundo de ações e emoções superficiais. Nossa mente é sem profundidade, mesquinha, estreita, e um dos problemas mais importantes da vida é como tornar essa mente profunda, rica, cheia. A mente “carregada” de conhecimentos não é uma mente rica; só o é a mente que penetrou fundo em si mesma e descobriu seus próprios e inumeráveis recessos, suas secretas ideias e motivos, e é capaz de penetrar e transcender o pensamento.

Estou empregando a palavra “mente” não só para denotar a mente superficial que está ativa dos “motivos”, aquela que busca o preenchimento de secretos desejos, que está consciente de suas frustrações, suas aptidões, suas limitações, e sempre a buscar, sempre a sondar. Refiro-me à totalidade da mente, tanto à mente consciente como à inconsciente. Pouco sabemos dessa totalidade, porque a maioria funcionamos nas camadas superficiais da consciências; estamos completamente ocupados a respeito de nosso emprego, da rotina de nossa vida, de crenças, dogmas e fácil recitação de orações — coisas que a mente superficial se apega porque lhe são convenientes, proveitosas, e com isso nos damos por satisfeitos.

Agora, se pudermos aprofundar-nos no inteiro processo da mente, penetrar fundo no inconsciente, talvez então possamos descobrir por nós mesmos toda a extensão e limitação da faculdade de pensar. O inconsciente, por certo, não é um mistério, uma coisa que temos de aprender com os psicólogos ou com os que estudaram filosofia. Ele é parte integrante de nossa existência diária e está constantemente a indicar algo, a fornecer sugestões, mas acontece que nossa mente superficial acha-se sempre tão ocupada, tão atarefada com suas próprias sugestões; mas a mente oculta está lá. Ela não é mais sagrada nem mais divina do que a mente consciente, porquanto as duas fazem parte do processo total de nossa consciência, e, para podermos transcender as limitações dessa consciência, devemos compreender suas peculiaridades.

Em geral, julgamos ser necessário passarmos por essa luta e conflito, por pesares e várias frustrações; que é preciso a mente disciplinar-se; que certas coisas devem ser superadas ou rejeitadas a fim de se alcançar um degrau transcendente à mente, mas não me parece possível transcendê-la dessa maneira. Para se descobrir o que está além da mente, cumpre investigá-la em profundidade e compreender seus movimentos; porque a mente que não compreendeu de todo a si mesma projeta ideias, ilusões, que assumem uma falsa realidade. Enquanto eu não compreender as características de minha própria mente, as características do “eu”, todo o impulso a buscar baseia-se nos desejos, nos “motivos” da mente. Dessa forma, se não se compreenderem realmente as peculiaridades da mente, é impossível descobrir o que é verdadeiro. Eu posso dizer que existe um Atman, uma “superalma”, uma realidade atemporal, mas isso será uma mera repetição baseada em meu condicionamento, minha crença, e sem validade alguma. Enquanto eu não compreender toda a esfera de meu pensamento, todo o conteúdo de minha mente, não é possível ir além; e nós temos de ir além, porquanto, se não descobrirmos algo totalmente novo, a vida se torna mecânica, superficial, estéril.

Assim, como pode a mente compreender a si mesma? Existe, dentro da esfera da mente, uma entidade superior à mente? Compreendem, senhores? Existe, dentro do processo do pensamento, uma entidade que está acima e além do pensamento e que, por conseguinte, é capaz de controlar o pensamento? Ou essa coisa a que chamamos Atman, “o sublime”, “a alma”, é mera invenção do pensamento e, consequentemente, está compreendida na esfera do pensamento? Se existe uma superentidade, um agente exterior que transcende todo o processo de pensamento, então de nada adianta pensarmos a respeito dele, porquanto não se acha em sua esfera. Só podemos pensar a respeito de coisas que já conhecemos e que podemos reconhecer; mas, para se encontrar o que se acha além da mente, o pensamento terá de cessar.

A maioria de nós crê em algo existente além da mente, um observador que observa não só a mente mas também as coisas da mente, não é verdade? — que controla, molda, disciplina o pensamento. Enquanto não colocarmos em dúvida a existência de tal entidade transcendente à mente, transcendente à esfera do pensamento, continuaremos a considerar tal entidade como o princípio que guia a nossa vida e molda nossa conduta.

Ora, existe tal entidade — Atman, alma, ou o que quiserem — a qual está nos moldando, dirigindo e ajudando a viver uma vida são e equilibrada? Ou essa entidade se encontra dentro da esfera de nosso próprio pensar, sendo uma invenção de nosso próprio pensamento e, por conseguinte, irreal? A mente é produto do tempo, de experiências inumeráveis, resultado de muitos condicionamentos. O comunista não crê em Atman, na alma, porque foi condicionado para crer diferente, assim como vocês foram condicionados para crerem que existe uma alma, um Atman. Vocês, tal como ele, partem de um postulado, uma asserção, resultantes ambos de uma mente condicionada. Enquanto não se se perceber realmente esse fato e não for compreendido o seu significado, a mente é incapaz de transcender a si própria; ou, expressando diferentemente, o pensamento nunca pode estar tranquilo, a mente nunca pode estar completamente quieta, porque existem sempre “observador” e coisa “observada”; há sempre o experimentador desejando mais experiência, e assim se torna a nossa vida a infindável série de lutas que realmente é.

Ao terem uma experiência prazerosa, desejam repeti-la; e quando a experiência é dolorosa, vocês, como “experimentador”, desejam afastar a dor. O pensador abre a porta ao prazer e repele a dor, e por isso trava-se uma perene batalha interior, a qual se torna bem óbvia quando examinam a si mesmos. Entretanto, possuem a ideia de que o pensador, o observador, existe acima e além do pensar. Acreditam, porque leram em seus livros religiosos que o Atman ou a alma existe e está observando o pensamento. Mas, se examinarem com atenção, verão que quando não há pensar não há pensador; quando não há exigência de mais e mais experiência, nem acumulação de experiência, não há “experimentador”. Convencionou-se que existe uma entidade transcendente a tudo isso. Essa entidade, porém, ainda é resultado do pensar e, por conseguinte, está compreendida na área do tempo; logo, ela não é atemporal, nem divina.

(...)Se não compreendem a totalidade do “eu”, isto é, se a mente não compreende a totalidade de si própria, sua atividade estará sempre restrita à esfera que ela própria criou. A menos que a mente se liberte de seu condicionamento, tanto consciente como inconsciente, não poderá haver investigação real, porque o que buscam será conforme o condicionamento de vocês, e suas experiências de acordo com o “fundo” (background) de vocês. As experiências de um homem que tem visões do Cristo, de Krishna, disto ou daquilo, estão obviamente baseadas no seu “fundo”, sua tradição. Assim, a mente que está em busca do verdadeiro, que deseja descobrir se existe a Verdade, a Realidade, Deus, deve estar livre de seu “fundo”; e, se não descobrirmos o que é verdadeiro, nossa vida se torna um padrão mecânico, porventura modificado por circunstâncias, porém sempre um padrão mecânico, a que chamamos “progresso”, “evolução”.

(...) Ora, esse processo total é a mente; e quando a mente compreende seu “processo” total, ela se torna quieta, extremamente tranquila, porque não há o desejo de ser ou de não ser. Essa mente não é posta tranquila, ou induzida a ficar tranquila, mas se torna tranquila porque compreendeu o conteúdo de si própria. Só então é possível descobrirem por si mesmos se existe a Realidade ou não. Enquanto a mente de vocês não houver alcançado esse estado, suas afirmações de que existe ou não existe a Realidade, Deus, o Atman, nada significam. São puras repetições por parte de uma mente condicionada e que, como disco de gramofone, repete seguidamente a mesma frase.

O autoconhecimento, pois, é essencial, mas não pode ser encontrado nos livros; o autoconhecimento resulta de observarmos a nós mesmos no espelho das relações, o qual revela o funcionamento total da mente. Só depois de havermos compreendido a totalidade da mente, existe tranquilidade.

Jiddu Krishnamurti — O homem livre 

Aldous Huxley e a ditadura científica do futuro

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Por que razão a mente se deteriora?

Numa destas manhãs, vi quando um morto era levado para ser cremado. Envolto em vistoso pano cor de vermelho purpúreo, o corpo oscilava ao ritmo dos quatro mortais que o transportavam. Que espécie de impressão lhe causa um corpo morto? Você não desejaria saber por que há deterioração? Você compra um motor novo em folha e, passados poucos anos, está completamente gasto. O corpo também se gasta; mas, você não desejaria investigar um pouco mais além, para descobrir porque razão a mente se deteriora? Mais cedo ou mais tarde ocorrerá a morte do corpo, mas a maioria de nós já tem a mente morta, já se verificou a deterioração; por que a mente se deteriora? O corpo se deteriora porque o mantemos em uso constante, e o organismo se gasta. Doença, acidente, velhice, má alimentação, deficiências hereditárias — tais são os fatores responsáveis pela deterioração e morte do corpo. Mas, por que deve a mente deteriorar-se, envelhecer, tornar-se pesada, embotada?

Ao ver um corpo morto, isso não lhe dá o que pensar? Embora nosso corpo deva morrer, por que deve a mente deteriorar-se? Nunca lhe ocorreu esta pergunta? Pois a mente, com efeito, se deteriora; vemos isso acontecer não só com as pessoas idosas, mas também com as pessoas jovens. Vemos como, nos jovens, a mente já está se tornando embotada, pesada, insensível; e, se pudermos descobrir por que razão a mente deteriora, então talvez descubramos algo verdadeiramente indestrutível. Talvez compreendamos, então, o que é a vida eterna, a vida que não tem fim, que não está no tempo, a vida que é incorruptível, que não degenera como o corpo que se transporta para o cais à beira do rio, onde é cremado e suas cinzas lançadas ao rio.

Mas, por que a mente se deteriora? Você já refletiu a esse respeito? Como você ainda é muito jovem — e se a sociedade, ou seus pais, ou as circunstâncias ainda não lhe tornaram embotado — você possui uma mente nova, ardorosa, curiosa. Você deseja saber por que existem as estrelas, por que morrem os pássaros, por que caem as folhas, como voa o avião a jato; muitas coisas você deseja saber. Mas, esse impulso vital para investigar, descobrir, é depressa sufocado, não é verdade? Sufocado pelo medo, pelo peso da tradição, por sua própria incapacidade para enfrentar essa coisa extraordinária que se chama a vida. Você já não notou quão rapidamente é destruído o seu ardor, através de uma palavra áspera, um gesto depreciativo, pelo medo de um exame, a ameaça de um pai — significando isso que a sua sensibilidade já está sendo destruída e sua mente se tornando embotada?

Outro caso de embotamento é a imitação. Pela tradição, você é obrigado a imitar. O peso do passado lhe força a se ajustar, a estabelecer uma linha de conduta e, com esse ajustamento, a mente se sente protegida, em segurança; você se instala numa rotina bem “lubrificada”, para que possa deslizar suavemente, livre de perturbações, sem o mais ligeiro estremecimento de dúvida. Observe os adultos que lhe rodeiam e verá que a mente deles não quer ser perturbada. Eles querem paz, ainda que seja a paz da morte; mas a verdadeira paz é coisa muito diferente.

Você já notou que, quando a mente se fixa numa rotina, num padrão, sempre o faz inspirada pelo desejo de segurança? É por esta razão que ela segue um ideal, um guru. Quer segurança, ausência de perturbação e, por isso, adormece. Quando lê, em seus livros de história, a respeito dos grandes líderes, santos, guerreiros, você não se surpreende desejando igualá-los? Isto não significa que não haja grandes homens no mundo; mas o instinto é imitar os grandes homens, procurar tornar-se igual a eles — e este é um dos fatores de deterioração, porque, então, a mente se coloca num molde. Igualmente, a sociedade não deseja indivíduos alertados, ardorosos, revolucionários, porque tais indivíduos não se ajustarão ao padrão social estabelecido e há sempre o perigo de que quebrem esse padrão. É por isso que a sociedade se empenha em prender sua mente em seu padrão, e é por isso que a chamada educação lhe estimula a imitar, a seguir, a se ajustar.

Ora, pode a mente deixar de imitar? Isto é, pode deixar de formar hábitos? E pode a mente que já se acha enredada no hábito, dele ficar livre?

A mente é o resultado do hábito, não? Ela é o resultado da tradição, do tempo — sendo “tempo” a repetição, a continuidade do passado. E pode a mente, a sua mente, deixar de pensar em termos daquilo que foi — e daquilo que será, que é, na verdade, uma projeção do que foi? Pode sua mente se libertar dos hábitos e deixar de criar hábitos? Se você penetrar bem profundamente neste problema, verá que pode. E quando a mente se renova sem formar novos padrões, novos hábitos, sem tornar a cair na rotina da imitação, permanece, então, fresca, jovem, “inocente”, sendo, portanto, capaz de infinita compreensão.

Para essa mente, não há morte, uma vez que já não existe processo de acumulação. É o processo de acumulação que cria o hábito, a imitação, e, para a mente que acumula, há deterioração, morte. Mas, para a mente que não está cumulando, juntando, que está morrendo a cada dia, a cada minuto — para essa mente não há morte. Ela se acha num estado de “espaço infinito”.

Assim, pois, deve a mente morrer para tudo o que acumulou, todos os hábitos e virtudes imitadas, para todas as coisas de que se acostumou a depender, para ter o sentimento de segurança. A mente então já não está aprisionada na rede de seu próprio pensar. No morrer para o passado, a cada instante, a mente se torna fresca, nova, nunca se deteriorará nem colocará em movimento a “onda da escuridão”. 

Krishnamurti - A cultura e o problema humano

segunda-feira, 8 de julho de 2013

A liberdade está em negar toda aceitação psicológica de autoridade

Interrogante: Você fala muito sobre condicionamento e diz que devemos nos libertar dessa servidão, para não ficarmos aprisionados para sempre. Uma tal asserção é verdadeiramente escandalosa e inadmissível! Em geral, estamos condicionados muito profundamente e, ao ouvirmos uma declaração dessa espécie, erguemos as mãos para o alto e fugimos de tamanha extravagância! Mas, eu o levo a sério, porque, afinal de contas, você tem dedicado sua vida a esse trabalho, não como entretenimento, porém com profunda seriedade. Por essa razão, desejo conversar com você, para ver até que ponto o ente humano pode descondicionar a si próprio. Isso é realmente possível e, se é, o que significa? Tenho alguma possibilidade, eu, que vivo num mundo de hábitos, tradições, aceitação de teorias ortodoxas sobre tantos assuntos — tenho alguma possibilidade de sacudir de mim esse condicionamento tão profundamente enraizado em mim? O que você entende, exatamente, por “condicionamento”, e o que entende por “libertação do condicionamento”?

Krishnamurti: Consideremos antes a primeira pergunta. Nós es­tamos condicionados — fisicamente, nervosamente, mentalmente — pelo clima em que vivemos, pelos alimentos que toma­mos, pela cultura em que vivemos, pela totalidade de nosso ambiente social, religioso e econômico, por nossa experiência, pela educação e por pressões e influências domésticas. São esses os fatores que nos condicionam. Nossas reações, conscientes e inconscientes, aos desafios de nosso ambiente — intelectuais, emocionais, externos e internos — representam a ação do con­dicionamento. A linguagem é condicionamento; todo pensamen­to é ação, reação do condicionamento.

Ao nos vermos condicionados, inventamos um agente divino que, como piamente acreditamos, irá nos libertar desse estado mecânico. Cremos na sua existência, fora ou dentro de nós — como atman, alma, o Reino dos Céus interior, e sabe Deus o que mais! A essas crenças nos apegamos com todas as forças, sem ver que elas próprias fazem parte do fator condicionante que supostamente irão destruir ou substituir. Assim, sentindo-nos incapazes de nos descondicionarmos, neste mundo, e sem vermos sequer que o problema é o condicionamento, pen­samos que a liberdade se encontra no céu, em Moksha, no Nirvana. No mito cristão do pecado original e na doutrina orien­tal de Samsara, nota-se que o fator condicionante foi sen­tido, ainda que um tanto vagamente. Se tivesse sido visto cla­ramente, tais doutrinas e mitos naturalmente não teriam sur­gido. Atualmente os psicólogos estão também lutando para re­solver este problema — e nos condicionando mais ainda. Assim, os especialistas religiosos nos condicionaram, a ordem social nos condicionou, a família — que dela faz parte — nos condicio­nou. Tudo isso é o passado, que constitui todas as camadas claras e ocultas da mente. De passagem, é interessante no­tar que o chamado indivíduo não existe realmente, porquanto sua mente se encharca no reservatório comum de condicionamento, que ela partilha com todas as demais; por conseguinte, é falsa a divisão entre indivíduo e comunidade; há só condicio­namento. Esse condicionamento está em ação em todas as re­lações — com coisas, pessoas e ideias.

Interrogante: O que me cabe então fazer para me livrar dele? Viver nesse estado mecânico não é viver realmente, e, todavia, toda ação, toda vontade, todo julgamento é condicionado; as­sim, nada posso fazer em relação ao condicionamento, nada que não esteja condicionado! Estou de pés e mãos amarrados.

Krishnamurti: O verdadeiro fator de condicionamento, no pas­sado, no presente e no futuro, é o “eu”, que pensa em função do tempo; o “eu” que se esforça, em sua necessidade de se liber­tar; assim, a raiz de todo condicionamento é o pensamento, o “eu”. O “eu” é a essência mesma do passado, o “eu” é tem­po, o “eu” é sofrimento; o “eu” se esforça por se libertar de si próprio, se esforça e luta para alcançar, rejeitar, “vir a ser”. Essa luta por “vir a ser” é tempo, e nela há confusão e avidez de mais e de melhor. Busca o “eu” a segurança e, não a en­contrando, transfere para o Céu o objeto de sua busca; esse mesmo “eu” que, na esperança de perder sua identidade, se identifica com algo maior do que ele — a nação, o ideal ou um Deus — esse mesmo “eu” é o fator de condicionamento.

Interrogante: Você me tomou tudo. O que sou eu sem este “eu”?

Krishnamurti: Se não há “eu”, você esta descondicionado, quer dizer, é “nada”.

Interrogante: Pode o “eu” terminar sem esforço do próprio “eu”?

Krishnamurti: O esforço por se tornar alguma coisa é a rea­ção, a ação do condicionamento.

Interrogante: Como pode se deter a ação do “eu”?

Krishnamurti: Só poderá se deter se você o ver em atividade. Se o ver em ação, ou seja no estado de relação, esse ver será o fim do “eu”. Esse ver, não só é uma ação não condicionada, mas também atua no condicionamento.

Interrogante: Você quer dizer que o cérebro, que é o resultado de uma imensa evolução, com seu infinito condicionamento, pode se libertar?

Krishnamurti: O cérebro é resultado do tempo; ele está condi­cionado para se proteger fisicamente, mas quando tenta se proteger psicologicamente, começa então o “eu”, e surgem as afli­ções. Esse esforço para se proteger psicologicamente é a con­firmação do “eu”. Tecnologicamente, o cérebro pode aprender, adquirir conhecimentos, mas, quando, psicologicamente, ele adquire saber, esse saber se impõe, nas relações, como “eu”, com suas experiências, sua vontade, sua violência. É esse “eu” que introduz, nas relações, a divisão, o conflito e o sofrimento.

Interrogante: Pode o cérebro se aquietar, e só funcionar quando tem de operar tecnologicamente — só funcionar quando se re­quer a ação do conhecimento, como, por exemplo, para apren­der uma língua, guiar um carro, ou construir uma casa?

Krishnamurti: O perigo que há nisso é a divisão do cérebro em “psicológico” e “tecnológico”, daí resultando mais uma con­tradição, um condicionamento, uma teoria. A verdadeira ques­tão é se o cérebro, em sua totalidade, pode se tornar silencio­so, quieto, e “responder” eficientemente só quando tem de fazê-lo, na tecnologia ou no viver. Portanto, não nos interessa o “psicológico” ou o “tecnológico”; queremos apenas saber se essa mente inteira pode ficar silenciosa, e só funcionar quando tem de funcionar. Nós dizemos que pode — pela compreensão da meditação.

***

Interrogante: Se você me permiti, desejo continuar do ponto em que ontem ficamos. Você deve se lembrar de que fiz duas perguntas: perguntei o que é condicionamento, e o que é libertação do condicionamento, e você disse que era melhor considerarmos an­tes a primeira dessas perguntas. Não tivemos tempo de examinar a segunda e, assim, desejo lhe perguntar, hoje, qual é o es­tado da mente que se libertou de todo seu condicionamento. Depois de nossa palestra de ontem, comecei a perceber muito claramente o quanto estou condicionado e descobri — pelo me­nos creio que descobri — uma brecha na estrutura desse condicionamento. Conversei com um amigo sobre o assunto e, con­siderando certos casos reais de condicionamento, vi, com toda a clareza, quão profundamente as nossas ações são por ele envenenadas. Como dissestes, na conclusão, a meditação é o esvaziar da mente de todo condicionamento, para que não haja deformações ou ilusões. Como se pode ficar completamente livre de toda deformação e ilusão? Que é ilusão?

Krishnamurti: É tão fácil enganarmos a nós mesmos, tão fácil nos convencermos de qualquer coisa! O sentimento de que devemos “ser alguma coisa” é o começo da ilusão e, naturalmente, essa atitude idealista leva a várias formas de hipocrisia. Qual a causa da ilusão? Um dos fatores é a constante comparação entre “o que é” e “o que deveria ser” ou “poderia ser”; é essa medição entre o “bom” e o “mau” — o pensamento que quer melhorar a si próprio, a memória do prazer, a querer mais prazer, etc. Ê esse desejo de “mais”, essa insatisfação, que nos faz aceitar qualquer coisa, a ter fé em qualquer coisa, e isso há de levar inevitavelmente a toda espécie de engano, de ilusão. São o desejo e o medo, a esperança e o desespero, que “projetam” o alvo, a conclusão que se quer experimentar. Essa experiência, por conseguinte, não tem realidade. Todas as chamadas experiências religiosas seguem esse padrão. O próprio desejo de esclarecimento também gera, forçosamente, a aceitação da autoridade — que é o contrário de esclarecimento. Desejo, insatisfação, medo, prazer, desejo de “mais”, ânsia de mudança, tudo isso é medição e constitui a essência da ilusão.

Interrogante: E você — não tem realmente nenhuma ilusão a respeito de coisa alguma?

Krishnamurti: Eu nunca meço a mim mesmo ou aos outros. Só podemos estar livres dessa medição quando estamos vivendo realmente com “o que é”, nem desejando alterá-lo, nem julgando-o “bom” ou “mau”. “Viver com uma coisa” não significa aceitação dela: ela é um fato, quer a aceitemos, quer não. “Viver com uma coisa” não significa, tampouco, identificar-se com ela.

Interrogante: Deixe-me tornar a perguntar o que é essa liberdade que tanto desejamos. Esse desejo de liberdade se expressa em todas as pessoas, às vezes por maneiras as mais estúpidas, mas pode-se dizer que no coração humano há sempre essa profunda ânsia, que nunca se realiza, de libertação; há uma luta incessante por se ser livre. Sei que não sou livre, preso que estou na armadilha de inúmeros desejos e necessidades. Como posso me libertar, e que significa estar realmente, verdadeiramente livre?

Krishnamurti: Talvez isto lhe ajude a compreendê-lo: a negação total é essa liberdade. Negar tudo o que consideramos positivo, negar toda a moral social, negar toda aceitação psicológica da autoridade, negar tudo o que dissemos ou concluímos a respeito da realidade, negar toda a tradição, todo ensino, todo o saber (exceto o saber técnico), negar toda a experiência, todos os impulsos oriundos de prazeres, lembrados ou esquecidos, negar todos os compromissos de atuarmos de determinada maneira, negar todas as ideias, todos os princípios, todas as teorias. Essa negação é a ação mais positiva e, por conseguinte, é liberdade.

Interrogante: Se eu quiser apagar tudo isso, pouco a pouco, nesse trabalho me verei empenhado toda a vida e ele próprio se tornará minha servidão. Pode tudo isso se esvaecer num instante; posso negar toda a ilusão humana, todos os valores e aspirações e padrões, imediatamente? É realmente possível isso? Não se requer uma enorme capacidade, que me falta, uma enorme compreensão, para ver tudo isso num relance e deixá-lo exposto à luz daquela inteligência de que você tem falado? Tenho minhas dúvidas sobre se você sabe o que isso exige de mim. Man­dar-me, a mim, um homem comum, educado na maneira comum, mergulhar numa coisa que se me afigura como um incrível vácuo... Posso fazê-lo? Nem sei o que significa um tal mergulho. É o mesmo que me mandar me transformar subitamente no mais belo, no mais puro, no mais amável dos entes humanos. Como vê, estou agora realmente assustado, não da mesma maneira que antes; vejo-me agora diante de algo que sei ser verdadeiro, e, todavia, minha total incapacidade para fazê-lo está me prendendo. Vejo quanto é belo ser, real e totalmente, “nada”, mas...

Krishnamurti: É só quando, em nós mesmos, existe vazio, não o vazio de uma mente superficial, porém aquele vazio que vem com a total negação de tudo o que “somos” e “devemos ser” e “queremos ser” — é só quando existe esse vazio que há criação; só nesse vazio alguma coisa nova pode surgir. Medo é o pensamento no desconhecido; por isso, você tem tanto medo de deixar o conhecido — seus apegos, satisfações, lembranças aprazíveis, a continuidade e a segurança que proporcionam con­forto. O pensamento está comparando tudo isso com o que ele considera ser o vazio. Essa imaginação do vazio é medo e, portanto, medo é pensamento. Voltando à sua pergunta, pode a mente negar tudo o que conhece, o conteúdo total de seu próprio “eu”, consciente e inconsciente, que constitui a essência de “si mesmo”? Você pode negar a “si mesmo”, completamente? Se não puder fazê-lo, não haverá liberdade. Liberdade não significa estar livre de alguma coisa — pois isso é apenas uma reação; a liberdade vem com a negação total.

Interrogante: Mas, que bem faz essa liberdade? Você está me pedindo que morra, não?

Krishnamurti: Exatamente! Eu gostaria de saber que sentido você dá a palavra “bem”, ao dizer “quem bem faz essa liberdade?” “Bem”, em relação a que? Ao desconhecido? A liberdade é o bem absoluto e sua ação é a beleza da vida de cada dia. Só na liberdade há viver, e sem ela como pode haver amor? Nela, tudo vive e existe. Ela está em toda a parte e em parte nenhuma. É sem fronteiras. Você pode morrer agora para tudo o que conhece, sem esperar até amanhã? Essa liberdade é eternidade, êxtase — é amor.

Krishnamurti — A Luz que não se apaga

sexta-feira, 7 de junho de 2013

A compaixão está além das regras

Agora, a história zen.
Num dia de inverno, um samurai sem mestre foi ao templo de Eisai e fez um apelo:

Sou pobre e doente - disse - e minha família está morrendo de fome. Por favor, ajude-nos, mestre.
Dependente como era de doações de viúvas, Eisai levava uma vida muito austera e nada tinha para dar.
Ia mandar o samurai embora quando se lembrou da imagem do Buda Yakushi no saguão. Subiu até ela, arrancou-lhe o halo e o deu ao samurai.
Venda isso - disse Eisai. - Deve aliviar seus problemas.
O perplexo porém desesperado samurai pegou o halo e saiu.
Mestre! - gritou um dos discípulos de Eisai. - Isso é sacrilégio! Como o senhor pôde fazer tal coisa?
Sacrilégio? Bah! Simplesmente fiz bom uso, por assim dizer, da mente do Buda, que é plena de amor e misericórdia. Na verdade, se ele próprio tivesse ouvido aquele pobre samurai, teria cortado um braço ou uma perna por ele.
Uma história muito simples, porém muito significativa. Primei­ro, mesmo que você nada tenha para dar, olhe de novo. Sempre en­contrará algo. Mesmo que nada tenha, sempre poderá encontrar algo. Se não puder dar nada, pelo menos pode sorrir; se não puder dar nada, pelo menos pode se sentar com a pessoa e segurar-lhe a mão. Não se trata de doar algo, trata-se de se doar.

Eisai era um monge pobre, como geralmente são os monges bu­distas. Sua vida era muito austera e ele não tinha nada para dar. Nor­malmente, é um absoluto sacrilégio tirar o halo da estátua do Buda e dá-lo a alguém. Nenhuma pessoa que se diz religiosa pensaria nisso. Somente alguém realmente religioso o faria — é por isso que digo que a compaixão não conhece regras, está além das regras. E selvagem. Não segue formalidades.

De repente, o mestre se lembrou da imagem do Buda no saguão. No Japão, na China, eles colocam um halo de ouro em volta da ca­beça do Buda, só para representar a aura. De repente o mestre se lem­brou - ele devia venerar a mesma estátua todos os dias.
Subiu até ela, arrancou-lhe o halo e o deu ao samurai.
Venda isso - disse Eisai. - Deve aliviar seus problemas.

O perplexo porém desesperado samurai pegou o halo e saiu.
O próprio samurai ficou surpreso. Não esperava aquilo. Até ele de­ve ter achado sacrilégio. Que tipo de homem era aquele? Era um se­guidor de Buda e destruiu a estátua. O mero toque na estátua é um sacrilégio, e ele arrancou o halo.

Essa é a diferença entre uma pessoa realmente religiosa e uma que se diz religiosa. Aquela que se diz religiosa sempre observa as regras, sempre pensa no que é apropriado e no que não é. Mas a pessoa verdadeiramente religiosa vive. Não há nada apropriado ou inapropriado para ela. A compaixão é tão infinitamente apropriada que tudo que ela fizer por compaixão se torna automaticamente apropriado.
Mestre! - gritou um dos discípulos de Eisai. - Isso é sacrilégio! Como o senhor pôde fazer tal coisa?
Até um discípulo sabe que isso não é certo. Algo impróprio foi feito. 
Sacrilégio? Bah! Simplesmente fiz bom uso, por assim dizer, da mente do Buda, que é plena de amor e misericórdia. Na verdade, se ele próprio tivesse ouvido aquele pobre samurai, teria cortado um braço ou uma perna por ele.
Compreender é diferente de apenas seguir. Quando você segue, torna-se quase cego; há regras que devem ser respeitadas. Se você com­preende, também segue, mas já não é cego. Cada momento é que de­cide; a cada momento sua consciência responde, e tudo que você fi­zer estará certo.

Osho, em "A Música Mais Antiga do Universo
Publicado no blog palavras de Osho

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Por uma nova cultura livre de padrões

Interrogante: As grandes culturas sempre se basearam num padrão, mas o senhor fala de uma nova cultura livre de padrões. É possível existir uma cultura absolutamente isenta de padrões? 

Krishnamurti: A mente não precisa estar livre de padrões para encontrar a realidade? E ao estar livre para encontrar o real não criará ela seu próprio padrão, o qual a sociedade atual poderá não reconhecer? Pode a mente que se encontra enredada em um padrão, que pensa de acordo com um padrão, que está condicionada pela sociedade, encontrar o incomensurável que não tem um padrão? Esta língua que estamos falando, o inglês, constitui um padrão desenvolvido através dos séculos. Se existe uma criatividade que esteja livre de padrões, essa criatividade, essa liberdade pode empregar a técnica da linguagem; mas através da técnica, do padrão da linguagem, a realidade não poderá jamais ser encontrada. Por meio da prática, de um tipo de terminado de meditação, de sabedoria, de qualquer forma de experiência, todas as quais se encontram dentro de um padrão, a mente nunca entenderá o que é a verdade. Para entender a verdade, a mente precisa estar livre dos padrões. Uma mente assim é uma mente quieta e então esta mente que é criativa pode criar sua própria atividade. Mas vejam, a maioria de nós não está nunca livre de padrões. Nunca existe um momento em que a mente esteja totalmente livre do medo, do conformismo, do seu hábito de vir-a-ser algo, ou neste mundo ou no mundo psicológico, espiritual. Quando o processo de vir-a-ser, em qualquer sentido, cessa completamente, então aquilo que é Deus, verdade, concretiza-se e cria um novo padrão, uma cultura toda sua.

Krishnamurti — Sobre Deus 

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Como se quebra um condicionamento?

Pergunta: Como pode uma mente condicionada compreender o que é verdadeiro?

Krishnamurti: Não pode. Consideremos isso com toda a simplicidade. Suponhamos que eu seja nacionalista, apegado à minha pátria, a meu soberano, enredado em minha insignificante identificação com determinada raça. Como pode tal mente compreender um estado que transcende tudo isso? Não pode. Por conseguinte, a mente tem de compreender seu próprio nacionalismo e quebra-lo, destruí-lo, repudiá-lo de todo; e isso, em geral, nos é dificílimo. O nacionalismo é apenas uma expansão de nosso pequenino “ego”. Identificai-vos com vosso país, porque sois pequeno e o país é grande. A “entidade tribal” gosta de identificar-se com algo maior do que ela — e isto é o que todos estamos fazendo. Podeis não identificar-vos com vosso país, mas desejais devotar-vos a algum alvo ou ação de suprema significação; desejais estar identificado com uma ideia ou com Deus. Quer vos devoteis à pátria, à família, quer vos torneis monge e vos devoteis a Deus, trata-se exatamente da mesma coisa: puro condicionamento. E o quebrar desse condicionamento requer, como vimos, um percebimento “sem escolha”, vigilância de todo o movimento do pensamento; trata-se simplesmente de enfrentar o condicionamento, de observá-lo.(1)

Pergunta: O que é a verdadeira, a eterna felicidade?

Krishnamurti: (...) veja como a mente prega peças a si mesma. Porque se sente infeliz, angustiado, em circunstâncias precárias, etc., você quer alguma coisa eterna, uma felicidade permanente. Existirá isso? Em vez de pedir felicidade permanente, descubra como se livrar do desejo que o está roendo e criado dor, tanto física como psicológica. Quando é livre, não há problema, você não pergunta se há felicidade eterna ou o que é a felicidade. É o homem preguiçoso, tolo que, estando na prisão, quer saber o que é a liberdade; e pessoas preguiçosas e tolas lhe dirão. Para o homem prisioneiro, a liberdade é mera especulação. Mas se sair da prisão, ele não especulará acerca da liberdade: ela existirá.

Por isso, não é importante, em lugar de perguntar o que é a felicidade, descobrir por que somos infelizes? Por que a mente está paralisada? Por que nossos pensamentos são limitados, mesquinhos, acanhados? Se pudermos entender a limitação do pensamento, ver a verdade disso, nessa descoberta da verdade haverá libertação. (2) 

Pergunta: O que é a verdadeira liberdade e como conquistá-la?

Krishnamurti: A verdadeira liberdade não é coisa que se adquira; é o resultado da inteligência. Você não pode sair e comprar liberdade no mercado. Não pode obtê-la lendo um livro ou ouvindo alguém falar.  A liberdade vem com a inteligência.

Mas, o que vem a ser inteligência? Poderá haver inteligência quando há medo, ou quando a mente está condicionada? Quando a sua mente está cheia de preconceitos, ou quando você imagina que é um ser humano maravilhoso, ou quando é muito ambicioso e deseja subir a escada do sucesso, material ou espiritualmente, pode acaso haver inteligência? Quando você está preocupado consigo mesmo, quando segue ou venera alguém, pode acaso haver inteligência? De fato, a inteligência aparece quando você compreende toda essa estupidez e rompe com ela. Portanto, você precisa começar a fazer isso; e a primeira coisa a fazer é tomar consciência de que sua mente não é livre. Você precisa observar como sua mente está presa por todas essas coisas, e, então, haverá um princípio de inteligência, a qual acarreta liberdade. Você tem que encontrar a resposta por si mesmo. Qual é a vantagem de alguma outra pessoa ser livre quando você não é, ou de outra pessoa ter alimento quando você padece fome?  

Para ser criativo, o que implica realmente ter iniciativa própria, é preciso haver liberdade; e para haver liberdade é preciso haver inteligência. Portanto, você precisa inquirir e descobrir o que está travando a sua inteligência. Precisa investigar a vida, tem de questionar todos os valores sociais, tudo, e não aceitar coisa alguma porque está com medo. (3) 

(1) Krishnamurti — O homem e seus desejos em conflito — ICK
(2) Krishnamurti — O verdadeiro objetivo da vida 
(3) Krishnamurti — O verdadeiro objetivo da vida 

sexta-feira, 10 de maio de 2013

A esplêndida fuga chamada “deus”

Pergunta: Precisamos saber o que é Deus, antes de podermos conhecer a Deus. Como se pode apresentar ao homem a ideia de Deus, sem trazer Deus ao nível do homem?

Krishnamurti: Não é possível, senhor. Ora, que é que nos impele à busca de Deus, e é real esta busca? Para a maioria de nós, ela é uma fuga da realidade. Devemos, pois, fazer a maior clareza, em nós mesmos, sobre se nossa busca de Deus é uma fuga, ou se é uma busca da verdade em todas as coisas — a verdade nas nossas relações, a verdade no valor das coisas, a verdade nas ideias. Se buscamos Deus apenas porque estamos cansados do mundo e das suas misérias, em tal caso a nossa busca é uma fuga. Criamos, então, Deus, e isso não é Deus. O deus dos templos, o deus dos livros, não é Deus, evidentemente — é uma esplêndida fuga. Mas se tentamos descobrir a verdade, não num determinado conjunto de ações, mas em todas as nossas ações, ideias e relações, se buscamos uma apreciação correta do alimento, da roupa, e da moradia, então, porque as nossas mentes são capazes de percepção clara e de compreensão, quando buscarmos a realidade, a encontraremos. Isso não será, então, uma fuga. Mas se estamos confusos com relação às coisas do mundo — alimento, vestuário, moradia, relações, e ideias — como podemos achar a realidade? Só podemos inventar a “realidade”. Assim, Deus, a verdade, ou a realidade, não é cognoscível por uma mente confusa, condicionada, limitada. Como pode a mente em tais condições pensar na realidade ou em Deus? Ela precisa, em primeiro lugar, “descondicionar-se”. Precisa libertar-se de suas próprias limitações, e só então lhe será possível saber o que é Deus, e não antes, é óbvio. A realidade é o desconhecido, e o que é conhecido não é o real. Assim, a mente que deseja conhecer a realidade precisa libertar-se de seu próprio condicionamento, e esse condicionamento é imposto externamente ou internamente; e enquanto a mente criar divergência, conflito, nas relações, não pode conhecer a realidade. Se, portanto, uma pessoa quer encontrar a realidade, a sua mente precisa estar tranquila; mas se a mente é forçada, disciplinada, para ficar tranquila, essa tranquilidade, em si, é uma limitação, é mera auto-hipnose. A mente só se torna livre e tranquila ao compreender os valores que a circundam.

Nessas condições, para compreendermos aquilo que representa o mais alto, o supremo, o real, precisamos começar muito de baixo, muito perto de nós; isto é, precisamos averiguar o valor das coisas, das relações, e das ideias, com que nos ocupamos em cada dia. E sem compreendê-las, como pode a mente buscar a realidade? Pode inventar a “realidade”, pode copiar, pode imitar; tendo lido muitos livros, pode repetir a experiência alheia. Mas isso, por certo, não é o real. Para experimentar o real, a mente deve deixar de criar; porque tudo o que ela criar, seja o que for, estará sempre subordinado ao tempo. O problema não é se há ou se não há Deus, mas, sim, como pode o homem descobrir a Deus; e se, na sua busca, ele conseguir desembaraçar-se de todas as coisas, encontrará inevitavelmente aquela realidade. Mas é preciso começar com o que está perto e não com o que está longe. É bem evidente que para alcançar o que está longe precisamos começar com o que está perto de nós. Em geral, queremos especular, o que representa uma fuga muito cômoda. E é por isso que as religiões constituem um maravilhoso entorpecente para a maioria das pessoas. Assim, o desembaraçar a mente de todos os valores que ela criou é obra sobremodo difícil, e porque as nossas mentes estão fatigadas, ou porque somos indolentes, preferimos ler livros religiosos e espetacular acerca de Deus; isso, positivamente, não é a descoberta da realidade. Alcançar a realidade é experimentar, e não imitar.

Krishnamurti — Novo acesso à Vida - ICK   - 4 de julho de 1948     

domingo, 5 de maio de 2013

Com que tipo de homem você se identifica?

Existem três tipos de homens, e o Mestre se comporta diferentemente de acordo com o tipo. O tipo mais alto é o homem que provou o êxtase da não-mente. O Mestre se comporta com esse tipo de homem de uma maneira totalmente diferente, porque ele sabe que ele entenderá.

O estado de não-mente é o estado mais alto. Você está no pico quando você está no estado de não-mente, quando você está absolutamente silencioso, quando nada mexe dentro de você, nenhuma ideia, nenhum pensamento, quando a mente parou de criar barulho, o barulho constante. A mente está tagarelando tanto que ela não lhe permitirá ouvir nada. Quando o tagarelar da mente para, pela primeira vez se torna consciente da música do seu próprio ser. E pela primeira vez você também se torna consciente da música que essa existência é.

Quando tal homem se aproxima de um Mestre, o Mestre se comporta de uma maneira totalmente diferente — porque ele sabe que não importa o que ele faça, ele será entendido. Comunhão é possível quando não existe barreira.

O segundo tipo de homem é o homem que vive no meio, entre o primeiro e o terceiro. Ele tem uma mente meditativa — não uma não-mente, mas uma mente meditativa. Isto é, ele está no caminho. Ele aprendeu como ser um pouco silencioso, um pouco mais harmônico que os outros. O barulho está lá, mas é um barulho distante; ele tem sido capaz de se destacar do barulho. Ele criou uma pequena distância entre ele e a sua mente; ele não está mais identificado com a mente. Ele não pensa: “Eu sou a mente”. A mente está lá, ainda tagarelando, ainda armando velhos truques, mas o homem está um pouco alerta para não ser um escravo da mente. A mente não o deixou, mas a mente não é mais tão poderosa quanto ela é ordinariamente.

No estado de não-mente, a mente se foi; a mente se tornou cansada. A mente chegou a perceber que “esse homem foi além dos meus poderes. Agora esse homem não pode mais ser explorado. Esse homem se tornou completamente não-identificado comigo. Ele me usará, mas eu não posso usá-lo”.

O segundo tipo de homem, que está no meio, algumas vezes volta ao velho padrão, é usado pela mente, algumas vezes deixa esse velho padrão. É como um jogo de esconde-esconde. A mente ainda não está absolutamente certa de ter falhado; ainda há esperança, porque às vezes o homem começa a ouvir a mente, tornar-se novamente identificado. A distância não é grande; a mente está muito próxima. Qualquer momento — qualquer momento de inconsciência e a mente assume, começa a dominá-lo novamente.

Esse é o segundo tipo de homem: o homem meditativo, que conheceu uns poucos vislumbres do eterno. Exatamente como você pode ver o Himalaia a milhares de quilômetros de distância... os picos cobertos de neve no sol da manhã num céu aberto, céu sem nuvens, podem ser vistos a milhares de quilômetros de distância. Isso é uma coisa; e estar no pico, habitar lá, é uma outra coisa.

O primeiro tipo de homem reside na não-mente. O segundo tipo de homem tem somente vislumbres — de grande valor certamente, porque esses vislumbres irão preparar o terreno para que ele alcance o pico. Uma vez que você tenha visto o pico, mesmo que a milhares de quilômetros de distância, o convite foi recebido. Agora você não pode permanecer no mundo em repouso, na velha maneira. Alguma coisa começa a lhe desafiar, algo começa a lhe provocar. Uma aventura tomou posse de você: você tem que viajar até o pico. Pode levar anos, vidas, mas a viagem começou. A primeira semente caiu dentro do coração.

O mestre se comporta com o homem meditativo de uma maneira diferente, porque com o primeiro a comunhão é possível, com o segundo a comunicação é possível.

E então há o terceiro tipo: O homem que vive identificado com a mente, com o ego, com quem mesmo a comunicação é impossível, com quem não há nenhuma maneira de se relacionar.

A palavra “identificação” é bonita. Significa fazer de alguma coisa uma entidade, fazer do “id” uma entidade; esse é o significado de identificação. Quando você se torna a mente, você se tornou uma coisa; você não está separado. Você caiu no sono. Isto que é chamado de sono metafísico. Você perdeu a trilha do seu próprio eu. Você se esqueceu da sua realidade e você se tornou um com alguma coisa que você não é. Tornar-se um com algo que você não é, é identificação; e ser aquilo que você é, é não-identificação.

O primeiro homem vive em não-identificação. Ele sabe que ele não é o corpo, ele não é a mente. Ele simplesmente sabe que ele é somente consciência e nada mais. O corpo vai mudando, a mente vai mudando, mas há uma coisa em você que é imutável, absolutamente imutável; isto é a sua consciência. Era exatamente a mesma quando você era uma criança e vai permanecer exatamente a mesma quando você for mais velho. Era a mesma quando você nasceu e será a mesma quando você morrer. Era a mesma antes do seu nascimento, será a mesma depois da sua morte. É a única coisa em existência que é eterna, imutável, a única coisa que habita.

E somente essa eterna consciência pode ser o verdadeiro lar, nada mais, porque tudo mais é um fluxo. E nós vamos nos apegando ao mutável; então criamos miséria, porque há mudança e nós não queremos que mude. Nós estamos pedindo o impossível, e porque o impossível não pode acontecer nós caímos em miséria novamente e novamente.

O jovem quer permanecer jovem para sempre; isto não é possível. Ele terá que se tornar velho, o corpo terá que envelhecer. E quando o corpo estiver velho ele será miserável. Mas a consciência é a mesma. O corpo é exatamente como a casa; a consciência é o anfitrião. Bem no fundo do corpo e do complexo da mente há um fenômeno totalmente acontecendo constantemente. Nem é nem corpo nem mente; é alguma coisa que pode observar ambos, a mente e o corpo. É pura observação. É a alma testemunha — sakshin.  O primeiro tipo de homem sabe que ele é não-identificado com tudo que está mudando. Ele está centrado em sua realidade. O terceiro tipo de homem está obcecado com alguma coisa que ele não é. De fato, a maioria das pessoas pertence ao terceiro tipo. O terceiro tipo é metafisicamente doente. Se você perguntar ao homem acordado, então o terceiro tipo é louco, insano. Pensar que você é algo que você não é, é insanidade.

Um homem foi ao psiquiatra e disse: “Doutor, você terá que me ajudar. Eu não posso evitar de achar que eu sou um cachorro. Eu até mesmo mastigo ossos, lato e deito no tapete à noite”.
O psiquiatra disse: “deite-se naquele divã...”
“Não é permitido!”, ele gritou.       
Mas essa é a situação da humanidade ordinária. Alguém se tornou um hindu, alguém se tonou um muçulmano, alguém se tornou um cristão. Alguém é indiano, alguém é chinês, alguém é italiano. Essas são todas identificações. Alguém acha que é branco, alguém acha que é preto. Alguém acha que é um homem e alguém está identificado em ser uma mulher. Esses são todos os estados de profundo sono inconsciente.

Se você não é o corpo, como pode você ser um homem ou uma mulher? Se você não é o corpo, como pode você ser preto ou branco? Se você não é nem mesmo a mente, como pode você ser cristão ou hindu? Se você é somente consciência, então você é somente consciência e nada mais.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A xícara tem que ser quebrada completamente

O mestre japonês Nan-in recebeu um professor de filosofia.

Servindo-lhe o chá, Nan-in encheu a xícara do visitante, e continuou vertendo.

O professor assistiu ao transbordamento até não conseguir mais conter-se:

“Pare! A xícara está cheia, nada mais pode entrar.”

Nan-in disse:

“Assim como esta xícara, você está cheio de suas próprias opiniões e especulações. Como posso mostrar-lhe o zen sem que você esvazie a sua xícara primeiro?”.

Você está diante de uma pessoa até mais perigosa que Nan-in, porque para mim uma xícara vazia não é suficiente; a xícara tem que ser quebrada completamente.

Mesmo vazio, se você estiver lá, então você está cheio. Até mesmo o vazio o preenche.

Se sente que está vazio, você não está absolutamente vazio, você está lá. Só o nome mudou: agora você chama a si mesmo de vazio.

A xícara não ajuda; ela tem que ser quebrada completamente. Somente quando você não é nada é que o chá pode ser vertido em você, é somente quando você não é, que não há uma real necessidade de verter o chá.

Quando você não é, tudo o que é vivo começa a verter, tudo o que é vivo transforma-se numa chuva em todas as dimensões, em todas as direções.

Quando você não é, o divino é.

Osho, em "Um Pássaro em Voo: Conversas Sobre o Zen"

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Só se pode ver a totalidade de algo quando o pensamento não interfere


Temos de perceber de que é que estamos dependendo. Cumpre descobrir por que razão dependemos de alguma coisa, psicologicamente não me refiro à dependência tecnológica ou à dependência em que estamos do entregador de leite... Mas, psicologicamente, por que é que dependemos, o que supõe a dependência? Esta é uma pergunta essencial, quando se quer investigar a dissipação, a deterioração e a perversão da energia — dessa energia de que temos vital necessidade para compreendermos nossos inúmeros problemas.

De que é que tanto dependemos: de uma pessoa, de um livro, um igreja, um sacerdote, uma ideologia, uma bebida ou droga? Quais são os esteios que sustentam cada um de nós, sutilmente ou de maneira muito óbvia? O por que dependemos, e o descobrimento da causa da dependência liberta a mente dessa dependência? Entendeis essa pergunta? Estamos viajando juntos; não estais à espera de que eu lhes mostre as causas de vossa dependência, porém, investigando-as juntos, as descobriremos; será um descobrimento feito por vós e que, como tal, vos dará vitalidade. Descobrimos por nós mesmos que dependemos de alguma coisa, por exemplo, de um auditório, para nos estimular e dele, portanto, necessitamos. Quando se dirige a palavra a um grande número de pessoas, pode-se adquirir uma certa espécie de energia e fica-se, portanto, na dependência desses ouvintes, de sua concordância ou discordância, para se obter aquela energia. Quanto maior a discordância, tanto maior se torna a batalha e tanto mais vitalidade se adquire; mas, se o auditório concorda, não se obtém a mesma energia. Dependemos — porque? E perguntamos a nós mesmos se, descobrindo a causa de nossa dependência, nos libertaremos dessa dependência. Acompanhai-me, por favor, com vagar. Uma pessoa descobre que necessita de ouvintes porque é muito estimulante falar a outras pessoas; por que necessita desse estímulo? Porque, interiormente, essa pessoa é superficial, interiormente nada tem, não há nenhuma fonte de energia, sempre cheia, abundante, vital, em movimento, viva. Interiormente é paupérrima e descobriu que essa é a causa de sua dependência.

Pode o descobrimento da causa nos livrar de continuar dependentes, ou esse descobrimento é meramente intelectual, mero descobrimento de uma fórmula? Se se trata de uma investigação intelectual e se foi o intelecto que descobriu a causa da dependência da mente, por meio de racionalização, de análise, pode esse descobrimento libertar a mente da dependência? Não pode, evidentemente. O mero descobrimento intelectual da causa não liberta a mente de sua dependência daquilo que lhe dá estímulo, assim como a mera aceitação intelectual de uma ideia ou a aquiescência emocional a uma ideologia não pode libertá-la.

A mente se liberta da dependência quando vê, em seu todo, essa estrutura de estímulo e dependência e vê que o mero descobrimento intelectual da causa da dependência não liberta a mente da dependência. O ver a inteira estrutura e natureza do estímulo e da dependência e perceber como essa dependência torna a mente estúpida, embotada, inerte — só esse percebimento liberta a mente.

Vemos o quadro inteiro, ou apenas uma parte dele, um detalhe? Essa é uma pergunta muito importante que nos devemos fazer, porque nós vemos as coisas em fragmentos e pensamos em fragmentos; todo o nosso pensar é fragmentário. Temos, pois, de investigar, o que significa ver totalmente. Perguntamos se nossa mente pode ver o todo, apesar de ter sempre funcionado fragmentariamente, como nacionalista, individualista, como coletividade, como católico, alemão, russo, francês, ou como indivíduo aprisionado numa sociedade tecnológica, funcionando numa especialidade, etc. — tudo dividido em fragmentos, com o bem oposto ao mal, o ódio ao amor, a ansiedade à liberdade. Nossa mente pensa sempre num estado de dualidade, de comparação, de competição, e essa mente, que funciona em fragmentos, não pode ver o todo. Se uma pessoa é hinduísta e olha o mundo por essa estreita janela, crendo em certos dogmas, ritos, tradições, educada que foi numa certa cultura, etc., evidentemente não pode perceber o todo da humanidade.

Assim, para ver alguma coisa totalmente, seja uma árvore, seja uma relação ou atividade que temos, a mente deve estar livre de toda fragmentação, porquanto, a origem da fragmentação é justamente aquele centro de onde estamos olhando. O fundo, a cultura, na qual o indivíduo é católico, protestante, comunista, socialista, chefe de família, é o centro de onde se está olhando. Assim, enquanto estamos a olhar a vida de um certo ponto de vista, ou de uma dada experiência a que estamos apegados, que constitui nosso fundo, nosso EU, não podemos ver a totalidade. A questão, pois, não é de como nos libertarmos da fragmentação. Invariavelmente, uma pessoa perguntaria: "Como posso eu, que funciono em fragmentos, deixar de funcionar em fragmentos?" Mas, essa é uma pergunta errônea. Percebe essa pessoa que depende psicologicamente de muitas coisas e descobriu intelectualmente, verbalmente e por meio de análise, a causa dessa dependência; esse mesmo descobrimento é fragmentário, por ser um processo intelectual, verbal, analítico; e isso significa que tudo o que o pensamento descobre é inevitavelmente fragmentário. Só se pode ver a totalidade de uma coisa quando o pensamento não interfere, porque então não se vê verbalmente nem intelectualmente, porém realmente, como eu vejo o fato que este microfone — sem agrado nem desagrado; ele existe. Vemos então a realidade, isto é, que somos dependentes e não desejamos libertar-nos dessa dependência ou de sua causa. Observamos, e fazemo-lo sem termos de um centro, sem termos nenhuma estrutura de pensamento. Quando há observação dessa espécie, vê-se o quadro inteiro e não um simples fragmento dele; e quando a mente vê o quadro inteiro, há liberdade.

Acabamos de descobrir duas coisas. A primeira, que há dissipação de energia quando há fragmentação. Pelo observar, pelo "escutar" a estrutura total da dependência, descobriu-se que toda atividade da mente que trabalha e funciona em fragmentos — como hinduísta, comunista, católico, ou como analista que analisa — é essencialmente a atividade de uma mente dissipada, de uma mente que desperdiça energia. A segunda coisa foi que esse descobrimento dá-nos energia para enfrentar todos os fragmentos que forem surgindo e, consequentemente, observando-os à medida que surgem, eles vão sendo dissolvidos.

Descobriu-se a própria origem da dissipação de energia e que toda a fragmentação, divisão, conflito (pois divisão significa conflito) é desperdício de energia. Todavia, pode-se pensar que não há desperdício de energia no imitar e aceitar a autoridade, no depender do sacerdote, dos rituais, do dogma, do partido, de uma ideologia — porque então a pessoa aceita e segue. Mas o seguir e o aceitar uma ideologia, seja boa, seja má, sagrada ou não sagrada, representa uma atividade fragmentária e, por conseguinte, causa conflito. O conflito surgirá, inevitavelmente, porque haverá separação entre o que é e o que deveria ser, e esse conflito é uma dissipação de energia. Pode-se ver a verdade aí contida? Mais uma vez, não se trata de "como libertar-me do conflito?" — Se fazemos a nós mesmos a pergunta "Como posso libertar-me do conflito?", criamos outro problema e, por conseguinte, aumentamos o conflito. Mas se, ao contrário, vemos — tal como vemos o microfone — clara e diretamente, pode-se então compreender a verdade essencial de uma vida inteiramente sem conflitos.
Mas, senhores, digamo-lo de maneira diferente. Estamos sempre a comparar o que somos com o que deveríamos ser. Esse "deveria ser" é uma projeção do que pensamos deveria ser. Comparamo-nos com nosso vizinho, com a riqueza que ele tem e nós não temos. Comparamos-nos com os que são mais brilhantes, mais intelectuais, mais afetuosos, mais bondosos, mais famosos, mais isto e mais aquilo. O mais tem um importantíssimo papel em nossas vidas, e essa medição que em cada um de nós se verifica, a medição de nós mesmos com alguma coisa, é uma das principais causas do conflito. Nela há competição, comparação com isso ou aquilo, e ficamos envolvidos nesse conflito. Ora, porque existe comparação? Fazei a vós mesmo essa pergunta. Por que vos comparais a outrem? Naturalmente, um dos ardis da propaganda comercial é fazer-vos crer que não sois o que deveríeis ser, etc. Isso começa desde os mais verdes anos de nossa vida — ser tão arguto como outrem, nos exames, etc. Por que nos comparamos psicologicamente? Verificai-o. Se não comparo, que sou eu? Eu ficaria embotado, vazio, estúpido — ficaria sendo o que sou. Mas, pela comparação, espero evolver, desenvolver-me, tornar-me mais inteligente, mais belo, mais isto e mais aquilo. Isso acontecerá? O fato é que eu sou o que sou e, pela comparação, estou fragmentando esse fato, a realidade, e isso é um desperdício de energia; mas, ao contrário, o não comparar, porém ser o que realmente sou, é ter extraordinária energia de que necessito para olhar. Quando sois capaz de olhar sem comparação, estais fora de toda comparação, o que não indica uma mente estagnada, contentada; pelo contrário!

Estamos vendo, pois, em essência, como a mente desperdiça energia e como essa energia é necessária para compreendermos a totalidade da vida e não apenas os seus fragmentos. Ela é como um vasto campo todo florido. Se aqui estivestes antes, notastes como, antes de ser ceifado o feno, havia milhares de variegadas flores? Mas, em geral, escolhemos só um dado canto do campo e nesse canto ficamos a olhar uma só flor; não olhamos o campo inteiro. Damos importância a uma só flor e, com dar importância a essa única flor, rejeitamos o resto. É o que fazemos quando atribuímos importância à imagem que temos de nós mesmos; rejeitamos então todas as outras imagens e, por conseguinte, ficamos em conflito com cada uma delas.

Assim, como dissemos, é necessária a energia, energia "sem motivo", sem direção. Para tê-la, devemos ser interiormente pobres, não ser rico das coisas que a sociedade, que nós formamos. Como, em maioria, somos ricos das coisas da sociedade, não existe pobreza em nós. O que a sociedade formou em nós, o que em nós mesmos formamos, é avidez, inveja, cólera, ódio, ciúme, ansiedade — disso somos riquíssimos. Para compreender tudo isso, precisamos de uma extraordinária vitalidade, tanto física como psicológica. A pobreza é uma das coisas mais estranhas da vida; as várias religiões de todo o mundo têm pregado a pobreza — pobreza, castidade, etc. A pobreza do monge que veste um hábito, muda de nome, recolhe-se a uma cela, abre a Bíblia e fica a lê-la interminavelmente; esse homem é reputado pobre. O mesmo se faz, de diferentes maneiras, no Oriente, e isso é considerado pobreza. O voto de castidade, o possuir uma só tanga, só uma túnica, só tomar uma refeição por dia — todos nós respeitamos essa espécie de pobreza. Mas, aqueles que tomaram o manto da pobreza continuam ricos das coisas da sociedade, interiormente, psicologicamente. , uma vez que estão ainda em busca de posição, de prestígio; pertencem à categoria do "religioso", e esse tipo é uma das divisões da cultura social. Isso não é pobreza; pobreza é estar completamente livre da sociedade, embora se possuam algumas roupas e se tomem algumas refeições diárias. Torna-se a pobreza uma coisa maravilhosa e bela, quando a mente está livre da estrutura psicológica da sociedade, porque então já não há conflito, não há buscar, indagar, desejar — não há nada. Só essa pobreza interior pode ver a verdade existente numa vida inteiramente livre de conflito. Essa vida é uma benção que não se encontra em nenhuma igreja ou templo.

Krishnamurti — Saanen, 11 de julho de 1967 -

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

No direto experimentar do todo, está a libertação final do homem

Talvez, se considerarmos o problema do sofrimento e da dor, possamos compreender diretamente, por nós mesmos, o inteiro problema da mente condicionada. Não vamos avaliar simplesmente as formas diversas do sofrimento — físico, psicológico ou psicossomático — mas o problema do sofrimento, o qual, sem dúvida nenhuma, está ligado à questão da mente condicionada, da mente que é incapaz de compreender o todo, em vez de ficarmos especulando a seu respeito e criando “projeções” verbais — se pudermos compreender o todo, talvez nos seja dada a possibilidade de vencermos o sofrimento, de ficarmos livre dele.

Em geral, seguimos uma linha de aproximação através da parte para o todo, e esperamos compreender o todo por meio da parte. Isto é, por meio da parte — que é o “eu” — esperamos tornar-nos capazes de compreender nosso sofrimento, nossas relações com o mundo, nossa atitude, nossa dor, nossa frustração; por meio da parte, do “eu”, queremos compreender todo este complexo problema do viver. Afinal, o “eu”, a mente, é o único instrumento que possuímos: entretanto, essa mente está tão condicionada, tão especializada, que só é capaz de pensar dentro da sua esfera de valores condicionados, pontos de vista condicionados, ações condicionadas. E com a compreensão da parte, do “eu” (isto é, a compreensão de que é dotado o “eu”, a parte) esperamos compreender o todo. O todo não é uma teoria, uma especulação; não é o que diz este ou aquele instrutor; não é uma ideia relativa a um estado, a Deus, a um modo de ser. Mas o direto experimentar do todo, não especulativamente mas de maneira real, pode tornar-se a libertação final do homem, do seu sofrimento.

Porque nós — vocês e eu — estamos condicionados, totalmente condicionados pelo nosso pensar, é incapaz, a mente, de compreender “o todo”, a respeito do qual nada sabemos. Todo pensar é condicionado; o pensamento, em qualquer nível que o coloquemos, é sempre condicionado. Vocês não gosta, de admitir esse fato. Acreditam existir dentro de vocês, uma parte não condicionada, superior a todas as influências “condicionadoras” — influências climáticas, religiosas, sociais; a educação; a memória; a experiência. Vocês pensam que essa coisa não está sujeita a nenhum condicionamento e que ela não é o “eu”. Mas, quando vocês pensam nesse estado que dizem “não condicionado”, o fato, justamente de o pensarem, cria condicionamento; além disso, essa coisa que se acha além de toda possibilidade de condicionamento, é todavia condicionada se está em relação com o pensamento. Isso não é mera especulação ou argumento sutil.

Se puderem examinar esta questão da mente condicionada, verão não existir nenhuma parte do pensamento que não esteja controlada, condicionada. Talvez seja esse condicionamento a verdadeira fonte de todo sofrimento. Se pudermos examinar esta questão, fora do nível verbal (vocês sabem o que entendo por “nível verbal”: o mero refletir sobre a questão, o mero especular sobre se a mente pode tornar-se “descondicionada”) se pudermos examinar e compreender esta questão, então não há dúvida de que com essa compreensão descobriremos muitas e muitas coisas.

Em primeiro lugar, se estivermos vigilantes, por pouco que seja, se observarmos o estado da nossa mente, reconheceremos que o pensamento é condicionado, que não há pensar independente de condicionamento. Se admitirmos e compreendermos esse fato, haverá então diferentes maneiras de tratar o problema. Isto é, ao reconhecer que estou condicionado e que não há nenhuma possibilidade de “descondicionar” a minha mente, tento modificar o condicionamento, a condição, deixando de crer em certas ideias ou ideais; nesse processo “processo”, porém, eu me condiciono, já que trato de adotar outras ideias ou ideais. Temos, pois, um “progresso” no condicionamento, e é isso o que interessa para a maioria de nós. Queremos progredir, social, econômica, religiosamente, ou em nossas relações mútuas, vivendo sempre condicionados ou “mais bem condicionados”. Admitimos, desse modo, que o sofrimento nunca pode ter fim e que só é possível modificá-lo ou recorrer às várias maneiras de fuga ao sofrimento.

Entretanto, quando sabemos, quando temos perfeita consciência de que nosso pensamento está inteiramente condicionado e que não há uma única parte dele “não condicionada”, temos então a possibilidade de descobrir se existe alguma coisa além da mente, além das “projeções” e fabricações da mente. Acho importantíssimo este ponto; se pudermos examiná-lo verdadeiramente, experimentá-lo efetivamente, enquanto estamos falando, encontraremos então uma solução real para todos os nosso problemas, o principal dos quais é o sofrimento, a dor — não só a dor física, mas as manifestações mais complicadas da dor psicológica: as lutas e conflitos interiores, as frustrações, o desespero, a esperança.

O que importa, por conseguinte, é que se descubra, que se experimente de fato a totalidade, o todo não condicionado (se é que existe um estado não condicionado) não controlável pela mente, não “projetado” por ela. Todas as nossas soluções — sociais, econômicas ou religiosas — são procuradas por uma mente condicionada e, por conseguinte, qualquer solução há de ser “progressivamente condicionada”, nunca independente de condicionamento. Isto é, em vez de venerarmos a palavra “Deus”, veneramos, agora, a palavra “estado” e, assim, usando-a, acreditamos ter feito um progresso espantoso. Ou, se não gostamos da palavra “Estado”, adotamos a palavra “Ciência” ou as palavras “Materialismo Dialético”, como se isso nos fosse resolver todos os problemas. Isto é, estamos sempre a abordar a solução de nossos problemas com um pensamento condicionado.

O pensamento é sempre condicionado; não há pensamento não-condicionado. Como disse, pode-se conceber o “Eu Supremo”, no nível mais elevado, mais sublime; ainda assim, ele é condicionado. Se, reconhecendo este fato, não teoricamente mas realmente, observamos as operações da mente, veremos que a mente está sempre pensando de acordo com seu fundo próprio, visto não haver pensamento sem memória, experiência sem memória, sem o processo de reconhecimento e , por conseguinte, a respectiva contradição (o respectivo “oposto”). Tal é o estado que conhecemos, e desse ponto de vista é que queremos considerar os nossos problemas! Não me parece, porém, possam eles ser resolvidos de tal maneira, isto é, pelo mero processo de os considerarmos de um determinado ponto de vista. Um problema só pode ser resolvido quando compreendemos o todo, e essa compreensão não é possível enquanto o pensamento, a ideia, estiver em funcionamento. Tenham a bondade de refletir sobre isso — não depois de irem para casa, mas aqui mesmo, enquanto falo.

Infelizmente, os mais de nós costumamos traduzir, interpretar tudo o que ouvimos. Compreendem? Vocês dizem que é assim que está nos Upanishads, que é isso que significa tal frase do Bhagavad-Gita. Desse modo, estão interpretando e não compreendendo; por consequência, o conhecimento de vocês se transforma num empecilho para a experiência direta. Urge, por conseguinte, suprimirmos o conhecimento, eliminarmos todo o conhecimento (não me refiro ao conhecimento relativo à construção de, por exemplo, o qual é essencial; não estou pregando o retorno ao estado primitivo, o que seria absurdo) urge eliminarmos o conhecimento comparativo, o conhecimento que interpreta o que outros dizem. Essa interpretação, essa tradução é uma forma de satisfação do “eu”, do seu desejo de estar sempre seguro, sempre certo; por causa dele a mente está sempre a dizer: “é o que diz o Livro” — sustando, assim, com essa afirmação, com essa tradução, o experimentar, o estudar.

A mente, sem dúvida, deve achar-se num estado de completa incerteza, quer dizer, num estado de completa inação, um estado de desconhecimento, em que a mente jamais diz “eu sei”, “eu tenho experiência”, “é isso mesmo!” A mente que diz “eu sei!” é incapaz de resolver qualquer problema complexo do viver, pois a vida está sempre em movimento, a vida não é estacionária. Vocês podem traduzir a vida, interpreta-la como comunista, como socialista, como materialista dialético, etc.; podem traduzi-la e prende-la assim a palavras explanatórias; a Realidade, porém, é uma coisa viva, e essa coisa viva não é acessível através da parte, que é o pensamento. Percebam isso, por favor, e a Realidade se lhes revelará. Se estão verdadeiramente à escuta da Realidade, ela fará algo extraordinário: quebrará de golpe o condicionamento da mente, e esta se tornará tão desperta, tão vigilante, que o “todo” não mais se lhe afigurará uma coisa miraculosa, transcendental. Esse todo, essa totalidade pode ser experimentada apenas depois de compreendido todo o processo do condicionamento e de reconhecermos positivamente que por meio de um pensamento condicionado não há solução para os nossos problemas. Quando vocês tiverem uma experiência dessa natureza, quando tiverem a percepção, a experiência do “todo”, ocorrerá então uma extraordinária revolução interior — a única verdadeira; porque “revolução econômica” é mero pensamento progressivo, ação condicionada.

Devemos, pois, abeira-nos de todos os nossos problemas com a compreensão de que nosso pensamento está condicionado. Vocês podem fazer o que quiserem, acumular conhecimentos psicológicos e ler todos os livros sagrados do mundo: se com esse conhecimento desejarem resolver o problema da vida, que é movimento constante, nunca estática, não encontrarão jamais a solução. Entretanto, desde que haja o experimentar do todo com a compreensão do todo (em que se reconhece o estado de condicionamento da mente) então, com essa compreensão do todo, qualquer problema pode ser resolvido, não por meio de um condicionamento progressivo, mas em virtude do completo desaparecimento do problema.

Como disse ontem, há neste mundo de pretenso progresso cada vez mais sofrimento, mais destruição, desgraça, sufocação, frustração. Vocês podem não estar cônscios disso, já que se habituaram ao moer da rotina diária. Se estivessem, porém, por pouco que fosse, conscientes, veriam ser este o processo da existência: frustração constante, sem qualquer fim; e quanto mais procuram preenchimento, mais encontrarão frustração. Da satisfação do “eu”, do desejo de preenchimento, nascem novos desejos, novos sofrimentos. Visto que a fonte das suas ações, o incentivo de duas ações é sempre o preenchimento do “eu” — preenchimento no filho, na família, na nação, ou na sociedade — esse desejo de preenchimento e a ação dele resultante acarretam frustração. Na frustração há sempre desespero. Por isso a mente busca uma senda promissora, no Estado, em Deus, ou noutra coisa qualquer, por meio da qual possa preencher-se; e dessa forma, nos vemos de novo a nos debater na mesma cadeia sem fim.

Nessas condições, se se deseja uma ação não inspirada por determinado sistema, determinada teoria, se se deseja ação de conjunto, por parte de vocês e de mim, ação não inspirada pelo desejo de preenchimento, faz-se necessária a compreensão de como está condicionada a nossa mente. É essencial a libertação da mente do seu condicionamento, porque então há cooperação, ação de todos nós e não ação particular suas ou minha. Ai se encontra a Verdade. Requer tudo isso, naturalmente, apurada observação. A Verdade não se pode adquirir nos livros. Tal é a verdadeira meditação, que não é meditação de pensamentos controlados, meditação limitadora do pensamento, e, sim, a meditação do amplo percebimento. O amplo percebimento é o percebimento de todos os movimentos do pensar; é se estar cônscio de como a mente opera, de cada reação, cada experiência, cada transgressão contra a vida; cônscio de como a mente funciona a cada momento; cônscio de cada reação, sem o desejo de modificá-la, controlá-la, orientá-la, discipliná-la. Nesse estado de amplo percebimento a mente se torna tranquila num grau extraordinário; não mais lhe interessa a plenitude, o preenchimento do “eu”, o ser ou não ser alguma coisa. Esse estado de tranquilidade não é um estado forçado, disciplinado. É o “estado de ser” — o qual nada tem em comum com a mente; por essa razão a mente se apresenta tranquila, serena; e nessa tranquilidade, aquilo que é “o todo” é compreendido.

Krishnamurti – 2ª Conferência em Poona – Índia – 25 e janeiro de 1953

Do livro: Autoconhecimento — Base da Sabedoria

sábado, 1 de dezembro de 2012

Descobrindo o que se acha infinitamente além da mente, dos desejos, vaidades e paixões

Quando a mente busca um determinado estado, a solução de um determinado problema, quando busca a Deus, a Verdade, ou deseja uma certa experiência, mística ou de outra ordem, ela já concebeu, já formulou coisa que deseja; e, visto que já a concebeu e formulou, é infinitamente vã a sua busca. E uma das coisas mais difíceis é o libertarmos a mente desse desejo de resultado.

A meu ver, os nossos incontáveis problemas só podem ser resolvidos quando ocorrer uma revolução fundamental da mente, porque só uma revolução dessa ordem pode proporcionar a compreensão do Verdadeiro. Nessas condições, importa compreendermos o funcionamento de nossa própria mente, não por um processo de auto-análise ou introspecção e, sim, pelo percebimento claro do seu processo total que desejo investigar nestas palestras. Se não nos vermos como somos, se não compreendermos o "pensador" — a entidade que busca, que está perpetuamente a exigir, a interrogar, a querer descobrir, a entidade que está criando o problema, isto é, o "eu", o "ego" — então o nosso pensar, a nossa busca, não terá significação alguma. Enquanto o nosso "instrumento de pensar" não for lúcido, enquanto estiver pervertido, condicionado, tudo o que pensarmos há de ser, inevitavelmente, limitado, estreito.

Nosso problema, pois, é de como libertarmos a mente de todos os condicionamentos, é não "de que maneira controlá-la melhor". Compreendeis, senhores? Quase todos nós estamos em busca de um condicionamento melhor. Os comunistas, os católicos, os protestantes e as demais seitas, por todo o mundo, inclusive hinduístas e budistas — todos visam a condicionar a mente de acordo com um padrão mais nobre, mais virtuoso, mais abnegado, ou um padrão religioso. Cada indivíduo, no mundo inteiro, está interessado em condicionar sua mente de uma maneira melhor, e nunca levantar a questão do libertar a mente de todo e qualquer condicionamento. Mas quer-me parecer que, enquanto a mente não estiver livre de todo o seu condicionamento, isto é, enquanto estivermos condicionados como cristãos, budistas, hinduístas, comunistas, etc., não pode deixar de haver problemas.

Sem dúvida, só é possível descobrir o que é real ou se existe Deus, quando a mente está livre de todo condicionamento. A mera ocupação da mente a respeito de Deus, da Verdade, do Amor, não tem nenhuma significação, porquanto essa mente só pode funcionar dentro da esfera de seu condicionamento. O comunista que não crê em Deus, pensa de um modo, e o homem que crê em Deus, que está ocupado com um dogma, pensa de outro modo; mas a mente de todos os dois está condicionada e, portanto, nem um nem outro é capaz de pensar livremente, e todos os seus protestos, suas teorias e crenças muito pouco significam. Religião, pois, não é frequentar a igreja, ter certos dogmas e crenças. A religião deve ser uma coisa de todo diversa, pode significar a total libertação da mente de toda esta vasta e secular tradição; porque só a mente livre é que pode achar a Verdade, a realidade, aquilo que transcende todas as projeções mentais.

Pode-se ver que isso não é uma teoria pessoal, minha, se observarmos o que está acontecendo no mundo. Os comunistas pretendem solucionar os problemas da vida de uma maneira, os hinduístas de outra maneira, os cristãos ainda de outra maneira; a mente de todos eles, por consequência, está condicionada. Vossa mente está condicionada como cristã, quer admitais, quer não. Podeis libertar-vos superficialmente da tradição cristã, mas as camadas profundas do vosso inconsciente estão cheias dessa tradição, condicionadas por séculos de educação segundo um determinado padrão; e, por certo, a mente que deseja achar algo mais além — se tal coisa existe — essa mente tem de libertar-se, em primeiro lugar, de todo condicionamento.

Fica entendido, pois, que nestas palestras não vamos de modo nenhum tratar da questão do aperfeiçoamento pessoal, nem tampouco nos interessa o aperfeiçoamento de nenhum padrão; não pretendemos condicionar a mente segundo um padrão mais nobre, ou um padrão de maior alcance social. Pelo contrário, o que pretendemos é descobrir como libertar a mente, a consciência total de todo o condicionamento, porque, a menos que isso aconteça, nunca haverá o experimentar da realidade. Podeis falar sobre a realidade, ler inúmeros volumes a seu respeito, ter todos os livros sagrados do Oriente e do Ocidente, mas se vossa mente não estiver cônscia de seus próprios processos, não perceber que ela própria está funcionando dentro de um determinado padrão, e não for capaz de libertar-se desse condicionamento, é bem de ver que sua busca será sempre vã.

Nessas condições, parece-me de maior importância comecemos por nós mesmos comecemos por estar cônscios de nosso próprio condicionamento. E como é difícil uma pessoa saber que está condicionada! Superficialmente, nas camadas conscientes da mente, podemos perceber que estamos condicionados; podemos libertar-nos de um padrão e adotar outro, abandonar o Cristianismo e nos tornarmos comunistas, deixar o Catolicismo e aderir a outro grupo igualmente tirânico, e, assim fazendo, pensar que estamos volvendo para a Realidade. Mas isso, pelo contrário, é mera troca de padrões.

Todavia, é isto o que quase todos queremos: encontrar um lugar seguro, no nosso pensar. Queremos seguir um padrão fixo e não ser perturbados em nossos pensamentos, em nossas ações. Mas só a mente capaz de observar com paciência o seu condicionamento e dele libertar-se, só essa mente é capaz de uma revolução, uma transformação radical, e descobrir, assim, o que se acha infinitamente além da mente, além de todos os nossos desejos, nossas vaidades, e paixões. Sem o autoconhecimento, sem nos conhecermos exatamente como somos — e não como gostaríamos de ser, que é simples ilusão, fuga idealística — sem conhecermos os movimentos do nosso pensar, todos os nossos "motivos", nossos pensamentos, nossas inumeráveis reações, não haverá possibilidade de compreendermos e ultrapassarmos o processo do pensar.

(...) estamos falando a respeito de algo de imensa importância, porque, se não houver uma revolução fundamental em cada um de nós, não percebo como será possível operarmos uma vasta e radical transformação no mundo. E esta transformação radical, decerto, é sumamente relevante. A mera revolução econômica, de caráter comunista ou socialista, é destituída de qualquer importância. Só pode haver revolução de natureza religiosa; e a revolução religiosa não será possível se a mente está apenas ajustada ao padrão de um condicionamento anterior. Enquanto uma pessoa for cristã ou hinduísta, não poderá haver revolução fundamental, no sentido verdadeiramente religioso da palavra. E nós temos real necessidade desta revolução. Quando a mente estiver livre de todo condicionamento, ver-se-á surgir a ação criadora da Realidade, de Deus, ou o nome que preferirdes; e só a mente que se acha nesse estado, a mente que está a experimentar constantemente essa criação, só ela poderá criar uma perspectiva nova, valores diferentes, um mundo diferente.

É, pois, importante compreendermos a nós mesmos, pois não? O autoconhecimento é o começo da sabedoria. O autoconhecimento não se consegue de acordo com algum psicólogo, livro ou filósofo; ele consiste em conhecermos a nós mesmos tais como somos, de momento a momento. Compreendeis isso? Conhecer a si mesmo é cada um observar o que pensa, o que sente, não apenas superficialmente, pois devemos estar profundamente cônscios do que é, sem condenação, sem julgamento, sem avaliação ou comparação. Experimentai-o, e vereis como é difícil a uma mente que foi exercitada durante séculos para condenar, julgar e avaliar, deter todo esse processo e ficar simplesmente a observar o que é. Entretanto, se não se fizer esta observação, não apenas no nível superficial, mas em todo o conteúdo da consciência, nunca será possível penetrarmos as profundezas da mente.

Veja, por favor, se estais aqui realmente com o fim de compreender o que se está dizendo, que é isto que deve interessar-nos, e nada mais. Vosso problema não é o de saber a que sociedade pertencer, a que gênero de atividades entregar-vos, que livros ler, e outras superficialidades dessa ordem, mas, sim, de saber como libertar a mente do condicionamento. A mente não é apenas a consciência desperta, ocupada com as atividades diárias, mas é também as camadas profundas do inconsciente, onde se encontra todo o resíduo do passado, da tradição, dos instintos raciais. Tudo isso é a mente, e a menos que essa consciência total seja livre, de ponta a ponta, a nossa busca, nossa investigação, nosso descobrimento, será limitado, estreito, insignificante.

A mente está toda condicionada. Não há uma só parte da mente que não esteja condicionada. Nosso problema, portanto, é este: Pode a mente, assim condicionada, libertar-se? E quem é a entidade que poderá libertá-la? Compreendeis o problema? A mente é a consciência total, com todas as suas camadas de conhecimentos, aquisições, tradições, instintos raciais, memórias. Esta mente pode libertar-se? Ou só pode libertar-se ao perceber que está condicionada e que todo movimento que faça para sair de seu condicionamento é outra forma de condicionamento? Espero que estejais compreendendo. Se não, continuaremos a examinar esse ponto em dias vindouros.

A mente está toda condicionada, o que é um fato evidente, se refletirmos a tal respeito. Isso não é invenção minha, é um fato. Pertencemos a uma dada sociedade, fomos educados de acordo com determinada ideologia, certos dogmas, tradições, e a vasta influência da civilização, da sociedade, condiciona-nos incessantemente o espírito. Como pode esse espírito ser livre, se todo movimento para libertar-se resulta de seu condicionamento e, por conseguinte, produzirá, forçosamente, mais condicionamento? Só há uma resposta: a mente só pode ser livre quando está completamente tranquila. Embora tenhamos problemas e inúmeros impulsos, conflitos e ambições, se — mercê de autoconhecimento, da autovigilância sem aceitação ou condenação — ela estiver cônscia, imparcialmente, do seu próprio processo, então, desse percebimento há de resultar um silêncio extraordinário, uma tranquilidade de espírito em que não se observa movimento de espécie alguma. É só então que a mente é livre, porquanto nada mais deseja, nada mais busca, não visa a nenhum objetivo ou ideal — que são as projeções de toda mente condicionada. E se logrardes alcançar essa compreensão em que não há automistificação, encontrareis a possibilidade de ver surgir aquela coisa extraordinária que se chama criação. Só então está a mente apta a compreender aquela imensidade que se pode chamar Deus, a Verdade, ou como quiserdes — a palavra tem muito pouca importância. Podeis ser prósperos socialmente, possuir muitos bens — automóveis, casas, geladeiras — ter paz superficial, mas, sem o surgimento daquilo que é imensurável, encontrareis sempre aflições. A libertação da mente de seu condicionamento é o fim do sofrimento.

Krishnamurti - Realização sem Esforço

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill