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quarta-feira, 2 de abril de 2014

O que acontecerá se eu não me ajustar à sociedade?

Não é uma grande tragédia que muitos de nós estejamos somente preocupados de maneira nos ajustarmos à sociedade ou em como reformá-la? Já notaram que a maioria das perguntas que fizeram reflete essa atitude? Vocês, na verdade, querem dizer: "Como posso me ajustar à sociedade? O que dirão meus pais, e o que acontecerá comigo se eu não me ajustar?" Essa atitude destrói qualquer confiança, qualquer iniciativa que tenham. E vocês deixam a escola, a faculdade, como autômatos, talvez altamente eficientes, porém sem qualquer chama criativa.  Por isso é tão importante compreender a sociedade, o ambiente no qual se vive e, nesse próprio processo de compreensão, romper com ela.

Vejam, trata-se de um problema que ocorre no mundo inteiro. O homem está buscando uma resposta nova, um novo acesso à vida, porque as atitudes antigas estão decadentes, seja na Europa, na Rússia ou aqui. A vida é um desafio contínuo, e simplesmente tentar realizar uma ordem econômica melhor, não é a resposta completa a esse desafio, que é sempre novo; e quando culturas, povos, civilizações são incapazes de responder totalmente ao desafio do novo, são destruídos. 

A menos que sejam adequadamente educados, a menos que tenham a extraordinária confiança da inocência, vocês estarão no caminho inevitável de serem absorvidos pelo coletivo e se perderem na mediocridade. Acrescentarão títulos após o nome, se casarão, terão filhos, e será o fim de vocês. 

Vejam, muitos de nós temos medo. Os pais, os educadores, os governos e as religiões temem o fato de vocês se tornarem indivíduos integrais, porque todos desejam que permaneçam seguramente dentro da prisão das influências ambientais e culturais. Mas são somente os indivíduos que rompem com o padrão social, quando compreendem — e que não estão, portanto, limitados pelo condicionamento das próprias mentes —, que podem realizar uma nova civilização, não aqueles que apenas se conformam ou que resistem a um padrão particular porque são moldado por outro. A busca por Deus ou pela Verdade não está dentro da prisão, mas na compreensão da prisão e no rompimento de suas paredes — e o próprio movimento à liberdade cria uma nova cultura, um mundo diferente. 

Jiddu Krishnamurti

segunda-feira, 24 de março de 2014

Deixe um pouco sua cabeça e vá até o coração

Como é possível que a mente esteja constantemente produzindo pensamentos, e como posso parar o que não comecei? 

Você não pode parar o que não começou. E nem tente, porque será um desperdício de tempo, de energia, de vida. Você não pode para a mente porque não foi você que a iniciou. Pode apenas observar, e dessa observação ela para. Mas não é você que a está parando, é apenas uma consequência da observação, é uma função da observação. 

Não é você que faz isso, não há como fazer parar a mente. Se tentar, ela acelerará ainda mais, lutará, criará milhões de problemas para que você nunca mais tente. 

A verdade é esta: se não foi você quem começou, como poderá fazê-la parar? Ela é uma consequência da sua inconsciência e só poderá desaparecer pela consciência. Nada se pode fazer para cessá-la, a não ser estar cada vez mais alerta. 

A própria ideia de querer parar a mente é uma barreira, porque se você diz, "Agora ficarei atento para fazê-la parar", acaba perdendo o ponto principal. Nem mesmo sua atenção vai resolver porque essa ideia estará presente: como parar a mente. Depois de alguns dias de esforços inúteis — porque se a ideia está lá, nada acontece — você vem me procurar dizendo, "Tenho estado atento mas a mente não para". 

Você não a pode parar, não existe método nenhum para isso. Mas ela para! E não é você que faz isso, para por si mesma. Você simplesmente observa. Na observação você retira a energia que ela necessita para funcionar. A energia é canalizada para a observação e automaticamente os pensamentos vão se tornando debilitados, enfraquecidos. Continuarão presentes, mas cada vez mais impotentes, porque não há energia disponível. Ficarão circulando à sua volta, mas aos poucos a energia vai sendo absorvida pela consciência. 

De repente, um dia, esse energia não é mais movida para os pensamentos e eles desaparecem. Não podem existir sem energia. Por favor, esqueça isso de querer para-los, não é da sua conta. 

A segunda questão: "Como é possível que a mente esteja constantemente produzindo pensamentos?" É apenas um processo natural. Assim como o coração bate sem interrupção, a mente está sempre pensando. Assim como o corpo não para de respirar, assim como o sangue está sempre circulando, o estômago digerindo, a mente está pensando. Não há nenhum problema nisso; é uma coisa muito simples. Mas você não está identificado com sua circulação sanguínea, não SE sente circulando dentro das veias. Na verdade, nem tem consciência de que seu sangue está circulando — e mesmo assim ele não para. 

Todo problema existe com a mente porque você acha que é VOCÊ quem está pensando. A mente tornou-se um foco de identificação. E é apenas isso que tem que ser rompido. Se você acha que se a mente parar você jamais terá pensamentos, está enganado. Você só pensará quando for necessário. Os pensamentos estarão sempre presentes mas agora será tudo muito natural: será apenas uma resposta, uma atividade espontânea, e não mais uma obsessão. 

Por exemplo, ou você come quando sente fome, ou isso pode se tornar uma obsessão e você come o dia inteiro. Então você enlouquecerá, estará cometendo um suicídio. Você anda quando quer andar. Quando quer ir a algum lugar movimenta as pernas. Mas se ficar dando passos enquanto estiver sentado numa cadeira, poderão pensar que você ficou louco. E então, se você perguntar o que fazer para que suas pernas parem de mexer e alguém aconselhar: "Force-as, prenda-as com os braços!", terá ainda mais problemas. Além das pernas que não param, agora também os braços estão envolvidos. Sua energia luta contra ela mesma. 

É só isso: você está identificado com a mente. Isso é natural: ela está muito próxima e você a utiliza muito. Geralmente as pessoas passam todo o tempo dentro de suas cabeças. É como alguém que dirige o mesmo carro há anos e nunca sai de dentro dele. Chega até a se esquecer de que ode sair se quiser, que é ele quem está dirigindo. Esqueceu-se tão completamente que chega a pensar que é o próprio carro. Não pode sair porque quem irá sair? Não sabe mais como abrir a porta e ela já funciona por não estar sendo usada há tantos anos. Enferrujou, já não abre como antes. O motorista acabou se tornando o próprio carro — é só o que aconteceu. Surge então outra confusão: como fazer o carro parar? Quem irá fazer isso?

Você é o motorista da mente. Ela é um mecanismo em volta de você, que vai sendo utilizado pela sua consciência. Mas você nunca sai de dentro dela. É por isso que insisto: deixe um pouco sua cabeça e vá para até o coração. De lá, terá outra perspectiva e poderá ver que o carro está separado de você. 

tente sair de seu corpo, isso também é possível. Fora do corpo, terá saído do carro completamente. Verá que nem o corpo, nem a mente, nem o coração, são você; você está separado. 

Por ora, lembre-se apenas de uma coisa: você está separado de tudo que o circunda. O conhecedor não é o conhecido. Sinta isso cada vez mais a ponto de se tornar substancialmente cristalizado em seu ser que o conhecedor não é o conhecido. Se você conhece o pensamento, se o pensamento, como pode ser ele? Se conhece a mente, como pode ser ela? Afaste-se, é preciso que haja uma pequena distância. Um dia, quando estiver realmente distanciado, o pensamento cessará. Se o motorista sai, o carro não anda — não há mais ninguém para dirigir. Então você poderá dar boas risadas ao ver que tudo não passou de um mal-entendido. E então, sempre que for necessário, pense. 

Você faz uma pergunta e eu respondo. A mente entrou em funcionamento. É através dela que eu lhe falo, não pode ser de outra maneira. Mas quando estou só, a mente para de funcionar.

Ela não perdeu sua capacidade. Na verdade, aprendeu a funcionar corretamente. Por não estar funcionando descontroladamente, pode reter energia, tornar-se mais clara. Por isso, para a mente, não significa que você não será mais capaz de pensar. Na verdade, pela primeira vez, estará pensando. Envolver-se com pensamentos irrelevantes não é pensar, simplesmente loucura. Ser claro, limpo, inocente, é estar no caminho certo para pensar. 

Quando surgir um problema, você não estará mais confuso, não verá através dos preconceitos. Olha diretamente e assim o problema começa a dissolver. Se for realmente um problema, acabará se dissolvendo e sumindo. Se não for problema e sim um mistério, vai se dissolver e se aprofundar. Então você saberá o que é um problema. 

O problema é tudo o que pode ser solucionado pela mente: o mistério não pode. O mistério tem que ser vivido e o problema resolvido. Mas quando você está muito no pensamento, não saberá quando é um ou outro. Às vezes você toma um mistério como problema. Você ficará lutando toda a sua vida e jamais encontrará a solução. Outras vezes pensa que um problema é um mistério e fica esperando tolamente: já poderia ter sido solucionado. 

É preciso que haja clareza, perspectiva. Quando estiver pensando, — essa tagarelice, essa discussão interior que está sempre acontecendo — pare! Você estará alerta e consciente. Poderá ver as coisas como são, encontrará as soluções. Saberá também quando é um mistério. E se for mistério, você sentirá um profundo temor, um grande respeito. 

Esta é a qualidade religiosa do ser. Sentir respeito é ser religioso, sentir admiração é ser religioso. Sentir-se profundamente maravilhado de ser criança novamente, é entrar no Reino de Deus. 

O S H O     

segunda-feira, 17 de março de 2014

A mente é mais ridícula do que se possa imaginar

Gayatri: Acho que minha mente nunca esteve tão visível para mim quanto agora. Ela era bem mais ridícula do que eu podia imaginar. 

Osho: Ela é? E não é só a sua. A mente como tal é ridícula. Nós podemos continuar tolerando-a porque nunca olhamos para ela. Estar no momento é encará-la continuamente. Então, pode-se ver toda a estupidez da mente. Ela é simplesmente absurda. Nós perdemos muito tempo e energia com ela. Como um mestre, a mente é a coisa mais terrível que existe. Como um servo, ela é muito útil. 

A observação, a conscientização, fazem você reconhecer, em primeiro lugar, que a mente como tal é louca, e começa-se a rir de si mesmo. Esse é o começo da sabedoria. Normalmente, as pessoas riem dos outros. Então elas ainda não sabem o que a risada deve ser. Quando você vê sua mente, começa a rir da sua própria situação. E quando a gente ri de si mesmo, há uma quebra, uma ruptura. 

Uma vez que você entende que a mente é ridícula, ela já está perdendo o controle sobre você — do contrário, você não terá sido capaz de ver o ridículo dela. Ela é muito esperta em se esconder, em racionalizar a si mesma. Ela é muito esperta em enganar, mas se você viu isso, é um bom sinal. E viver cada momento é o único jeito de sair da mente. 

A mente só pode existir com ajuda do passado e do futuro. Ela está no passado ou no futuro. Quando você vive cada momento, ela se torna ridícula. Ela está continuamente correndo para o passado ou para o futuro, e nunca está aqui. 

Você quer estar aqui porque o momento está aqui, então, você vê toda a tolice dela. Você está comendo e a mente está indo para algum outro lugar. Você está olhando para as estrelas e a mente está indo para algum outro lugar; ela nunca está aqui. 

Ela está sempre sentindo falta de alguma coisa, sempre desejando e, quando o momento vem, ela nunca desfruta dele. Ela está sempre fragmentada, pulando de uma coisa para outra, nunca completando nada e criando uma confusão ao seu redor. Olhando essas reviravoltas, começa-se a rir. 

Assim, agora, o segundo ponto para você é: sempre que sentir que tudo isso é ridículo, ria-se. Não imagine apenas a risada, mas ria realmente, uma boa gargalhada. Não se preocupe se os outros ficarão surpresos com a sua risada. Eles não conhecem a piada; eles não sabem o que está acontecendo. Portanto, comece a rir sempre que sentir isso. 

Não há nada como a risada para ajudá-la a sair da mente. As pessoas continuam fazendo muitas coisas, mas por um preço barato, a risada é possível. 

Os fisiologistas dizem que quando você franze o rosto, duzentos e cinquenta músculos são envolvidos. É uma grande tensão. Se você ri, apenas sete músculos são envolvidos. É o ato mais econômico que pode ser feito, o mais relaxado, o que menos musculatura envolve. Quanto mais você aprende a rir, menos importante vão sendo até mesmo esses sete músculos. Um momento vem no qual nada é envolvido. O riso simplesmente se espalha por você como uma onda, como uma brisa passando. Então, ele se torna muito sutil, mas ajuda a afastar-se o máximo da mente. 

Assim, acrescente agora esse segundo passo e continue a viver no momento. Sempre que você sentir o ridículo, dê uma boa gargalhada. Ótimo, Gayatri.

O S H O 

domingo, 15 de setembro de 2013

Pode a mente, por meio do pensamento, promover uma transformação?

A mente é o resultado de muitos séculos, de milhares e milhares de anos. Sempre funcionou no campo do conhecido. Dentro desse campo do conhecido, não existe nada novo. Todos os deuses que a mente inventou são do passado, do conhecido. Pode a mente, por meio do pensamento, da inteligência, da razão, promover uma transformação?

Necessitamos de uma tremenda mutação psicológica, não uma mudança neurótica; e a razão, o pensamento, não pode realiza-la. Nem o saber, nem a razão, nem as sagazes atividades do intelecto poderão operar essa radical revolução na psique.

(...) Se o pensamento, a razão, o conhecimento e a experiência não podem realizar uma radical mutação na psique, que é que poderá realizá-la? Tal é a única revolução que resolverá todos os nossos problemas.

(...) Para examinar-se qualquer coisa, principalmente coisas não objetivas, coisas interiores, necessita-se de liberdade, de liberdade COMPLETA para olhar; e essa liberdade não é possível quando o pensamento, como reação de experiências ou conhecimentos anteriores, interfere no ato de olhar.

(...) Se você deseja olhar uma flor, qualquer pensamento a ela relativo lhe impede de olhá-la. As palavras "rosa", "violeta", o nome da flor, da espécie da flor, lhe impede de olhar. Para você olhar, NÃO DEVE HAVER INTERFERÊNCIA DA PALAVRA, que é a objetivação do pensamento. Você deve estar livre da palavra; o olhar exige silêncio; de contrário, não se pode olhar. Se você olha sua esposa ou marido, todas as lembranças que guardou, aprazíveis ou dolorosas, interferem no olhar. Só quando olha sem a imagem, existe um estado de relação. Sua imagem verbal e a imagem verbal de outra pessoa, não estão em nenhuma relação. São inexistentes.

(...) Para observar, precisamos estar livres da palavra, sendo a palavra símbolo, com tudo o que encerra — conhecimento, etc. Para olhar, observar, temos de estar em silêncio; de contrário, como é possível OLHAR alguma coisa? Esse silêncio ou pode ser produzido por um objeto tão imenso que torna a mente silenciosa; ou ele resulta de que a mente compreende que, para olhar qualquer coisa, tem de aquietar-se. Ela é então como a criança que ganhou um brinquedo novo, que a absorve inteiramente. A criança torna-se quieta; tão interessante é o brinquedo, que a absorve; mas, isso não é o estado de quietude. Tire-se-lhe o objeto da absorção, e ei-la de novo irrequieta, a fazer barulhos e travessuras. Para olharmos qualquer coisa necessitamos de liberdade; e a liberdade requer silêncio. A mesma compreensão disso produz sua disciplina própria. Não há interpretação, por parte do observador, daquilo que está a observar — sendo o "observador" todas as ideias, memórias, experiências, que o impedem de olhar.

O silêncio e a liberdade são inseparáveis. Só a mente que está toda em silêncio — não por meio da disciplina ou controle ou por causa da exigência de experiências extraordinárias, pois tudo isso são futilidades — só a mente que está toda em silêncio pode responder àquela pergunta. Só o silêncio total produzirá a revolução total na psique — não o esforço, nem o controle, nem a experiência, nem a autoridade. Esse silêncio é extraordinariamente ativo; não é mero silêncio estático. Para você o alcançar, precisa fazer o necessário. Ou o faz instantaneamente, ou toma um tempo para analisar-se e, nesse caso, você já perdeu o silêncio. A análise — psicanálise ou auto-análise — não dá liberdade, tanto mais porque requer tempo — de hoje para amanhã e daí por diante, gradualmente.

A mente — sua mente e minha mente — é resultado do tempo, resíduo de toda a experiência humana, produto de nossa infinda luta humana. Seus problemas são os mesmos problemas do indiano, na Índia. Ele está passando pela mesma infinita aflição que você. Esse desejo de encontrar a Verdade, de descobrir se é possível uma revolução radical na mente, só será compreendido quando houver liberdade total e, por conseguinte, não houver medo. Só existe a autoridade quando existe o medo. Com a compreensão do medo, da autoridade e da rejeição de todos os desejos de experiência — e essa é realmente a plenitude da maturidade — torna-se a mente completamente silenciosa. Só nesse silêncio — que é SUMAMENTE ativo — pode verificar-se uma revolução total na psique. Só então está a mente apta a criar uma nova sociedade. Torna-se necessária uma nova sociedade, uma nova comunidade, constituída de pessoas que, embora vivendo no mundo, a ele não pertençam. A você é que cabe o dever de criar essa comunidade.


Jiddu Krishnamurti — A importância da transformação

sábado, 14 de setembro de 2013

A mente em conflito deforma tudo que vê

Vamos falar a respeito da meditação, uma das coisas mais extraordinárias — quando sabemos o que significa ter mente capaz de meditar. Ignorá-lo é ser como um cego, incapaz de ver as cores, como um homem de mente embotada. Se não sabemos o que significa meditar, teremos uma vida muito estreita e limitada, por mais inteligentes e eruditos que sejamos, por melhores que sejam os livros que escrevemos ou os quadros que pintamos. Permanecemos fechados num muito estreito círculo de conhecimento — pois o conhecimento é sempre limitado. Para compreender a questão da meditação, temos de examinar a questão da experiência e também de investigar porque buscamos e o que estamos buscando.

No fundo, a nossa vida é confusão, desordem, aflição, agonia. Quanto mais sensíveis somos, tanto maior o nosso desespero e ansiedade, nosso “sentimento de culpa”; e dessa vida desejamos naturalmente fugir, porque nela não encontramos nenhuma solução; não sabemos de que maneira sair de nossa confusão. Desejamos fugir para um outro mundo, uma outra dimensão. Fugimos por meio da música, da arte, da literatura; mas, trata-se sempre de fuga e a coisa para que fugimos é sem realidade, em comparação com aquilo que estamos buscando. Todas as fugas são iguais, não importa se fugimos pela porta de uma igreja, em busca de Deus ou de um Salvador, ou pela porta da bebida ou de diferentes drogas. Não só temos de compreender o que e  porque estamos buscando, mas também temos de compreender essa necessidade de experiências profundas e duradouras, porque só a mente que nada busca, que não exige experiências de nenhuma forma, poderá ingressar numa esfera ou dimensão inteiramente nova. É o que vamos fazer nesta tarde; assim espero.

Nossa vida em si mesma, é superficial, insuficiente, e desejamos uma outra coisa, uma experiência mais sublime, mais profunda. Também, vivemos num inaudito isolamento. Todas as nossas atividades e pensamentos e maneiras de comportar-nos levam-nos a esse isolamento, a essa solidão a que desejamos fugir. Se não compreendermos esse isolamento, não intelectual, verbal ou racionalmente, porém entrando diretamente em contato com o que estamos realmente buscando, entrando em contato com o estado de solidão; se não compreendermos e dissolvermos, completamente, aquele isolamento, toda meditação, toda busca, toda atividade espiritual ou religiosa (assim chamada) será inteiramente fútil, porquanto representará uma fuga ao que somos. É o mesmo que uma mente superficial, embotada, mesquinha, pensar em Deus. Se existe essa coisa em que ela pensa, aquela mente e seu Deus permanecerão sempre muito insignificantes.

A questão consiste em saber se é possível para a mente que está fortemente condicionada, toda enredada nas aflições e conflitos da vida de cada dia, se é possível a essa mente manter-se desperta, tão ampla e profundamente desperta que não haja busca nenhuma, nenhum desejo de experiência. Quando um indivíduo está desperto, quando em si próprio há luz, não há busca e nenhum desejo de mais experiências. Só o homem que está na escuridão vive a buscar a luz. É possível um indivíduo manter-se tão intensamente desperto, tão altamente sensível, física, intelectualmente e a todos os respeitos, que não haja ima única sombra em sua mente? Só então não há mais busca; só então não há mais ânsia de novas experiências.

É possível isso? A maioria de nós vive de sensações, sensações dos sentidos, e o pensamento adiciona-lhes o prazer. Com o pensar nessas sensações, delas obtemos um grande prazer — e, quando há prazer, há sempre dor. Temos de compreender esse processo, como o pensamento cria o tempo, o prazer e a dor; como o pensamento, depois de cria-los, deles procura fugir; e como essa própria fuga gera conflito. Vejo-me aflito e gostaria de ser feliz, de colocar fim a minha aflição. O pensamento criou a aflição, e espera, depois, colocar-lhe fim. Nesse estado dual, o pensamento cria conflito para si próprio.

A maioria de nós se vê nesse estado de isolamento e solidão, nesse estado de vazio. Embora o indivíduo tenha a companhia de sua família ou de outro grupo qualquer, conhece esse estado, essa profunda ansiedade por causa de nada. Pode o indivíduo libertar-se disso, superá-lo, sem procurar preencher esse isolamento, essa solidão, esse vazio, com conhecimentos, experiências, palavras de todo gênero? Você conhece todas as coisas que uma pessoa costuma fazer para preencher o vazio em si existente. Pode-se transcendê-lo? Para compreender uma coisa e dela libertar-se, a pessoa tem de entrar em contato com ela. (...) temos uma imagem do vazio, da solidão, e essa imagem nos impede o direto contato com o fato — a solidão.

Se você se acha em contato com alguma coisa, sua mulher, seus filhos, o céu, as nuvens, qualquer fato, no momento em que o pensamento intervém perde-se o contato. O pensamento nasce da memória. A memória é a imagem, e é daí que você olha e, por conseguinte, verifica-se uma separação entre o observador e a coisa observada.

(...) É essa separação entre observador e a coisa observada que faz o observador desejar mais experiência, mais sensações, e o impele a uma perene busca. (...) enquanto existir o observador, a entidade que está em busca de experiência, enquanto existir o censor, que avalia, julga, condena, não pode haver contato direto com o que é. (...) Enquanto isso não for plenamente compreendido, percebido, elucidado, e sentido profundamente; enquanto não se aprender integralmente, não intelectual ou verbalmente, que o observador é a coisa observada, a vida continuará a ser toda de conflito e contradição entre desejos opostos; o que deveria ser e o que é. Só é possível essa compreensão quando percebemos que estamos olhando uma coisa como “observador” — uma flor, uma nuvem, qualquer coisa. Se a entidade que olha o objeto, o está observando com seus conhecimentos, não há contato com ele.

A mente que está em conflito, de qualquer natureza e em qualquer nível, consciente ou inconsciente, é uma mente torturada; tudo o que vê se deforma... tudo o que essa mente vê se deforma, necessariamente, enquanto existe conflito, o conflito da ambição, do medo, a agonia da separação etc. A mente em conflito é uma mente deformada. Esse conflito só pode acabar quando o observador deixa de existir e só fica a coisa observada. Tem então a virtude, isto é, o comportamento, um significado inteiramente diferente. Virtude é ordem; (...) Se não existir, profundamente, em nós mesmos, essa ordem, o pensamento criará desordem com o nome de virtude.(...) Uma vez compreendido isso, pode-se começar a compreender o que é meditação, porquanto a compreensão do observador e da coisa observada faz parte da meditação.(...) Necessita-se de uma mente muito sutil e ágil, uma mente capaz de raciocinar, uma mente equilibrada, não neurótica. Todas as neuroses se verificam quando há atividade egocêntrica, quando existe o observador desejoso de expressar-se em várias atividades, e, por conseguinte, a criar conflito em si próprio. Tudo isso faz parte da meditação.

Jiddu Krishnamurti — Encontro com o eterno

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Como pode a mente condicionada, descondicionar-se?

Interrogante: Eu gostaria de saber como se origina o condicionamento da mente humana.

Krishnamurti: De maneira muito simples. Primeiro deixe-me concluir o que estava dizendo. Voltarei a sua pergunta.

Senhor, que é que há para conhecermos a respeito de nós mesmos? Condicionamento, herança racial e genealógica, peculiaridades, inclinações e tendências psicológicas, pressões do ambiente, uma deixe de "memórias" (o que sou — um devaneio). Não há muito o que aprender. Mas só posso dizer que não há muito o que aprender, após observar a mim mesmo. Mas, se dizemos "Não há muito o que aprender acerca de nós mesmo", não saímos do lugar em que estamos. Portanto, uma das perguntas fundamentais é esta: "Como pode a mente humana, condicionada como está, descondicionar-se?"

E qual a origem desse condicionamento? È bastante fácil descobrir-se, não? Observem-se os animais, como são agressivos, a fim de sobreviverem. Eis a origem do condicionamento. Observem as aves, como se fazem senhoras de seus domínios; os direitos territoriais sobrelevam os direitos sexuais — e aí está a origem da agressão. E nós também temos propriedades: a propriedade é para nós imensamente importante, tal como os direitos sexuais, etc. Mas, uma questão muito mais importante: "Há possibilidade, para uma mente tão condicionada como a nossa, de libertar-se imediatamente (não gradualmente, porém imediatamente) de todo o seu condicionamento? Dizemos que só é possível por meio da meditação — não de uma meditação "falsificada", nem da meditação de indivíduos de longas barbas ou barbas curtas, de longas cabeleiras ou cabeças raspadas: a meditação que existe quando estamos aprendendo, sem acumulação, sobre nós mesmos. Então, dessa meditação nasce uma maneira de vida completamente pacífica, não agressiva, que não exige que vivamos na sociedade ou fora da sociedade. Essa meditação produz sua ação própria, na qual nenhum conflito existe.

Interrogante: A meditação constitui uma maneira de vida?

Krishnamurti: Decerto; mas, para compreender a meditação temos de observar — observar como olhamos uma árvore, se há espaço entre nós e a árvore, entre o observador e a coisa observada — a árvore; ou, quando o observador se separa da sua avidez e diz: "Eu não sou a avidez, e tenho de livrar-me da avidez", e há um espaço entre o observador e a coisa observada e, em seguida, o conflito. Mas o observador é a coisa observada e, porque, sendo ávido, diz "Não devo ser ávido", criando assim uma dualidade. A meditação, pois, é uma coisa maravilhosa e não pode ser aprendida de ninguém; essa é a sua beleza. Não é uma coisa que se aprende, uma técnica e, por conseguinte, dispensa toda autoridade. Assim, se você deseja compreender-se, observe sua maneira de andar, de falar, o que diz, sua "tagarelice", seu ódio e ciúme. Se de tudo você está consciente, sem selecionar, isso faz parte da meditação, e ao caminhar, ao viajar, simultaneamente você medita. Esse movimento é, então, infinito, eterno. 

Jiddu krishnamurti - A essência da maturidade - ICK

sábado, 7 de setembro de 2013

É possível uma mente livre dos padrões sociais

Então, o homem que é justo, o que deve fazer? Deve buscar a verdade, Deus, ou outro nome que tenha, ou consagrar sua mente e seu coração ao aperfeiçoamento da sociedade, que é realmente o aperfeiçoamento de si próprio? Você compreende? Deve ele perseguir em profundidade a verdade ou melhorar as condições da sociedade, o que equivale a seu próprio melhoramento? Deve ele aprimorar-se em nome da sociedade ou buscar a verdade, na qual não existe absolutamente nenhum aprimoramento? Aprimoramento implica tempo, tempo para transformar-se, enquanto que a verdade não tem nada a ver com o  tempo, ela é percebida instantaneamente.

De forma que o problema é extraordinariamente significativo, não? Podemos falar sobre a reforma da sociedade, mas trata-se ainda da reforma de si mesmo. Mas para o homem que está buscando o real, a verdade, não existe reforma do self, pelo contrário, existe a total cessação do self, que é a sociedade. Ele, portanto, não está preocupado com a reforma da sociedade.

Toda a estrutura da sociedade baseia-se em um processo de reconhecimento e de respeitabilidade; e, sem dúvida, senhores, um homem justo não pode buscar a reforma da sociedade, que equivale ao aperfeiçoamento de si mesmo. Ao reformara  sociedade, ao identificar-se com algo bom, ele pode pensar que está se sacrificando, mas trata-se ainda de auto-aperfeiçoamento. Portanto, para o homem que está buscando o supremo, o mais elevado, não existe auto-aperfeiçoamento; nesse sentido não existe aperfeiçoamento do “eu”, não existe transformação, não existe a prática nem a ideia do “eu serei”. Isso significa realmente a cessação de toda pressão sobre o pensamento e onde não existe pressão sobre pensamento, há pensamento? A própria pressão sobre o pensamento constitui o processo do pensar, de pensar em termos de uma determinada sociedade ou em termos de reação a essa sociedade; e se inexiste pressão, existe pensamento? Apenas a mente não sujeita a essa ação do pensamento — que constitui a pressão da sociedade — apenas essa mente pode encontrar a realidade e buscando aquilo que é supremo, tal mente cria uma nova cultura. Isso é que é necessário: suscitar um tipo totalmente diferente de cultura, não reformar a sociedade atual. E tal cultura não pode emergir a menos que o homem justo persiga completamente, com total energia, com amor, aquilo que é real. O real não é encontrado em nenhum livro, nem através de nenhum líder; ele se concretiza quando o pensamento se aquieta e essa quietude não pode ser adquirida por meio de qualquer disciplina. A quietude chega quando existe amor.

(...) Interrogante: As grandes culturas sempre se basearam num padrão, mas o senhor fala de uma nova cultura livre de padrões. É possível existir uma cultura absolutamente isenta de padrões?

K: A mente não precisa estar livre de padrões para encontrar a realidade? E ao estar livre para encontrar o real não criará ela seu próprio padrão, o qual a sociedade atual poderá não reconhecer? Pode a mente que se encontra enredada em um padrão, que pensa de acordo com um padrão, que está condicionada pela sociedade, encontrar o incomensurável que não tem padrão? Esta língua que estamos falando, o inglês, constitui um padrão desenvolvido através de séculos. Se existe uma criatividade que esteja livre de padrões, essa criatividade, essa liberdade pode empregar a técnica da linguagem; mas através da técnica, do padrão da linguagem, a realidade não poderá jamais ser encontrada. Por meio da prática, de um tipo  determinado de meditação, de sabedoria, de qualquer forma de experiência, todas as quais se encontram dentro de um padrão, a mente nunca entenderá o que é a verdade. Para entender a verdade, a mente precisa livrar-se dos padrões. Uma mente assim é uma mente quieta e então esta mente que é criativa pode criar sua própria atividade. Mas vejam, a maioria de nós não está nunca livre de padrões. Nunca existe um momento que a mente esteja totalmente livre do medo, do conformismo, do seu hábito de vir-a-ser algo, ou neste mundo ou no mundo psicológico, espiritual. Quando o processo de vir-a-ser, em qualquer sentido, cessa completamente, então aquilo que é Deus, verdade, concretiza-se e cria um novo padrão, uma cultura toda sua.

I: O problema da mente e o problema social da pobreza e da desigualdade precisam ser abordados simultaneamente. Por que o senhor acentua apenas um?

K: Eu estou acentuando apenas um? E acaso existe uma coisa como o problema social da pobreza e da desigualdade, da deterioração e da miséria, apartado do problema da mente? Não existe apenas um problema que é a mente? Foi a mente que criou o problema social e, tendo criado o problema, ela tenta solucioná-lo sem alterar-se fundamentalmente. De forma que o nosso problema é a mente, a mente que deseja sentir-se e que, desse modo, cria a desigualdade social e procura comprar de várias maneiras porque sente segurança na propriedade, no relacionamento ou nas ideias, que são conhecimentos. É essa necessidade incessante de segurança que cria a desigualdade, que é um problema que não poderá jamais ser solucionado até que entendamos a mente que cria a diferença, a mente que não sente amor. As leis não vão resolver esse problema, nem ele pode ser solucionado por comunistas ou pelos socialistas. O problema da desigualdade só poderá ser solucionado quando houver o amor e amor não é uma palavra para ser desperdiçada. O homem que ama não está preocupado com quem lhe seja superior ou inferior; para ele não existe nem igualdade nem desigualdade; somente um estado de ser que é amor. Nós, porém, não conhecemos esse estado, jamais o sentimos. Portanto, como pode a mente que está inteiramente voltada para as suas próprias atividades e ocupações, que já criou tamanha miséria no mundo e que vai criar ainda mais danos e destruição — como pode essa mete suscitar dentro de si mesma uma total revolução? É esse, sem dúvida, o problema. E não podemos provocar tal revolução por intermédio de qualquer  reforma social senão quando a própria mente compreender a necessidade de sua total redenção, onde está a revolução.

Estamos sempre falando de pobreza, desigualdade e reforma, porque os nossos corações estão vazios. Quando houver amor não teremos problemas, porém o amor não se concretiza através e um método qualquer. Ele somente se concretiza quando você deixar de ser, isto é, quando você não mais estiver preocupado consigo mesmo, com sua posição, com seu prestígio, suas ambições e frustrações, quando você parar completamente de pensar em você, não no dia de amanhã, mas hoje. Essa ocupação consigo mesmo é idêntica à do homem que está no encalço do que ele chama de Deus ou à do homem que está empenhado em uma revolução social. E uma mente assim ocupada não pode jamais saber o que é amor.  

Jiddu Krishnamurti — Bombaim, 27 de fevereiro de 1955 - Collected Works of J. Krishnamurti

 

domingo, 25 de agosto de 2013

O entrave da “cortina de palavras” do intelecto

Pergunta: Você diz que, para haver compreensão, a mente, a memória e o processo do pensamento precisam desaparecer; todavia, você está nos comunicando algo. O que você diz representa experiência de algo do passado, ou o experimenta no momento em que o comunica?

Krishnamurti: Quando é que vocês se comunicam? Quando é que comunicam ao outro a experiência de vocês? Depois de ter tido a experiência, e não no momento do experimentar. A comunicação não é mais do que um resultado anterior. Precisam da memória, das palavras, dos gestos, para transmitir uma experiência que tiveram. A comunicação de vocês é, pois, a expressão de uma experiência já terminada.

Ora, quando é que compreendem, quando é que há compreensão? Não sei se já notaram que só há compreensão quando a mente está muito quieta, ainda que seja por um segundo; dá-se o lampejo da compreensão quando não há verbalização do pensamento. Experimentem e verão que terão o clarão da compreensão, aquela extraordinária rapidez da intuição, quando a mente está muito tranquila, quando o pensamento está ausente, e quando a mente não está cheia de barulho por ela mesma produzido. Nessas condições, a compreensão de qualquer coisa — de um quadro moderno, de uma criança, de sua esposa ou seu vizinho — ou a compreensão da verdade, que está em todas as coisas, só pode despontar quando a mente está muito tranquila. Mas tal tranquilidade não pode ser cultivada, porquanto, se cultivam a mente para a tranquilidade, não terão uma mente tranquila, mas sim, uma mente morta.

É essencial ter-se uma mente tranquila, a fim de compreender-se, o que é bastante óbvio para aqueles que já experimentaram tudo isso. Quanto mais se interessarem por alguma coisa, quanto maior a intenção de compreender, tanto mais simples, clara e livre estará a mente. Cessa, então, a verbalização. Afinal de contas, o pensamento é palavra, e a palavra é que perturba. É “a cortina de palavras, a memória, que se interpõe entre o desafio e a “resposta”. É a palavra que está respondendo ao desafio, o que chamamos intelectualização. Assim sendo, a mente que vive a tagarelar, a verbalizar, não pode compreender a verdade — a verdade nas relações, não é uma verdade abstrata. Não existe verdade abstrata. Mas a verdade é muito sutil. É a sua sutilidade que é difícil seguir. A verdade não é abstrata. Ela nos vem súbita, às escuras, e por isso a mente não a pode reter. Como um ladrão, nas sombras da noite, ela vem às escuras, e não quando preparamos para recebê-la. A recepção de vocês não é mais do que um convite da avidez. Assim, pois, uma mente que está presa na rede das palavras, não pode compreender a Verdade.

A segunda questão é a seguinte: Não é possível comunicar a experiência no momento do experimentar? Para a comunicação, necessita-se da memória “factual”. Quando falo a vocês, emprego palavras, as quais vocês e eu compreendemos. A memória é resultado do cultivo da faculdade de aprender e armazenar palavras.

Deseja saber o interrogante como é possível haver uma mente que não expresse ou comunique simplesmente um fato depois de passado, depois da experiência, mas, sim, que seja capaz de experimentar e ao mesmo tempo comunicar a experiência. Isto é, uma mente nova, uma mente fresca, uma mente que experimenta  sem a interferência da memória, da memória do passado. Vejamos, pois, primeiro, a dificuldade aqui existente.

Como já disse, em geral, nós comunicamos depois da experiência; por conseguinte, a comunicação se torna um obstáculo a novas experiências; porque a comunicação, a verbalização, só tem o efeito de fortalecer a lembrança daquela experiência. E esse fortalecer da lembrança de uma experiência impede-nos de receber livremente a próxima experiência. Comunicamos uma experiência, ou para fortalecê-la ou para a retermos. Nós a verbalizamos, a fim de fixa-la como lembrança, ou para comunica-la. O próprio fixar de uma experiência pela verbalização representa o fortalecimento de uma experiência já terminada. O que se fortifica, por conseguinte, é a memória; e, por isso, é a memória que faz frente ao desafio. Em tal estado, no qual a resposta ao desafio é puramente verbal, a experiência do passado se torna um obstáculo. Nessas condições, a nossa dificuldade consiste em experimentar e comunicar, sem que a verbalização constitua um obstáculo a novas experiências.

Se em todas estas discussões e palestras, eu me limitasse a repetir a experiência do passado isso não somente seria terrivelmente enfadonho para vocês e para mim, mas também iria fortalecer o passado e, portanto, impedir o “experimentar” no presente. O que, com efeito, se dá é que a “experiência” se processa simultaneamente com a sua comunicação. A comunicação não é verbalização, não é o vestir a experiência. Se vestimos a experiência, se lhe colocamos uma vestimenta, se a moldamos, perder-se-á o seu perfume e a sua profundeza. Só pode haver, portanto, uma mente fresca, uma mente nova, quando o experimentar não é revestido de palavras. E no expressar verbalmente a experiência existe o perigo de a vestir, dar-lhe forma e figura e, portanto, de carregar a mente com a imagem, com o símbolo. Só é possível ter-se uma mente nova, uma mente fresca, quando não é a palavra que importa, mas a experiência. Esse experimentar, se dá momento por momento. Não pode haver “experimentar”, se isso se torna um processo acumulativo, porquanto, em tal caso, é a acumulação que experimenta, e não existe o experimentar. Só há experimentar, momento por momento, quando há acumulação. A verbalização é acumulação. É extremamente difícil e árduo expressar e ao mesmo tempo não nos deixarmos prender na rede das palavras.

A mente é, afinal, de contas, o resultado do passado, de ontem. E aquilo que não está subordinado ao tempo não pode ser seguido pelo tempo. A mente não pode seguir aquilo que é extraordinariamente veloz, que não está no espaço, nem no tempo, mas naquele estado da mente em que há o experimentar, em que não há “vir a ser”, em que tudo é novo. É a palavra que faz velho “o que é”. É a memória de ontem que veste o presente. E para se compreender o presente, é necessário o experimentar. Mas o experimentar é impedido quando a palavra se torna de suma importância. Nessas condições, só há uma mente nova, uma mente que está a experimentar continuamente, sem moldar nem ser moldada pela experiência, quando a palavra, o passado não é utilizado como meio de “vir a ser”.

Jiddu Krishnamurti — O que te fará feliz?

quinta-feira, 18 de julho de 2013

É dificílimo ter a mente desocupada

Você sabe o que é a mente? Grandes filósofos consumiram anos e investigar a natureza da mente, e sobre ela se têm escrito vários volumes; mas, prestando-se toda a atenção, acho que é bastante simples descobrir o que é a mente. Você já observou a sua própria mente? Tudo o que até hoje você aprendeu, a lembrança de todas as suas pequenas experiências, tudo o que seus pais e mestres lhe ensinaram, tudo o que você leu em livros e observou no mundo circundante — tudo isso é a mente. É a mente que observa, que discerne, que aprende, que cultiva as chamadas virtudes, que comunica ideias, que tem desejos e temores. Ela é, não só o que você vê à superfície, mas também as profundezas do inconsciente, onde estão ocultas as raciais ambições, motivos, impulsos, conflitos. Tudo isso constitui a mente. Pois bem; a mente quer estar sempre ocupada com alguma coisa, assim como a mãe que se preocupa com os filhos, ou a dona de casa com sua cozinha, ou o político com sua popularidade, sua posição no Parlamento; e a mente que se mantém ocupada é incapaz de resolver um problema. Percebe isso? Só a mente que não está ocupada, está fresca e pode compreender um problema.

Observe sua própria mente para ver como é inquieta, uma vez que está sempre ocupada com alguma coisa: com o que alguém disse ontem, com alguma notícia recebida neste instante, com o que você fará amanhã, etc. Nunca se encontra desocupada — o que não significa estar “estagnada” ou num estado de vacuidade. Enquanto está ocupada com o que quer que seja — as coisas mais elevadas ou as mais insignificantes — a mente é sempre limitada, medíocre. E a mente medíocre é incapaz de resolver qualquer problema; só sabe manter-se ocupada com ele. Por mais importante que seja o problema, a mente mantendo-se ocupada com ele, o torna insignificante: só a mente que está desocupada e, por conseguinte, fresca, pode considerar e resolver um problema.

Mas, é dificílimo ter a mente desocupada. Quando alguma vez você estiver sentado tranquilamente à beira do rio, ou em seu quarto, observe a si mesmo, para ver como aquele pequeno espaço de que você está consciente e que você chama “a mente”, está repleto de pensamentos que nele se precipitam. Enquanto a mente está “cheia”, ocupada com alguma coisa — seja a mente de uma dona de casa, seja a do maior dos cientistas, ela é pequena, medíocre, e nunca será capaz de resolver qualquer problema a que se aplique. Mas, ao contrário, a mente que está desocupada, que tem espaço, pode aplicar-se ao problema e resolvê-lo, porque essa mente é fresca, e, portanto, se aplica ao problema de maneira nova e não com a velha herança de suas próprias lembranças e tradições.   

Krishnamurti – A cultura e o problema humano

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Por uma nova cultura livre de padrões

Interrogante: As grandes culturas sempre se basearam num padrão, mas o senhor fala de uma nova cultura livre de padrões. É possível existir uma cultura absolutamente isenta de padrões? 

Krishnamurti: A mente não precisa estar livre de padrões para encontrar a realidade? E ao estar livre para encontrar o real não criará ela seu próprio padrão, o qual a sociedade atual poderá não reconhecer? Pode a mente que se encontra enredada em um padrão, que pensa de acordo com um padrão, que está condicionada pela sociedade, encontrar o incomensurável que não tem um padrão? Esta língua que estamos falando, o inglês, constitui um padrão desenvolvido através dos séculos. Se existe uma criatividade que esteja livre de padrões, essa criatividade, essa liberdade pode empregar a técnica da linguagem; mas através da técnica, do padrão da linguagem, a realidade não poderá jamais ser encontrada. Por meio da prática, de um tipo de terminado de meditação, de sabedoria, de qualquer forma de experiência, todas as quais se encontram dentro de um padrão, a mente nunca entenderá o que é a verdade. Para entender a verdade, a mente precisa estar livre dos padrões. Uma mente assim é uma mente quieta e então esta mente que é criativa pode criar sua própria atividade. Mas vejam, a maioria de nós não está nunca livre de padrões. Nunca existe um momento em que a mente esteja totalmente livre do medo, do conformismo, do seu hábito de vir-a-ser algo, ou neste mundo ou no mundo psicológico, espiritual. Quando o processo de vir-a-ser, em qualquer sentido, cessa completamente, então aquilo que é Deus, verdade, concretiza-se e cria um novo padrão, uma cultura toda sua.

Krishnamurti — Sobre Deus 

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O medo é o pensamento enredado no tempo

Desejo falar sobre o medo, porque o medo perverte todos os nossos sentimentos, pensamentos e relações. É o temor que impele a maioria de nós a tornar-nos isso que se chama “espiritual”; é ele que nos impulsiona para as soluções intelectuais que tantos oferecem; é ainda o temor que nos leva a praticar ações estranhas e peculiares. E não sei se já experimentamos em sua realidade, não o sentimento que ocorre antes ou após um certo fato! O medo existe por si só? Ou só há medo em consequência do pensamento no amanhã ou no ontem, no que aconteceu ou poderá acontecer? Existe medo no presente vivo, ativo? Quando vos vedes em presença da coisa que dizeis temer, nesse instante existe medo?

Para mim, é importantíssima esta questão do medo. Porque, se a mente não estiver total, completa e absolutamente livre do medo em qualquer forma — medo da morte, da opinião pública, da separação, de não ser amado — sabeis quantas variedades existem de medo — se a consciência total não estiver livre do medo, é impossível ir-se muito longe. Uma pessoa pode agitar-se ansiosamente, em todos os sentidos, dentro das clausuras de seu próprio intelecto; mas para se penetrar muito profundamente em si mesmo e ver o que existe lá e além, não deve haver temor de espécie alguma, nem temor da morte, nem da pobreza, nem de não alcançar alguma coisa.

O medo, em virtude de sua própria natureza, inevitavelmente impede a investigação. E, a menos que a mente, que todo o nosso ser esteja livre do medo, não só dos temores conscientes mas também dos profundos, secretos, ocultos temores, de que mal temos consciência — não haverá possibilidade de se descobrir o que existe realmente, o que é verdadeiro, positivo, e se de fato existe aquele senso do sublime, do imenso, de que o homem vem falando há séculos e séculos.

Creio ser possível estar totalmente livre do medo, não durante um certo período, não ocasionalmente, porém, verdadeiramente livre dele, de maneira completa. A experiência desse estado total isento de medo, eis o que desejo examinar convosco.

Desejo tornar claro que não estou falando de memória. Não pensei de antemão na questão do medo e, portanto, não vim aqui repetir coisa ensaiada; isso seria horrivelmente enfadonho para mim e para vós. Eu também estou investigando. Deve tratar-se sempre de coisa nova, todas as vezes. E espero que estejais empreendendo junto comigo a jornada da investigação e não apenas preocupados com vosso medo especial — medo do escuro, do médico, do inferno, da doença, de Deus, do que digam vossos pais, do que diga vossa esposa ou marido, ou uma qualquer das numerosas formas de medo. Estamos investigando a natureza do medo e não uma determinada manifestação do medo.

Ora, se examinardes, vereis que só há medo quando o pensamento se fixa no dia de ontem ou de hoje, no passado ou no futuro. No verbo ativo não há temor, mas no passado e no futuro do verbo ele sempre existe. Não há medo no presente real; e esta é uma coisa extraordinária para a própria pessoa descobrir. Não existe medo de espécie alguma em face do momento real e vivo, do presente ativo. O pensamento, portanto, é a origem do medo, o pensamento no amanhã ou no ontem. A atenção está no presente ativo. O pensamento no que ontem aconteceu, ou poderá acontecer amanhã, é desatenção e a desatenção gera temor. Não é verdade isso? Quando posso aplicar toda a minha atenção a um dado problema, sem nenhuma reserva, sem rejeitar, sem julgar, avaliar — nesse estado de atenção não há medo. Mas, se há desatenção, isto é, se digo: “Que acontecerá amanhã?”, ou se estou ocupado com o que ontem aconteceu, aí, sem dúvida, gera-se medo. A atenção é o presente ativo. O medo é o pensamento enredado no tempo. Na presença de algo real, concreto, em presença do perigo, neste momento não existe pensamento, porém, ação. E essa ação pode ser positiva ou negativa.

Assim, o pensamento é tempo — não o tempo marcado pelo relógio, mas o tempo psicológico do pensamento. O tempo, por conseguinte, produz medo: tempo como distância daqui até , como processo de “vir a ser algo”; tempo representado pelas coisas que eu disse e fiz ontem, as coisas ocultas que  desejo que ninguém saiba; tempo representado pelo o que acontecerá amanhã, pelo que será de mim quando eu morrer.

O pensamento, pois, é tempo. E existe, no presente ativo, tempo e pensamento? Pode-se ver que o medo só existe quando o pensamento se “projeta” para diante ou para trás, e que o pensamento resulta do tempo — tempo representado pelo “vir a ser” ou “não vir a ser” algo, tempo como preenchimento ou frustração. Não estamos falando do tempo cronológico; seria evidente desatino dispensá-lo. estamos falando do tempo como pensamento. Se está claro isto, passemos a investigar o que é pensamento e o que é pensar. E espero não estejais apenas ouvindo minhas palavras, mas também prestando atenção ao desafio que elas vos apresentam e reagindo individualmente. Estou perguntando: “O que é pensar?” Se não conheceis o mecanismo do pensar e não o investigastes muito profundamente, não podeis responder, vossa reação será inadequada. E se é inadequada a reação, haverá conflito, e tentar livrar-se do conflito é fuga ao fato — o fato que desconheceis. No momento em que reconheceis que não podeis responder, que não sabeis, apresenta-se o medo. Não sei se me estais seguindo.

Assim, o que é pensar? Evidentemente, pensar é a reação que ocorre entre o “desafio” e a “resposta”, não é verdade? Pergunto-vos uma coisa e há um intervalo de tempo antes de responderdes; neste intervalo o pensamento está em ação, procurando a resposta. É bastante simples ouvir esta explicação; mas o real experimentar, pela própria pessoa, do processo do pensar, o investigar como o intelecto reage a um “desafio” e qual é o processo de fabricação da resposta, isso requer atenção ativa, pois não? Observai qual é a vossa reação à pergunta: “O que é pensar?” O que está ocorrendo? Não sabeis responder; nunca investigastes isso; estais aguardando uma resposta de vossa memória. E nessa “demora”, no intervalo entre a pergunta e a resposta, está em ação o processo do pensamento; não é assim? Se vos faço uma pergunta com que estais familiarizado, por exemplo: “Como é o vosso nome?”, respondeis instantaneamente porque, pela repetição constante, tendes a resposta na ponta da língua. Se a pergunta é um pouco mais séria, ocorre um intervalo de tempo de vários segundos — não é verdade? — durante o qual o intelecto é posto em movimento para procurar na memória a resposta. Se vos fazem uma pergunta mais complexa, maior é o intervalo de tempo, mas o processo é o mesmo — consultar a memória, procurar as palavras apropriadas, achá-las e em seguida responder. Segui isso com vagar, pois é realmente muito divertido e interessante observar o funcionamento desse processo. Tudo isso faz parte do autoconhecimento.

Pode-se também perguntar, por exemplo, “Quantas milhas há daqui a Nova Iorque?” — pergunta à qual, após consultar a memória, sois obrigado a responder: “Não sei, mas posso verificar”. Isso leva mais tempo. E pode-se também fazer uma pergunta que vos obrigue a dizer: “Não sei a resposta”; porém, ao mesmo tempo ficais esperando uma resposta, esperando que vo-la digam. Assim, temos a pergunta familiar e a resposta imediata; a pergunta menos familiar, que exige algum tempo; a coisa de que não tendes certeza, mas que podeis verificar e para isso precisais de tempo; e, por fim, a coisa que não sabeis mas achais que, se esperardes, tereis a resposta.

Agora, se eu perguntar: “Existe ou não existe Deus?” — o que acontece? Nenhuma resposta pode ser encontrada na memória, pode? Embora vos agrade crer, embora vos tenham ensinado a crer, deveis varrer esses disparates. Investigar na memória não dá resultado; esperar que vos deem a resposta é inútil, porque ninguém pode dá-la; e o intervalo de tempo para nada serve. Há só o tempo no presente ativo, a certeza absoluta de que não sabeis. Esse estado de “não saber” é atenção completa, não? E qualquer outra forma de saber ou de não saber procede do tempo e do pensamento, e é desatenção. 

Estais seguindo tudo isso e aprendendo? Aprender, por certo, supõe “não saber”. Aprender não é adicionar, acumular. No processo de acumular, o que se faz é apenas aumentar o conhecimento, que é estático. O aprender é constante variação, mudança, viver.

Sendo assim, que acontece quando estais aprendendo a respeito do medo? Estais investigando o medo, não é verdade? Estais “atacando” o medo, não é o medo que vos está atacando. E descobris então que não existe esta coisa: “vós e o medo”. Esta divisão não existe. A atenção, pois, é o presente ativo, no qual a mente, o intelecto diz: “Não sei, absolutamente”. E nesse estado não existe medo. Mas existe medo quando dizeis: “Não sei, mas espero saber”. Eis um ponto essencial que importa compreender. Consideremos isso de diferente maneira.

Sem dúvida, o medo surge quando buscamos a segurança, exterior e interiormente; quando se aspira a um estado permanente, duradouro, nas relações, nas coisas mundanas, na confiança, que o saber proporciona, na experiência emocional. E, finalmente, dizemos que existe Deus, absoluta e eternamente permanente, em cujo seio encontraremos imperturbável paz e segurança para todo o sempre. Cada um está a buscar segurança nesta ou naquela forma, e sabemos como cada um atua — buscando a segurança no amor, na propriedade, na virtude, jurando a si mesmo ser bom, casto. Todos conhecemos os horrores inerentes à busca, secreta ou aberta, da segurança. E isso é medo, porquanto nunca averiguastes se existe segurança. Não o sabeis. Emprego estas palavras para denotar que se trata de um fato que desconheceis absoluta e completamente. Vós não sabeis se deus existe ou não existe. Não sabeis se haverá ou não outra guerra. Não sabeis o que irá acontecer amanhã. Não sabeis se existe, interiormente, alguma coisa permanente. Ignorais o que irá suceder em vossas relações, com vossa esposa, vosso marido, vossos filhos. Não sabeis; mas deveis verificar isso, não achais? Deveis descobrir por vós mesmo que ignorais. E esse estado de não saber, esse estado de completa incerteza, não é medo; é atenção plena, na qual podeis descobrir.

Vê-se, pois, que a totalidade da consciência — a qual inclui o superficial, o consciente, o oculto, e as extremas profundezas dos resíduos raciais, os “motivos”, tudo o que constitui o pensamento — vê-se que a totalidade da consciência é, essencialmente medo. A consciência é tempo, resultado resultado de muitos dias, meses, anos e séculos. Vossa consciência de serdes francês se formou, historicamente, através de muitas gerações de propaganda. O fato de serdes cristão, católico, o que quer que seja, representa dois mil anos de propaganda durante os quais fostes obrigados a crer, a pensar, a funcionar e atuar segundo um certo padrão chamado “cristão”. E não ter crença alguma, ser o mesmo que nada parece coisa temível.  Assim, a totalidade da consciência é medo. isto é um fato, e não há concordar ou discordar sobre um fato.

Agora, que acontece quando vos vedes em presença de um fato? Ou tendes opiniões a respeito do fato, ou simplesmente o observais. Se tendes opiniões, juízos, avaliações do fato, então não o estais vendo. E não o vedes porque entra em cena o tempo, pois vossa opinião é produto do tempo, do ontem, de vossos conhecimentos anteriores. O ver realmente está no presente ativo, e nesse ver não existe medo. Isso é um fato real. O experimentar um fato real é que liberta do medo da consciência total. Espero que não estejais muito cansados e possais experimentar isto, pois não podeis levá-lo para casa para lá refletir a seu respeito. Porque então não tem valor. O que tem valor é enfrentar o fato diretamente, e penetrá-lo. Vereis então que o todo de nosso mecanismo pensante, com seus conhecimentos, suas sutilezas, suas defesas e renúncias — que esse todo constitui o pensamento e é a causa real do temor. E vemos também que, quando há atenção total, não há pensamento; há, só, percepção, o ato de ver.

havendo atenção, há completa tranquilidade; porque nessa atenção não há exclusão. Quando o intelecto pode estar completamente sereno — não adormecido, porém ativo, sensível, vivo — nesse estado de atenta serenidade não existe medo. Há então uma qualidade de movimento que não é pensamento, absolutamente, que não é sentimento, emoção ou sentimento. Não é uma visão, nem uma ilusão; é um movimento de qualidade diferente, que conduz ao Indenominável, ao Imensurável, à Verdade.

Mas, infelizemente, não estais escutando, experimentando de verdade, pois não examinastes isto realmente, não investigastes até este ponto. Por conseguinte, o medo não tardará a precipitar-se novamente sobre vós, qual uma vaga, submergindo-vos. Tendes, portanto, de examinar isto; e no examiná-lo está a solução. esta é a base; e uma vez lançada a base, nunca mais buscareis, porque toda busca da Realidade se baseia no medo. Libertada do medo a mente, o intelecto, então podereis descobrir.

Krishnamurti – Paris, 14 de setembro de 1961

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

No direto experimentar do todo, está a libertação final do homem

Talvez, se considerarmos o problema do sofrimento e da dor, possamos compreender diretamente, por nós mesmos, o inteiro problema da mente condicionada. Não vamos avaliar simplesmente as formas diversas do sofrimento — físico, psicológico ou psicossomático — mas o problema do sofrimento, o qual, sem dúvida nenhuma, está ligado à questão da mente condicionada, da mente que é incapaz de compreender o todo, em vez de ficarmos especulando a seu respeito e criando “projeções” verbais — se pudermos compreender o todo, talvez nos seja dada a possibilidade de vencermos o sofrimento, de ficarmos livre dele.

Em geral, seguimos uma linha de aproximação através da parte para o todo, e esperamos compreender o todo por meio da parte. Isto é, por meio da parte — que é o “eu” — esperamos tornar-nos capazes de compreender nosso sofrimento, nossas relações com o mundo, nossa atitude, nossa dor, nossa frustração; por meio da parte, do “eu”, queremos compreender todo este complexo problema do viver. Afinal, o “eu”, a mente, é o único instrumento que possuímos: entretanto, essa mente está tão condicionada, tão especializada, que só é capaz de pensar dentro da sua esfera de valores condicionados, pontos de vista condicionados, ações condicionadas. E com a compreensão da parte, do “eu” (isto é, a compreensão de que é dotado o “eu”, a parte) esperamos compreender o todo. O todo não é uma teoria, uma especulação; não é o que diz este ou aquele instrutor; não é uma ideia relativa a um estado, a Deus, a um modo de ser. Mas o direto experimentar do todo, não especulativamente mas de maneira real, pode tornar-se a libertação final do homem, do seu sofrimento.

Porque nós — vocês e eu — estamos condicionados, totalmente condicionados pelo nosso pensar, é incapaz, a mente, de compreender “o todo”, a respeito do qual nada sabemos. Todo pensar é condicionado; o pensamento, em qualquer nível que o coloquemos, é sempre condicionado. Vocês não gosta, de admitir esse fato. Acreditam existir dentro de vocês, uma parte não condicionada, superior a todas as influências “condicionadoras” — influências climáticas, religiosas, sociais; a educação; a memória; a experiência. Vocês pensam que essa coisa não está sujeita a nenhum condicionamento e que ela não é o “eu”. Mas, quando vocês pensam nesse estado que dizem “não condicionado”, o fato, justamente de o pensarem, cria condicionamento; além disso, essa coisa que se acha além de toda possibilidade de condicionamento, é todavia condicionada se está em relação com o pensamento. Isso não é mera especulação ou argumento sutil.

Se puderem examinar esta questão da mente condicionada, verão não existir nenhuma parte do pensamento que não esteja controlada, condicionada. Talvez seja esse condicionamento a verdadeira fonte de todo sofrimento. Se pudermos examinar esta questão, fora do nível verbal (vocês sabem o que entendo por “nível verbal”: o mero refletir sobre a questão, o mero especular sobre se a mente pode tornar-se “descondicionada”) se pudermos examinar e compreender esta questão, então não há dúvida de que com essa compreensão descobriremos muitas e muitas coisas.

Em primeiro lugar, se estivermos vigilantes, por pouco que seja, se observarmos o estado da nossa mente, reconheceremos que o pensamento é condicionado, que não há pensar independente de condicionamento. Se admitirmos e compreendermos esse fato, haverá então diferentes maneiras de tratar o problema. Isto é, ao reconhecer que estou condicionado e que não há nenhuma possibilidade de “descondicionar” a minha mente, tento modificar o condicionamento, a condição, deixando de crer em certas ideias ou ideais; nesse processo “processo”, porém, eu me condiciono, já que trato de adotar outras ideias ou ideais. Temos, pois, um “progresso” no condicionamento, e é isso o que interessa para a maioria de nós. Queremos progredir, social, econômica, religiosamente, ou em nossas relações mútuas, vivendo sempre condicionados ou “mais bem condicionados”. Admitimos, desse modo, que o sofrimento nunca pode ter fim e que só é possível modificá-lo ou recorrer às várias maneiras de fuga ao sofrimento.

Entretanto, quando sabemos, quando temos perfeita consciência de que nosso pensamento está inteiramente condicionado e que não há uma única parte dele “não condicionada”, temos então a possibilidade de descobrir se existe alguma coisa além da mente, além das “projeções” e fabricações da mente. Acho importantíssimo este ponto; se pudermos examiná-lo verdadeiramente, experimentá-lo efetivamente, enquanto estamos falando, encontraremos então uma solução real para todos os nosso problemas, o principal dos quais é o sofrimento, a dor — não só a dor física, mas as manifestações mais complicadas da dor psicológica: as lutas e conflitos interiores, as frustrações, o desespero, a esperança.

O que importa, por conseguinte, é que se descubra, que se experimente de fato a totalidade, o todo não condicionado (se é que existe um estado não condicionado) não controlável pela mente, não “projetado” por ela. Todas as nossas soluções — sociais, econômicas ou religiosas — são procuradas por uma mente condicionada e, por conseguinte, qualquer solução há de ser “progressivamente condicionada”, nunca independente de condicionamento. Isto é, em vez de venerarmos a palavra “Deus”, veneramos, agora, a palavra “estado” e, assim, usando-a, acreditamos ter feito um progresso espantoso. Ou, se não gostamos da palavra “Estado”, adotamos a palavra “Ciência” ou as palavras “Materialismo Dialético”, como se isso nos fosse resolver todos os problemas. Isto é, estamos sempre a abordar a solução de nossos problemas com um pensamento condicionado.

O pensamento é sempre condicionado; não há pensamento não-condicionado. Como disse, pode-se conceber o “Eu Supremo”, no nível mais elevado, mais sublime; ainda assim, ele é condicionado. Se, reconhecendo este fato, não teoricamente mas realmente, observamos as operações da mente, veremos que a mente está sempre pensando de acordo com seu fundo próprio, visto não haver pensamento sem memória, experiência sem memória, sem o processo de reconhecimento e , por conseguinte, a respectiva contradição (o respectivo “oposto”). Tal é o estado que conhecemos, e desse ponto de vista é que queremos considerar os nossos problemas! Não me parece, porém, possam eles ser resolvidos de tal maneira, isto é, pelo mero processo de os considerarmos de um determinado ponto de vista. Um problema só pode ser resolvido quando compreendemos o todo, e essa compreensão não é possível enquanto o pensamento, a ideia, estiver em funcionamento. Tenham a bondade de refletir sobre isso — não depois de irem para casa, mas aqui mesmo, enquanto falo.

Infelizmente, os mais de nós costumamos traduzir, interpretar tudo o que ouvimos. Compreendem? Vocês dizem que é assim que está nos Upanishads, que é isso que significa tal frase do Bhagavad-Gita. Desse modo, estão interpretando e não compreendendo; por consequência, o conhecimento de vocês se transforma num empecilho para a experiência direta. Urge, por conseguinte, suprimirmos o conhecimento, eliminarmos todo o conhecimento (não me refiro ao conhecimento relativo à construção de, por exemplo, o qual é essencial; não estou pregando o retorno ao estado primitivo, o que seria absurdo) urge eliminarmos o conhecimento comparativo, o conhecimento que interpreta o que outros dizem. Essa interpretação, essa tradução é uma forma de satisfação do “eu”, do seu desejo de estar sempre seguro, sempre certo; por causa dele a mente está sempre a dizer: “é o que diz o Livro” — sustando, assim, com essa afirmação, com essa tradução, o experimentar, o estudar.

A mente, sem dúvida, deve achar-se num estado de completa incerteza, quer dizer, num estado de completa inação, um estado de desconhecimento, em que a mente jamais diz “eu sei”, “eu tenho experiência”, “é isso mesmo!” A mente que diz “eu sei!” é incapaz de resolver qualquer problema complexo do viver, pois a vida está sempre em movimento, a vida não é estacionária. Vocês podem traduzir a vida, interpreta-la como comunista, como socialista, como materialista dialético, etc.; podem traduzi-la e prende-la assim a palavras explanatórias; a Realidade, porém, é uma coisa viva, e essa coisa viva não é acessível através da parte, que é o pensamento. Percebam isso, por favor, e a Realidade se lhes revelará. Se estão verdadeiramente à escuta da Realidade, ela fará algo extraordinário: quebrará de golpe o condicionamento da mente, e esta se tornará tão desperta, tão vigilante, que o “todo” não mais se lhe afigurará uma coisa miraculosa, transcendental. Esse todo, essa totalidade pode ser experimentada apenas depois de compreendido todo o processo do condicionamento e de reconhecermos positivamente que por meio de um pensamento condicionado não há solução para os nossos problemas. Quando vocês tiverem uma experiência dessa natureza, quando tiverem a percepção, a experiência do “todo”, ocorrerá então uma extraordinária revolução interior — a única verdadeira; porque “revolução econômica” é mero pensamento progressivo, ação condicionada.

Devemos, pois, abeira-nos de todos os nossos problemas com a compreensão de que nosso pensamento está condicionado. Vocês podem fazer o que quiserem, acumular conhecimentos psicológicos e ler todos os livros sagrados do mundo: se com esse conhecimento desejarem resolver o problema da vida, que é movimento constante, nunca estática, não encontrarão jamais a solução. Entretanto, desde que haja o experimentar do todo com a compreensão do todo (em que se reconhece o estado de condicionamento da mente) então, com essa compreensão do todo, qualquer problema pode ser resolvido, não por meio de um condicionamento progressivo, mas em virtude do completo desaparecimento do problema.

Como disse ontem, há neste mundo de pretenso progresso cada vez mais sofrimento, mais destruição, desgraça, sufocação, frustração. Vocês podem não estar cônscios disso, já que se habituaram ao moer da rotina diária. Se estivessem, porém, por pouco que fosse, conscientes, veriam ser este o processo da existência: frustração constante, sem qualquer fim; e quanto mais procuram preenchimento, mais encontrarão frustração. Da satisfação do “eu”, do desejo de preenchimento, nascem novos desejos, novos sofrimentos. Visto que a fonte das suas ações, o incentivo de duas ações é sempre o preenchimento do “eu” — preenchimento no filho, na família, na nação, ou na sociedade — esse desejo de preenchimento e a ação dele resultante acarretam frustração. Na frustração há sempre desespero. Por isso a mente busca uma senda promissora, no Estado, em Deus, ou noutra coisa qualquer, por meio da qual possa preencher-se; e dessa forma, nos vemos de novo a nos debater na mesma cadeia sem fim.

Nessas condições, se se deseja uma ação não inspirada por determinado sistema, determinada teoria, se se deseja ação de conjunto, por parte de vocês e de mim, ação não inspirada pelo desejo de preenchimento, faz-se necessária a compreensão de como está condicionada a nossa mente. É essencial a libertação da mente do seu condicionamento, porque então há cooperação, ação de todos nós e não ação particular suas ou minha. Ai se encontra a Verdade. Requer tudo isso, naturalmente, apurada observação. A Verdade não se pode adquirir nos livros. Tal é a verdadeira meditação, que não é meditação de pensamentos controlados, meditação limitadora do pensamento, e, sim, a meditação do amplo percebimento. O amplo percebimento é o percebimento de todos os movimentos do pensar; é se estar cônscio de como a mente opera, de cada reação, cada experiência, cada transgressão contra a vida; cônscio de como a mente funciona a cada momento; cônscio de cada reação, sem o desejo de modificá-la, controlá-la, orientá-la, discipliná-la. Nesse estado de amplo percebimento a mente se torna tranquila num grau extraordinário; não mais lhe interessa a plenitude, o preenchimento do “eu”, o ser ou não ser alguma coisa. Esse estado de tranquilidade não é um estado forçado, disciplinado. É o “estado de ser” — o qual nada tem em comum com a mente; por essa razão a mente se apresenta tranquila, serena; e nessa tranquilidade, aquilo que é “o todo” é compreendido.

Krishnamurti – 2ª Conferência em Poona – Índia – 25 e janeiro de 1953

Do livro: Autoconhecimento — Base da Sabedoria

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill