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quarta-feira, 4 de abril de 2018

Podemos nos abster de agir quando confusos?


Podemos nos abster de agir quando confusos?

PERGUNTA: É hoje um fato definitivamente estabelecido que muitas de nossas doenças são de natureza psicossomática, causadas por profundas frustrações e conflitos interiores de que muitas vezes não estamos apercebidos. Devemos agora correr para os psiquiatras, como antes corríamos para os médicos, ou há um caminho pelo qual o homem pode libertar-se de sua agitação interior?

KRISHNAMURTI: Isto suscita a pergunta: Qual a posição dos psicanalistas? E qual a posição daqueles de nós, portadores deste ou daquele incômodo ou doença? A doença é produzida por nossas perturbações emocionais, ou é sem significação emocional? Quase todos nós sofremos perturbações. Quase todos estamos confusos, agitados, mesmo os mais prósperos de nós, que possuem geladeiras, automóveis, etc.; e, como não sabemos de que maneira atender às perturbações, elas reagem inevitavelmente no nosso físico, produzindo doença, como é bastante óbvio. E a questão fica sendo: Devemos correr para os psiquiatras, para nos ajudarem a livrar-nos de nossos distúrbios e recuperar a saúde, ou é possível descobrirmos por nós mesmos como não nos deixarmos perturbar, não nos deixarmos agitar por ansiedades e temores?

Por que estamos perturbados, se o estamos? Que é uma perturbação? Desejo uma coisa, mas, como não posso obtê-la, fico num certo estado. Desejo preencher-me através de meus filhos, minha esposa, minha propriedade, minha posição, êxitos felizes, etc., mas me vejo contrariado, e isso gera um estado de perturbação. Sou ambicioso, mas outro me empurra para o lado e toma-me a frente; eis-me de novo num caos, numa agitação, que produz sua reação física própria.

Ora bem, podemos, vós e eu, libertar-nos de toda esta agitação e confusão? Que é confusão? Compreendeis? Que é confusão? A confusão existe somente quando há o fato e mais aquilo que eu penso a respeito do fato: minha opinião relativa ao fato, minha desatenção ao fato, minha fuga ao fato, minha avaliação do fato, etc. Se eu puder considerar o fato sem adicionar-lhe alguma qualidade, não haverá confusão. Se reconheço o fato de que um certo caminho leva a Ventura, não haverá confusão. Só pode surgir confusão se me ponho a pensar ou a teimar que o caminho leva a outro lugar; e é este o verdadeiro estado em que em geral nos achamos. Nossas opiniões, nossas crenças, nossos desejos, nossas ambições, são tão fortes, e tão grande o seu peso, que somos incapazes de olhar o fato.

Nessas condições, o fato, mais a opinião, o julgamento, a avaliação, a ambição, etc., geram confusão. E podemos, vós e eu, que estamos confusos abster-nos de agir? Por certo, toda ação nascida da confusão há de levar, necessàriamente, a mais confusão, mais agitação, e tudo isso reage no corpo, no sistema nervoso, produzindo doença. Eu estou confuso, e o admitir para mim mesmo que estou confuso não requer coragem, mas só uma certa clareza de pensamento, clareza de percepção. Em geral, nós temos medo de reconhecer que estamos confusos, e, assim, do meio de nossa confusão, escolhemos os líderes, os guias, os instrutores, os políticos; e quando de dentro da confusão escolhemos alguma coisa, essa própria escolha há de ser confusa e o guia, por conseguinte, tem de ser confuso.

É possível, pois, ficarmos cônscios de nossa confusão, conhecer a causa da confusão, e abster-nos de agir? Quando a mente que está confusa, age, só pode produzir mais confusão; mas a mente que está apercebida de achar-se confusa e compreende todo esse “mecanismo” de confusão, não tem necessidade de agir, porque essa própria claridade é ação. Isto deve ser um tanto difícil de compreender, à maioria das pessoas, pois estamos muito acostumados a agir, fazer alguma coisa; mas, se se puder observar a ação, perceber os seus resultados, observar o que se está passando no mundo, politicamente e a todos os respeitos, tornar-se-á bastante evidente que a chamada ação reformadora só está produzindo mais confusão, mais caos, e mais reformas.

Podemos, então, individualmente, ficar apercebidos de nossa confusão, nossa própria agitação, e “viver com ela”, compreendê-la, sem procurarmos livrar-nos dela, afastá-la, fugir dela? Enquanto ficarmos a dar-lhe pontapés, condená-la, fugi-la, essa própria condenação, essa própria fuga constitui o “mecanismo” de confusão. E, a meu ver nenhum analista pode resolver este problema. Poderá ajudar-vos temporariamente a acomodar-vos a certo padrão social, a que ele chama “existência normal”, mas o problema é muito mais profundo e ninguém, senão vós mesmo, pode resolvê-lo. Vós e eu fizemos esta sociedade; ela é o resultado de nossas ações, nossos pensamentos, do nosso próprio existir, e enquanto ficarmos meramente a procurar reformar o produto, sem compreensão da entidade que o produziu, teremos mais doenças, mais caos, e mais delinquência. A compreensão do “eu” produz a sabedoria e a ação correta.

Krishnamurti, 7 de agosto de 1955, Realização sem esforço
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quinta-feira, 29 de março de 2018

A percepção sem escolha e o conflito


A percepção sem escolha e o conflito

“Viajava uma vez pela Índia em um automóvel com um grupo de pessoas. Ia sentado na frente, ao lado do motorista e as três pessoas que ocupavam o assento detrás falavam sobre a percepção; queriam discutir comigo seu significado.

O automóvel ia muito rápido. NO meio do caminho havia uma cabra, e o motorista, que não prestava muita atenção, atropelou ao pobre animal.

Os senhores que as minhas costas debatiam sobre a percepção, não se aperceberam do que havia ocorrido.
Você ri, mas é isto o que todos estamos fazendo.

Temos um interesse intelectual na ideia da percepção, na investigação verbal, dialética da opinião; mas a realidade é que não temos a percepção do que ocorre.”


Bem, podemos observar em silêncio o que acontece em nós, sem escolher, sem verbalizar?

Quando nos encontramos nosso rosto no espelho, podemos ver como penteamos nossos cabelos, como escovamos nossos dentes, nos barbeamos, ou nos maquiamos, sem distância, da maneira mais direta e o mais preciso possível, sem qualquer distorção?

Para isso, precisamos entender o processo da escolha.

Por favor, pergunte-se por que você escolhe psicologicamente, em seu interior; porque diz:
"Eu farei isso, e aquilo não." "Isso está bem, aquilo está errado", "Sou violento, mas devo ser não violento; orgulhoso, mas um dia serei humilde".

Compreenda?

A escolha interior é constante.

Mas há alguma escolha quando há clareza?


Deixando de lado a escolha de objetos, a que faz essa escolha interna?

Podemos examiná-lo?

O ser humano, provavelmente por causa de sua herança do macaco, no mundo todo é uma criatura muito violenta e consciente do que a violência gera, em si mesmo e na sociedade, diz:

"Deixemos de ser violentos, pratiquemos a não-violência; falemos sobre isso; usemo-la como instrumento político".
Uma das criações características da Índia é precisamente a não-violência, embora já haviam aqueles que falavam dela muito antes. Então, bem, somos violentos, você e eu , se é que sou violento de algum modo, ao ver isso dizemos:

"Eu serei capaz de ser não violento", o que é uma escolha, não?

Quando há separação no pensar, posso dissociar pensamento e ação: penso uma coisa e digo ou faço outra diferente. E o resultado dessa separação são o conflito e a hipocrisia.

Pode-se aprofundar muitíssimo nessa questão do conflito e quando se começa a compreender sua natureza e estrutura, suas nuances sutis, a medida que observa verá que, nesse mesmo observar sem escolha, o conflito termina.

Isso requer grande atenção a cada pensamento e ação, para cada nuance do sentir mais profundo.

Se alguém quer acabar com o conflito, deve dar atenção extraordinária; não uma atenção superficial, não amanhã ou na próxima semana, mas uma atenção viva em todos os momentos.

Ojai, 1985, primeira palestra pública
A Atenção e a Liberdade Interior
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sexta-feira, 19 de setembro de 2014

O que devemos fazer em momentos de conflito?

Teórica ou verbalmente, pode-se convir em que é muito importante que o indivíduo se desprenda do coletivo, mas parece-me que não se dispensa atenção suficiente a este problema; porque, só quando ocorre a criadora libertação do indivíduo existe a possibilidade de descobrir e viver uma vida totalmente diferente da que atualmente vivemos. Na atualidade, nossa vida, nosso, pensar é coletivo; fazemos parte do coletivo; e se se deseja criar uma sociedade de ordem diferente com valores diferentes, acho que é necessário o indivíduo começar a compreender todas as impressões coletivas que a mente acumulou através dos séculos. E, como disse, só quando existe liberdade exatamente no começo, pode o indivíduo libertar-se. Não se pode negar que quase todos nós somos resultado do ambiente; nossos pensamentos, atividades, crenças, nossos vários interesses, tudo está condicionado pelas numerosas influências existentes ao redor de nós; e para descobrir o que é a verdade, o indivíduo tem de libertar a mente desse conglomerado de influências, tarefa essa extremamente árdua e difícil. Não me parece que estamos dando atenção suficiente a este assunto. Mas é só quando a mente se liberta dessas muitas influências, que se torna incorrupta, e só então existe a possibilidade de descobrir algo inteiramente novo — algo que não foi premeditado, que não é uma autoprojeção, nem resultado de qualquer meio cultural, sociedade ou religião. 

Propaganda é cultivo de preconceitos; e todos nós somos dominados por preconceitos, porque fomos educados para aceitar ou rejeitar, porém nunca para investigar o problema da influência. Dizemos estar em busca da verdade; mas o que é que a maioria de nós está buscando? Se você ficar um pouco vigilante, a auto-observação revelará que está buscando um certo resultado; você deseja uma certa satisfação, uma estabilidade ou permanência interior, que você chama de diferentes nomes, conforme o ambiente em que foi criado. E você não está buscando sucesso? Você deseja sucesso, não só neste mundo mas também no outro. Quer-me parecer que esse desejo de sucesso, de chegar a alguma parte, de tornar-se algo, é resultado de educação errônea. E pode a mente libertar-se totalmente desse desejo? 

Não me parece que costumamos fazer esta pergunta a nós mesmos, porquanto o que nos interessa é, tão-só, seguir um método, um sistema ou um ideal, que esperamos produzirá um resultado, nos  conduzirá à certeza, ao sucesso, à final e permanente felicidade, bem-aventurança, ou seja o que for. Nossa mente, por conseguinte, está sempre empenhada no esforço para alcançar algo; e enquanto a mente estiver visando um alvo, um fim, um resultado que lhe dê satisfação completa, será inevitável a criação da autoridade e a obediência a ela. Não é exato isso? Enquanto penso que a bem-aventurança, a felicidade, Deus, a Verdade, ou o que quiser, é um fim que se deve alcançar, haverá o desejo de alcançá-lo; portanto, preciso de um guru, uma autoridade que me ajude a conseguir o que ambiciono. Por conseguinte, me torno um seguidor, dependente de outra pessoa; e enquanto houver dependência, não se pode pensar na possibilidade de o indivíduo desligar-se do coletivo e encontrar por si mesmo a Verdade, ou descobrir qual é a coisa correta que cumpre fazer. 

Assim, se observar, verá que estamos sempre procurando alguém que nos indique o que devemos fazer. Vendo-nos confusos, dirigimo-nos a outro, em busca de conselho. O resultado é que estamos sempre a seguir e, portanto, psicologicamente, instaurando a autoridade, a qual, invariavelmente, cega-nos o pensar, impedindo-nos a tão essencial ação criadora

Exteriormente, nesta sociedade de competição, aquisição, temos de ser ambiciosos, cruéis, para não sermos expulsos ou exterminados. Interiormente, isto é, psicologicamente, somos também ambiciosos; aí também está o desejo de atingirmos uma certa culminância e, assim, vivemos a perseguir um objetico, de nós mesmos "projetado" ou criado por outro. Percebido esse fato, o que se deve fazer? Como descobrir a ação correta? 

Positivamente, este problema concerne a todos nós. Vemos que há confusão dentro de nós e ao redor de nós; os velhos valores e crença e dogmas, os guias que temos seguido, não mais nos satisfazem, perderam toda a sua força; e se percebemos esse caos em que nos encontramos, o que devemos fazer?Como descobrir qual é a ação correta? Para penetrarmos este problema, temos de perguntar a nós mesmos o que entendemos por "busca", não acha? Todos dizemos que estamos buscando — pelo menos o dizem os que sentem verdadeiro interesse e empenho; mas antes de prosseguirmos em nossa busca, por certo devemos descobrir o que entendemos por essa palavra e o que é que cada um de nós está buscando. 

Senhor, pode-se encontrar alguma coisa nova mediante a busca? Ou só se pode achar, nessa busca, o que já se conheceu antes e que foi "projetado" no futuro? Acho muito importante essa questão. O que é que estamos buscando? E pode a mente que está buscando, encontrar alguma coisa que transcende o tempo, que transcende suas próprias projeções? Isto é, digo que estou buscando a verdade, Deus, a felicidade; mas para achar isso, preciso ser capaz de reconhece-lo, não é verdade? E para ser capaz de reconhece-lo, preciso te-lo experimentado antes. A experiência anterior é indispensável ao reconhecimento e, portanto, se sou capaz de reconhecer uma coisa, ela já existia em minha mente e, por conseguinte, não pode ser a Verdade; é apenas uma "projeção", uma coisa saída de mim mesmo. Todavia, é isso o que está fazendo a maioria de nós. Quando buscamos, estamos a demandar uma coisa já experimentada pela mente e que ela quer de novo agarrar; por conseguinte, o que verdadeiramente nos interessa é a permanência de uma experiência que nos deu prazer, que nos deleitou. Enquanto a mente estiver buscando, é bem evidente que não poderá descobrir o que é a Verdade. Só quando já não está buscando — e isso não significa tornar-se embotada, distraída — e compreende o total "processo" da busca, é só então que se encontra a possibilidade de descobrir algo que não foi "projetado", avaliado pela mente. 

Por exemplo, você lê no Gita ou no Upanishads a descrição de uma certa coisa que é permanente, de uma perene bem-aventurança, ou o que quer que seja; e porque esta nossa vida é transitória, porque o seu pensar, as suas atividades, as suas relações se acham num estado de confusão, transtornando-lhe, tornado-lhe infeliz, você começa a aspirar àquele outro estado, a cujo respeito você leu. É isso o que está buscando. Na busca desse estado, você está cultivando a aceitação da autoridade, colocando-se na dependência de alguém que promete levar-lhe àquilo que você ambiciona. Por conseguinte, você se torna um seguidor; e enquanto um homem está seguindo, é parte integrante do coletivo, da massa. Você já reconheceu, já fixou na mente uma imagem daquele outro estado e agora o está buscando, apoiado num guru, na meditação, na prática de várias disciplinas, etc. O que você está realmente buscando é uma coisa que você já conhece, ou que lhe ensinaram, um estado a cujo respeito você leu alguma coisa ou que vagamente experimentou; a sua busca, pois, visa à continuação de uma experiência aprazível, ou ao descobrimento de um estado deleitável que, esperançosamente, você supõem existir. Não é exato isso? Eu lhe digo que esta busca nunca lhe revelará o desconhecido; ela, portanto, tem de cessar. 

(...) Nossa vida, como vivemos atualmente, é contraditória, superficial, vazia, e nos vemos muito confusos. Andamos de guru para outro, de um livro para outro; ao redor de nós se movimentam os especialistas disso que chamamos espiritualidade, cada um deles oferecendo um método especial de meditação, de disciplina; e nos vemos obrigados a escolher o que é "correto" fazer. Mas, onde há escolha, há sempre confusão; e eu acho que, antes de começarmos a escolher, buscar, é absolutamente necessário que descubramos por nós mesmos o que é liberdade. Porque só a mente livre é capaz de investigar, e não a mente que está aprisionada na tradição, que está condicionada, influenciada; nem aquela que busca um resultado; nem aquela que está toda entregue à atividade, no presente, em relação com o futuro "projetado". 

(...) Cumpre-nos, pois, investigar quais são as pressões, os "motivos" que estão nos impelindo a agir desta ou daquela maneira; porque, a menos que compreendamos tais influências e delas nos libertemos, a nossa ação levará, invariavelmente, à confusão e a sofrimentos ainda piores. Eis porque razão é tão importante possuir autoconhecimento, que consiste em compreender o fundo, o condicionamento da mente, e dele libertar-se a todos os momentos. Você deve saber que, quando estamos interessados apenas na ação imediata, somos por ela arrastados, sem termos investigado o problema do condicionamento, de como a mente foi moldada para ser hinduísta, cristão, etc. E, a menos que a mente se liberte a cada momento de seu condicionamento, toda ação que empreender há de ser desintegradora e produtora de mais caos. O que interessa, portanto, não é escolhermos tal ou qual norma de ação, mas, sim, compreendermos como a mente está condicionada. Porque, do libertar da mente de seu condicionamento resulta uma ação sã, racional, inteligente. 

O importante, por conseguinte, é descobrirmos, por nós mesmos, o que cada um de nós está buscando e se o que buscamos tem valia ou se representa apenas uma fuga. É de toda necessidade possuir o autoconhecimento — conhecer a si mesmo, não como Atman, etc., porém, saber, cada um, o que ele próprio é, de dia em dia; e isso significa observar o seu próprio modo de pensar, as influências que lhe servem de base ao pensar, e estar cônscio dos movimentos conscientes e inconscientes da mente. Então, a mente é capaz de tornar-se muito tranquila; e só nessa tranquilidade é possível acontecer algo real

Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Por que é tão difícil a solução de nossos problemas?

Krishnamurti: Vocês têm uma terrível preocupação de resolver problemas, não é verdade? Eu não a tenho.  Sinto muito. Logo de início eu lhes disse que não me interessava resolver problemas, vem seus, nem meus. Não sou protetor de vocês ou guia. Vocês são o próprio instrutor e o próprio discípulo. Aqui estão para aprender, e não para perguntarem a outro o que devem e o que não fazer. Aqui não há nenhuma questão, sobre o que se deve fazer por um inválido, ou por alguém que não tem dinheiro suficiente, ou que é iletrado, etc, etc. Aqui estão para aprender de si mesmos a respeito dos problemas que possuem, e não para serem instruídos por mim. Portanto, não me coloquem nessa falsa posição, porque eu não quero lhes instruir. Se o fizesse, me tornaria um guia, um guru, e iria aumentar as muitas inutilidades já existentes no mundo com que se explora o próximo. Estamos aprendendo, não mediante estudo, porém pelo nos mantermos vigilantes, despertos, totalmente conscientes de nós mesmos; nossa relação, por conseguinte, é completamente diferente da relação de mestre e discípulo. Este orador não está lhes instruindo, nem lhes dizendo o que devem fazer — isso seria completa falta de maturidade.

(...) Não vou lhes dizer o que devem fazer em relação aos seus problemas. Vou lhes apontar como aprender, e o que é aprender; e verão então que, quando aprendem a respeito de um problema, o problema termina. Mas se apelam para alguém, lhe pedindo que diga o que devem fazer a respeito de um problema, vocês se tornam como uma criança irresponsável, cujos passos são guiados por outro, e terão mais problemas ainda. isto é verdadeiro e simples, e, assim sendo, peço-lhes de uma vez por todas que o acolham na mente e no coração de vocês. Aqui estamos para aprender e não para sermos instruídos. Ser instruído é confiar à memória o que se ouve de outro; mas a mera repetição, de memória, não traz a solução de problemas. Só há maturidade no movimento do aprender. O uso do conhecimento, daquilo que foi aprendido meramente de memória, como meio de resolver os problemas humanos, procede de falta de maturidade, e só pode criar mais padrões, mais problemas. 

O simples desejo de resolver um problema é uma fuga aos problemas, não acham? Não penetrei o problema, não o estudei, não o explorei, não o compreendi. Não conheço a beleza, ou a feiura, ou a profundidade do problema; minha única preocupação é resolvê-lo, afastá-lo de mim. Esta ansiedade de resolver um problema, sem o ter compreendido, é uma fuga ao problema; por conseguinte, torna-se mais um problema. Toda fuga gera novos problemas.

Pois bem, tenho um problema que desejo compreender completamente. Não desejo fugir dele, não desejo "verbalizar" a respeito dele, não desejo falar para outro sobre ele; só quero compreende-lo. Não estou esperando que ninguém me diga o que fazer. Sei que ninguém pode me dizer o que devo fazer; e que, se alguém o fizesse e eu aceitasse sua instrução, isso constituiria  um ato muito fútil e absurdo. Assim, tenho de aprender sem ser instruído e sem fazer uso da lembrança do que aprendi a respeito de anteriores problemas, para atender o problema presente. Oh, não percebem a beleza disso!

(...) Tenho um problema, e desejo compreende-lo, aprender a respeito dele. Para aprender a respeito dele, não posso trazer as lembranças do passado e, com ajuda delas, ocupar-me com o problema; porque o problema novo exige uma maneira nova de estudá-lo, e não posso aplicar-me a ele com minhas lembranças mortas, estúpidas. O problema é ativo, e portanto, tenho de ocupar-me dele no presente ativo; por conseguinte, o elemento tempo deve ser afastado totalmente.

Desejo descobrir como surgem os problemas — os problemas psicológicos. Como disse, se compreendo toda a estrutura causadora dos problemas e fico, por conseguinte, livre de por mim mesmo criar problemas, saberei então como agir em relação ao dinheiro, ao sexo, ao ódio, em relação a tudo na vida; e, no lidar com essas coisas, não irei criando novos problemas. Tenho assim, de descobrir de que modo surge o problema psicológico, e não a maneira de resolvê-lo. Entendem? Ninguém pode me dizer como surge o problema; eu mesmo devo compreender isso.

(...) Para mim, como disse, a liberdade é da mais alta importância. Mas a liberdade de modo nenhum pode ser compreendida, se não há inteligência; e a inteligência só pode vir quando temos completamente compreendido, por nós mesmos, as causas dos problemas. A mente deve estar alertada, atenta, num estado de super-sensibilidade, de modo que cada problema seja resolvido assim que se apresenta para nós. De outro modo, não há verdadeira liberdade; só há uma liberdade periférica, fragmentária, sem nenhum valor. Isso é o mesmo que um homem rico dizer que é livre. Santo Deus! Ele é um escravo da bebida, do sexo, do conforto, de dúzias de coisas. E o homem pobre que diz: "Sou livre, porque não tenho dinheiro" — esse tem outros problemas. A liberdade, pois, e a manutenção dessa liberdade, não pode ser uma mera abstração: ele deve constituir para vocês, como ente humano, uma necessidade absoluta, porque é só quando existe a liberdade, que podem amar. Como podem amar se são gananciosos, ambiciosos, competidores?

(...) Eu não tenho interesse em resolver o problema ou em procurar alguém que me diga como resolvê-lo. Nenhum livro, nenhum guia, nenhuma igreja, nenhum sacerdote o podem me dizer. Há milênios que nos entretemos com essas coisas, e continuamos carregados de problemas. O frequentar uma igreja, a confissão, a oração — nada disso resolverá nossos problemas, que apenas continuam a se multiplicar, como atualmente está acontecendo. Assim, pois, como surge um problema?

Como disse, quando não há contradição dentro de nós mesmos, não há problema algum. A auto-contradição implica conflito do desejo. Mas o desejo em si nunca é contraditório. Por certo, o que cria a contradição são os objetos do desejo. Porque pinto quadros, ou escrevo livros, ou por qualquer coisa estúpida que faço, desejo ser famoso, aplaudido. Quando ninguém me reconhece os méritos, há uma contradição e fico em estado lastimoso. tenho medo da morte, que não compreendi; e nisso a que chamo "amor", há contradição. Vejo, pois, que o desejo é o começo da contradição — não o desejo em si, mas os objetos do desejo são contraditórios. Se tento mudar ou negar os objetos do desejo, dizendo que me aterei a uma só coisa e a nada mais, essa coisa, por sua vez, se torna também um problema, porque tenho de resistir, erguer barreiras a tudo o mais. Assim, o que devo fazer, não é meramente mudar ou reduzir os objetos de meu desejo, porém compreender o desejo em si. 

Krishnamurti em, A MENTE SEM MEDO - 14 de julho de 1964


sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Toda forma de fuga do sofrimento torna a mente mais embotada

Quase todos estamos às voltas com o sofrimento. Sofremos de uma ou de outra maneira, física, intelectual, ou interiormente. Somos torturados e nos torturamos a nós mesmos. Conhecemos o desespero, e a esperança, e o medo sob todos os aspectos; e nesse vórtice de conflito e contradições, preenchimentos e frustrações, ciúmes e ódio, debate-se a mente. Aprisionada que está, sofre, e todos sabemos que sofrimentos são estes: o sofrimento ocasionado pela morte, o sofrimento da mente sensível , o sofrimento da mente muito racional e intelectual, que conhece o desespero, porque reduziu tudo a pedaços e nada mais lhe resta. A mente sofredora faz nascer várias filosofias do desespero; busca refúgio através de numerosas vias de esperança, conflito, conforto, através do patriotismo, da política, das argumentações verbais, das opiniões. E para a mente sofredora sempre existe uma igreja, uma religião organizada pronta a acolhê-la e torná-la mais embotada ainda, com suas promessas de consolo.

Conhecemos tudo isso; e quanto mais refletimos , tanto mais intensa a mente se torna e nenhuma saída se encontra. Fisicamente, é possível fazer algo contra o sofrimento, tomar uma pílula, procurar o médico, alimentar-se melhor, mas aparentemente nenhuma saída existe senão pela fuga. Mas a fuga torna a mente muito embotada. Ela poderá ser penetrante em seus argumentos, em suas defesas; mas a mente em fuga está sempre temerosa, porque precisa proteger a coisa em que se refugiou, e, evidentemente, tudo aquilo que protegemos, que possuímos, faz nascer o medo. 

E, assim, o sofrimento continua; conscientemente, talvez, possamos afastá-lo, mas interiormente ele continua existente, corrompendo, putrefazendo. Mas podemos ficar livre dele, totalmente, completamente? Esta me parece a pergunta correta que se deve fazer; porque, se perguntamos "Como ficar livre do sofrimento?", então, o "como" cria o "padrão" do que se deve ou não se deve fazer. e isso significa seguir por uma via de fuga, em vez de enfrentar o problema, a causa-efeito do próprio sofrimento. Assim, antes de começarmos a discutir, gostaria de investigar esta questão. 

O sofrimento perverte e deforma a mente. O sofrimento não é o caminho da Verdade, da Realidade, de Deus (ou como quiserdes chamá-lo). Temos tentado enobrecê-lo, dizendo-o inevitável, necessário, alegando que traz compreensão, etc. Mas a verdade é que, quanto mais intensamente uma pessoa sofre, tanto mais ansiosa se torna de fugir, de criar ilusão, de encontrar uma saída. Parece-me, pois, que a mente são, saudável, deve compreender o sofrimento e ficar completamente livre dele. E isso é possível? 

Ora, como compreender por inteiro o sofrimento? Não estamos tratando de uma única qualidade de sofrimento por que acaso estejam passando ou esteja passando; existem, como sabem, muitas variedades de sofrimento. Mas estamos falando sobre o penar em geral, estamos falando da totalidade da coisa; e como compreender ou sentir o todo? Espero que esteja me fazendo claro. Através da parte nunca é possível sentir o todo; mas, se se compreende o todo, a parte pode então ajustar-se nele e tornar-se, assim, significativa. 

Ora, como se sente o todo? Entendem o que quero dizer? Sentir, não apenas como inglês, mas sentir  a totalidade da humanidade; sentir não apenas a beleza das paisagens da Inglaterra, que são realmente belas, porém a beleza de toda a Terra; sentir o amor total — não apenas o amor por minha mulher e meus filhos, mas o sentimento total de amor; conhecer o sentimento total da beleza, não da beleza de um quadro pendente na parede, ou de um sorriso num rosto belo, ou de uma flor, de um poema, porém aquele sentimento de beleza que transcende todos os sentidos, todas as palavras, toda expressão. Como sentir assim?

(...) A mente que está em conflito, em batalha, em guerra, interiormente, se torna embotada; não é uma mente sensível. Ora, que é que torna a mente sensível, não apenas para uma ou outra coisa, porém sensível como um todo? Quando ela é sensível não apenas para o belo, mas também para o feio, para tudo? Só o é, por certo, quando não há conflito; isto é, quando a mente está tranquila interiormente e, por conseguinte, é capaz de observar todas as coisas exteriores com todos os seus sentidos. Ora, o que é que gera conflito? E existe conflito não apenas na mente consciente, exterior — a mente que está sumamente cônscia de seus raciocínios, seus conhecimentos, sua proficiência técnica, etc. — mas também a mente interior, inconsciente, a qual provavelmente se acha no "ponto de fervura" a todas as horas. O que é pois, que cria o conflito?



(...) O que cria o conflito é, obviamente, o "puxão" em diferentes direções. O homem que se deixou comprometer completamente com alguma coisa é, em geral, insano, desequilibrado; para ele não há conflito: ele é essa coisa. O homem que crê inteiramente numa dada coisa, sem duvidar, sem interrogar, que se identificou completamente com aquilo que crê — esse homem não tem conflito nem problema. Tal é mais ou menos o estado da mente doente. E a maioria de nós gostaria muito de identificar-se, de "comprometer-se" com alguma coisa de tal maneira que não houvesse mais problema algum. Em geral, por não termos compreendido o processo do conflito, só desejamos evitar o conflito. Mas, como já assinalamos, o evitar só produz mais sofrimento. 

Assim, percebendo tudo isso, faço a mim mesmo e, portanto, também a vocês, esta pergunta: O que cria conflito?



Krishnamurti em, O PASSO DECISIVO

domingo, 17 de agosto de 2014

O conflito está na contradição dos nossos desejos

Por que temos de ter conflitos todos os dias, desde o despertar até à hora de dormir ou até a morte? Ao fazermos tal pergunta, ou respondermos que isso é inevitável e, por conseguinte, não pode ser alterado, ou dizemos que não sabemos a resposta e, consequentemente, esperamos que outro venha mostrar-nos como devemos olhar. Se esperamos que alguém nos mostre como olhar essa desordem, esse caos, essa confusão e conflito, isso significa que queremos descobrir a natureza do conflito segundo outra pessoa e, dessa forma, nenhum descobrimento faremos. Não é assim? Portanto, é de imensa importância a maneira como olhamos, como dizemos: " Por que vivo em conflito?" — Porque, quando já não buscamos uma autoridade para ensinar-nos, quando estamos livres da autoridade de outrem, já estamos na claridade, nossa mente já tem penetração para olhar. Assim como, para viajar, para galgar uma montanha, não devemos levar pesadas cargas, assim também, para examinar claramente este complexo problema, temos de livrar-nos da autoridade. Ficamos então muito mais leves, muito mais livres, para olhar. Assim sendo, para observar, agir, escutar, temos de estar livres de toda autoridade; podemos então começar a perguntar por que vivemos neste terrível e destrutivo conflito interior. 

Eu gostaria de saber, quando olhais, qual é a vossa reação. É reação às causas do conflito, ou à pessoa com quem estais em conflito, ou à separação existente entre o que desejais e o seu contrário; ou é reação à própria natureza do conflito? Não quero saber com quem estou em conflito, não quero conhecer os conflitos periféricos de minha existência. O que desejo conhecer é, em essência, por que existe conflito. Ao fazer essa pergunta a mim mesmo, vejo uma coisa fundamental, que nada tem que ver com os conflitos periféricos e sua solução. Interessa-me o problema central e vejo, e talvez também vejais, que a própria natureza do desejo, quando inadequadamente compreendida, conduz inevitavelmente ao conflito. 

Desejo coisas contraditórias. O próprio desejo está sempre em contradição — o que não significa que tenho de destruir o desejo, que tenho de reprimi-lo, controlá-lo, sublimá-lo. Vejo que o desejo, em si, é contraditório — não o desejo de alguma coisa, de sucesso, de prestígio, de uma casa melhor, de mais cultura, etc., etc.: a contradição não está no objeto do desejo, porém, na própria natureza do desejo. Ora, tenho de compreender a natureza do desejo, antes de compreender o conflito, e quando a isso me aplico, não estou nem condenando, nem justificando, nem reprimindo o desejo. Estou simplesmente consciente da sua natureza; nele existe contradição, e essa contradição gera conflito. Dentro em nós mesmos, estamos em contradição, desejando isto e não desejando aquilo. Dentro em nós mesmos achamo-nos num estado de contradição, e esse estado de contradição é criado pelo desejo — desejo de prazer e de fuga à dor. 

Vejo, pois, que o desejo é a raiz de toda contradição. O desejo diz que devo ter isto, que devo evitar aquilo, que devo ter prazer, quer prazer sexual, quer o prazer de ser famoso, o prazer de dominar — o prazer em formas várias e sutis. Não conseguindo essas coisas, não conseguindo chegar aonde desejo chegar, vem a dor da frustração, uma contradição. Vivemos, assim, num estado de contradição: devo pensar nisto, mas penso naquilo; devo ser aquilo, mas na realidade sou isto; deve haver a fraternidade humana, mas eu sou nacionalista, estou apegado a minha igreja, meus Deus, minha casa, minha família. Vivemos, pois, em contradição. Tal é a nossa vida. E essa contradição não pode ser integrada; esta é uma das falácias. A contradição só chega ao fim quando começo a compreender toda a natureza do desejo. Em todo o mundo, no Oriente e no Ocidente, há pessoas interessadas nisso, os chamados "religiosos" — não os homens de negócios, nem os militares, nem os burocratas, porém os chamados "religiosos". Sabendo que o desejo é a raiz de tudo isso, disseram eles que o desejo deve ser reprimido, sublimado, destruído, controlado. Mas, o que está sucedendo? Certos sacerdotes católicos mostram-se revoltados e desejam casar-se, e o monge está agora a voltar-se para o mundo exterior. As agonias da repressão, da deformação, a brutal disciplina de ajustamento a um padrão nada disso tem significação alguma, nada disso conduz à Verdade. para compreender a Verdade, deve a mente estar inteiramente livre, sem deformação, em nenhuma parte dela.

Jiddu krishnamurti em, Como Viver Neste Mundo

É possível uma vida diária livre de conflitos?

A maioria de nós se acha em conflito, em diferentes níveis da consciência. Não há um só ponto isento de conflito, nenhum lugar que não seja um campo de batalha. Em todas as nossas relações, quer com a pessoa mais íntima, quer com o nosso próximo, com a sociedade, lá está o conflito — um estado de contradição, de divisão, de separação, dualidade, os opostos; tudo isso contribui para o conflito. Quanto mais vigilantes estamos, a observar a nós mesmos e nossas relações com toda a sociedade e sua estrutura, tanto melhor percebemos que em todos os níveis de nosso ser há conflito — em maior ou menor grau — de que resultam consequências devastadoras ou reações muito superficiais. Mas, o fato real é que existe, profundamente arraigada em todos nós, a essência do conflito, a expressar-se de tantas maneiras diferentes — pelo antagonismo, pelo ódio, o desejo de dominar, de possuir, de dirigir a vida de outrem. Ora, existe alguma possibilidade de libertar-nos totalmente dessa essência do conflito? Talvez seja possível aparar, podar certos ramos do conflito, mas pode um homem penetrar profundamente e desenterrar a sua essência, de modo que não haja mais nenhum conflito interior e, por conseguinte, nenhum conflito exterior? Isso, porém, não significa que, libertando-nos do conflito, ficaremos a estagnar-nos, a vegetar, ou que nos tornaremos adinâmicos, sem vitalidade, sem energia plena. 

Ao investigar-se esta questão, deve-se ver, em primeiro lugar, se alguma organização externa pode ajudar-nos a promover a paz interior. Há grandes grupos de pessoas, de diferentes denominações, que creem na possibilidade de criarem-se organizações externas, perfeitas — uma sociedade capaz de promover o bem-estar, burocraticamente administrada, ou uma sociedade baseada no "pensamento eletrônico", etc.; creem que tais organizações darão paz à humanidade. Temos comunistas, ou materialistas, ou socialistas e, também, os chamados "religiosos", de várias organizações; todos creem, fundamentalmente, que com instaurar-se um certo estado de ordem exterior, criar-se-á, por meio de várias formas de sansão, compulsão, e legislação, a liberdade; o homem ficará livre de toda agressão e de todo conflito. Há também um grupo que diz que teremos ordem sem conflito se, interiormente, nos tivermos identificado com um certo princípio ou ideologia e de acordo com ela vivermos — de acordo com certas leis fixas, interiores. Conhecemos todos esses tipos, mas, pelo ajustamento, forçado ou voluntário, é possível cessar o conflito? Entendeis a pergunta? Cessará o conflito se, externamente, somos obrigados a viver em paz com nós mesmos e o próximo; compelidos, com o cérebro "lavado", forçados; ou se, interiormente, tentamos viver segundo princípios e ideologias ditados pela autoridade; se nos forçamos, lutamos e tentamos constantemente ajustar-nos? Tudo o homem tem tentado — obediência, revolta, ajustamento, observância de certas diretrizes — para viver em paz, interiormente, livre de todo conflito. 

Observando-se várias civilizações e religiões, não se pode duvidar que o homem sempre tentou isso, mas, por alguma razão, ao que parece, sempre fracassou. Talvez seja necessário seguir um caminho inteiramente diferente, em que não haja nem ajustamento, nem obediência, nem imitação, nem identificação com nenhum princípio, imagem ou fórmula — um caminho totalmente diferente. Por "caminho" não estou entendendo "método" ou "curso", porém uma maneira totalmente diferente de acesso ao problema. Valeria a pena examinarmos juntos essa possibilidade — de descobrir se é verdadeiramente possível ao homem viver uma vida interior de perfeita ordem, sem nenhuma forma de compulsão, imitação, repressão ou sublimação; uma ordem viva, e não uma coisa encerrada na estrutura das ideias. Uma paz, uma tranquilidade interior que não conheça perturbação em momento algum — é possível tal estado? Creio que todo ente humano inteligente, inquiridor, está a fazer esta pergunta. 

O homem aceitou a guerra como norma de vida; aceitou o conflito como coisa inata, parte da existência diária; aceitou o ódio, ciúme, a inveja, a avidez, a agressão, a inimizade, como a norma natural da existência. Aceitando uma tal norma de vida, devemos naturalmente aceitar a estrutura social tal como existe. Se aceitamos a competição, a cólera, o ódio, a avidez, a inveja, o espírito de aquisição, então, naturalmente, ficaremos vivendo dentro do padrão da respeitável sociedade. É nele que nos vemos aprisionados, a maioria de nós, visto que desejamos ser altamente respeitáveis. 

Percebei, por favor, como outro dia estivemos dizendo, que o mero escutar de uma poucas palavras, a mera aceitação de umas poucas ideias, não resolverá de modo nenhum o problema. O que juntos estamos tentando é examinar a nossa mente, o nosso coração, nossas maneiras de pensar, de sentir e de agir em nossa vida diária — examinar o que somos na realidade, e não o que deveríamos ser ou o que fomos. Assim, se estais escutando, estais então escutando a vós mesmos, e não escutando o orador. Estais a observar o padrão de vosso próprio pensar, a maneira como agis, pensais, sentis, viveis. Observa-se, assim, que, enquanto estamos a ajustar-nos ao padrão da sociedade, temos de aceitar a agressão, o ódio, a inimizade, a inveja, como parte da vida, essa parte da vida que gera inevitavelmente conflito, guerras, brutalidade, a chamada sociedade moderna. Temos de aceitá-la, com ela viver e nela viver, convertendo nossa vida num campo de batalha. Se não a aceitamos — e nenhuma pessoa verdadeiramente religiosa pode aceitar uma tal sociedade — como então achar essa ordem interior, não sujeita a nenhum domínio externo, essa tranquilidade que não exige nenhuma forma de expressão, que é, em si mesma, uma benção? Há possibilidade de encontrá-la, de "viver com ela"? Eis a pergunta que está a fazer a maioria de nós, sem jamais encontrar a resposta. Talvez possamos examinar esta questão e descobrir por nós mesmos se é realmente possível — não como ideia, conceito — descobrir como viver uma vida diária inteiramente livre de desordem interior, uma vida de perfeita tranquilidade, porém de tremenda vitalidade. Penso que, se pudéssemos descobrir isso, seriam verdadeiramente proveitosas estas reuniões, ao passo que, de outro modo, nenhuma significação teriam. Entremos, pois, na questão.

Jiddu Krishnamurti em, Como Viver Neste Mundo

sábado, 16 de agosto de 2014

Por que fizemos do estado de contradição um hábito?

K: (...) Onde há atenção, não há problema. Onde há a falta de atenção, surgem todos os tipos de dificuldades. Portanto, sem transformar a própria atenção num problema, o que queremos dizer quando nos referimos a ela? Podemos entendê-la, não verbalmente, não de forma intelectual, mas profundamente, no nosso sangue? Obviamente, a atenção não é concentração. Não significa um esforço, uma experiência, uma luta para ficar atento. Você terá de me mostrar a natureza da atenção, o que significa que quando há atenção, não há nenhum centro a partir de onde "Eu " presto atenção.

DB: Sim, mas é isso que é difícil.

DB: Não transforme isso num problema.

DB: O que quero dizer é que as pessoas vêm tentando isso por um longo tempo. Penso que há, em primeiro lugar, alguma dificuldade na compreensão do significado de atenção, devido ao conteúdo do próprio pensamento. Quando uma pessoa está olhando, poderá pensar que está prestando atenção.

K: Não, nesse estado de atenção não há pensamento.

DB: Mas então como paramos o pensamento? Veja, enquanto o pensamento está ocorrendo, há uma impressão de atenção — que não é atenção. Mas as pessoas pensam, supõem que estão prestando atenção.

K: Quando supomos que estamos prestando atenção, na verdade não é isso que está ocorrendo.

DB: Como podemos então transmitir o verdadeiro significado de atenção?

K: Ou será que para descobrirmos o que é atenção, devemos examinar o que é desatenção?

DB: Sim.

K: E através da negação chegarmos ao positivo. Quando estou desatento, o que acontece? Na minha desatenção sinto-me solitário, deprimido, ansioso, e assim por diante.

DB: A mente começa a se dispersar e a ficar confusa.

K: Ocorre a fragmentação. E, na minha falta de atenção, identifico-me com muitas outras coisas.

DB: Sim, e isso pode ser agradável — mas também pode ser doloroso.

K: Descubro, mais tarde, que o que era agradável transforma-se em dor. Tudo isso então é um movimento no qual não há atenção. Correto? Estamos chegando em algum lugar?

DB: Não sei.

K: Sinto que a atenção é a verdadeira solução para tudo isso - uma mente que é realmente atenta, que compreende a natureza da desatenção e se afasta dela!

DB: Mas em primeiro lugar, qual é a natureza da desatenção?

K: A indolência, a negligência, o egoísmo, a auto-contradição — tudo isso é a natureza da desatenção.

DB: Sim. Veja bem: uma pessoa egoísta poderá achar que está prestando atenção, mas está simplesmente preocupada consigo mesma.

K: Sim. Se houver auto-contradição em mim, e eu prestar atenção nisso para não ser auto-contraditório, isso não é atenção.

DB: Mas podemos tomar isso claro, porque ordinariamente alguém poderá pensar que isto é atenção.

K: Não, não é. É simplesmente um processo de pensamento, que diz: "Eu sou isso, não devo ser aquilo."

DB: Então você está dizendo que essa tentativa de vir a ser não é atenção. K: Sim, exatamente. Porque a transformação psicológica engendra a desa-
tenção.
DB: Sim.

K: Não é muito difícil, senhor, livrarmo-nos da transformação? Essa é a raiz da coisa. Acabar com a transformação.
DB: Sim. Não há atenção, e é por isso que esses problemas existem.

K: Sim, e quando assinalamos isso, o prestar atenção também se transfor- ma num problema.

DB: A dificuldade está no fato de que a mente prega peças, e, ao tentar lidar com isso, faz a mesma coisa novamente.

K: É claro. A mente, que é tão cheia de conhecimento, de presunção, de auto-contradição, e de tudo mais, pode chegar a um ponto onde se encontra psicologicamente incapaz de se mover?

DB: Não há nenhum lugar para onde ela possa se mover.

K: O que eu diria a uma pessoa que chegou a esse ponto? Eu me aproximo de você; estou cheio de confusão, ansiedade, e de uma sensação de desespero, não apenas com relação a mim mesmo, mas também ao mundo. Chego nesse ponto e quero ultrapassá-lo. E isso, portanto, se torna um problema para mim.

DB: Então estamos de volta; mais uma vez há uma tentativa de transformação, entende?

K: Sim. É aí que quero chegar. É essa então a raiz de tudo isso? O desejo de transformação?

DB: Bem, deve estar próximo a isso.

K: Como posso encarar então, sem o movimento da transformação, toda essa coisa complexa que sou eu?

DB: Parece que não vimos o todo. Não olhamos para o todo da transformação quando dissemos: "Como posso prestar atenção?" Parte disso parece ter escapulido, e se tornado o observador. Certo?

K: Psicologicamente a transformação foi a maldição de tudo isso. Um homem pobre quer ser rico, e um homem rico quer ser mais rico; o tempo todo ocorre esse movimento de transformação, tanto externa como internamente. E embora isso acarrete muita dor e algumas vezes o prazer, essa sensação de transformação, de obtenção, de conseguir psicologicamente, fez com que minha vida se tornasse tudo que ela é. Agora percebo isso, mas não posso interrompê-lo.

DB: Por que não podemos interrompê-lo?

K: Vamos analisar isso. Em parte estou preocupado em me transformar porque há uma recompensa no final; além disso, estou evitando a dor ou a punição. E sou capturado nesse ciclo. Essa é provavelmente uma das razões por que a mente continua tentando se tornar alguma coisa. E a outra talvez seja uma ansiedade ou um medo profundamente enraizado de que se não me transformar em alguma coisa, estarei perdido. Sinto-me incerto e inseguro, de forma que a mente aceitou essas ilusões e disse: não posso acabar com esse processo de transformação.

DB: Mas por que a mente não acaba com ele? Também temos de discutir a questão de sermos capturados por essas ilusões.

K: Como vai me convencer de que estou preso numa ilusão? Não vai conseguir, a não ser que eu mesmo perceba isso, e não posso percebê-lo porque minha ilusão é extremamente forte. Essa ilusão foi alimentada, cultivada pela religião, pela família, e assim por diante. Ela está tão profundamente enraizada que me recuso a abandoná-la. É isso que está acontecendo com um grande número de pessoas. Elas dizem: "Quero fazer isso, mas não posso". Considerando essa situação, o que devem fazer? As explicações, a lógica e todas as diversas contradições, as teorias, poderão ajudá-las? É evidente que não.

DB: Porque tudo é absorvido pela estrutura. 

K: O que vem a seguir?

DB: Veja, se elas dizem: "Quero mudar", também há o desejo de não mudar.

K: Naturalmente. O homem que diz: "Quero mudar", também pensa lá no fundo: "Na verdade, por que eu deveria mudar?" Os dois caminham juntos.

DB: Temos então uma contradição.

K: Tenho vivido nessa contradição, eu a aceitei.

DB: Por que deveríamos aceitá-la?

K: Porque é um hábito.

DB: Mas quando a mente está saudável, não aceitará uma contradição.

K: Mas nossa mente não está saudável. A mente está tão enferma, tão corrupta, tão confusa que mesmo que apontemos todos os perigos, se recusará a vê-los. Como então podemos ajudar um homem que esteja preso nisso a perceber claramente o perigo da transformação psicológica?

Jiddu Krishnamurti e David Bohm em, A Eliminação do Tempo Psicológico

sábado, 14 de setembro de 2013

A mente em conflito deforma tudo que vê

Vamos falar a respeito da meditação, uma das coisas mais extraordinárias — quando sabemos o que significa ter mente capaz de meditar. Ignorá-lo é ser como um cego, incapaz de ver as cores, como um homem de mente embotada. Se não sabemos o que significa meditar, teremos uma vida muito estreita e limitada, por mais inteligentes e eruditos que sejamos, por melhores que sejam os livros que escrevemos ou os quadros que pintamos. Permanecemos fechados num muito estreito círculo de conhecimento — pois o conhecimento é sempre limitado. Para compreender a questão da meditação, temos de examinar a questão da experiência e também de investigar porque buscamos e o que estamos buscando.

No fundo, a nossa vida é confusão, desordem, aflição, agonia. Quanto mais sensíveis somos, tanto maior o nosso desespero e ansiedade, nosso “sentimento de culpa”; e dessa vida desejamos naturalmente fugir, porque nela não encontramos nenhuma solução; não sabemos de que maneira sair de nossa confusão. Desejamos fugir para um outro mundo, uma outra dimensão. Fugimos por meio da música, da arte, da literatura; mas, trata-se sempre de fuga e a coisa para que fugimos é sem realidade, em comparação com aquilo que estamos buscando. Todas as fugas são iguais, não importa se fugimos pela porta de uma igreja, em busca de Deus ou de um Salvador, ou pela porta da bebida ou de diferentes drogas. Não só temos de compreender o que e  porque estamos buscando, mas também temos de compreender essa necessidade de experiências profundas e duradouras, porque só a mente que nada busca, que não exige experiências de nenhuma forma, poderá ingressar numa esfera ou dimensão inteiramente nova. É o que vamos fazer nesta tarde; assim espero.

Nossa vida em si mesma, é superficial, insuficiente, e desejamos uma outra coisa, uma experiência mais sublime, mais profunda. Também, vivemos num inaudito isolamento. Todas as nossas atividades e pensamentos e maneiras de comportar-nos levam-nos a esse isolamento, a essa solidão a que desejamos fugir. Se não compreendermos esse isolamento, não intelectual, verbal ou racionalmente, porém entrando diretamente em contato com o que estamos realmente buscando, entrando em contato com o estado de solidão; se não compreendermos e dissolvermos, completamente, aquele isolamento, toda meditação, toda busca, toda atividade espiritual ou religiosa (assim chamada) será inteiramente fútil, porquanto representará uma fuga ao que somos. É o mesmo que uma mente superficial, embotada, mesquinha, pensar em Deus. Se existe essa coisa em que ela pensa, aquela mente e seu Deus permanecerão sempre muito insignificantes.

A questão consiste em saber se é possível para a mente que está fortemente condicionada, toda enredada nas aflições e conflitos da vida de cada dia, se é possível a essa mente manter-se desperta, tão ampla e profundamente desperta que não haja busca nenhuma, nenhum desejo de experiência. Quando um indivíduo está desperto, quando em si próprio há luz, não há busca e nenhum desejo de mais experiências. Só o homem que está na escuridão vive a buscar a luz. É possível um indivíduo manter-se tão intensamente desperto, tão altamente sensível, física, intelectualmente e a todos os respeitos, que não haja ima única sombra em sua mente? Só então não há mais busca; só então não há mais ânsia de novas experiências.

É possível isso? A maioria de nós vive de sensações, sensações dos sentidos, e o pensamento adiciona-lhes o prazer. Com o pensar nessas sensações, delas obtemos um grande prazer — e, quando há prazer, há sempre dor. Temos de compreender esse processo, como o pensamento cria o tempo, o prazer e a dor; como o pensamento, depois de cria-los, deles procura fugir; e como essa própria fuga gera conflito. Vejo-me aflito e gostaria de ser feliz, de colocar fim a minha aflição. O pensamento criou a aflição, e espera, depois, colocar-lhe fim. Nesse estado dual, o pensamento cria conflito para si próprio.

A maioria de nós se vê nesse estado de isolamento e solidão, nesse estado de vazio. Embora o indivíduo tenha a companhia de sua família ou de outro grupo qualquer, conhece esse estado, essa profunda ansiedade por causa de nada. Pode o indivíduo libertar-se disso, superá-lo, sem procurar preencher esse isolamento, essa solidão, esse vazio, com conhecimentos, experiências, palavras de todo gênero? Você conhece todas as coisas que uma pessoa costuma fazer para preencher o vazio em si existente. Pode-se transcendê-lo? Para compreender uma coisa e dela libertar-se, a pessoa tem de entrar em contato com ela. (...) temos uma imagem do vazio, da solidão, e essa imagem nos impede o direto contato com o fato — a solidão.

Se você se acha em contato com alguma coisa, sua mulher, seus filhos, o céu, as nuvens, qualquer fato, no momento em que o pensamento intervém perde-se o contato. O pensamento nasce da memória. A memória é a imagem, e é daí que você olha e, por conseguinte, verifica-se uma separação entre o observador e a coisa observada.

(...) É essa separação entre observador e a coisa observada que faz o observador desejar mais experiência, mais sensações, e o impele a uma perene busca. (...) enquanto existir o observador, a entidade que está em busca de experiência, enquanto existir o censor, que avalia, julga, condena, não pode haver contato direto com o que é. (...) Enquanto isso não for plenamente compreendido, percebido, elucidado, e sentido profundamente; enquanto não se aprender integralmente, não intelectual ou verbalmente, que o observador é a coisa observada, a vida continuará a ser toda de conflito e contradição entre desejos opostos; o que deveria ser e o que é. Só é possível essa compreensão quando percebemos que estamos olhando uma coisa como “observador” — uma flor, uma nuvem, qualquer coisa. Se a entidade que olha o objeto, o está observando com seus conhecimentos, não há contato com ele.

A mente que está em conflito, de qualquer natureza e em qualquer nível, consciente ou inconsciente, é uma mente torturada; tudo o que vê se deforma... tudo o que essa mente vê se deforma, necessariamente, enquanto existe conflito, o conflito da ambição, do medo, a agonia da separação etc. A mente em conflito é uma mente deformada. Esse conflito só pode acabar quando o observador deixa de existir e só fica a coisa observada. Tem então a virtude, isto é, o comportamento, um significado inteiramente diferente. Virtude é ordem; (...) Se não existir, profundamente, em nós mesmos, essa ordem, o pensamento criará desordem com o nome de virtude.(...) Uma vez compreendido isso, pode-se começar a compreender o que é meditação, porquanto a compreensão do observador e da coisa observada faz parte da meditação.(...) Necessita-se de uma mente muito sutil e ágil, uma mente capaz de raciocinar, uma mente equilibrada, não neurótica. Todas as neuroses se verificam quando há atividade egocêntrica, quando existe o observador desejoso de expressar-se em várias atividades, e, por conseguinte, a criar conflito em si próprio. Tudo isso faz parte da meditação.

Jiddu Krishnamurti — Encontro com o eterno

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Há uma percepção pura eliminadora do conflito humano?

(...) Vamos descobrir juntos — não concordar, não como se fosse um conceito verbal intelectual — se há uma percepção, uma ação, que terminará com o conflito, não gradualmente, mas imediatamente. Quais são as implicações disso? O cérebro, sendo programado para o conflito, é aprisionado nesse modelo. Estamos perguntando se esse modelo pode ser rompido imediatamente, não gradualmente. Vocês podem pensar que podem rompê-lo por meio das drogas, do álcool, do sexo, das diferentes formas de disciplina, entregando-se a alguma coisa — o homem tentou mil modos diferentes de fugir deste terror do conflito. Agora, estamos perguntando: é possível para um cérebro condicionado romper esse condicionamento imediatamente?

(...) Há múltiplas formas de conflito, há milhares de opiniões, portanto milhares formas de conflito. Mas nós não estamos falando sobre as várias formas de conflito, mas sobre o próprio conflito(...) sobre o conflito do cérebro humano e sua existência. Existe uma percepção, uma percepção que não nasça da memória, do conhecimento, que veja toda a natureza e estrutura do conflito? Uma percepção desse todo? Não uma percepção analítica, não uma observação intelectual de vários tipos de conflito, não uma resposta emocional ao conflito. Existe uma percepção que não seja feita da lembrança, que é o tempo, que é o pensamento? Existe uma percepção que não pertence ao tempo ou ao pensamento, que possa ver toda a natureza do conflito e, com essa própria percepção, produzir o fim do conflito? O pensamento é tempo. O pensamento é experiência, conhecimento formado no cérebro como memória... A multiplicação do conhecimento, a expansão do conhecimento, a profundidade do conhecimento pertencem ao tempo. Assim, o pensamento é tempo — qualquer movimento psicológico é tempo... O pensamento e o tempo são indivisíveis.

E nós estamos fazendo a seguinte pergunta: existe uma percepção que não pertença ao tempo e ao pensamento? Uma percepção inteiramente fora do modelo ao qual o cérebro se acostumou? Existe isso, essa coisa que, talvez, por si irá solucionar o problema? Nós não solucionamos o problema em um milhão de anos de conflito, estamos dando continuidade ao mesmo padrão. Devemos descobrir, com inteligência, hesitantemente, com cuidado, se há um modo, se há uma percepção que rompa com este modelo.

(...) Agora, podemos observar — não importa o que — sem nomear, sem a lembrança?(...) Vocês alguma vez já tentaram fazer isso diretamente? Olhem para a pessoa sem nomeá-la, sem o tempo e a lembrança, e olhem também para vocês mesmos — para a imagem que construíram de vocês mesmos, a imagem que construíram do outro; olhem como se estivessem olhando pela primeira vez — como olhariam para uma rosa pela primeira vez. Aprendam a olhar; aprendam a observar esta qualidade que surge sem toda a operação do pensamento.

(...) Agora, podemos nós, juntos, ouvir ou observar assim, sem a palavra, sem a lembrança, sem todo o movimento do pensamento? Isto significa uma atenção completa, não a atenção de um centro, mas uma atenção que não tem nenhum centro. Se vocês possuem um centro através do qual prestam atenção, esta é apenas uma forma de concentração. Mas se vocês estão prestando atenção e não há nenhum centro, isto significa que estão dando completa atenção; nessa atenção não há nenhum tempo.   

(...) Obviamente, deve-se exercer a capacidade de ser lógico, racional e, ainda assim, conhecer as suas limitações, porque o pensar racional, lógico, ainda faz parte do pensamento. Sabendo que o pensamento é limitado, estejam cônscios dessa limitação e não o empurrem adiante, porque ele ainda será limitado, por mais longe que vocês vão, enquanto que, se vocês observam uma rosa, uma flor, sem a palavra, sem nomear a cor, mas apenas olham para ela, então esse olhar produz grande sensibilidade, quebra esse sentido de densidade do cérebro e dá uma extraordinária vitalidade. Há uma espécie de energia totalmente diferente quando há a percepção pura, que não está relacionada com o pensamento e o tempo.


Jiddu Krishnamurti — A Rede do Pensamento

sábado, 31 de agosto de 2013

O que significa nossa chamada “busca da verdade”?

Que entendemos com conflito, por contradição? Por que existe contradição em nós? Compreendem o que eu entendo por contradição? — esta luta constante para ser algo diferente do que sou. Sou isto e quero ser aquilo. Essa contradição em nós é um fato, não um dualismo metafísico, sobre o qual não há necessidade de discorrermos. A metafísica nenhum valor tem para a compreensão do que é. Podemos discutir sobre o dualismo, dizer o que ele é, se existe, etc.; mas, que valor tem ele se não sabemos se existe contradição em nós, desejos antagônicos, interesses opostos? Isto é, quero ser bom e não consigo. Essa contradição, essa oposição que existe em nós precisa ser compreendida, porque gera conflito; e no conflito, na luta, não podemos criar individualmente. Vejamos com clareza o estado em que nos encontramos. Há contradição, e por isso tem de haver luta; e a luta é sempre destruição, desperdício. Em tal estado, nada podemos produzir, senão antagonismo, luta, mais amarguras e sofrimentos. Se pudermos compreender perfeitamente esse estado e ficarmos livres da contradição, haverá paz interior, a qual nos trará a mútua compreensão.

O problema, portanto, é este: Visto que o conflito é destrutivo, inútil, por que existe contradição em cada um de nós? Para compreender isso, precisamos ir um pouco mais longe. Por que existem desejos opostos? Não sei se estamos bem conscientes disso — dessa contradição, desse querer e não querer, desse lembrar-nos de uma coisa e querermos esquecê-la, substituí-la por algo novo. Observem bem. É um fato muito simples e muito normal. Nada tem de extraordinário. A verdade é que existe contradição. Mas, como nasce a contradição? Não é importante compreendê-lo? Porque se não fosse a contradição, não haveria conflito, não haveria luta, e o que é seria compreendido sem lhe acrescentarmos um elemento oposto, gerador de conflito. A questão que temos de examinar, portanto, é: Por que existe essa contradição e, consequentemente, essa luta inútil e destrutiva? Que significa contradição? Não implica ela um estado impermanente ao qual se opõe um outro estado impermanente? Isto é, julgo que tenho um desejo permanente. Admito em mim a existência de um desejo, e logo surge outro desejo, que o contradiz; e essa contradição gera conflito, que é desperdício. Isto é, há uma constante negação de um desejo por outro desejo, um interesse que se sobrepõe a outro interesse. Mas existe de fato um desejo permanente? Sem dúvida, todo desejo é impermanente — não metafisicamente, mas de fato. Não deem a isso uma significação metafísica, pensado que assim a compreendem. Na realidade, todo desejo é impermanente. Desejo um emprego. Isto é, penso que um determinado emprego me proporcionará felicidade, e quando o obtenho vejo-me insatisfeito. Quero tornar-me gerente, depois proprietário, etc.; não somente neste mundo, mas também no mundo dito espiritual — o professor quer ser diretor, o ministro quer ser bispo, o discípulo Mestre.

Assim, esse constante “vir a ser”, esse sucessivo passar de um estado para outro, produz contradição, não é verdade? Nessas condições, por que não encarar a vida, não como um desejo permanente, mas como uma série de desejos fugitivos, em constante oposição entre si? A mente, não tem necessidade de permanecer em estado de contradição. Se considero a vida, não como um desejo permanente, mas como uma série de desejos temporários, em constante mutação, não existe contradição... Muito importa compreender que, onde há contradição há sempre conflito, e que o conflito é improdutivo, inútil, quer se trate de uma disputa entre duas pessoas, quer de uma luta interior; como a guerra, ele é totalmente destrutivo.

A contradição, surge apenas quando temos um ponto fixo de desejo, isto é, quando a mente, não considerando todo desejo como uma coisa em movimento, transitória, se apodera de um desejo, atribuindo-lhe permanência: só então, ao surgirem outros desejos, apresenta-se a contradição. Mas todos os desejos estão em constante movimento, não há fixação do desejo. Não há um ponto fixo de desejo; a mente estabelece um ponto fixo, porque se serve de todas as coisas como um meio de ganho; e há de haver contradição, conflito, enquanto houver esse empenho de chegar. Não sei se percebem isso.

É importante compreender, em primeiro lugar, que o conflito é essencialmente destrutivo, quer se trate de conflito comunal, do conflito entre nações, entre ideias, quer do conflito interno do indivíduo. Ele é sempre destrutivo; e essa luta é aproveitada, explorada pelos sacerdotes, pelos políticos. Se percebemos bem isso, se percebemos realmente que toda luta é destrutiva, cabe-nos então descobrir a maneira de colocar fim à luta, isto é, investigar a contradição; a contradição implica sempre o desejo de vir a ser, de ganhar, o desejo de chegar — é isso, afinal de contas o que significa a chamada busca da verdade. Isto é, vocês querem atingir algo, querem alcançar bom êxito, querem encontrar, no final de tudo, um Deus ou a verdade, que passará a ser a permanente satisfação de vocês. Por conseguinte, não estão em busca da verdade, não estão à procura de Deus. Procuram satisfação com uma ideia, uma palavra de som respeitável, tal como Deus, a verdade; mas de fato, cada um de vocês está é em busca de satisfação, e, pondo essa satisfação, no mais alto nível, vocês a chamam Deus: no mais baixo nível ela se chama embriaguez pela bebida. Enquanto o que a mente busca é satisfação, não há muita diferença entre Deus e a bebida... Se desejam realmente encontrar a verdade, devem ser sinceros, ao extremo, e não apenas no nível verbal, mas totalmente; precisam estar extraordinariamente lúcidos, e não podem ter lucidez se se furtam a encarar os fatos. E é isto o que estamos tentando, nestas reuniões: perceber claramente, por nós mesmos o que é. Se não desejam ver, podem ir embora; mas se desejam encontrar a verdade, precisam estar extraordinariamente lúcidos, escrupulosamente lúcidos... Enquanto a mente estiver fixa com uma ideia, com uma crença, haverá contradição na vida; e essa contradição gera antagonismo, confusão, luta, o que significa que não haverá paz.

Jiddu Krishnamurti — O que estamos buscando?

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Dentro do caos, que se pode achar senão caos?

Para alcançarmos aquela realidade que não pode ser apreendida por meio de palavras e símbolos, é claro que devemos banir do espírito o significado tradicional, as conclusões religiosas de certas palavras. Há séculos o homem busca algo de superior a si próprio, algo que lhe servisse de meio de fuga a este mundo horroroso, tirânico, cheio de sofrimento, que o compensasse de sua existência dolorosa, lastimável, confusa. Para podermos viver neste mundo o mais equilibradamente possível, vocês e eu criamos, por causa do nosso medo, de nossa angústia, uma imagem, um Deus pessoal, uma força super-humana, que supomos agir como princípio diretor de nossa conduta. No Oriente essa imagem difere um tanto da do Ocidente, mas, em toda a parte, ela é uma criação da mente humana. Nada tem de sagrado. Nada há de sagrado nos rituais do Ocidente ou do Oriente., elaborados que foram pelo homem, no seu desespero, sua tortura, seu medo, sua ansiedade; e o que nasce do medo, da ansiedade, nunca conduzirá o homem à Verdade. Seus rituais, seus símbolos, suas preces poderão entretê-lo, estimulá-lo, dar-lhe uma certa inspiração, um certo sentimento de bem-estar; mas, atrás delas, nenhuma verdade existe, absolutamente, porque foram criadas pelo ente humano em sua imensa agonia.

O homem sempre buscou, e aparentemente achou; por conseguinte, vamos agora examinar estas duas palavras “buscar” e “achar”. Nós buscamos em virtude de nossa própria confusão. Buscamos algo permanente porque vemos que tudo o que nos rodeia é impermanente. Buscamos um amor espiritual, um conforto celestial, uma Divina Providência, porque dentro de nós existe tanta confusão, e sofrimento, e agonia. Por outras palavras, nós buscamos no meio do caos, e o que achamos nasce desse caos. Este fato, pois, precisa ser compreendido, isto é, que buscar e achar não só é um desperdício de energia, senão também um verdadeiro obstáculo, uma coisa perniciosa.

Vocês podem não concordar com o que se está dizendo, mas notem, por favor, que não estamos tratando de algo com que se pode concordar ou de que se pode discordar. Estamos investigando uma coisa que exige grande soma de energia, alta sensibilidade, intenso percebimento e atenção. Isso significa que, para descobrir, temos de varrer tudo: todas as asserções, e dogmas, e sanções. As religiões, em todo o mundo, estabeleceram certas fórmulas, certos métodos e tradições, que mandam observar a fim de se poder descobrir. O homem sempre andou a buscar, na esperança de encontrar algo original, algo superior à sua imaginação, à sua vaidade: Deus, um Ser Supremo, uma Essência Divina, que o guiará, ajudará, confortará. Mas, atrás dessa ânsia de conforto, encontra-se aquele vasto “reservatório” da ignorância do homem acerca de si mesmo, da causa de seus desesperos e de seu perene ansiar por algo permanente.

Se uma pessoa é um tanto inteligente ou desperta, e se acha insatisfeita com este mundo transitório, deseja algo que seja permanente e, por conseguinte, está sempre a buscar — filiando-se a um certo movimento, ligando-se a um certo partido ou atividade, etc. Nessa busca, está sempre ativa. Mas tal busca conduz, invariavelmente, a um fim preestabelecido. O que se deseja é conforto, permanência, um estado de espírito sempre isento de perturbação, o qual chamamos “paz”; e o que se busca poderá ser achado, mas nunca será o real, nunca será a Verdade.

Assim, a mente que deseja descobrir o real, a Verdade, deve deter essa busca, essa ânsia de achar. Vendo-nos confusos, ansiosos, infelizes, oprimidos pelo sofrimento, buscamos conforto fora de nós mesmos — nos livros, nos instrutores, nos gurus, nos salvadores, nas religiões organizadas; e, encontrando um certo conforto, uma certa segurança, a isso nos apegamos com todas as forças. Mas, esse buscar e esse achar têm por resultado invariável a deterioração da mente; porque a mente deve manter-se sobremodo ativa, sensível, desperta, vitalmente enérgica. Assim, colocar fim ao buscar e ao achar significa eliminar o sofrimento, porque a mente está então a revelar-se a si própria, a compreender-se, sendo essa a verdadeira essência da atividade religiosa.

Se não conhecemos a nós mesmos, a mera busca só pode gerar ilusões. Os entes humanos desejam mais e mais experiência. Todos desejamos mais experiência — não só a “experiência” de uma viagem a Marte ou do descobrimento de novas galáxias, mas desejamos também mais experiência interiormente, porque a experiência de nosso viver diário já nada significa. Temos tido experiências sexuais, e esse prazer, repetido dia por dia, se tornou um tanto monótono, entediante e, por conseguinte, desejamos outra forma de experiência, uma certa atividade social nova. Queremos os louvores da comunidade, nos tornar mundialmente famosos, queremos prestígio, posição em virtude de nossas funções. E é por causa desse desejo de mais experiências que recorremos a drogas, como o L.S.D., que tornam a mente mais sensível, mais ativa, e, dessa amenira, nos proporcionam experiências mais amplas, mais profundas, mais intensas.

Peço que notem, como disse outro dia, que este orador não é importante; mas o que ele diz é importante, porquanto o que está dizendo é a voz do próprio Eu de vocês a pensar em voz alta.

Através das palavras que o orador está empregando, estão escutando a si mesmos e não o orador; por essa razão é da máxima importância o escutar. Escutar é aprender, e não acumular. Se acumulam conhecimentos e escutam com essa acumulação, com o fundo de saber de vocês, não estão escutando. Só escutando, podem aprender. Estão aprendendo a respeito de si mesmos, e, por conseguinte, devem escutar com zelo, com extraordinária atenção; e a atenção é negada quando justificam, condenam ou de outro modo avaliam o que ouvem. Não estão então escutando, não estão percebendo, vendo.

Se se sentam à margem de um rio após uma tempestade, veem a corrente passar carregando enorme quantidade de destroços. De modo idêntico, devem observar o movimento do Eu de vocês, acompanhando cada pensamento, cada sentimento, cada intenção, cada motivo — observá-lo simplesmente. Esse observar é também escutar. É perceber com os olhos, os ouvidos, com o discernimento de vocês, todos os valores criados pelos entes humanos, e pelos quais vocês se acham condicionados; e só esse estado de total percebimento pode colocar fim a toda busca.

Como disse, busca e achar é desperdício de energia. Quando a própria mente está no escuro, confusa, assustada, aflita, ansiosa, que bem lhe faz o buscar? Dentro desse caos, que se pode achar senão mais caos? Mas, quando há clareza interior, quando a mente não está temerosa, exigindo segurança, então não há mais buscar e, por conseguinte, não há mais achar. Ver a Deus, ver a Verdade não constitui um ato religioso. O único ato religioso é o alcançar essa clareza interior mediante autoconhecimento, isto é, pelo estarmos cônscios de nossos íntimos e secretos desejos, deixando-os revelar-se, sem nunca corrigi-los, controlá-los ou a eles nos entregarmos, porém, sempre atentos a eles. Desse constante observar vem uma maravilhosa clareza e sensibilidade, uma extraordinária conservação da energia; e nós necessitamos de uma imensa energia, porque toda ação é energia, a própria vida é energia. Quando estamos aflitos, ansiosos, a disputar, a ter ciúmes, quando estamos temerosos quando nos sentimos insultados ou lisonjeados — tudo isso é dissipação de energia. Dissipação de energia é também estarmos doentes física ou espiritualmente. Tudo o que fazemos, pensamos e sentimos constitui um derrame de energia. Ora, ou devemos compreender a dissipação de energia, pois em virtude dessa compreensão há um natural ajuntamento de toda a nossa energia; ou passaremos nossa vida a lutar para conciliar as múltiplas e contraditórias manifestações da energia, contando que da periferia poderemos alcançar a essência.

A essência da religião é o Sagrado — que nenhuma relação tem com as organizações religiosas, nem com a mente que está senhoreada e condicionada por uma crença, um dogma. Para essa mente, nada há de sagrado senão o Deus que ela própria criou, ou o ritual que elaborou, ou as várias sensações que lhe vêm do orar, do adorar, da devoção. Mas, essas coisas não são sagradas, absolutamente. Nada há de sagrado no dogmatismo, no ritualismo, no sentimentalismo ou no emocionalismo. O Sagrado é a essência mesma da mente religiosa; é o que vamos investigar nesta manhã. Não nos interessa nada do que se supõe sagrado — o símbolo, a palavra, a pessoa, o retrato, uma dada experiência — que são puras infantilidades; o que nos interessa é a essência. Isso requer, da parte de cada um de nós, uma compreensão nascida do percebimento, em primeiro lugar, das coisas exteriores. A mente não pode ser levada pela maré do percebimento interior, sem primeiro estar cônscia do comportamento exterior, dos gestos externos, dos costumes, das formas, do tamanho e da cor de uma árvore, da aparência de uma pessoa, de uma casa. É a mesma maré que “sai” e que “entra”, e a menos que vocês conheçam a “maré externa”, nunca saberão o que é a “maré interna”.

(...) Quando há o percebimento interior de cada atividade do espírito e do corpo de vocês;  quando estão cônscios de seus pensamentos, seus sentimentos, tanto secretos como patentes, tanto conscientes como inconscientes, então, desse percebimento vem uma clareza que não é provocada, criada pela mente. E, sem essa clareza, podem fazer o que quiserem, rebuscar céus, terras e abismos, nunca descobrirão o verdadeiro.

Assim, o homem que deseja descobrir o verdadeiro necessita da sensibilidade do percebimento — o que não significa que ele deve exercitar-se nessa percepção. Isso só conduz ao hábito — hábito sexual, hábito de beber, hábito de fumar, qualquer hábito — torna a mente insensível; e a mente insensível, além de dissipar energia, torna-se embotada. A mente embotada, superficial, condicionada, a mente vulgar, pode tomar uma droga e, por um segundo, ter uma experiência maravilhosa; mas continua a ser uma mente vulgar. Mas, aqui não estamos querendo descobrir um método para colocar fim à  vulgaridade da mente.

Não se põe fim à vulgaridade da mente pela obtenção de mais conhecimentos, mais erudição, pelo ouvir música sublime, pelo visitar lugares pitorescos do mundo, etc., etc.; a cessação da vulgaridade nada tem a ver com isso. O que faz cessar a vulgaridade e a claridade do autoconhecimento, o movimento da mente livre de restrições; só essa é a mente religiosa.

A essência da religião é o Sagrado. Mas o sagrado não se encontra em nenhuma igreja, em nenhum templo, nenhuma mesquita, nenhuma imagem. Estou falando sobre a essência, e não a respeito das coisas que chamamos sagradas. E, ao compreender-se essa essência da religião — o Sagrado — tem a vida então um significado inteiramente diferente; tudo então tem beleza, e a Beleza é o Sagrado. Beleza não é aquilo que nos dá estímulo. Ao verem uma montanha, um edifício, um rio, um vale, uma flor, ou um rosto, vocês dizem que essa coisa é bela, porque por ela se sentem estimulados. Mas a beleza a que me refiro nenhum estímulo oferece. Não é beleza que se pode encontrar em algum quadro, em algum símbolo, algumas palavras, alguma música. Essa beleza é o Sagrado, a essência da mente religiosa, da mente esclarecida pelo autoconhecimento. Encontramo-nos com essa Beleza, não pelo desejar, pelo aspirar a tal experiência, porém, somente quando terminou todo desejo de experiência; esta é uma das coisas mais difíceis de compreender.

Como já assinalei, a mente que está em busca de experiência está sempre a mover-se na periferia, e a tradução de cada experiência dependerá do particular condicionamento de vocês. Se são cristãos, budistas, muçulmanos, hinduístas, ou comunistas — o que quer que sejam — suas experiências, obviamente, serão condicionadas conforme o fundo mental de vocês; e quanto mais desejarem experiências, mais fortaleceram esse fundo. Esse processo não é um meio de dissolver nem de terminar o sofrimento, porém, apenas, uma fuga ao sofrimento. A mente esclarecida pelo autoconhecimento, a mente que é a verdadeira essência da clareza e da luz, de nenhuma experiência necessita. Ela é o que é.

A clareza, pois, vem do autoconhecimento e não da instrução ministrada por outro, seja um talentoso escritor, seja um psicólogo, um filósofo, um pretenso instrutor religioso.

Jiddu Krishnamurti — O descobrimento do amor   

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill