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sábado, 25 de outubro de 2014

Por que minha vida é insignificante?

"Minha vida é insignificante — suponhamos — e trato, pois de dar-lhe significação. Pergunto: “Qual é a finalidade da vida?” — porque, se a vida tem alguma finalidade, poderei então viver em harmonia com essa finalidade. E, assim, invento ou imagino uma finalidade, ou, pela leitura, pela investigação, pela busca, encontro uma finalidade; estou, por conseguinte, dando significação à vida. Como o intelectual, à sua maneira, dá significação à vida, negando ou afirmando que ela tem finalidade e um significado, nós também atribuímos significação à vida por meio de nossos ideais, da busca de um alvo, de Deus, de Amor, da Verdade. E isso, com efeito, significa que, se não damos significação à vida, nossa existência não terá para nós importância alguma. O viver não nos parece tão bom como desejaríamos que fosse, e por isso desejamos dar significação à vida. Não sei se estais percebendo isto.”

“Qual é a significação de nossa vida, da vossa e da minha, independentemente dos filósofos? Ela tem alguma significação, ou lhe estamos dando significação pela crença, tal como faz o intelectual que se torna católico, isto ou aquilo, encontrando assim um abrigo? Como seu intelecto reduziu tudo a cacos, ele se vê agora sozinho, desamparado, etc., e não podendo suportar tal estado, necessita de uma crença, no catolicismo, no comunismo, em qualquer coisa que lhe dê alento e dê significação à sua vida.”

“Agora, pergunto a mim, mesmo: Por que razão queremos uma finalidade? E que significa viver sem finalidade alguma? Compreendeis? Sendo a nossa vida vazia, atribulada, triste, precisamos dar-lhe uma significação. E há possibilidade de ficarmos cônscios de nosso vazio, nossa solidão, nossos sofrimentos, todas as tribulações e conflitos de nossa existência, sem darmos, artificialmente, um significado à vida? Podemos estar cônscios dessa coisa extraordinária que chamamos a vida — que significa ganhar o próprio sustento, que significa inveja, ambições e desenganos — estar cônscios, simplesmente, de tudo isso, sem condenação ou justificação, e passar além? A mim me parece que, enquanto estivermos procurando ou dando uma significação à vida, estaremos perdendo algo de extraordinariamente vital. O mesmo acontece com o homem que quer achar a significação da morte e está constantemente empenhado em racionalizá-la, explicá-la, e impedido, assim, de “experimentar” o que é a morte.”

Krishnamurti – 13 de agosto de 1955 – Ojai (Califórnia) U.S.A.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Buscamos satisfação, sem vestígios de insatisfação

A maioria de nós aspira à satisfação de ocupar uma certa posição na sociedade, porque temos medo de ser ninguém. A sociedade é formada de tal maneira, que um cidadão que ocupa uma posição respeitável é tratado com toda a cortesia, enquanto que aquele que não tem posição é tratado a pontapés. Todos, neste mundo, desejam prestígio, prestígio na sociedade, na família, ou à direita de Deus-Padre, mas esse prestígio tem de ser reconhecido por outros, pois, do contrário, não será prestígio. Queremos sempre estar sentados no palanque. Interiormente, somos redemoinhos de aflição e malevolência, e, por conseguinte, ser olhado exteriormente como uma grande figura proporciona uma imensa satisfação. Esse anseio de posição, de prestígio, de poder, de ser reconhecido pela sociedade como pessoa de destaque, representa uma vontade de dominar os outros, e essa vontade de domínio é uma forma de agressão. O santo que busca posição em sua santidade é tão agressivo como as aves que se bicam num aviário. E, qual a causa dessa agressividade? O medo, não? 

O medo é um dos mais formidáveis problemas da vida. A mente que está nas garras do medo vive na confusão, no conflito, e, portanto, tem de ser violenta, tortuosa e agressiva. Não ousa afastar-se de seus próprios padrões de pensamento, e isso gera hipocrisia. Enquanto não nos livrarmos do medo, ainda que galguemos o mais alto cume, ainda que inventemos toda espécie de deuses, ficaremos sempre na escuridão. 

Vivendo numa sociedade tão corrupta e estúpida, em que a educação nos ensina a competir — o que gera medo — vemo-nos oprimidos por temores de toda espécie; e o medo é uma coisa terrível, que torce de deforma, que ensombra os nossos dias. 

Existe o medo físico, mas esse é uma reação herdada do animal. É o medo psicológico que aqui nos interessa, porque, compreendendo os temores psicológicos em nós profundamente enraizados, estaremos aptos a enfrentar o medo animal, ao passo que, se primeiramente nos interessarmos no medo animal, jamais compreenderemos os temores psicológicos. 

Todos nós temos medo de alguma coisa; não existe o medo como abstração, porém o medo só existe em relação com alguma coisa. Sabeis quais são os vossos temores — o medo de perder vosso emprego, de não ter comida ou dinheiro o suficiente; medo do que pensam de vós os vizinhos ou o público, de não serdes um "sucesso", de perderdes vossa posição na sociedade, de serdes desprezado ou ridicularizado; medo da dor e da doença, de serdes dominado por outrem, de não chegardes a conhecer o amor, ou de não serdes amado, de perderdes a vossa esposa ou vossos filhos; medo da morte ou de viver num mundo que é igual à morte, um mundo de tédio infinito; medo de vossa vida não corresponder à imagem que os outros fazem de vós; medo de perderdes a vossa fé — esses e muitos outros e incontáveis temores; conheceis vossos temores pessoais? E que costumais a fazer em relação a eles? Não é verdade que fugis dele ou que inventais ideias e imagens para encobri-los? Mas, fugir do medo é torná-lo maior

Uma das causas principais do medo é que não desejamos encará-los tais como são. Assim, temos de examinar tanto os nossos temores como essa rede de vias de fuga que criamos para nos libertarmos deles. Se a mente, que inclui o cérebro, procura dominar o medo, se procura reprimi-lo, discipliná-lo, controlá-lo, traduzi-lo em coisa diferente, daí resulta atrito e conflito, e esse conflito é desperdício de energia. 

A primeira coisa, portanto, que devemos perguntar a nós mesmos é: "Que é o medo, e como nasce?". Que entendemos pela palavra medo, em si? Estou perguntando a mim mesmo o que é o medo e não de que é que tenho medo. 

Vivo de uma certa maneira; penso conforme um determinado padrão; tenho algumas crenças e dogmas, e não quero que esses padrões de existência sejam perturbados, porque nele tenho as minhas raízes. Não quero que sejam perturbados porque a perturbação produz um estado de desconhecimento de que não gosto. Se sou separado violentamente das coisas que conheço e em que creio, quero estar razoavelmente seguro das coisas que irei encontrar. As células nervosas criaram, pois, um padrão, e essas mesmas células nervosas recusam-se a criar outro padrão, que pode ser incerto. O movimento do certo para o incerto é o que chamo medo. 

(...) Considerai agora vosso medo particular. Olhai-o. Observai vossas reações a ele. Podeis olhá-lo sem nenhum movimento de fuga, de justificação, condenação ou repressão? Podeis olhar aquele medo, sem a palavra que causa medo?

Krishnamurti em, LIBERTE-SE DO PASSADO

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Perca o presente e você viverá no tédio

Osho, eu sinto que a vida é muito chata. O que deveria fazer?

 Brij Mohan, desse jeito você já fez o bastante: você tornou a vida chata — uma grande façanha! A vida é uma tal dança de êxtase e você a reduziu à chatice. Você fez um milagre! O que mais você quer fazer? Você não pode fazer nada maior que isto. Vida, e chata? Você deve ter uma tremenda capacidade de ignorar a vida. 

Outro dia eu estava dizendo a vocês que a ignorância significa a capacidade de ignorar. Você deve estar ignorando os pássaros, as árvores, as flores, as pessoas. De outra maneira, a vida é tão tremendamente bela, tão absurdamente bela, que se você puder vê-la como ela é, você nunca parará de rir. Você dará risadas — pelo menos internamente. 

A vida não é chata, mas a mente é chata. E nós criamos uma tal mente, tão forte, como uma Muralha da China ao nosso redor, que a vida não entra dentro de nós. A mente nos desconecta da vida. Nós nos tornamos isolados, encapsulados, sem janelas. Vivendo atrás de uma parede de prisão você não vê o sol da manhã, você não vê os passarinhos voando, você não vê o céu à noite cheio de estrelas. E, certamente, você começa a achar que a vida é chata. Sua conclusão é errada. Você  está num espaço errado, você está vivendo num contexto errado.

Você deve ser uma pessoa religiosa, Brij Mohan, porque para tornar a vida chata pessoa tem que ser religiosa; tem que ser muito erudita. A pessoa tem que conhecer o Cristianismo, o Hinduísmo, o Islamismo. A pessoa tem que aprender muito dos Vedas, do Corão e da Bíblia. Você deve ser muito bem informado. Um homem que é bem-informado demais, culto demais, cria uma parede de palavras tão grande — palavras fúteis, vazias — em volta dele que se torne incapaz de ver a vida. 

O conhecimento é uma barreira para a vida. 

Ponha de lado seu conhecimento! E então olhe com olhos vazios... e a vida é uma constante surpresa. Eu não estou falando sobre alguma vida divina —a vida ordinária é tão extraordinária. Em pequenos incidentes você vai achar a presença de Deus — uma criança rindo, um cachorro latindo, um pavão dançando. Mas você não pode ver se seus olhos estiverem cobertos de conhecimento. O homem mais pobre do mundo é o homem que vive atrás de uma cortina de conhecimento. Os mais pobres são aqueles que vivem atrás da mente. Os mais ricos são aqueles que abriram as janelas da não-mente e se aproximaram da vida com ela. 

Brij Mohan, essa não é somente sua experiência, você não está sozinho nela. De fato, a maioria das pessoas concordará com você. Eles não encontraram nenhuma surpresa em lugar algum. E em cada momentos existem surpresas e surpresas porque a vida nunca é a mesma; ela está constantemente mudando, ela toma rumos bastante imprevisíveis. Como você pode não se afetar pela sua própria maravilha? A única maneira de permanecer não afetado é se ligar ao seu passado, às suas memórias, à sua mente. Então você não pode ver o que é, você vai perdendo o presente.

Perca o presente e você viverá no tédio. Esteja no presente e você ficará surpreso por não haver nenhum tédio.

OSHO 


quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Mergulhando no poço sem fundo chamado solidão

Acho que a maioria de nós sabe o que é solidão. Conhecemos esse estado em que todos os laços de relação foram cortados, em que não há senso do futuro nem do passado, em que prevalece um completo sentimento de isolamento. Vocês podem se achar no meio de uma multidão, num ônibus superlotado, ou estar sentado ao lado de um amigo, do marido ou da esposa, e eis que subitamente lhes assalta essa onda, esse sentimento de vácuo, vazio, de um abismo. E a reação instintiva é fugir. Assim, tratam de ligar o rádio, de tagarelar, de ingressar em alguma associação, ou de pregar Deus, a verdade, o amor, etc. O meio de fuga de vocês pode ser Deus ou pode ser o cinema; todos os meios de fuga são idênticos. E a reação é de medo a esse sentimento de total isolamento e, por conseguinte, a fuga. Vocês conhecem todos os meios de fuga: o nacionalismo, a pátria, os filhos, o nome, a propriedade, — e por todas essas coisas vocês estão dispostos a lutar e a morrer. 

Ora, se se reconhece que todos os meios de fuga são iguais, e se percebe realmente a significação de um dado meio de fuga, pode-se ainda fugir? Ou não há mais fuga? E, se não estão fugindo, há ainda conflito? Estão me seguindo? É a fuga ao que é, o esforço para alcançar uma coisa diferente do que é, que cria o conflito. Assim, para que a mente possa transcender esse sentimento de solidão, essa súbita cessação da lembrança de todas as relações, as quais envolvem ciúme, inveja, ânsia de aquisição, esforço para ser virtuoso etc. — primeiro ela tem de enfrentá-lo, passar por ele, de modo que o medo em todas as suas formas se definhe até desaparecer de todo. Dessa forma, pode a mente perceber, um dado meio de fuga, a futilidade de todas as fugas? Não há então conflito, há? Porque já não há nenhum observador da solidão: só há o experimentar dela. Estão seguindo? Essa solidão é o cessar de todas as relações; as ideias já não tem importância; o pensamento perdeu toda a valia. Estou descrevendo as coisas, mas não se limitem a ouvir, pois, assim, ao saírem daqui, levarão somente cinzas. Afinal de contas, estas nossas investigações têm por fim liberar-nos de todas essas terríveis complicações, dar-nos na vida algo mais do que apenas conflito, medo, fadigas e tédio. 

Onde não existe o medo, está a beleza — não a beleza de que falam os poetas, aquela que os artistas pintam, etc., porém, coisa bem diferente. E para descobrir a beleza, um homem terá de conhecer esse isolamento completo — ou, melhor, não terá de conhecê-lo, pois ele já existe. Vocês fugiram dele, mas ele continua existente e lhes segue para sempre. Ele lá está, no coração e na mente, nos mais profundos recessos do ser de vocês. Vocês o encobriram, fugiram dele; mas ele continua existente. E a mente tem de passar por ele, como quem se submete à purificação pelo fogo. Ora, pode a mente passar por ele sem reação, sem dizer que é um estado horrível? No momento em que há reação, torna-se existente o conflito. Se vocês o aceitam, continuarão debaixo de seu peso; e se o rejeitam, tornarão a encontrá-lo na primeira curva do caminho. A mente, pois, tem de passar por ele. Estão me acompanhando? A mente é então aquela solidão, não precisa de passar por ela; ela é a solidão. Quando vocês pensam em termos de "passar por uma coisa" para alcançar outra, já estão em conflito. No momento em que dizem: : "De que maneira devo passar pela solidão, de que maneira devo olhá-la?" — nesse momento já se acham de novo em conflito. 

Existe, pois, uma solidão extraordinária que nenhum Mestre, nenhum guru ou ideia, nenhuma atividade poderá afastar de vocês. Já andaram "mexendo" com essas coisas, já se entretiveram com todas elas; mas elas não podem preencher esse vazio; ele é um abismo sem fundo. Mas deixa de ser esse "abismo sem fundo" no momento em que o experimentam. Compreendem?

Para que a mente possa ficar inteiramente livre do conflito, total e completamente livre de apreensão, medo e ansiedade, torna-se necessário o experimentar desse extraordinário sentimento de não relação com alguma coisa; daí provem o sentimento de solidão. Não imaginem que já o possuem; isso é muito difícil. Só quando temos esse sentimento de solidão em que não há medo é que existe o movimento para o imensurável; porque então não há ilusão, não há fabricante de ilusão, não há o poder de criar ilusão. Enquanto existe conflito, existe o poder de criar ilusão; e com a total cessação do conflito, o temor deixa de existir completamente, e, portanto, não há mais o buscar. 

(...) A mente que passou por essa extraordinária revolução pode enfrentar todo ou qualquer problema, sem que nenhum problema deixe marca nem raízes. Desapareceu, então, todo o sentimento de medo.

Krishnamurti em, O PASSO DECISIVO

quarta-feira, 12 de março de 2014

Só a tristeza lhe dá profundidade, o riso é superficial


Pergunta: Em algum ponto existe um medo que me faz ficar fechado, duro, triste, desesperado, com raiva e impotente. Parece ser tão sutil que eu não consigo nem entrar em contato realmente com ele. Como posso vê-lo com mais clareza?
O único problema em relação à tristeza, ao desespero, à raiva, à impotência, à ansiedade, à angústia, à miséria, é que você quer se livrar deles. Essa é a única barreira.

Você tem que conviver com eles. Não pode simplesmente fugir. É nessas situações que a vida se integra e cresce. São os desafios da vida. Aceite-os. São bênçãos disfarçadas. Quando você quer fugir deles, quando quer de alguma maneira evitá-los, é que o problema surge — pois quando se quer fugir de alguma coisa, nunca se olha diretamente. E a coisa começa a se esconder, porque você a condena; a coisa vai entrando cada vez mais no inconsciente, escondendo-se nos cantos escuros do seu ser, onde você não pode encontrá-la. Move-se para os alicerces do seu ser e ali se esconde. E é claro, quanto mais fundo for, mais problemas causará — porque então começarão a agir a partir de cantos desconhecidos do seu ser e você ficará completamente desamparado.

Portanto, a primeira coisa é: jamais reprima. Esta é a primeira coisa: seja o que for que esteja acontecendo, está acontecendo. Aceite e deixe acontecer — deixe que venha à tona. Na verdade, dizer apenas 'não reprima' não é suficiente. Se você me der permissão, gostaria de lhe dizer: "Acolha tudo como a um amigo". Está se sentindo triste? Permita. Sinta compaixão por isso. A tristeza também tem um ser. Permita-a, abrace-a, sente-se com ela, dê-lhe a mão. Seja amigável. Goste dela. A tristeza é bonita! Não há nada de errado com ela. Quem lhe disse que é errado sentir-se triste? Na verdade, só a tristeza lhe dá profundidade. O riso é superficial, a tristeza é profunda. A tristeza chega até os ossos, até a medula. Nada vai mais fundo que ela.

Portanto, não se preocupe. Fique com a tristeza e ela o levará ao seu centro mais profundo. Você poderá conviver com ela e conhecer algumas coisas novas novas sobre o seu ser as quais nunca conheceu. Essas coisas só podem ser reveladas num estado de tristeza, nunca num estado de felicidade. A escuridão também é boa, também é divina. Não só o dia é de Deus, a noite também é. Chamo a isto de atitude religiosa.[...] Deixe que as coisas sejam como elas são. Isto é coragem religiosa permitir que sejam como são. [...]

Um homem que jamais se entristece não pode ser realmente feliz. É impossível que ele seja feliz. Sua felicidade será apenas um gesto forçado — vazio e impotente. Você pode ver isso no rosto das pessoas quando elas riem: o riso é superficial, está só nos lábios. Não tem relacionamento com o coração, está totalmente desligado.

É exatamente como um — os lábios parecem vermelhos e rosados mas essa cor não vem do vermelho do sangue. É bom que os lábios sejam vermelhos, mas quando a cor vem da vitalidade, das células sanguíneas, da sua energia, da juventude. Não, você pinta os lábios — eles parecem vermelhos mas são feios. O batom é feio. E você verá que só as mulheres feias usam batom. Por que as belas precisariam usá-lo? É absurdo. Se os seus lábios são vermelhos, vitais, para que pintá-los? Assim os tornará feios.

A sua felicidade também é como batom. Você não está feliz e sabe que não está, mas não pode aceitar o fato porque isso abalaria o seu ego. Você não é feliz? Como aceitar isso? Talvez não esteja feliz interiormente, mas isso é problema seu; não precisa expressar, não tem que dizer a verdade. Para o mundo, você tem que manter uma aparência, uma personalidade. Por isso continua rindo. Observe o riso das pessoas e verá imediatamente qual deles vem do coração. Quando o riso vem do coração você pode imediatamente sentir uma vibração diferente — um extravasamento. Esse homem  está realmente feliz. Quando o riso acontece apenas nos lábios, é vazio. É só um gesto; não há nada por trás. É só uma fachada.

O homem que não pode rir profundamente é aquele que reprime a tristeza — não pode rir de verdade porque tem medo da tristeza. Mesmo que entre profundamente no riso, tem medo de que a tristeza venha à tona, que ele possa borbulhar. Ele tem de estar sempre em guarda.

Portanto, por favor, seja qual for a situação, comece a aceitá-la. Se você está triste, está triste. É isso o que Deus quer para você — pelo menos nesse momento ele quer que você fique triste. Seja verdadeiro... fique triste! Viva essa tristeza. E se conseguir vivê-la surgirá em você uma nova qualidade de felicidade, a qual não será uma repressão da tristeza, a qual estará além da tristeza.

Uma pessoa que consegue se sentir pacientemente triste descobre, de repente, numa manhã, que uma felicidade está surgindo em seu coração a partir de alguma fonte desconhecida. Essa fonte desconhecida é Deus. Você a merecerá se a sua tristeza tiver sido verdadeira; se tiver se sentido verdadeiramente desesperado, desamparado, infeliz, miserável; se tiver vivido no inferno, merecerá o céu. Você pagou o preço justo.

O S H O

O homem está doente de tanto buscar - parte 2


"A busca só existe quando você está dormindo; só existe quando você não está atento; a busca só existe na sua desatenção. A desatenção cria a busca."

Você já perguntou a si mesmo o que está procurando? Já fez disso um ponto de profunda meditação, saber o que está procurando? Não. Mesmo que em alguns vagos momentos, em momentos de sonhos, você tem algum pressentimento do que está buscando, ele nunca é preciso, nunca é exato. Você ainda não o definiu. Se tentar definir, quanto mais definido se tornar, mais você sentirá que há necessidade de buscá-lo. A busca só pode continuar num estado de incerteza, num estado de sonho; quando as coisas não estão claras, você simplesmente continua buscando, empurrado por alguma urgência interna, puxado por alguma necessidade interior. Uma coisa você sabe: precisa buscar. Esta é uma necessidade interior. Mas você não sabe o que está buscando. 

E a menos que saiba o que está buscando, como poderá encontrar? É vago — você pensa que é dinheiro, poder, prestígio, respeitabilidade. Mas então vê as pessoas respeitáveis, poderosas, também procurando.  Vê as pessoas que são tremendamente ricas — elas também estão buscando. Até o fim de suas vidas, estão buscando. A riqueza então não vai adiantar, o poder não vai adiantar. A busca continua a despeito do que você tem. 

A busca tem que ser por alguma outra coisa. Esses nomes, esses rótulos — dinheiro, poder, prestígio — são só para satisfazer a sua mente. Só são para ajudá-lo a sentir que está buscando por alguma coisa. Essa coisa é indefinida, um sentimento muito vago. 

A primeira coisa para um buscador real, para o buscador que quer tornar-se um pouco alerta, atento, é definir a busca; formular o conceito claro do que ela é; trazê-la para fora da consciência sonhadora; encontrá-la num profundo estado de alerta; olhá-la diretamente; encará-la. Imediatamente começa a acontecer uma transformação. Se você começar a definir a sua busca, começará a perder o interesse por ela. Quanto mais definida ela se tornar, menos existirá. Quando o que ela é tornar-se claramente conhecido, ela desaparece subitamente. Só existe quando você não está atento. 

Deixe-me repetir: a busca só existe quando você está dormindo; só existe quando você não está atento; a busca só existe na sua desatenção. A desatenção cria a busca.[...]

Nossos sentidos são extrovertidos. Os olhos abrem-se para fora, as mãos movem-se, espalmam-se para fora, as pernas movem-se para fora, os ouvidos ouvem os barulhos, os sons exteriores. Tudo o que está disponível a você abre-se para o exterior; todos os cinco sentidos movem-se extrovertidamente. Você começa a buscar lá onde você vê, sente, toca — a luz dos sentidos incide no exterior. E o buscador está dentro. 

Esta dicotomia precisa ser entendida. O buscador está dentro, mas como a luz está fora, o buscador começa a mover-se de uma maneira ambiciosa, tentando encontrar alguma coisa fora que o satisfaça. 

Isso nunca irá acontecer. Nunca aconteceu. Não pode acontecer pela própria natureza das coisas — porque, a menos que você tenha buscado o buscador, toda a sua busca será insignificante. A menos que você venha a saber quem você é, tudo o que buscar será fútil, pois você não conhece aquele que busca. Sem conhecer o buscador, como poderá se mover na dimensão certa, na direção certa? É impossível. As primeiras coisas devem ser consideradas antes. 

Portanto, estas duas coisas são muito importantes: primeiro, deixe absolutamente claro para si mesmo qual é o seu objetivo. Não fique tateando na escuridão. Enfoque a sua atenção no objeto — o que você realmente está buscando. Porque às vezes você quer uma coisa e sai buscando alguma outra; assim, mesmo que seja bem-sucedido, não conseguirá ficar satisfeito. Você já viu as pessoas bem-sucedidas? Pode encontrar maiores fracassados em algum outro lugar? Você já ouviu o provérbio que nada é mais bem-sucedido do que o sucesso. Está absolutamente errado. Gostaria de lhe dizer: nada fracassa mais do que o sucesso. O provérbio deve ter sido inventado por pessoas estúpidas.[...]

Um homem bem sucedido é sempre atirado para si mesmo no final, e então sofre as torturas do inferno, porque desperdiçou toda a sua vida. Buscou e buscou, arriscou tudo o que tinha, obteve sucesso — e agora seu coração está vazio e sua alma insignificante, sem fragrância, sem bênção.

Portanto, a primeira coisa é saber exatamente o que você está buscando. Insisto nisso porque quanto mais você focar seus olhos no objeto da sua busca, mais ele começará a desaparecer. Quando seus olhos estão absolutamente fixos, subitamente não há nada a buscar; imediatamente seus olhos começam a voltar-se para você mesmo. Quando não há objeto de busca, quando todos os objetos desapareceram, há o vazio. E nesse vazio acontece a conversão, a volta. De repente, você começa a olhar para si mesmo. Não há nada a procurar e um novo desejo surge em conhecer o buscador. 

Se existe algo a ser buscado, você é um homem mundano; se não há nada a buscar, e a questão "Quem é este buscador?" tornou-se importante para você mesmo, então você é um homem religioso. É assim que defino o mundano do religioso. 

Se você ainda está buscando alguma coisa — talvez na outra vida, na outra margem, no céu, no paraíso, no moksha, não faz nenhuma diferença — você ainda é um homem mundano. Se toda a busca cessou e subitamente você percebeu que agora só há uma coisa para conhecer — "Quem é este buscador em mim? O que é esta energia que quer buscar? Quem sou eu?" —, há então uma transformação. De repente, todos os valores mudam. Você começa a mover-se para dentro.

O S H O

O homem está doente de tanto buscar - parte 1


"Você busca neste mundo, busca no outro mundo; às vezes busca no dinheiro, no poder, no prestígio, e às vezes busca em Deus, na graça, no amor, na meditação, na prece, mas a busca continua. Parece que o homem está doente com a busca."


A vida é uma busca, uma busca constante, uma busca desesperada, uma busca sem esperança... uma busca por algo que não se sabe o que é. Há uma profunda urgência em busca, mas não se sabe o que se está buscando.

E há um certo estado de mente no qual seja o que você consiga acaba não lhe dando nenhuma satisfação. A frustração parece ser o destino da humanidade, pois tudo o que se consegue torna-se insignificante no momento em que você consegue. Você começa de novo a buscar.

A busca continua, consiga você alguma coisa ou não. Parece irrelevante o que você consegue e o que não consegue — de qualquer maneira a busca continua. O pobre está buscando, o rico está buscando, o doente está buscando, o são está buscando, o poderoso está buscando, o fraco está buscando, o estúpido está buscando, o sábio está buscando e ninguém sabe exatamente o quê.

A busca — o que é e por que existe — tem que ser entendida. Parece que há um hiato no ser humano, na mente humana; na própria estrutura da consciência humana parece haver um buraco, um buraco negro. Você vai jogando coisa dentro dele e elas vão desaparecendo. Nada parece enche-lo, nada parece ajudar a preenchê-lo. É uma busca febril. Você busca neste mundo, busca no outro mundo; às vezes busca no dinheiro, no poder, no prestígio, e às vezes busca em Deus, na graça, no amor, na meditação, na prece, mas a busca continua. Parece que o homem está doente com a busca.

A busca não permite que você esteja aqui e agora porque ela sempre o leva para algum outro lugar. A busca é uma projeção, é um desejo: em algum outro lugar está o que se precisa; existe, mas em algum outro lugar, não aqui onde você está. Certamente existe, mas não neste momento, não agora, mas em outro lugar qualquer. Existe no depois, lá, nunca aqui e agora. Isso vai importunando-o, vai empurrando-o, puxando-o, atirando-o para uma loucura cada vez maior; deixa-o louco e jamais satisfeito.

O S H O  

domingo, 9 de março de 2014

A natureza interior do descontentamento


Jovem ou idoso, muitos de nós estamos descontentes apenas porque desejamos alguma coisa: mais conhecimento, um emprego melhor, um carro mais novo, um salário maior. Nosso descontentamento baseia-se no desejo "de ter mais". É somente porque desejamos algo mais que nos sentimos descontentes. Mas não estou falando sobre esse tipo de descontentamento. 

Pergunta: O descontentamento impede o pensamento claro. Como superar esse obstáculo?

Krishnamurti: Acho que você não me ouviu; provavelmente estava preocupado com sua pergunta, em como iria formulá-la. Isso é o que todos vocês estão fazendo, de maneiras diferentes. Cada um tem sua própria preocupação, e se o que eu disse não é o que gostariam de ouvir, deixam-no de lado, porque a mente de vocês está ocupada com seus problemas. Se quem fez a pergunta tivesse ouvido o que eu falei, se tivesse realmente sentido a natureza interior do descontentamento, da alegria, de ser criativo, acho que não teria feito essa pergunta.

O descontentamento impede o pensamento claro? E o que é o pensamento claro? É possível pensar com clareza se desejam conseguir alguma coisa com seu pensamento? Se sua mente está preocupada com um resultado, poderão pensar com clareza? Ou só conseguem pensar muito claramente quando não estão buscando um fim, um resultado, sem tentar ganhar algo?

E vocês conseguem pensar com clareza se se agarrarem a um preconceito, a uma crença particular — isto é, se pensarem como um hindu, um comunista ou um cristão? Certamente poderão pensar claramente apenas quando a mente não estiver acorrentada a uma ideologia — como um macaco preso a uma estaca; podem pensar muito claramente apenas quando não estão buscando resultado; podem pensar com clareza somente quando não têm preconceitos. O que tudo isso significa, na verdade, é que vocês podem pensar com clareza, simples e diretamente, quando a mente não estiver mais buscando qualquer forma de segurança; estando, portanto, livre do medo.

Então, de alguma maneira, o descontentamento impede o pensamento claro. Quando, por meio do descontentamento, vocês procuram um resultado, ou quando buscam minimizar o descontentamento, porque a mente detesta ficar perturbada e tenta a todo custo ficar calma, pacífica, então o pensamento claro não é possível. Mas, se estiverem descontentes com tudo — com seus preconceitos, suas crenças e seus medos — e não estiverem desejando um resultado, então esse mesmo descontentamento dará foco aos seus pensamentos ( não sobre um objeto em particular, ou qualquer direção específica), e todo o processo do pensamento se tornará bem simples, direto e claro.

Jovem ou idoso, muitos de nós estamos descontentes apenas porque desejamos alguma coisa: mais conhecimento, um emprego melhor, um carro mais novo, um salário maior. Nosso descontentamento baseia-se no desejo "de ter mais". É somente porque desejamos algo mais que nos sentimos descontentes. Mas não estou falando sobre esse tipo de descontentamento. É o desejo pelo "mais" que impede o pensamento claro. Se estamos descontentes não por desejarmos alguma coisa, mas por não saber o que desejamos; se estamos insatisfeitos com nosso emprego, com o dinheiro que temos, com a busca por status e poder, com a tradição, com o que temos e com o que deveríamos ter; se estamos insatisfeitos não com algo em particular, mas com tudo, então penso que esse nosso descontentamento trará clareza. Quando não aceitamos ou seguimos, mas questionamos, investigamos, aprofundamos, ocorre um insight do qual brota a criatividade, a satisfação.

Krishnamurti — Pense nisso

Insatisfação criadora


Ninguém deseja se revelar; estamos todos em guarda, escondendo-nos por trás de várias camadas de angústia, sofrimento, anseios, esperança, e são bem poucos os que podem olhar vocês diretamente no rosto e sorrir.

Já se sentaram em completo silêncio sem se mexer? Tentem, sentem-se com as costas retas e observem o que a mente faz. Não tentem controlá-la, não digam que ela não deve pular de um pensamento para outro,   de um interesse para outro, mas somente conscientizem-se de como a mente vagueia. Não façam nada a respeito, mas observem como se estivessem na margem de um rio olhando a água passar. Nela há muita coisa — peixes, folhas, animais mortos —, mas está sempre viva, em movimento, e a mente é idêntica. É uma inquietação incessante, pulando de um ponto para outro como uma borboleta.

Quando vocês ouvem uma música, como agem? Podem gostar da pessoa que está cantando, ela pode ter um rosto bonito, e vocês podem acompanhar o significado da letra; porém, por trás de tudo isso, quando ouvem a música, estão ouvindo os tons e o silêncio entre eles, não é? Da mesma maneira, sentem-se em silêncio, sem ficar irrequietos, sem mover as mãos ou até mesmo os dedos dos pés, e simplesmente observem a mente. É divertido. Se tentarem como algo divertido, verão que a mente começa a se estabilizar sem que você se esforce para controlá-la. Não existe um censor, juiz ou avaliador, e quando a mente fica assim tranquila por si só, espontaneamente estabilizada, descobriremos o que é ser alegre. Sabem o que é a alegria? É rir, se deliciar com algo ou por algo, provar da satisfação de viver, sorrir, olhar direto no rosto do outro sem qualquer sensação de medo.

Já olharam realmente o rosto de alguém? Já olharam o rosto do professor, dos pais, do superior, do empregado, do pobre trabalhador braçal e viram o que acontece? A  maioria de nós teme olhar diretamente o rosto do outro, e os outros não desejam que os encaremos dessa maneira porque também estão assustados. Ninguém deseja se revelar; estamos todos em guarda, escondendo-nos por trás de várias camadas de angústia, sofrimento, anseios, esperança, e são bem poucos os que podem olhar vocês diretamente no rosto e sorrir. E é muito importante sorrir, ser feliz, porque sem uma canção no coração, a vida se torna insípida. Pode-se ir de um templo a outro, trocar de marido ou de esposa, ou encontrar um novo professor ou guru, mas se não houver alegria interna a vida terá pouco significado. E descobrir a satisfação interna não é fácil, porque a maioria de nós está apenas superficialmente descontente.

Sabem o que significa estar descontente? É muito difícil compreender o descontentamento porque a maioria de nós canaliza esse sentimento em uma certa direção, ocultando-o. A única preocupação que temos é nos estabelecermos em uma posição segura, com interesses e prestígios bem estabelecidos, para não sermos perturbados. Acontece nos lares e também nas escolas. Os professores não querem ser perturbados e por isso seguem a velha rotina. Porque, no momento que alguém se sentir realmente descontente e começar a inquirir, questionar, haverá distúrbios. E somente por intermédio do verdadeiro descontentamento é que surge a iniciativa.

Sabem o que é iniciativa? Vocês têm iniciativa quando iniciam ou começam algo sem serem acionados. Não é preciso algo muito grande ou extraordinário — isso pode surgir mais tarde; mas existe a centelha da iniciativa quando você planta uma árvore sem ser solicitado, quando é espontaneamente gentil, quando sorri para um homem que está carregando algo pesado, quando tira uma pedra do caminho ou afaga um animal na rua. Esse é um pequeno início de uma tremenda iniciativa que vocês devem ter se desejam conhecer essa coisa maravilhosa chamada criatividade. Ela possui suas raízes na iniciativa que acontece somente quando existe um profundo descontentamento.

Não tenham receio do descontentamento, podem nutri-lo até que a centelha se torne uma chama e vocês permaneçam descontentes com tudo — o emprego, a família, a busca tradicional por dinheiro, posição, poder —, para que realmente comecem a pensar, descobrir. E quando estiverem mais velhos descobrirão que manter o espírito de descontentamento é muito difícil. Terão filhos para cuidar e deverão considerar as exigências em seus empregos, a opinião dos vizinhos, da sociedade fechando-se sobre vocês, e logo começarão a perder a chama do descontentamento. Quando se sentem descontentes, vocês ligam o rádio, vão a um guru, fazem um puja, vão ao clube, bebem, saem em busca de mulheres — qualquer coisa para encobrir a chama. Mas, observem, sem a chama do descontentamento nunca terão iniciativa, que é o início da  criatividade. Para descobrir o que é verdadeiro vocês precisam se revoltar contra a ordem estabelecida, e quanto mais dinheiro seus pais tiverem e mais seguros os professores estiverem em seus empregos, menos eles desejarão se revoltar.

A criatividade não é apenas uma questão de pintar quadros ou escrever poemas — o que também é bom, mas pouca valia. O importante é estar totalmente descontente, pois esse é o início da iniciativa, que se torna criatividade quando amadurece. E esse é o único caminho para descobrir o que é verdadeiro, o que é Deus, porque o estado criativo é Deus.

Por isso é preciso haver o total descontentamento — mas com alegria. Compreenderam? É preciso estar totalmente descontente, mas não para resmungar, e sim agir com alegria, leveza, com amor. A maioria das pessoas que está descontente é terrivelmente aborrecia; está sempre se queixando que algo não está certo, ou desejando estar em uma posição melhor, ou buscando circunstâncias para ser diferente porque seu descontentamento é bem superficial. E aqueles que não estão descontentes já estão mortos.

Se puderem se rebelar ainda jovens, e enquanto amadurecerem mantiverem o descontentamento vivo com a energia da satisfação e do grande afeto, então a chama terá um significado extraordinário, porque ela construirá, criará, montará coisas novas. Para isso é preciso receber a educação correta, que não é do tipo que apenas os prepara para conseguir um emprego, ou subir a ladeira do sucesso, mas a que os ajuda a pensar e ceder o espaço — não o de um quarto maior, ou um telhado mais elevado, mas para a mente crescer e não ficar limitada por qualquer crença ou medo.


Krishnamurti – Pense nisso

quinta-feira, 6 de março de 2014

O "outro estado" além da monotonia da vida

Penso que a maioria de nós acha a vida muito insípida. Para ganharmos sustento, precisamos exercer uma certa profissão, e esta se torna muito monótona; começa-se uma rotina, que temos de seguir, ano por ano, até morrer. Ricos ou pobres, e ainda que sejamos muito eruditos ou dotados de espírito filosófico, nossas vidas são em geral superficiais, vazias. Há evidentemente uma insuficiência em nós mesmos, e ao nos tornarmos cônscios desse vazio procuramos preenchê-lo com conhecimentos, com alguma espécie de atividade social, ou nos refugiamos em divertimentos de toda ordem, ou apegamo-nos a alguma crença religiosa. Ainda que tenhamos uma certa capacidade e sejamos muito eficientes, nossas vidas são, ainda assim, insípidas e, para nos livrarmos dessa insipidez, dessa cansativa monotonia da vida, buscamos uma certa forma de enriquecimento religioso, tentamos conquistar "aquele estado de ser" extra-mundano que não é uma rotina e que, por enquanto, pode ser chamado "o outro estado". Em nossa busca desse "outro estado", encontramos muitos sistemas diferentes, diferentes caminhos que se supõe conduzirem a ele; e, assim, pelo disciplinamento de nós mesmos, pela prática de determinado sistema de meditação, pela observância de certo ritual ou a repetição de certas frases, esperamos alcançar aquele estado. Sendo a nossa vida um ciclo interminável de dores e prazeres, de variadas experiências sem muita significação ou mera repetição, sem sentido algum, de uma mesma experiência — o viver constitui para a maioria de nós uma monótona rotina. Por esta razão, o problema de nosso enriquecimento interior, da conquista do "outro estado" — chame-o Deus, Verdade, bem-aventurança ou como você quiser — se torna muito urgente, não é verdade? Você pode estar bem de vida, bem casado, ter filhos, você pode pensar inteligente e equilibradamente, entretanto, sem aquele estado, a vida se torna horrivelmente vazia. 

Que se deve fazer? Como conquistar aquele estado? Ou é completamente impossível conquistá-lo? A nossa mente, como hoje está constituída, é sem dúvida muito insignificante, limitada, condicionada; e embora uma mente limitada possa especular a respeito do "outro estado", suas conjecturas serão sempre limitadas. Ela poderá formular um estado ideal, conceber e descrever aquele outro estado, mas as suas concepções permanecem dentro de suas estreitas limitações, e penso que aí é que se encontra o fio da meada: no perceber que a mente não pode, em circunstância alguma, experimentar, viver aquele outro estado, se se limita a formulá-lo ou a especular a seu respeito. Não há dúvida de que esta é uma descoberta extraordinária: o perceber que, sendo a mente limitada, pequena, estreita, superficial, todo movimento que faça para alcançar aquele estado extraordinário, constitui um empecilho. O descobrimento deste fato, não especulativamente porém REALMENTE, é o começo de uma maneira nova de considerar o problema.

Nossas mentes, em verdade, são produto do tempo, de muitos milhares de dias passados, resultado da experiência baseada no "conhecido". A mente de cada um de nós é resultado da cultura, educação, e por mais extenso que seja o seu saber ou preparo técnico, ela é sempre produto do tempo; por conseguinte, é limitada, condicionada. Com esta mente, queremos descobrir o incognoscível; e compreender que essa mente nunca poderá descobrir o incognoscível, constitui uma experiência verdadeiramente extraordinária. Descobrir que a mente de um indivíduo, por mais sagaz, por mais sutil, por mais ilustrada que seja, não pode de modo algum compreender aquele estado — esse descobrimento traz consigo uma certa compreensão "fatual" e acho que este é o começo de uma perspectiva da vida que poderá abrir a porta que conduz  àquele outro estado. 

Expressando o problema de maneira diferente: a mente está sempre e sempre ativa, "tagarelando", planeando, e é capaz de extraordinárias sutilezas e invenções. E de que maneira pode esta mente tornar-se quieta? Vê-se que toda atividade da mente, todo movimento que faça, em qualquer direção, é reação do passado. Como aquietar esta mente? Se a aquietamos por meio da disciplina, sua quietude é um estado em que não há investigação, busca, não é exato? Em tais condições, ela não está aberta para o "desconhecido", o "outro estado".

[...] Disciplina implica, invariavelmente, repressão e o conflito da dualidade — e isso está na esfera da mente — e por esse caminho prosseguimos, esperando captar o "outro estado". Mas nunca indagamos inteligentes e sãmente se nossa mente é capaz de captá-lo. Sugeriu-se-nos que a mente deve estar tranquila, mas a tranquilidade foi sempre cultivada por meio da disciplina. Isto é, temos o ideal de uma mente tranquila, e buscamos realizar este ideal por meio do controle, luta, esforço.

Ora bem, se você considera atentamente esse processo, em sua inteireza, verá que está todo no terreno do conhecido. Cônscia da monotonia da existência, cansada de suas repetidas experiências, empenha-se a mente em conquistar aquele "outro estado". Mas, quando se percebe que a mente é o "conhecido" e que este movimento que faz não a leva ao outro estado, que é "o desconhecido", o nosso problema se resume então, não em como conquistar o desconhecido, mas descobrir se a mente pode libertar-se do "conhecido". Penso que este problema deve ser considerado por todo aquele que deseje descobrir se existe alguma possibilidade de "realizar o outro estado", o desconhecido. Assim sendo, como pode a mente, que é resultado do passado, do conhecido, libertar-se do conhecido? Espero que esteja me fazendo claro.

Como disse, a mente atual — tanto consciente como inconsciente — é produto do passado, resultado acumulado de influências raciais, climáticas, dietéticas, e outras. A mente, portanto, está condicionada, condicionada como cristão, hinduísta, budista, comunista, e é bem óbvio que ela projeta aquilo que considera ser o real. Mas, quer a sua "projeção" seja a do comunista, que julga prever o futuro e quer forçar toda a humanidade a adaptar-se ao padrão de sua Utopia, quer seja a "projeção" do chamado homem religioso, que também julga conhecer o futuro e educa a criança, a pessoa de acordo com o seu ponto de cista particular — nem uma nem outra dessas projeções é o Real. Sem o Real, a vida se torna muito insípida, como é atualmente para a maioria das pessoas. E sendo insípidas as nossas vidas, começamos a tornar-nos românticos e sentimentais, a respeito do outro estado, do Real.

[...] Tudo o que fazemos se baseia em luta, em ambição, sucesso, consecução de objetivos; e por esta razão, pensamos que a "realização" de Deus, ou da Verdade, só se torna possível mediante esforço. Mas esforço denota atividade egocêntrica para alcançar um fim. Não significa abandono do "eu". 

Agora, se você está cônscio de todo esse processo da mente — tanto consciente como inconsciente — se o percebe e compreende realmente, verá a mente tornar-se sobremaneira tranquila, sem esforço algum. A tranquilidade conseguida à força de disciplina, controle, repressão, é a tranquilidade da morte. A tranquilidade a que me refiro se manifesta SEM ESFORÇO ALGUM assim que compreendemos todo esse processo da mente Só então existe a possibilidade de manifestar-se aquele outro estado, que se pode chamar a Verdade, ou Deus.

Krishnamurti — Da solidão à plenitude humana


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Por que observar o tédio, a insatisfação e a solidão?

Quando nos observamos, observamos os seres humanos.
Eu gostaria agora, se me permitem, de abordar o problema de nós mesmos nos observarmos. Quando nos observamos, não estamos nos isolando, ou nos limitando, ou nos tornando centrados em nós mesmos, porque, conforme explicamos, nós somos o mundo e o mundo é nós. Isso é um fato. E quando nós, como seres humanos, examinamos todo o conteúdo da nossa consciência, de nós mesmos, estamos realmente investigando o ser humano como um todo — quer ele viva na Ásia, na Europa ou na América. Então, não se trata de uma atividade autocentrada. Quando nos observamos, não estamos nos tornando egoístas, centrados em nós mesmos, nos tornando cada vez mais neuróticos, desequilibrados; ao contrário, quando nos olhamos, estamos examinando todo o problema humano da desgraça, do conflito, bem como tudo quanto de aterrador o homem produziu para si mesmo e para os outros. Assim, é muito importante compreender este fato: nós somos o mundo e o mundo é nós. Você pode ter maneirismos superficiais, tendências superficiais, mas, na essência, todos os seres humanos, por toda parte deste mundo desafortunado, estão acometidos de angústia, de confusão, de agitação, de violência, de desespero, de agonia. Há então um espaço comum, sobre o qual todos nós nos encontramos. Assim, quando nos observamos, observamos os seres humanos.

Krishnamurti — Saanen, 13 de julho de 1976

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

O aparente fracasso do homem espiritual

Renunciai à vossa pretensa cultura,
E todos os problemas se resolvem.
Oh! Quão pequena parece à diferença entre o sim e o não!
Quão exíguo o critério entre o bem e o mal!
Como é tolo não respeitar o que merece ser respeitado de todos!
Oh solidão que me envolve todo!
Todo o mundo vive em prazeres como se a vida fosse uma festa sem fim,
Como se todos vivessem em perene primavera!
Somente eu estou só... Somente eu não sei o que farei...
Sou como uma criança que desconhece sorriso...
Sou como um foragido sem pátria nem lar...
Todos vivem na abundância, somente eu não tenho nada...
Sou um ingênuo, um tolo. É mesmo para desesperar...
Alegres e sorridentes andam os outros!
Deprimidos acabrunhado ando eu...
Circunspetos é ele, cheios de iniciativas!
Em mim, tudo jaz morto...
Inquieto, como as ondas do mar, assim ando eu pelo mundo...
A vida me lança de cá para lá, como se eu fosse uma folha seca...
A vida dos outros tem um sentido, e eu não tenho uma razão-de-ser....
Somente a minha vida parece vazia e inútil;
Somente eu sou diferente de todos os outros,
..................................................................
E, no entanto - sossega meu coração!
Tu vives no seio da mãe do Universo.

Lao Tsé - Tao Te King

À primeira vista parece estranho esse pessimismo do autor, esse lúgubre desânimo da vida, que lembra os lamentos de Jó. Mas não convém esquecer que todo homem que deixou a sociedade dos profanos tem, de início, a sensação duma solidão imensa, dum saara sem oásis; sente-se exilado, sem pátria nem lar. O homem espiritual se sente desambientado aqui na terra; ninguém o compreende; todos os consideram um estranho, não pertencente ao nosso mundo. O próprio Jesus passou por esses transes: "As raposas têm suas cavernas, as aves têm seus ninhos — o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça". E a seus discípulos diz ele: "Por causa de mim e do Evangelho sereis odiados de todos..." "Bem-aventurados os que choram..."

Ao descer do Tabor, ele exclama: "Ó geração perversa e sem fé! Até quando estarei convosco? Até quando vos suportarei?"

Mas esta aparente solidão e abandono do homem espiritual é a "Comunhão dos antos", a mais bela companhia do Universo, como Lao-Tsé lembra nas últimas linhas. É o total abandono de Jó — que estava na companhia de Deus, no coração do Universo. Abandonado se sente o ego — bem amparado está sempre o EU. "Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?... Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito."

sábado, 28 de setembro de 2013

Por que buscamos, exterior ou interiormente?

K: Buscamos por causa de nosso vazio, dirigimos-nos para o exterior a fim de preenchermos este vazio ou para fugirmos dele. Tal movimento em direção ao exterior, fugindo à pobreza interior, é conceitual, especulativo, dualista. É conflito, e não tem fim. Portanto, não busquemos o exterior!  Mas a energia que se dirigia para o exterior, volta-se da busca exterior para a busca interior; e fica a buscar, a explorar, pedindo uma certa coisa que agora chama "interior". os dois movimentos são essencialmente idênticos. Ambos devem terminar.

P: Você está simplesmente a pedir-nos que nos contentemos com esse vazio? 

K: De modo nenhum.

P: Por conseguinte, o vazio permanece, e uma espécie de perene desespero, que se torna maior ainda, se nem ao menos é permitido buscar!

K: É desespero ver esta verdade que o movimento para fora e para dentro nenhuma significação tem? Isso é contentar-se com O QUE É? É aceitação do vazio? Nada disso. Assim, pois, acabamos com o movimento para fora, com o movimento para dentro, com a aceitação; negamos todo movimento à mente que se vê frente a frente com o vazio. Então a própria mente está vazia, PORQUE O MOVIMENTO É ELA PRÓPRIA. A mente está vazia de todo movimento e, por conseguinte, não existe entidade alguma para iniciar qualquer movimento. Deixemos a mente vazia. Deixemos a mente SER vazia. A mente depurou-se do passado, do futuro e do presente. Depurou-se do "vir a ser", e "vir a ser" é tempo. Portanto, nela não há tempo; nela não há medida. E, ENTÃO, isso é o vazio? 

P: Esse estado aparece e desaparece frequentemente. Ainda que não seja o vazio, decerto não é o êxtase que você fala.

K: Esqueça o que foi dito. Esqueça também que ele aparece e desaparece. Quando ele aparece e desaparece, pertence ao tempo; existe então o observador que diz: "Ei-lo aqui — foi-se". Esse observador é a entidade que mede, compara, avalia; portanto, não é o vazio a que nos referimos. 

P: Você está me anestesiando? — e riu-se. 

K: Quando não há medida nem tempo, existe algum limite ou contorno do vazio? Você pode então chamá-lo de vazio ou nada? Então, tudo existe nele, e nada está contido nele. 

Jiddu Krishnamurti - A outra margem do caminho 




domingo, 11 de agosto de 2013

A transformação do amor está na suprema insatisfação

A transformação não é um resultado final. A transformação não é um resultado. Todo resultado implica resíduo, implica uma causa e um efeito. Onde há causalidade, há necessariamente efeito. O efeito é meramente o resultado de seu desejo de ser transformado. Quando você deseja ser transformado, , ainda está pensando em "vir a ser", nunca pode conhecer o que é o ser. A verdade é o ser, momento por momento; e a felicidade que tem continuidade não é a felicidade. A felicidade é aquele estado que está fora do tempo. Esse estado atemporal só pode manifestar-se quando há extraordinária insatisfação — não a insatisfação que descobriu uma via de fuga, mas a insatisfação que não tem saída alguma, que não tem possibilidade de fuga, que já não busca preenchimento. Só então, em tal estado de suprema insatisfação, pode despontar a Realidade. Essa realidade não pode comprar-se, vender-se, repetir-se, e não pode colher-se nos livros. Ela tem de ser achada momento por momento, no sorriso, na lágrima, sob a folha morta, nos pensamentos erradios, na plenitude do amor. Porque o amor não é diferente da verdade. O amor é aquele estado no qual o processo do pensamento, como tempo, desapareceu de todo. E onde está o amor, há transformação, Sem amor, nada significa a revolução, porque em tal caso a revolução é só destruição, decomposição, desgraça cada vez maior e cada vez mais geral. Onde há amor há revolução, porque o amor é transformação, momento por momento. 

Jiddu Krishnamurti — O que te fará feliz?  

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Por que os seres humanos nunca estão satisfeitos?

Pergunta: Por que nunca estou satisfeita com coisa alguma?

Krishnamurti: É uma menina que está fazendo esta pergunta e estou certo de que não lhe foi “soprada” por outro. Com sua pouca idade, deseja saber por que nunca está satisfeita. E vocês, adultos, que dizem sobre isso? É obra de vocês: criaram este mundo em que uma menina tão pequena pergunta por que nunca está satisfeita com coisa alguma. Vocês são tidos por educadores, mas não veem a tragédia que aí está. Costumam meditar, mas estão embotados, cansados, interiormente mortos.

Por que os seres humanos nunca estão satisfeitos? Não é porque estão em busca da felicidade e porque pensam que, pela constante variação, serão felizes? Passam de um emprego para outro, de um tipo de relação para outro, de uma religião ou ideologia para outra, pensando que, com esse constante movimento de mudança, encontrarão a felicidade; ou ainda, procuram um canto isolado da vida, e aí se deixam estagnar. Ora, por certo, o contentamento é coisa muito diferente. Só se torna existente quando vocês veem a si mesmos, tal como são, sem nenhum desejo de mudança, nenhuma condenação ou comparação — o que não significa aceitar simplesmente o que se vê e se deitar a dormir. Mas, quando a mente já não está comparando, julgando, avaliando e é, portanto, capaz de ver o que é, de instante em instante, sem desejar alterá-lo — nesse próprio percebimento se encontra o Eterno.


Krishnamurti — A Cultura e o Problema Humano 

sexta-feira, 7 de junho de 2013

O “homem da paz” repele toda autoridade

Interpelante: Existe em mim um descontentamento profundo, e estou em busca de alívio. Instrutores, como Sankara e Ramana, recomendaram a submissão a Deus. Recomendaram também o cultivo da virtude e o seguimento do exemplo dos nossos Mestres. Pareceis considerar tudo isso inútil. Tereis a bondade de explicar porquê?

KRISHNAMURTI: Porque estamos descontentes, e que há de mau no descontentamento? Evidentemente, estamos descontentes porque — para dizê-lo com muita simplicidade — queremos ser alguma coisa. Se sou bom pintor, pinto para tornar-me mais famoso; se escrevo um poema, sinto-me insatisfeito por não o achar bom e luto para melhorar a minha capacidade. Se sou dessas pessoas ditas religiosas, também neste terreno quero ser alguma coisa. Sigo o exemplo dos vários santos e desejo alcançar nomeada igual à deles. Desde meninos, nos dizem sempre que devemos ser tão bons ou melhores do que outro. Fui criado na base da comparação, da competição, da ambição e, por isso, levo em toda a vida a carga do descontentamento. Propriamente falando, descontentamento é inveja; e nossa cultura religiosa e social está baseada na inveja. Estimulam-nos a ser alguma coisa, para maior glória de Deus. Por um lado, estimula-se o descontentamento, e, por outro lado, queremos achar meios e modos de dominar o descontentamento. Estando descontentes, economicamente, socialmente, recorremos aos exemplos religiosos, a fim de encontrarmos satisfação; meditamos, praticamos disciplinas, a fim de nos livrarmos do descontentamento, ficarmos em paz. Isto está acontecendo com todos vós e eu vos digo que é uma coisa completamente fútil, sem significação nenhuma. Seguir, imitar, obedecer a uma autoridade em assuntos religiosos é coisa má, assim como é uma coisa má a tirania do governo, porque então está completamente perdida a individualidade.

Atualmente, não sois indivíduos, e sim meras máquinas de imitar, produto de um certo meio cultural, um certo sistema educativo. Sois o corpo coletivo, não sois indivíduo, sendo isto muito óbvio. Todos sois hinduístas ou cristãos, isto ou aquilo, com certos dogmas, crenças, o que significa que sois produto da massa. Por conseguinte, não sois indivíduos. Precisais estar totalmente descontentes, para poderdes descobrir. Mas a sociedade não deseja ver-vos descontentes, porque teríeis então vitalidade, começaríeis a inquirir, a investigar, a descobrir e, conseqüentemente, vos tornaríeis perigosos para ela.

Infelizmente, o descontentamento de quase todos vós está baseado no desejo de satisfação, e no momento em que vos vedes satisfeitos, desaparece o descontentamento. E então definhais e declinais. Já não observastes como pessoas descontentes quando jovens, perdem esse descontentamento logo que obtêm um bom emprego? Dai ao comunista um emprego rendoso, e lá se foi o seu descontentamento. O mesmo acontece com as pessoas religiosas. Não riais — isto também acontece convosco. Desejais encontrar o mestre certo, o guru certo, a disciplina certa: e o que se encontra é uma gaiola que vos asfixiará e destruirá; e esta destruição se chama “busca da verdade”... Isto é, quereis achar-vos satisfeitos permanentemente, para não sofrerdes perturbação, descontentamento, não terdes o desejo de investigar. Foi isso que realmente sucedeu; e quanto mais antiga a civilização, tanto mais destrutiva, porque a tradição gera sempre mediocridade.

Vemos, pois, que o descontentamento, tal como ora o conhecemos, é meramente desejo de encontrar satisfação permanente. E existe de fato satisfação permanente, um permanente estado de paz? Ou só existe um estado em que nada é permanente? Só a mente que, na sua totalidade, é impermanente, incerta, pode descobrir o que é verdadeiro; porque a Verdade não é estática. A Verdade é sempre nova e só pode ser compreendida pela mente que está morrendo para todas as acumulações, todas as experiências e é, por conseguinte, fresca, jovem, “inocente”.

Agora, existe descontentamento sem objetivo, sem “motivo”? Compreendeis? A mente cujo descontentamento tem um “motivo” procurará uma conclusão que a satisfaça, destruindo o descontentamento; e, então, a mente definha, declina. Todo nosso descontentamento está baseado em algum “motivo”, não? Mas agora estamos fazendo uma pergunta completamente diferente: existe descontentamento sem “motivo”, que não seja produto de uma causa? Não deveis investigar e averiguar isso? Ora, tal descontentamento é necessário. Ou empreguemos uma palavra diferente — o que aliás é sem importância — digamos que é um movimento sem causa, sem “motivo”. Penso que tal movimento existe, e isto não é mera especulação nem promessa. Quando a mente compreende o descontentamento que tem “motivo”, o descontentamento nascido do desejo de satisfação, permanência; quando percebe, realmente, a verdade relativa a esse descontentamento, vem então à existência “a outra coisa”. Mas “a outra coisa” não pode ser compreendida nem experimentada, se há descontentamento com “motivo”, e atualmente todo descontentamento nosso tem “motivo”: não posso alcançar o que desejo, minha mulher não me ama, nada valho assim como sou e, portanto, tenho de tornar-me diferente, e assim por diante. Há esta interminável multiplicidade de causas e efeitos, causadora dessa coisa que chamamos “descontentamento”.

Ora, se a mente está cônscia de todo esse processo e o compreende integralmente, percebe a sua verdade, vereis então manifestar-se um movimento sem “motivo” algum — um movimento, uma ação, uma coisa não estática, que se pode chamar Deus, a Verdade, ou como quiserdes. Nesse movimento há beleza infinita, e ele se pode chamar “amor”; porque, afinal, o amor é sem “motivo”. Se eu vos amo e desejo algo de vós, isto não é amor — embora eu lhe dê esse nome — porque, aí, há “motivo”. A atividade social ou religiosa baseada em “ motivo”, ainda que a denominemos “serviço”, não é serviço porém, sim, autopreenchimento.

Pode-se descobrir o que é amar sem “motivo”? Isso é uma coisa que se precisa descobrir e que não pode ser praticada. Se disserdes: “Como alcançarei esse amor?” — estareis fazendo uma pergunta sem significação, porque o desejo de alcançá-lo já é um “motivo”. Se empregais um método, para alcançar esse amor, esse método só tornará mais forte o “motivo”, que é “vós”. Vós sois então importante, e não o amor.

Se penetrardes profundamente esta questão — o que é muito difícil e é, em si, meditação — penso que descobrireis um movimento sem “motivo”, um movimento sem causa alguma e é esse movimento que traz a paz ao mundo, e não o movimento de vosso descontentamento, determinado por uma causa. O homem em quem se verifica esse movimento sem causa é um homem religioso, é um homem que ama e, portanto, pode fazer o que deseja. Mas o político, o reformador social, o homem que cultiva a virtude, a fim de ser feliz ou de conhecer Deus, o homem, cujos esforços são o resultado de um “motivo”, num nível qualquer, — as atividades desse homem só podem gerar ódios, antagonismos e sofrimentos.

Eis porque muito importa que cada um de nós descubra por si mesmo, deixando de seguir Sankara. Ramana, Buda ou Cristo. Para por nós mesmos descobrirmos, acharmos uma coisa, temos do ser livres; e não somos livres, se meramente citamos Sankara ou outra autoridade qualquer. Se seguimos, nunca achamos. Assim, pois, a liberdade está no começo, e não no fim. A liberdade precisa ser buscada agora, não no futuro. Liberdade significa estar livre de autoridade, da ambição, da avidez da inveja, do descontentamento que tem “motivo” e exige resultados, e que asfixia o verdadeiro descontentamento.

Torna-se necessária uma revolução, não dentro do padrão da sociedade, porém dentro de cada um de nós, a fim de que nos tornemos indivíduos totais e não pequenos Sankaras, pequenos Budas, pequenos Cristos. Temos de empreender a jornada sozinhos, completamente desacompanhados, sem ajuda de ninguém, de nenhuma influência, de nenhum estímulo ou desestímulo; porque, então, já não existe “motivo” algum. A própria jornada representa o “motivo”, e só os que a empreendem produzirão algo novo, algo não corrompido, neste mundo — e não os reformadores sociais, os “beneméritos”, os mestres e seus discípulos, os pregadores de fraternidade. Êstes nunca trarão paz ao mundo. São eles os verdadeiros malfeitores. O “homem da paz” é aquêle que repele toda autoridade, que compreende, em todos os seus aspectos, a ambição, a inveja, que se desprende totalmente da estrutura desta sociedade aquisitiva e de todas as coisas envolvidas de tradição. Só então a mente é nova. E é necessária uma mente nova, para encontrar Deus, a Verdade — ou como quiserdes chamá-lo — não uma mente fabricada pela sociedade, pela influência.

Krishnamurti — 18 de janeiro de 1956 — Da solidão à plenitude humana

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Desmascarando a cansativa monotonia da vida

PENSO que a maioria de nós acha a vida muito insípida. Para ganharmos o sustento, precisamos exercer uma certa profissão, e esta se torna muito monótona; começa-se uma rotina, que temos de seguir, ano por ano, até morrer. Ricos ou pobres, e ainda que sejamos muito eruditos ou dotados de espírito filosófico, nossas vidas são em geral superficiais, vazias. Há evidentemente uma insuficiência em nós mesmos, e ao nos tornarmos cônscios desse vazio procuramos preenchê-lo com conhecimentos, com alguma espécie de atividade social, ou nos refugiamos em divertimentos de toda ordem, ou apegamo-nos a alguma crença religiosa. Ainda que tenhamos uma certa capacidade e sejamos muito eficientes, nossas vidas são, ainda assim, insípidas e, para nos livrarmos dessa insipidez, dessa cansativa monotonia da vida, buscamos uma certa forma de enriquecimento religioso, tentamos conquistar aquêle "estado de ser" extra-mundano que não é uma rotina e que, por enquanto, pode ser chamado "o outro estado". Em nossa busca desse outro estado, encontramos muitos sistemas diferentes, diferentes caminhos que se supõe conduzirem a éle; e, assim, pelo disciplinamento de nós mesmos, pela prática de determinado sistema de meditação, pela observância de um certo ritual ou a repetição de certas frases, esperamos alcançar aquele estado. Sendo a nossa vida um ciclo interminável de dores e de prazeres, de variadas experiências sem muita significação ou mera repetição, sem sentido algum, de uma mesma experiência — o viver constitui para a maioria de nós uma monótona rotina. Por esta razão, o problema de nosso enriquecimento interior, da conquista do "outro estado" — chamai-o Deus, a Verdade, bem-aventurança ou como quiserdes — se torna muito urgente, não é verdade? Podeis estar bem de vida, bem casado, ter filhos podeis pensar inteligente e equilibradamente, entretanto, sem aquele estado, a vida se torna horrivelmente vazia.

Que se deve, pois, fazer? Como conquistar aquele estado? Ou é completamente impossível conquistá-lo? A nossa mente, como hoje está constituída, é sem dúvida muito insignificante, limitada, condicionada; e embora uma mente limitada possa especular a respeito do "outro estado", suas conjecturas serão sempre limitadas. Ela poderá formular um estado ideal, conceber e descrever aquele outro estado, mas suas concepções permanecem dentro de suas estreitas limitações, e penso que aí é que se encontra o fio da meada: no perceber que a mente não pode, em circunstância alguma, experimentar, viver aquele outro estado, se se limita a formulá-lo ou a especular a seu respeito. Não há dúvida de que esta é uma descoberta extraordinária: o perceber que, sendo a mente limitada, pequena, estreita, superficial, todo movimento que faça para alcançar aquele estado extraordinário, constitui um empecilho. O descobrimento deste fato, não especulativamente porém realmente, é o começo de uma maneira nova de considerar o problema.

Nossas mentes, em verdade, são produto do tempo, de muitos milhares de dias passados, resultado da experiência baseada no "conhecido"; e, em tais condições, a mente é uma continuação do "conhecido". A mente de cada um de nós é resultado de cultura, educação, e por mais extenso que seja o seu saber ou preparo técnico, ela é sempre produto do tempo; por conseguinte, é limitada, condicionada. Com esta mente, queremos descobrir o incognoscível; e compreender que essa mente nunca poderá descobrir o incognoscível, constitui uma experiência verdadeiramente extraordinária. Descobrir que a mente de um indivíduo, por mais sagaz, por mais sutil, por mais ilustrada que seja, não pode de modo nenhum compreender aquele outro estado — esse descobrimento traz consigo uma certa compreensão "fatual" e acho que este é o começo de uma perspectiva da vida que poderá abrir a porta que conduz àquele outro estado.

Expressando o problema de maneira diferente: a mente está sempre e sempre ativa, "tagarelando", planejando, e é capaz de extraordinárias sutilezas e invenções. E de que maneira pode esta mente tornar-se quieta? Vê-se que toda atividade da mente, todo movimento que faça, em qualquer direção, é reação do passado. Como quietar esta mente? Se a quietamos por meio de disciplina, sua quietude é um estado em que não há investigação, busca, não é exato? Em tais condições, ela não está aberta para o "desconhecido", "o outro estado".

Não sei se já alguma vez pensastes neste problema, ou se nele tendes pensado unicamente pela maneira tradicional, ou seja, tendo um ideal e dirigindo-se para ele segundo uma certa fórmula ou a prática de determinada disciplina. Disciplina implica, invariavelmente, repressão e o conflito da dualidade — e isso está na esfera da mente — e por esse caminho prosseguimos, esperando captar o outro estado. Mas nunca indagamos inteligentes e sãmente se nossa mente é capaz de captá-lo. Sugeriu-se-nos que a mente deve estar tranquila, mas a tranqüilidade foi sempre cultivada por meio de disciplina. Isto é, temos o ideal de uma mente tranquila, e buscamos realizar este ideal por meio de controle, luta, esforço.

Ora bem, se considerais atentamente esse processo, em sua inteireza, vereis que está todo no terreno do conhecido. Cônscia da monotonia de sua existência, cansada de suas repetidas experiências, empenha-se a mente em conquistar aquele "outro estado". Mas, quando se percebe que a mente é o "conhecido" e que todo movimento que faz não a leva ao outro estado, que é "o desconhecido", o nosso problema se resume então, não em como conquistar o desconhecido, mas em descobrir se a mente pode libertar-se do "conhecido". Penso que este problema deve ser considerado por todo aquele que deseje descobrir se existe alguma possibilidade de "realizar o outro estado", o desconhecido. Assim sendo, como pode a mente, que é resultado do passado, do conhecido, libertar-se do conhecido? Espero me esteja fazendo claro.

Como disse, a mente atual — tanto consciente como inconsciente — é produto do passado, resultado acumulado de influências raciais, climáticas, dietéticas, e outras. A mente, portanto, está condicionada, condicionada como cristã, hinduísta, budista ou comunista, e é bem óbvio que ela projeta aquilo que considera ser o real. Mas, quer a sua "projeção" seja a do comunista, que julga prever o futuro e quer forçar toda a humanidade a adaptar-se ao padrão de sua Utopia, quer seja a "projeção" do chamado homem religioso, que também julga conhecer o futuro e educa a criança, a pessoa de acordo com o seu ponto de vista particular — nem uma nem outra dessas projeções é o Real. Sem o Real, a vida se torna muito insípida, como é atualmente para a maioria das pessoas. E sendo insípidas as nossas vidas, começamos a tornar-nos românticos e sentimentais, a respeito do outro estado, do Real.

Ora, vendo-se que é este o padrão de nossa existência, e sem entrarmos em muitos pormenores, pergunto se é possível a mente libertar-se do conhecido, constituído das acumulações psicológicas do passado. Há também o conhecido representado pelas nossas atividades diárias, mas deste, como é bem óbvio, a mente não pode livrar-se; porque se qualquer de nós esquecesse o caminho de sua casa ou esquecesse os conhecimentos que o habilitam a ganhar o sustento, estaria à beira da demência. Mas pode a mente libertar-se dos fatores psicológicos do conhecido, que lhe oferecem a segurança pela associação e a identificação?

Para investigar esta matéria, teremos de descobrir se há realmente diferença entre o pensador e o pensamento, entre o observador e o objeto observado. Atualmente, há uma divisão entre os dois, não é verdade? Pensamos que o "eu", a entidade que experimenta, é diferente da experiência, do pensamento. Há um intervalo, uma divisão entre o pensador e o pensamento e por esta razão dizemos: "Tenho de controlar o pensamento". Mas o "eu", o pensador, é diferente do pensamento? O pensador está sempre procurando controlar o pensamento, moldá-lo de acordo com o que considera ser um padrão bom; mas existe pensador, se não existe pensamento? Só há pensar, e este cria o pensador. Podemos colocar o pensador em qualquer nível, chamá-lo o Supremo, o Atman ou o que quer que seja; mas ele continua a ser resultado do pensar. O pensador não criou o pensamento; foi o pensamento que criou o pensador. Reconhecendo sua própria impermanência, o pensamento cria o pensador como entidade separada, a fim de dar permanência a si mesmo, pois é isso, afinal de contas, o que todos desejamos. Podeis dizer que a entidade a que chamais Atman, alma, pensador, está separada do pensamento, da experiência; mas só podeis estar cônscio da existência de uma entidade separada, por meio do pensamento e, também, por causa de vosso condicionamento como hinduísta, cristão, ou o que quer que sejais. Enquanto existir esta dualidade de pensador e pensamento, existirá necessariamente conflito, esforço, ou seja, a ação da vontade. E uma mente que quer libertar-se, que diz: "Tenho de libertar-me do passado" — o que essa mente faz é só criar outro padrão.

Assim, a mente só pode libertar-se — e só então se torna possível a existência do "outro estado" — depois de cessar o esforço do "eu" para alcançar um resultado, neste mundo ou no outro mundo. Tudo o que fazemos se baseia em luta, ambição, sucesso, consecução de objetivos; e por esta razão, pensamos que a "realização" de Deus, ou da Verdade, só se torna possível mediante esforço. Mas esforço denota atividade egocêntrica para alcançar um fim. Não significa abandono do "eu".

Agora, se estais cônscios de todo esse processo da mente — tanto consciente como inconsciente — se o percebeis e compreendeis realmente, vereis a mente tornar-se sobremaneira tranquila, sem esforço algum. A tranqüilidade conseguida à força de disciplina, controle, repressão, é a tranqüilidade da morte. A tranqüilidade a que me refiro se manifesta sem esforço algum assim que compreendemos todo esse processo da mente. Só então existe possibilidade de manifestar-se aquele outro estado, que se pode chamar a Verdade, ou Deus.

Krishnamurti — 3ª Conferência em Madanapale — Da solidão à Plenitude Humana

segunda-feira, 27 de maio de 2013

O que buscamos nos relacionamentos?

A experiência não é uma medida, não é a forma de chegar à realidade porque, afinal de contas, nós experimentamos de acordo com a nossa crença, de acordo com o nosso condicionamento, e essa crença constitui, obviamente, uma fuga de nós mesmos. Para conhecer a mim mesmo, não posso ter crença alguma; só preciso me observar com isenção e clareza — observar-me nos relacionamentos, observar-me nas minhas fugas, observar-me nos meus apegos. temos que nos observar sem qualquer preconceito, sem chegar a qualquer conclusão, sem qualquer determinação. Nesse estado de percepção passiva, descobrimos essa extraordinária sensação de estar só. Tenho certeza de que muitos de vocês sentiram isso — uma sensação de completo vazio que nada pode preencher. É somente vivendo nesse estado em que todos os valores deixaram de existir, quando estamos capazes de estar sozinhos e de encarar esse estar só sem nenhum desejo de fuga, só então essa realidade se concretiza. Porque os valores são meros resultados de nosso condicionamento; como a experiência, eles se baseiam em crença e constituem um obstáculo à compreensão da realidade. 

Essa, porém, é uma árdua tarefa que poucos de nós têm vontade de enfrentar. De forma que nos apegamos a experiências, místicas, supersticiosas, às experiências dos relacionamentos, do assim chamado amor e à experiência da posse. Isso vem a se tornar muito significativo, porque é disso que somos feitos. Somos feitos de crenças, de condicionamentos, de influências ambientais. Esses são  nossos antecedentes, e a partir desses antecedentes, julgamos, avaliamos. E quando analisamos, compreendemos, todo o processo desses antecedentes, chegamos a um ponto em que nos encontramos absolutamente sós. Precisamos estar sós para encontrar a realidade — o que não significa fugir, retirar-se da vida. Pelo contrário, chega-se à completa intensificação da vida, porque, então, existe a libertação de antecedentes, da memória das experiências de fuga. Nesse estar só, nesse absoluto estar só, não existe escolha, não existe medo do que é. O medo só surge quando queremos reconhecer ou ver aquilo que é.

Portanto, é essencial,  para que a realidade se concretize, deixar de lado as inúmeras formas de fuga que criamos e em cujas malhas caímos. Se você observar, verá como usamos as pessoas — como usamos nossos maridos, nossas esposas, ou grupos ou nacionalidades — para escapar de nós mesmos. Procuramos consolo nos relacionamentos. Essa busca de conforto nos relacionamentos motiva certas experiências e a essas experiências nos apegamos. Para escapar de nós mesmos, o conhecimento torna-se muito importante; mas o conhecimento obviamente não é o caminho para se chagar à realidade. A mente precisa estar completamente vazia e silente para que a realidade se concretize. Mas a mente que está chacoalhando de sabedoria, habituada a ideias e crenças, sempre tagarelando, é incapaz de aceitar as coisas como são.

Se nós, de igual modo, buscamos consolo nos relacionamentos, então os relacionamentos representam uma fuga de nós mesmos. Nos relacionamentos procuramos consolo, queremos algo em que nos encostar, queremos apoio, queremos ser amados, queremos ter um dono — tudo indica a pobreza do nosso próprio ser. Nosso desejo de propriedade, de fama, de títulos, de bens, denota essa deficiência interior. 

Quando compreendemos que esse não é o caminho para chegar à realidade, chegamos àquele estado em que a mente não busca mais consolo, em que a mente está plenamente satisfeita com as coisas como são — o que não significa estagnação. Na fuga das coisas como são, existe morte; no reconhecimento e na percepção das coisas como são, existe vida. De forma que a experiência baseada no condicionamento, a experiência derivada de uma crença — que é resultado da fuga de nós mesmos — e a experiência dos relacionamentos transformam-se num bloqueio; elas dissimulam nossas deficiências. É somente quando reconhecemos que essas coisas constituem um obstáculo e reconhecemos, portanto, seu verdadeiro valor, que surge a possibilidade de permanecermos quietos, calados, nesse vazio, nesse estar só. E quando a mente está muito quieta, nem aceitando nem rejeitando, passivamente ciente das coisas como são, existe a possibilidade dessa realidade incomensurável concretizar-se. 

Krishnamurti — Sobre Deus     

domingo, 5 de maio de 2013

Seja uma criança novamente!

Osho, eu sinto que a vida é muito chata. O que eu deveria fazer?

Brij Mohan, desse jeito você já fez o bastante: você tornou a vida chata — uma grande façanha! A vida é uma dança de êxtase e você a reduziu à chatice. Você fez um milagre! O que mais você quer fazer? Você não pode fazer nada maior do que isto. Vida, e chata? Você deve ter uma tremenda capacidade para ignorar a vida.

Outro dia eu estava dizendo a vocês que ignorância significa a capacidade de ignorar. Você deve estar ignorando os pássaros, as árvores, as flores, as pessoas. De outra maneira, a vida é tão tremendamente bela, tão absurdamente bela, que se você puder vê-la como ela é, você nunca parará de rir. Você dará risadas — pelo menos internamente.

A vida não é chata, mas a mente é chata. E nós criamos uma tal mente, tão forte, como uma Muralha da China ao nosso redor, que a vida não entra dentro de nós. A mente nos desconecta da vida. Nós nos tornamos isolados, encapsulados, sem janelas. Vivendo atrás de uma parede de prisão você não vê o sol da manhã, você não vê os passarinhos voando, você não vê o céu à noite cheio de estrelas. E, certamente, você começa a achar que a vida é chata. Sua conclusão é errada. Você está num espaço errado, você está vivendo num contexto errado.

Você deve ser uma pessoa religiosa, Brij Mohan, porque para tornar a vida chata a pessoa tem que ser religiosa; tem que ser muito erudita. A pessoa tem que conhecer o Cristianismo, o Hinduísmo, o Islamismo. A pessoa tem que aprender muito dos Vedas, do Corão e da Bíblia. Você deve ser muito bem informado. Um homem que é bem-informado demais, culto demais, cria uma parede de palavras tão grande — palavras fúteis, vazias — em volta dele que se torna incapaz de ver a vida.

O conhecimento é uma barreira para a vida.

Ponha de lado seu conhecimento! E então olhe com olhos vazios... e a vida é uma constante surpresa. Eu não estou falando sobre alguma vida divina — a vida ordinária é tão extraordinária. Em pequenos incidentes você vai achar a presença de Deus — uma criança rindo, um cachorro latindo, um pavão dançando. Mas você não pode ver se seus olhos estiverem cobertos com conhecimento. O homem mais pobre do mundo é o homem que vive atrás de uma cortina de conhecimento.

Os mais pobres são aqueles que vivem através da mente. Os mais ricos são aqueles que abriram as janelas da não-mente e se aproximaram da vida com ela.

Brij Mohan, essa não é somente sua experiência, você não está sozinho nela. De fato, a maioria das pessoas concordará com você. Eles não encontraram nenhuma surpresa em lugar algum. E em cada momento existem surpresas e surpresas porque a vida nunca é a mesma; ela está constantemente mudando, ela toma rumo bastante imprevisíveis. Como você pode não se afetar pela sua própria maravilha? A única maneira de permanecer não afetado é se ligar ao seu passado, às suas memórias, à sua mente. Então você não pode ver o que é, você vai perder o presente.

Perca o presente e você viverá no tédio. Esteja no presente e você ficará surpreso por não haver nenhum tédio. Comece olhando ao redor um pouco mais como uma criança. Seja uma criança novamente! É nisto que se baseia a meditação: ser uma criança de novo — um renascimento, ser inocente novamente, não saber. É isto que estávamos falando outro dia. O Mestre disse: não saber é o mais íntimo.

Sim, você deve ter se tornado muito alienado da vida; consequentemente, o tédio. Você esqueceu a intimidade, o imediatismo. Você não está mais enraizado. O conhecimento funciona como uma parede: a inocência funciona como uma ponte.

Comece olhando como uma criança novamente. Vá à praia e novamente comece a apanhar conchinhas. Veja uma criança apanhando conchinhas — é como se ela tivesse achado uma mina de diamantes. Ela está tão emocionada! Veja uma criança fazendo castelos de areia e como ela está absorvida, completamente perdida, como se não houvesse nada mais importante do que fazer castelos de areia. Veja uma criança correndo atrás de uma borboleta... e seja uma criança novamente. Comece a correr atrás de borboletas novamente. Faça castelos de areia, apanhe conchinhas.

Não viva como se você soubesse. Você não sabe nada! Tudo o que você sabe é sobre e sobre. No momento em que você souber alguma coisa, o tédio desaparecerá. Saber é uma aventura tal que o tédio não pode existir. Com conhecimento é claro que ele pode existir; com sabedoria ele não pode existir.

E deixe-me lembra-lo: eu não estou falando sobre algum conhecimento divino, algum conhecimento esotérico; eu estou simplesmente falando sobre esta vida. Simplesmente olhe ao redor com um pouco mais de clareza, com um pouco mais de transparência... e a vida é hilariante!

Uma loja do centro da cidade tinha uma placa na sua vitrina escrito: Compre, Americano. Em pequenas letras estava impresso embaixo: MADE IN JAPAN.

Simplesmente comece a olhar ao redor com mais cuidado.

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill