Vocês desejam experimentar "a totalidade da mente", não? Desejam experimentar o estado em que se verifica o sentimento total da vida, o sentimento total do desapego a uma dada coisa. A experiência está sempre em relação com o conhecido, não é verdade? E se nunca experimentaram a totalidade da mente, como a conhecerão? Percebem o problema? Por favor, não concordem, apenas, porquanto isso encerra uma porção de coisas.
(...) Ora, para sentirmos a qualidade dessa totalidade, podemos experimentá-la em termos do que já conhecemos? Ou trata-se de coisa que não pode ser experimentada em termos de reconhecimento?
Talvez eu esteja entrando rapidamente demais na questão, e, pois, perguntemos mais uma vez a nós mesmos: O que é a mente? Examinemos, descubramos.
A mente é a capacidade de reconhecer, de acumular conhecimentos na forma de memória; é o resultado de séculos de esforço humano, experiência, conflito, e das presentes experiências individuais em relação ao passado e ao futuro; é a capacidade de planejar, de comunicar, de sentir, de pensar, racional ou irracionalmente. Existe a mente de sentimentos mansos, quietos, serenos, e também a mente brutal, cruel, "superior", arrogante, vã; a mente em estado de auto-contradição, solicitada em diferentes sentidos. Esta é a mente de quem diz: "sou inglês", ou "americano", ou "indiano". Existe a mente inconsciente, o profundo reservatório coletivo, hereditário; e há a mente superficial, educada de acordo com uma certa técnica, um certo código de conduta, de ação, de conhecimento. Esta é a mente que busca, que deseja a permanência, a segurança; a mente que vive da esperança, mas só conhece a frustração, fracasso, desespero; a mente que pode lembrar-se, rememorar; a mente muito destra e exata; a mente que sabe o que é amar e deseja ser amado.
Tudo isso, por certo, constitui a totalidade, não? Essa é a mente que vocês e eu possuímos — e os animais também, embora em menor escala. E há, ainda, a mente que diz que precisa transcender tudo isso, alcançar um certo ponto, experimentar uma totalidade, um estado atemporal, imensurável.
Tudo isso, pois, constitui a mente. Nós a conhecemos pode seguimentos quando sentimos ciúme, raiva, ódio; ou a conhecemos na auto-contradição; ou por meio de sonhos, sugestões ou intuições provenientes do passado. Tudo isso constitui a mente. É a mente que diz "Sou a alma", "Sou o Atman", o "eu superior", isto, aquilo e aquilo outro... A mente que se acha aprisionada dentro dos limites do tempo — pois tudo isso se relaciona com o tempo. A mente escrava das palavras, assim como os ingleses são escravos das palavras "Rainha", "Cristo"; e os hindus, escravos de sua própria coleção de palavras; e os chineses e os comunistas, escravos das suas, e assim por diante.
Agora, percebendo tudo isso, como proceder? O que é, com efeito, a mente?
Consideremos a questão de manira diferente. Vocês vêem, senhores, que se necessita de mudança; uma mudança calculada não é mudança nenhuma. A mudança que visa a um certo resultado, por meio de exercício, disciplina, controle, impiedosa dominação, é, meramente, a continuação da mesma coisa sob disfarce diferente. E a mudança progressiva, evolutiva, disso já tratamos e é assunto liquidado. A única mudança verdadeira é a mudança radical, imediata. Como pode a mente alcançar essa mudança, depois de se tornar livre de seu condicionamento, suas brutalidades, suas emoções estúpidas, seus temores, sua "culpa", suas ansiedades e, portanto, tornar-se nova? Digo que isso é possível, mas não pelo processo analítico, a investigação, o exame, etc. Digo que é possível "limpar a lousa" de um só golpe, instantaneamente. Não traduzam isso como "Graça de Deus"; não digam: "Isso pode ser possível para outro, mas não para mim" — porque, assim, não estamos enfrentando o problema, porém, evitando-o. Eis porque eu disse no começo que necessitamos de um pensar muito claro e muito preciso, de implacável investigação.
Krishnamurti em, O PASSO DECISIVO