5ª Pergunta: Sinto-me inclinado à suposição de que pôr de lado o
passado e esquece-lo completamente, são coisas não exatamente as mesmas. Poderíeis
dar-nos o vosso ponto de vista sobre a memória?
Krishnamurti: Esta pergunta é realmente interessante para efetuar
uma modificação. “Sinto-me inclinado a supor que expelir o passado e esquece-lo
completamente são coisas não exatamente idênticas. Poderíeis fornecer-nos vosso
ponto de vista sobre a memória?” Para mim, a memória não deveria ser a da
experiência em si, porém antes a memória daquilo que é o resultado da
experiência. Precisais esquecer a experiência e recordar a lição. Isto é que é
a verdadeira memória. Esta é eterna, por ser a coisa única de valor na
experiência. Esta verdadeira memória é inteligência. Como disse a noite
passada, inteligência é a capacidade de escolher, com discernimento, com
cultura, aquilo que é essencial daquilo que é falso. Esta inteligência
adquire-se por meio da experiência, por meio das lições que permanecem após a
experiência. A mais elevada forma desta inteligência é a intuição, por ser o
resíduo de todas as experiências acumuladas. Esta é a verdadeira função da
memória.
“Qual a espécie correta de
recordação e a correta espécie de esquecimento?” A espécie correta de
lembrança, do meu ponto de vista, é recordar e apegar-se a esse resíduo de toda
a experiência, de modo a não mais condescenderdes na mesma espécie de
experiências. O condescender com as experiências que houverdes já realizado,
cria barreiras. Para um homem sábio, uma experiência de certa espécie
determinada é suficiente. Assim a correta espécie de lembrança e de
esquecimento é o haver aprendido das experiências e o apagar todas as
experiências que não tem valor.
A pergunta a seguir “qual a
espécie correta de gratidão?” Para mim não existe tal assunto de gratidão, porque,
se realmente amardes a todos, do mesmo modo de todos aprendereis. Não vos
apegareis a uma pessoa. Sereis gratos, em vosso amor, a todos. Aprendeis de
vossos servos, se fordes observador, do operário, do homem que cava a terra, e
do maior de vossos heróis. Deles todos aprendereis à medida que a todos eles
amardes e não haverá gratidão para pessoa em particular. Sereis leal a um ser,
especificadamente se a todos o fordes — pelo fato de a todos amardes. Digo-vos
que é muito mais belo, muito mais tranquilo, sereno, o amar a todos do mesmo
modo; na realidade, ter a toda gente no coração, não ser indiferente a ninguém,
se possuirdes um tal amor, aprendereis, não de uma coisa, porém de todas, móveis
ou imóveis que elas sejam, de tudo quanto for transitório ou eterno. Se amardes
somente a uma pessoa, começareis a cultuá-la, a olhar para essa pessoa em
sentido ascendente e começais a sufocar a vós próprios, não estareis aprendendo
da vida, não vos regozijareis com a vida, nem com a vida estareis em amor. A
questão da gratidão é uma questão de amor e para a pessoa que ama a um e não a outro,
há tristeza. Isto não é mera chatice, porém uma realidade. Assim, o amor é uma
flor que proporciona seu perfume a todo transeunte, que ele seja de uma cor
quer de outra, deste ou daquele tipo. A flor dá seu perfume a todos, e, se
fordes sábios, aspirareis esse perfume e nele vos regozijareis. Do amor que é
mesquinho, que embaraça, que é corruptível, chegareis a esse amor que não
embaraça, que é incorruptível.
“De que modo se relaciona a
memória com a arte de discernir entre o essencial e o não-essencial e deverá
ela porventura ser educada de maneira a funcionar corretamente?” Naturalmente.
É isto que tenho estado a dizer. À verdadeira autodisciplina é a educação do “Eu”.
“Porque modo se relaciona a memória com a arte de discernir entre o essencial e
o não-essencial?” Não se trata de um modo, é o todo que importa. Se não
tiverdes a memória reta, se sempre estiverdes hesitando, se estiverdes
inseguro, então vosso discernimento não terá valor; porém, se a memória for o
resíduo de toda a experiência, quando vos defrontardes com inúmeras coisas
não-essenciais e entre elas uma essencial, devereis ser capazes de escolher
essa única coisa essencial pelo fato de vossa memória se achar adestrada. Examinai
toda a experiência que se vos defronte, como o vento que encrespa o face lisa
das águas e verificai se essa experiência é essencial. Se o não for, deixai-a
de parte porque se não for essencial é porque já a haveis realizado. Uma
criança que certa vez queimou os dedos jamais se aproximará novamente do fogo.
Ela realizou sua experiência e a lição permanece. Assim, pois, se uma vez
houverdes tido certa experiência ela deve proporcionar-vos a plenitude de todas
as suas consequências.
“E deverá ela ser educada de modo
a funcionar retamente?” Pois não a estais adestrando a todo o momento do dia
quando ansiosamente estais vigilantes, quando vos autodisciplinais a vós
próprios constantemente à luz do vosso entendimento eterno? Não precisais
passar por nenhum adestramento especial; a vida vos treinará se fordes
acurados, observadores. É o indolente que necessita de assistência, aqueles que
são preguiçosos, que estão cansados de examinar tudo quanto lhes vem. O meio
único de tornar o eu absolutamente puro e incorruptível é a autodisciplina
imposta a vós próprios, não em vista de repressão, porém em vista do amor dessa
liberdade que é verdade.
Krishnamurti, 7 de agosto de 1929, Acampamento de Ommen