Falo da fruição de minha vida, que é a vida de toda a gente. Assim, portanto, peço-vos, não trateis o que vos estou dizendo como se fosse uma teoria intelectual para ser elaborada ou um calor emocional para ser gozado.
Falo acerca de algo que para mim é real, algo que estou vivendo. Para vós, porém, tudo isto é estranho, pelo fato de ainda condescenderdes com teorias, crenças, sistemas, por intermédio dos quais evoluis. O que vos digo relaciona-se essencialmente, vitalmente, com a vida, tendo como implícito que a vida diária deve ser tornada perfeita — para todos e não meramente para uns poucos.
Quando digo “vida”, uso deste termo com um significado especial: vida — não a parcial, a vossa ou a minha — porém essa vida que é o todo, que inclui a vossa e a minha, que é a semente de todas as coisas, que é móvel e imóvel, transitória e eterna. Ela é todas as coisas, criou o homem e Deus. Deus não é senão o homem enobrecido, livre; e este Deus que é o homem está em harmonia com o eterno, com a vida. Esta é a função do homem, harmonizar o seu “Eu”, o seu ser, com o eterno. Não será por meio da meditação, por meio da filosofia, que firmareis esta harmonia, porém por meio da luta, do domínio e do esforço contínuo, uniforme, — o qual vós não quereis. Vós não quereis a luta, quereis um caminho suave, fácil.
Esta harmonia precisa de ser estabelecida entre aquilo que é transitório, aquilo que está em cada um de nós e aquilo que é constante, que está também em cada um.
A vida cria o homem e o deixa absolutamente independente, corruptível, limitado, escravo das circunstâncias. Sendo independente, sendo livre, está apto a escolher por si mesmo, porém, em virtude de sua falta de habilidade, de sua ignorância do que é essencial, escolhe ele, entre as coisas que o rodeiam, as que são triviais.
Se olhardes para vós próprios, verificareis que isso se aplica a cada um. Se para dentro de vós olhardes, averiguareis que existem aí o “Eu” mutável e o “Eu” imutável. Não traduzais isto como sendo o Ego e a Mônada, sentindo-vos satisfeitos, com esse fato. Não sabeis mais acerca dessas coisas do que acerca daquilo de que vos estou falando. Se para dentro de vós mesmos olhardes, verificareis que existe aí o mutável, jamais tranquilo, constantemente variável. Não é assim? Depois, existe ao mesmo tempo o ser que é constante, imutável, certo, calmo, seguro. Acerca deste ego, nada sabeis.
Existem portanto, estes dois egos e compete a cada um de nós tornar o “Eu” mutável, no “Eu” imutável, tranquilo, todo-conservador. Isto é: tendes que tornar, ou antes, transmutar o mutável no imutável, porque não podeis fazer descer o imutável ao mutável, não podeis trazer o eterno para o transitório, porém, sim, antes, pela purificação, pela luta, pelas negações, pelos sacrifícios, pelo esforço contínuo, precisais transmutar o mutável e conduzi-lo ao imutável. Como não podeis trazer o eterno para o transitório, como não podeis trazer o eu eterno à harmonia com o eu mutável, progressivo, tendes que tornar esse eu progressivo, mutável, no eterno. O que cada um de vós está tentando fazer, é, justamente, o contrário disto, é trazer o eterno para o transitório. Por quererdes evitar todas as lutas, toda a dor, toda a tristeza, evadir-vos em vez de transmutar, tendes todos os vossos abrigos de conforto, vossas filosofias, vossos deuses, vossos templos, vossas igrejas e vossas religiões. Quereis fugir, quereis esquecer, e mergulhar no eterno. Não o podeis! Pois onde existir corruptibilidade, a incorruptibilidade não pode existir; onde houver imperfeição a perfeição não pode encontrar guarida. Assim, pois, tendes que tornar esse progressivo, mutável, constantemente variável “Eu” no incorruptível, constante, todo preservador, todo-conservador imutável, “Eu” eterno, que não é nem ser e nem não-ser, nem sabedoria nem não-sabedoria.
No processo de transmutação reside a verdade e não no mero atingir. É à medida que progredis para o eterno que encontrais a Verdade, não na consecução final. A consecução final é natural, é o resultado do processo continuo. Tendes que ter em vista essa verdade, essa vida, essa libertação, essa felicidade enquanto dura o processo de transmutar o progressivo no imutável, o eterno. Assim, pois, tendes que vos preocupar com o “Eu” que é progressivo e no cuidar dele, no torna-lo puro, forte, intemerato, íntegro dentro de si mesmo, completamente liberto de toda a ilusão, reside a harmonia que é eterna.
Krishnamurti, no Castelo de Eerde, 18 de julho de 1929