Em minhas palestras anteriores,
dividi o “Eu” em eterno e progressivo, porém isto foi feito, não para inaugurar
uma nova teoria ou filosofia, porém puramente pela conveniência de vos tornar
isto absolutamente claro para vós como o é para mim. Assim, peço-vos que não
sistematizeis. Por favor, não elaboreis disto uma nova filosofia. Cada qual
deve ver distintamente por si mesmo, não à maneira congregacional, isto é,
coletivamente. A libertação é o atingimento do indivíduo, é tarefa do
indivíduo. Se vos esforçardes por fazer daqui uma filosofia, um sistema, ou um
dogma, torná-lo-eis aplicável ao todo quanto não o é; é questão de percepção individual,
de luta individual e individual esforço para entender claramente.
A libertação é para ser atingida
por toda a humanidade e, por conseguinte, por todo indivíduo separadamente. Precisais libertar-vos de todas as gaiolas.
Precisais vos libertar da gaiola que vierdes a fazer daquilo que eu vos estou
dizendo. Fareis disto uma muleta ou uma gaiola que vos permita fugir a certas
coisas que vos causam dor? Se, fizerdes do que vos estou dizendo uma muleta ou
uma gaiola, ficareis tão escravizados, tão longe da libertação como o estáveis
antes. Esforçai-vos para tornar isto perfeitamente claro por vós mesmos e,
mediante a vossa percepção interna, animai a vós mesmos a fazer este esforço
que há de esclarecer vossa visão e proporcionar-vos entendimento e reta
compreensão.
Como estava dizendo, a vida, que
é tudo, livre e incondicionada, na qual existe a semente de todas as coisas, é
o “Eu” eterno, universal. Estou me esforçando para reduzir a palavras algo que
jamais pode ser posto em termos, porém não façais disto um dogma.
Para chegar à vida, que é livre,
que é incondicionada, que é todo conservadora e, no entanto, não pode admitir
em si mesma nada que seja impuro, corruptível, imperfeito, vós, como
indivíduos, como eus separados dessa vida, precisais criar a harmonia dentro de
vós mesmos e, assim, tornar-vos unidos com a vida que é livre. Por outras
palavras: Vós, individualmente — se como “Eu” progressivo se como “Eu”
universal é coisa que não nos deve preocupar de momento — precisais ser
incorruptíveis; vós, como indivíduos necessitais ser livres, pois que em vós
essa vida universal deve estar centralizada. Assim como a verdade não pode ser
rebaixada, como não pode ser limitada por sistemas de moral, por cultos, por
deuses, por santuários, vós, como “Eu” individual, tendes que abandonar essas limitações do medo,
do conforto, e, pela eliminação, estabelecer a harmonia dentro de
vós.
Tendes que vos tornar vosso
legislador único, e manter-vos libertos de todas as autoridades exteriores,
libertos de todo o medo. Dado que sois plenamente responsáveis por
vós próprios, tendes primeiro que perceber esta visão de toda a vida, tomando a
esta, que eu digo ser liberdade, estabelecer vossa lei de acordo convosco próprio
e não de acordo com outrem. No final das contas, não me podereis dizer a mim o
que é que eu devo fazer e o que não devo; e eu também, por minha vez, não vos
irei dizer o que deveis e o que não deveis fazer. Porém, todos vós sabeis, se
houverdes sofrido, se houverdes observado, se estiverdes presa da dor, em
grande isolamento e solidão ou em grande companhia, que toda a vida —
individualmente, bem como a vida toda que vos rodeia — deve culminar,
finalmente, nessa vida que é, que
não tem começo nem fim. Sabendo ser esta a meta final — se me é dado usar esta
palavra sem estabelecer nisto limitação — podereis, então, desenvolver uma
certa qualidade interna de verdadeira e apropriada percepção, que atuará como
vosso legislador.
Esta é a modalidade única pela
qual vos podeis tornar livres, de modo a vos não atemorizardes com as
circunstâncias, com os convencionalismos, quanto ao que outras pessoas dizem e
pensam. Se por vós mesmos estiverdes certificados com a certeza nascida da reta
compreensão, que tem sua semente na imortalidade, da liberdade à qual toda a
vida tem de chegar, dela derivareis vossa força para caminhar retamente. Então
não mais precisais vos atemorizar, não mais vos preocupareis com a criação de
dogmas e filosofias.
Para chegar a esta percepção da
liberdade, tendes que passar pelo processo de eliminação. Quando digo “tendes que
passar”, por favor, não o façais pelo fato de eu vo-lo haver solicitado. Estais
aqui porque desejais compreender, por julgardes que eu atingi e que vos posso
auxiliar. Na realidade, não vos posso ajudar, porém posso vos tornar clara a
percepção disto, de modo a poderdes, pela vossa própria força, lutar pela sua
conquista e vos tornardes homens livres
e incondicionados. Não podeis perceber essa visão da vida com todos os
vossos emaranhados, e sem essa percepção nada podeis executar. Eu não sei o que
é que vos impede de eliminar todas as coisas inúteis e não-essenciais. Tendes
que pensar, por vós próprios, individualmente, no modo pelo qual haveis de
fazer isto, pois de outra maneira o que vos estou dizendo terá sido totalmente
inútil; somente virá criar uma outra muleta. Em vez da antiga, tereis uma nova.
No fim de tudo, isto exige uma
certa determinação de propósito. Quando buscais dinheiro, amor ou diversões,
estais continuamente a pensar nisso, ficais excitados e enxergais os meios e
modos de obter essas coisas. Porém, seguramente, aquilo de que vos estou
falando é maior que todos os divertimentos, maior do que o amor, maior do que
todo dinheiro. E, se é digno de ser possuído, deveis também enxergar meios e
modos de atingi-lo, deveis estar constantemente vigilantes, apercebidos em tudo
quanto fizerdes.
Krishnamurti, no Castelo de Eerde, 19 de julho de 1929