Tenho dito repetidas vezes que, para viver de modo verdadeiramente grande, deve-se ter pleno entendimento do propósito da vida. este pleno entendimento, do qual, unicamente, provêm as ideias verdadeiras, conduz a uma vida harmoniosa, à incorruptibilidade do pensamento e a perfeição do amor. Quero estabelecer dentro de cada um de vós o equilíbrio, a harmonia que é a verdadeira criação.
Que é a vossa vida? Se a analisardes impessoalmente e a examinardes cuidadosamente, verificareis que a vossa vida está entravada por pequenas tiranias e angústias contínuas, por aborrecimentos, depressões, incertezas, vãs esperanças de consecução, por um implorar e um clamar, por descontentamentos e ambições infrutíferas, e prazer que termina pelas lágrimas. Este é o estado interno do homem, o de todo o ser humano: um torvelinho, uma luta continua e um esforço infindável. Qual a causa disto? Eu sustento que as vossas ideias sobre a vida não correspondem ao eterno. Vou explicar o que quero dizer com isto. Não usarei termos vagos, para o fim de acobertar aquilo que não compreendeis.
Sustento eu que para viver com grandeza, com êxtase de propósito, necessitais colocar a raiz de vossas ideias no eterno, no perdurável.
Para vencer esta incerteza, esta enorme luta, esta combatividade caótica, vossas ideias, vossa vida, vossa razão, vossos pensamentos, vossos afetos, devem ter o seu ser naquilo que é eterno.
É na vossa vida diária que tendes de realizar a eternidade. É em todas as vossas ações em cada um de vossos pensamentos, em cada um de vossos sentimentos que vós, homens, deveis contemplar a eternidade. Não podeis fugir para um outro mundo em busca de felicidade. É enquanto viveis neste mundo que necessitais encontrar a verdade. É pelo processo de viverdes neste mundo que atingis a vastidão da vida. São vossos pensamentos diários, vosso amor de todos os dias, vossos atos jornaleiros que criam a luta, a angústia, o prazer, a solidão, a corruptibilidade da vida. É com essas coisas que o homem está a todo instante lutando e em sua expressão dessa luta, rouba ele a luz de outrem e cria o caos em redor de si. É somente pelo encontrar da verdade que modificais essas expressões.
É, portanto, necessário descobrir a verdade; ela deve ser estabelecida na conduta de vossa vida, pelo modo pelo qual tratardes as pessoas, na maneira pela qual delas ajuizardes, nas ações que nascerem do pensamento e do afeto. Nesse processo somente reside a verdade. No processo de estabelecer a incorruptibilidade, de atingir a perfeição do pensamento e do amor, está a verdade.
Não deveis fazer disto uma religião, um dogma, ou uma crença, porém, pela conduta de vossa vida deveis mostrar que compreendeis e que tendes vosso pensamento e vossos afetos radicados no eterno.
O eterno, sustento eu, é a libertação de toda a corrupção, pois a corrupção é uma limitação. Portanto, deveis buscar a incorruptibilidade do eu, o eu que está dentro de cada um, pelo esforço individual, não coletivo, pois somente nesta incorruptibilidade do eu reside a liberdade. Liberdade do eu é verdade. Conhecimento do eu é vida eterna, é libertação, esse equilíbrio que é verdadeira criação. Pois o eu é eterno, ele não tem começo nem fim, não conhece morte nem nascimento: ELE É. O eu limitado, que existe em cada um em estado de corrupção, está buscando estabelecer essa incorruptibilidade que é a verdade. No processo de tornar esse eu incorruptível reside a libertação. Precisais entender isto e deste entendimento fazer derivar vossas ideias da vida. Então, tudo que fizerdes, sejam quais forem vossas ações, vossos pensamentos e vossos sentimentos, trarão eles a marca da eternidade. Buscais vossas razões de conduta, extrais vossas conclusões das manifestações do eu, das expressões, das sombras. Eu sustento que isto é errado e resulta no caos que vos rodeia. Porém, se quiserdes entender a verdade e estabelecer vossas ideias na verdade, deveis buscar a esse eu e torna-lo incorruptível. Somente desta verdade deveis tirar vossas ideias e viver de continuo focalizados nessa verdade
Dessa primavera eterna que é a incorruptibilidade do eu, que é vida, vossos atos, vossos pensamentos e vosso amor devem nascer. E então sereis como a chuva que desce sobre as terras estéreis, tornando todas as coisas renovadas e frescas, outorgando deleite e êxtase, destruindo aquelas perversões, aquelas ilusões que os homens tomam como realidade.
Krishnamurti, 2 de agosto de 1929 - Acampamento da Estrela de Ommen