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segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Uma imensidão além de qualquer medida


O que acontece quando você perde alguém por morte? A reação imediata é uma sensação de paralisia, e quando você sai desse estado de choque, há o que chamamos sofrimento. Ora, o que essa palavra sofrimento significa? O companheirismo, as palavras felizes, os passeios, as muitas coisas agradáveis que vocês fizeram e esperavam fazer juntos – tudo isso é levado num segundo, e você é deixado vazio, nu, solitário. É a isso que você faz objeção, é contra isso que a mente se rebela: de repente ser deixado por sua própria conta, completamente só, vazio, sem nenhum apoio. Ora, o que importa é viver com esse vazio, apenas viver com isso sem qualquer reação, sem racionalizar, sem correr para médiuns, para a teoria da reencarnação e todas essas estúpidas tolices; viver com isto com todo o seu ser. E se você entrar nisto passo a passo, descobrirá que existe um fim para o sofrimento, um fim verdadeiro, não apenas um fim verbal, não o fim superficial que chega pela fuga, pela identificação com um conceito ou o compromisso com uma ideia. Então você descobrirá que não existe nada para proteger, porque a mente está completamente vazia e não está mais reagindo no sentido de tentar preencher esse vazio; e quando todo o sofrimento chegar ao fim, você terá iniciado outra viagem; uma viagem que não tem fim nem começo. Existe uma imensidão que está além de toda medida, mas você não pode entrar nesse mundo antes do fim total do sofrimento.

J. Krishnamurti, The Book of Life

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Sensações de solidão durante a emergência espiritual

Mirabai, um poeta indiano do século XV, escreveu:

Meus olhos se enchem de lágrimas.
O que devo fazer? Aonde devo ir?
Quem pode acabar com a minha dor?
Meu corpo foi picado
Pela cobra da "ausência"
E minha vida está se esvaindo a cada batida do coração.

A solidão é outro componente intrínseco da emergência espiritual. Pode variar desde uma vaga percepção de separação das outras pessoas e do mundo até um mergulho profundo e abrangente na alienação existencial. Alguns sentimentos de alienação interior têm relação com o fato de que as pessoas em emergência espiritual têm de encarar os estados incomuns de consciência que nunca ouviram ninguém descrever e que são diferentes das experiências diárias de seus amigos e de sua família. Porém, a solidão existencial parece ter muito pouco a ver com as influências pessoais ou exteriores.

Muitas pessoas em processo de transformação se sentem isoladas pela natureza das experiências que estão tendo. Como o mundo interior se torna mais ativo, pode-se experimentar a necessidade de afastar-se temporariamente das atividades diárias e preocupar-se com pensamentos profundos, com sentimentos e processos internos. O relacionamento com os outros pode ir perdendo a importância e a pessoa chega a se sentir desligada do que realmente é. Quando isso está acontecendo, a pessoa pode ter uma grande sensação de separação de si mesma, dos outros e do mundo que a cerca.

Para as pessoas nesse estado, até o calor humano e a segurança familiar são inacessíveis.

Um jovem professor fala sobre a solidão que viveu durante uma emergência espiritual: "Eu costumava me deitar na cama, ao lado de minha esposa, à noite, e me sentia completa e inegavelmente sozinho. Ela foi uma grande ajuda e um grande conforto para mim durante a minha crise. Mas, durante esse período, nada que ela fizesse poderia me ajudar — nenhum carinho, nenhum grau de encorajamento."

Sempre ouvimos pessoas em emergência espiritual dizerem: "Ninguém nunca passou por isso antes. Sou o único que já se sentiu desse jeito!" Essas pessoas não só sentem que o processo é único para elas, mas também estão convencidas de que ninguém na história jamais passou pelo que estão passando. Talvez porque se sintam tão especiais, acreditem também que determinado terapeuta ou professor confiável seja o único que possa conseguir compartilhar de seus sentimentos e ajudá-las. Suas fortes emoções e percepções estranhas as estão levando para tão longe de suas vivências anteriores que facilmente assumem o fato de serem anormais. Sentem que há algo de muito errado com elas e que ninguém seria capaz de compreendê-las. Se têm terapeutas que também sofrem de mistificação, suas sensações de total isolamento aumentam.

Mesmo que as pessoas nesse estado estejam conscientes da variedade de planos teóricos e sistemas espirituais que descrevem estados semelhantes, encontrarão diferença entre estudá-los e estar no meio deles. Isso é ilustrado pelo templo de Sarah, uma estudante de Antropologia.

As anotações de aula de Sarah estavam cheias de descrições da vida e do ritual xamânico indígena no México central. Quando mais tarde encontrou elementos xamânicos nítidos e reais como parte da sua emergência espiritual, não conseguiu fazer a ligação entre seus estudos e suas experiências até algum tempo depois. Na classe, seu relacionamento com o assunto em questão fora estritamente intelectual; ela supunha que o comportamento e as percepções dos índios não tinham relevância para ela. Seus estados de transformação foram tão imediatos e abrangentes que foi incapaz de reconhecê-los em sua abordagem exclusivamente erudita.

Durante a crise existencial, a pessoa se sente separada do seu eu mais profundo, do mais alto poder ou de Deus — o que quer que seja de que ele dependa além de recursos pessoais para ter forças e inspiração. O resultado é o mais devastador tipo de solidão, uma total e completa alienação existencial que penetra todo o ser. Isso foi revelado por uma mulher depois de sua emergência espiritual: "Eu estava envolvida por uma solidão enorme e permanente. Eu sentia como se cada célula minha estivesse num estado de extrema solidão. Sonhava estar num rochedo com muito vento, olhando para o céu negro e ansiando por entrar em contato com Deus; e eu só encontrava mais escuridão. Era mais do que o abandono humano; era um abandono total."

Essa profunda sensação de isolamento parece ser acessível a muitos seres humanos, independentemente de sua história e é, quase sempre, um ingrediente fundamental na transformação espiritual. Irina Tweedy, uma mulher russa que estudou com um mestre sufi na índia, escreveu em The Chasm of Fire:

A Grande Separação está aqui... uma sensação especial e estranha de solidão absoluta... não pode ser comparada a nenhum sentimento de solidão pelo qual todos tenhamos passado alguma vez na vida. Tudo parece escuro e inanimado. Não há nenhum propósito em lugar algum ou em coisa alguma. Nenhum Deus para quem rezar, nenhuma esperança. Nada, de modo algum.

Essa sensação de extremo isolamento é refletida na desolada prece de Jesus na cruz: "Meu Deus, meu Deus. Por que me abandonaste?" As pessoas que estão assim perdidas freqüentemente citam o exemplo do momento mais sombrio de Cristo, na tentativa de explicar a proporção desse sentimento monumental. Podem não encontrar nenhuma ligação com o Divino; ao contrário, têm uma sensação permanente e angustiosa de que foram abandonadas por Deus. Mesmo quando a pessoa é cercada de amor e apoio, pode imbuir-se de uma solidão profunda e dolorosa. Quando desce ao abismo da alienação existencial, nenhum calor humano pode mudar isso.

As pessoas às voltas com uma crise existencial não se sentem apenas isoladas, mas também insignificantes, como pontinhos inúteis na vastidão do cosmos. O universo parece ser absurdo e sem sentido, e nenhuma atividade humana aparenta ter importância. Essas pessoas podem ver a humanidade como que sendo envolvida por um estilo de vida em que "um quer engolir o outro", sem um objetivo que valha a pena. Por esse ângulo, não podem entender nenhum tipo de ordem cósmica e não têm contato com a força espiritual. Chegam a tornar-se extremamente depressivas, desesperadas e até suicidas. Freqüentemente, percebem que mesmo o suicídio não é a solução; parece que não há nenhuma saída para o seu sofrimento.

Comportamento isolado

Uma pessoa em emergência espiritual pode parecer "diferente" por uns tempos. Numa cultura de padrões estabelecidos e freqüentes expectativas rigorosas, alguém que comece a mudar internamente pode não parecer ajustado. Talvez um dia suba na mesa de trabalho ou na mesa de jantar e queira falar sobre novas idéias ou descobertas como, por exemplo, sentimentos sobre a morte, questões a respeito do nascimento, lembranças da velha e obscura história da família, perspectivas incomuns para os problemas mundiais ou sobre a natureza básica do universo.

A estranha qualidade desses conceitos e a intensidade com que uma pessoa os apresenta pode induzir colegas, amigos e membros da família a se afastarem, e a sensação de solidão, já presente, aumenta. Seus interesses e valores podem mudar, e a pessoa talvez não queira mais participar de certas atividades. Beber com os amigos ao entardecer não é mais tão interessante quanto costumava ser; pode parecer até repugnante.

As pessoas nessa situação podem sentir-se muito diferentes por causa da natureza das experiências que estão vivendo. Elas percebem que estão crescendo e mudando — enquanto o resto do mundo continua parado — e que ninguém pode segui-las. Podem ser induzidas a atividades que as pessoas do seu convívio não entendam ou não apoiem. Seu súbito interesse por orar, cantar, meditar ou por qualquer sistema esotérico, tais como a Astrologia ou a Alquimia, parecerá estranho para a família e para os amigos, podendo aumentar sua necessidade de afastamento.

Se uma pessoa nesse estágio é classificada como um paciente psiquiátrico, os rótulos e tratamentos que lhe são dados combinarão com sua sensação de isolamento. Os sentimentos de separação são reforçados cada vez que lhe é passada a mensagem verbal ou não verbal: "Você está doente. Você é diferente."

As pessoas em processo de transformação podem mudar também sua aparência. Elas cortam ou deixam crescer os cabelos ou são atraídas por roupas que refletem um desvio do padrão. Os exemplos são encontrados na cultura psicodélica dos anos 60 e 70, quando muitas pessoas tiveram revelações espirituais e, em vez de expressá-las de modos aceitáveis pela sociedade, sentiram-se impulsionadas a transferi-las, formando uma cultura à parte ou "do contra", caracterizada pelas roupas expressivas, jóias, corte de cabelo e até mesmo carros pintados com cores brilhantes.

Outros exemplos podem ser encontrados em vários grupos espirituais. Pode-se esperar que os iniciados no zen-budismo raspem suas cabeças e tenham uma vida de simplicidade exterior. Os seguidores do guru Osho não só se vestiam com roupas de uma certa cor como também usavam uma mala, ou rosário, contendo uma imagem do mestre, e mudavam seus nomes para nomes indianos. Como parte do judaísmo ortodoxo, os homens apresentam freqüentemente yarmulkes e barbas, seguindo um severo estilo de vida religioso. Uma comunidade que acolhe pessoas que são praticantes espirituais tolerará ou até encorajará esse tipo de comportamento. No entanto, alguém que decida de repente adotar esses comportamentos que saltam aos olhos enquanto estiver vivendo fora de uma situação de apoio pode passar por um isolamento ainda maior.

Para muitas pessoas em emergência espiritual a transformação acontece sem esses tipos de manifestações de alienação exterior. Em outras palavras, porém, mais mudanças aparentes ocorrem na conduta. Para alguns, esses novos modos de comportamento são fases passageiras do desenvolvimento espiritual, enquanto que, para outros, podem tornar-se parte permanente de um novo estilo de vida.

Christina Grof e Stanislav Grof - A tempestuosa busca do ser

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Observando nossos variados meios de fuga da solidão

Questionador: Como vencer a solidão?

Krishnamurti: E você pode vencer a solidão? Tudo o que você conquista tem de ser conquistado repetidas vezes, não é? O que você compreende chega ao fim, mas o que você conquista nunca chega ao fim. O processo de luta apenas alimenta e fortalece aquilo que se combate.

Ora, o que é essa solidão de que a maioria de nós se dá conta? Nós a conhecemos e fugimos dela, não é? Fugimos dela em todo gênero de atividades. Somos vazios, solitários, e temos medo disso, e por esse motivo tentamos encobri-lo por meio de algo — a meditação, a busca de Deus, as atividades sociais, o rádio, a bebida ou qualquer outra coisa. Faríamos qualquer coisa para não ter de encará-la, estar com ela, compreendê-la. A fuga é a mesma, quer a empreendamos através da ideia de Deus ou do consumo de bebidas. Enquanto se está fugindo da solidão, não há diferença essencial entre prestar culto a Deus e ser viciado em álcool. Socialmente pode haver uma diferença; mas, psicologicamente, o homem foge de si mesmo, do seu próprio vazio, e cuja fuga é a busca de Deus, está no mesmo nível do alcoólatra.

O importante não é, pois, vencer a solidão, mas compreende-la, e não podemos compreender se não a encaramos, se não olhamos para ela diretamente, se ficamos fugindo continuamente dela. E toda a nossa vida é um processo de fuga da solidão, não é? No relacionamento, nosso acúmulo de experiência, tudo o que fazemos, é uma distração, uma fuga desse vazio. Portanto, evidentemente, é preciso colocar fim a essas distrações e fugas. Se queremos compreender algo, temos de dedicar-lhe total atenção. E como podemos dedicar total atenção à solidão se a tememos, se fugimos dela por meio de alguma distração? Logo, quando queremos compreender a solidão, quando a nossa intenção é a de mergulhar total e completamente nela, porque percebemos que não pode haver criatividade enquanto não compreendemos essa insuficiência interior que é a causa fundamental do medo — quando chegamos a esse ponto, cessa toda forma de distração, não é verdade? Muitos riem da solidão, dizendo: Ora, isso é só para os burgueses; pelo amor de Deus, ocupe-se com alguma coisa e esqueça”. Mas o vazio não pode ser esquecido, não pode ser deixado de lado.

Assim, para se compreender de fato essa coisa fundamental a que damos o nome de solidão, todas as fugas devem cessar; mas a fuga não cessa por intermédio da preocupação, da busca de um resultado ou alguma ação do desejo. É preciso ver que, se não compreendemos a solidão, toda forma de ação é uma distração, uma fuga, um processo de auto-isolamento que apenas gera mais conflito, mais angústia.  Dar-se conta desse fato é essencial, porque só assim podemos encarar a solidão.

Então, se formos ainda mais longe, surge o problema de saber se o que chamamos de solidão é uma realidade ou apenas uma palavra. A solidão é uma realidade ou não passa de uma palavra que encobre algo que pode não ser o que pensamos dela? Não é a solidão um pensamento, um resultado do pensar? Ou seja, o pensamento é verbalização baseada na memória; e estaremos nós, com essa verbalização, com esse pensamento, com essa lembrança, olhando o estado que caracterizamos como de solidão? Logo, o simples fato de atribuir um nome a esse estado pode ser a causa do medo que nos impede de observá-lo mais de perto; e se não lhe damos um nome, que é fabricado pela mente, será esse um estado de solidão?

Claro que há diferença entre solidão e estar só. A solidão é o estado último do processo de auto-isolamento. Quanto mais consciente de si, tanto mais isolado você é, e a autoconsciência é o processo de isolamento. Mas o estar só não é estar isolado. O estar só apenas existe quando a solidão desaparece. O estar só é um estado em que todas as influências cessaram por inteiro, tanto as que vêm de fora como a influência interior da memória; e só quando a mente se acha nessa condição de estar sozinha pode ela conhecer o incorruptível. Para chegar a isso, contudo, temos de compreender a solidão, esse processo de isolamento que é o eu e a sua atividade. Assim sendo, a compreensão do eu é o começo do fim do isolamento e, portanto, da solidão.

Jiddu Krishnamurti — Seattle, 9 de agosto de 1950

sexta-feira, 19 de julho de 2013

O que fazer com a dor da solidão?

Não é muito estranho que, num mundo como este, com tantas distrações e entretenimentos, quase todos sejam só expectadores e muito poucos os atuantes? Sempre que temos algum tempo livre, buscamos alguma espécie de distração. Apanhamos um livro sério, um romance, uma revista. Se estamos na América, ligamos o rádio ou a televisão, ou nos comprazemos em intermináveis conversas. Há o constante desejo de nos divertirmos, nos entretermos, fugirmos de nós mesmos. Temos medo de estar sós, desacompanhados, provados de distrações. Pouquíssimos dentre nós saímos a passear no campo ou na floresta — não conversando nem cantando cantigas, porém, andando tranquilamente e observando as coisas ao redor e dentro de nós. Quase nunca fazemos isso, porque quase todos vivemos sumamente entediados; vemo-nos colhidos numa estúpida rotina de aprender e ensinar, de deveres domésticos e profissionais e, por isso, em nossas horas de folga queremos distrair-nos, fútil ou seriamente. Tratamos de ler alguma coisa, de ir ao cinema; ou, o que é a mesma coisa, recorremos a uma religião. A religião se tornou também uma forma de distração, uma espécie de fuga “séria”, ao tédio, à rotina.

Não sei se você já notou estas coisas. A maioria das pessoas está constantemente ocupada com alguma coisa — rituais, recitação de certas palavras, preocupações a respeito disto ou daquilo — porque todos têm medo de estar a sós consigo mesmos. Experimente estar só, sem distração alguma, para ver como logo deseja fugir de si mesmo e esquecer o que você é. Eis a razão por que essa enorme estrutura de diversão comercializada, de distração automatizada, se tornou parte tão relevante dessa coisa que chamamos civilização. Se você observar, verá que no mundo inteiro as pessoas estão se tornando cada vez mais distraídas, cada vez mais afetadas e mundanas. A multiplicidade de prazeres, os inumeráveis livros que se vão publicando, as páginas de jornais cheias de notícias esportivas — não há dúvida que tudo isso indica que estamos constantemente necessitados de distrações. Porque interiormente somos vazios, embotados, medíocres, nos servimos de nossas relações e de nossas reformas sociais como meio de fugirmos de nós mesmos. Não sei se você já notou a grande solidão em que vive a maioria das pessoas. E, fugindo da solidão, corremos para os templos, as igrejas, as mesquitas, nos vestimos a rigor para assistir a solenidades sociais, vemos televisão, ouvimos rádio, lemos, etc. etc.

Você sabe o que significa solidão? Esta palavra poderá ser pouco familiar para você, mas você conhece muito bem o sentimento. Experimente sair sozinho para passear, ou estar sem um livro, sem alguém com quem conversar, para ver com que rapidez você fica entediado. Você conhece suficientemente esse sentimento, mas não sabe por que se entedia, pois nunca investigou isso. Se você investigar um pouco o sentimento de tédio, descobrirá que sua causa é a solidão. É para fugir da solidão que procuramos andar juntos, que desejamos entretenimentos, distrações de todos os gêneros: gurus, cerimônias religiosas, orações, ou novos romances. Vendo-nos interiormente sós, tornamo-nos na vida meros expectadores; e só seremos “os atuantes” quando compreendermos a solidão e a transcendermos.

Afinal de contas, a maioria das pessoas se casam e procuram outras relações sociais porque não sabem viver sós. Não estou dizendo que se deva viver só; mas, se uma pessoa se casa porque deseja ser amada — ou, sentindo-se entediada, se serve do trabalho como meio de esquecimento próprio — verá como sua vida inteira nada mais é do que uma interminável busca de distrações. São muito poucos os que transcendem esse extraordinário medo da solidão; mas é preciso transcendê-lo, porque é além que se encontra o verdadeiro tesouro.

 Você deve saber que há uma vasta diferença entre solidão e “estar só”. Alguns dos alunos mais novos ainda devem desconhecer a solidão, mas os mais velhos a conhecem: o sentimento de completo isolamento, de medo súbito sem causa aparente. A mente conhece esse medo quando, em dado momento, compreende que em nada pode confiar, que nenhuma espécie de distração poderá tirar-lhe aquele sentimento de vazio e de enclausuramento em si própria. Isso é solidão. Mas “estar só” é coisa totalmente diferente; é um estado de liberdade, que surge depois de termos passado pela solidão e a termos compreendido. Nesse “estar só”, de ninguém dependemos psicologicamente, porque já não buscamos o prazer, o conforto, a satisfação. É só então que a mente está completamente , e só essa mente é criadora.

Tudo isso faz parte da educação: enfrentar a dor da solidão, aquele extraordinário sentimento de vazio que todos conhecemos e, quando ele se apresenta, não ter medo, não ligar o rádio, não correr para o cinema, porém, enfrenta-lo, penetrá-lo, compreendê-lo. Não há ente humano que não tenha sentido ou não venha a sentir essa tremenda ansiedade. É porque, toda vez que essa ansiedade se apresenta, tratamos de fugir por meio de distrações e satisfações de todos os gêneros — sexo, Deus, trabalho, bebida, escrever poesias ou recitar certos mantras aprendidos de cor — que nunca chegamos a compreendê-los.

Assim, quando a dor da solidão lhe assaltar, enfrente-a, olhe-a, sem nenhuma ideia de fuga. Se fugir, jamais a compreenderá e ela estará sempre à sua espera, em cada volta do caminho. Mas, se você puder compreender e transcender a solidão, verá que não haverá nenhuma necessidade de fugir, nenhuma ânsia de satisfação ou entretenimento, porque sua mente conhecerá então uma riqueza incorruptível e indestrutível.

Tudo isso faz parte da educação. Se, na escola, você só estuda certas matérias para passar nos exames, então o próprio estudo se torna um meio de fuga à solidão. Reflita um pouco nisso, e verá. Converse sobre o assunto com os seus educadores, e logo verá o quanto você está só, e o quanto eles também estão sós. Mas, os que estão interiormente sós, aqueles cuja mente e cujo coração estão livres da dor da solidão — esses é que são indivíduos reais, porque são capazes de descobrir por si próprios o que é a Realidade, e de receber o Atemporal.

Krishnamurti – A cultura e o problema humano

segunda-feira, 27 de maio de 2013

O que buscamos nos relacionamentos?

A experiência não é uma medida, não é a forma de chegar à realidade porque, afinal de contas, nós experimentamos de acordo com a nossa crença, de acordo com o nosso condicionamento, e essa crença constitui, obviamente, uma fuga de nós mesmos. Para conhecer a mim mesmo, não posso ter crença alguma; só preciso me observar com isenção e clareza — observar-me nos relacionamentos, observar-me nas minhas fugas, observar-me nos meus apegos. temos que nos observar sem qualquer preconceito, sem chegar a qualquer conclusão, sem qualquer determinação. Nesse estado de percepção passiva, descobrimos essa extraordinária sensação de estar só. Tenho certeza de que muitos de vocês sentiram isso — uma sensação de completo vazio que nada pode preencher. É somente vivendo nesse estado em que todos os valores deixaram de existir, quando estamos capazes de estar sozinhos e de encarar esse estar só sem nenhum desejo de fuga, só então essa realidade se concretiza. Porque os valores são meros resultados de nosso condicionamento; como a experiência, eles se baseiam em crença e constituem um obstáculo à compreensão da realidade. 

Essa, porém, é uma árdua tarefa que poucos de nós têm vontade de enfrentar. De forma que nos apegamos a experiências, místicas, supersticiosas, às experiências dos relacionamentos, do assim chamado amor e à experiência da posse. Isso vem a se tornar muito significativo, porque é disso que somos feitos. Somos feitos de crenças, de condicionamentos, de influências ambientais. Esses são  nossos antecedentes, e a partir desses antecedentes, julgamos, avaliamos. E quando analisamos, compreendemos, todo o processo desses antecedentes, chegamos a um ponto em que nos encontramos absolutamente sós. Precisamos estar sós para encontrar a realidade — o que não significa fugir, retirar-se da vida. Pelo contrário, chega-se à completa intensificação da vida, porque, então, existe a libertação de antecedentes, da memória das experiências de fuga. Nesse estar só, nesse absoluto estar só, não existe escolha, não existe medo do que é. O medo só surge quando queremos reconhecer ou ver aquilo que é.

Portanto, é essencial,  para que a realidade se concretize, deixar de lado as inúmeras formas de fuga que criamos e em cujas malhas caímos. Se você observar, verá como usamos as pessoas — como usamos nossos maridos, nossas esposas, ou grupos ou nacionalidades — para escapar de nós mesmos. Procuramos consolo nos relacionamentos. Essa busca de conforto nos relacionamentos motiva certas experiências e a essas experiências nos apegamos. Para escapar de nós mesmos, o conhecimento torna-se muito importante; mas o conhecimento obviamente não é o caminho para se chagar à realidade. A mente precisa estar completamente vazia e silente para que a realidade se concretize. Mas a mente que está chacoalhando de sabedoria, habituada a ideias e crenças, sempre tagarelando, é incapaz de aceitar as coisas como são.

Se nós, de igual modo, buscamos consolo nos relacionamentos, então os relacionamentos representam uma fuga de nós mesmos. Nos relacionamentos procuramos consolo, queremos algo em que nos encostar, queremos apoio, queremos ser amados, queremos ter um dono — tudo indica a pobreza do nosso próprio ser. Nosso desejo de propriedade, de fama, de títulos, de bens, denota essa deficiência interior. 

Quando compreendemos que esse não é o caminho para chegar à realidade, chegamos àquele estado em que a mente não busca mais consolo, em que a mente está plenamente satisfeita com as coisas como são — o que não significa estagnação. Na fuga das coisas como são, existe morte; no reconhecimento e na percepção das coisas como são, existe vida. De forma que a experiência baseada no condicionamento, a experiência derivada de uma crença — que é resultado da fuga de nós mesmos — e a experiência dos relacionamentos transformam-se num bloqueio; elas dissimulam nossas deficiências. É somente quando reconhecemos que essas coisas constituem um obstáculo e reconhecemos, portanto, seu verdadeiro valor, que surge a possibilidade de permanecermos quietos, calados, nesse vazio, nesse estar só. E quando a mente está muito quieta, nem aceitando nem rejeitando, passivamente ciente das coisas como são, existe a possibilidade dessa realidade incomensurável concretizar-se. 

Krishnamurti — Sobre Deus     

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Compreendendo o pleno significado da solidão

Por que vocês não ousam fazer face à solidão? Não ousam se tornarem inteligentes e, por este meio, destruir a pobreza e a vacuidade.

O que é que fazemos, quando estamos isolados? Tentamos escapar da solidão, por meio da companhia, dos divertimentos, da adoração, da prece, por meio de todas essas hábeis, bem conhecidas e firmadas fugas. Por que é que fazemos isto? Pensamos poder assim disfarçar o isolamento, por meio dessas fugas, mediante esses alívios. Será possível para nós, disfarçarmos uma coisa que é visceralmente molesta? Momentaneamente, podemos, porém, o isolamento continuará, futuramente. Portanto, onde houver fuga, tem de haver continuidade do isolamento. Para o isolamento não há substituições. Se pudermos compreender isto com todo o nosso ser, completamente; se pudermos compreender que não há possibilidade de escapar da solidão, do medo, o que é que acontece então?

A maioria dentre vocês não poderá responder, porque jamais experimentaram o problema de modo completo. Não sabem o que acontecerá, quando houverem, por completo obstruído todas as vias de fuga e não houver a mínima possibilidade de fuga.

Eu lhes sugiro para que façam essa experiência. Quando estiverem isolados, tornem-se plenamente apercebidos e verificarão que a mente de vocês quer fugir, quer escapar da solidão. Quando a mente estiver apercebida de que está fugindo e, ao mesmo tempo, perceber o absurdo da fuga, nessa mesma compreensão a solidão, na verdade, desaparece.

Quando vocês de defrontarem com um problema e não houver possibilidade de uma saída, então o problema cessará, coisa que não significa a aceitação dele. Ora, vocês buscam um remédio para a solidão, uma substituição e, portanto, o problema não se relaciona com o isolamento, porém sim, com o saber qual o remédio para o isolamento, qual o melhor meio para dele escapar ou disfarçá-lo. Quando, porém, a mente não mais busca uma fuga, então o isolamento ou o medo terão um significado muitíssimo diferente.

Vocês não podem, no entanto, aceitar minhas palavras neste sentido. Tudo o que podem fazer é dizer que não sabem. Não sabem se o isolamento e o temor irão desaparecer; porém, experimentando, compreenderão o pleno significado da solidão. Se meramente buscarmos remédio para a solidão ou para o medo, nos tornaremos muito superficiais, não é assim? Para o home que tem tudo o de que precisa, como para o homem que de tudo necessita, para ambos, a vida se torna muito vazia. Na mera busca de remédios, torna-se a vida sem significado, oca; ao passo que, se realmente experimentarem o problema ardente e não houver maneira possível de fugir, então, verificarão que esse problema executa para vocês uma coisa milagrosa.

Não mais será um simples problema, o examiná-lo, o vivê-lo, o compreende-lo se tornará intensamente vital.

Só existe um movimento da verdade: é quando a mente não está mais colhida pelo medo, com todas as suas ilusões; quando não mais busca orientação, nem ser guiada. A solidão não é exclusividade; ela vem à existência, quando há o discernimento do que é falso.

Krishnamurti — O medo — 1946 — ICK

sábado, 16 de fevereiro de 2013

É possível, pelo pensamento, descobrir-se uma harmônica maneira de viver?

Vós viveis fragmentariamente: no escritório sois diferentes do que sois em casa; tendes pensamentos “particulares” e pensamentos “públicos”. Assim, percebendo essa enorme separação e contradição existente entre os fragmentos, perguntamos se o pensamento pode uni-los, efetuar a integração de todos os elementos. É ele capaz de tanto?

Consequentemente, cumpre-nos investigar a natureza e estrutura do pensamento. Pode o pensamento, a atividade pensante, o processo intelectual de raciocinar, produzir uma vida harmoniosa? Para investigarmos isso, cumpre-nos investigar, examinar atentamente a natureza e estrutura da pensamento; isso significa que iremos examinar juntos o vosso pensar, não a descrição ou a explicação dada pelo orador, porquanto a descrição nunca é a coisa descrita e tampouco a explicação é a coisa explicada. Portanto, não nos deixemos enredar na explicação ou descrição, mas investiguemos juntos, verifiquemos juntos como o pensamento funciona e se ele é realmente capaz de produzir uma maneira de vida totalmente harmônica, não contraditória, completa em todas as ações. Isso é muito importante, porque, se desejamos um mundo totalmente transformado, um mundo sem corrupção, uma maneira de vida em si mesma significativa, temos de indagar se o pensamento é capaz de criar tal maneira de vida. E indagar, também, o que é o sofrimento, se ele pode findar, e o que é a dor, o medo, o amor, a morte.

(…) Cumpre, pois, investigar a sério a natureza do pensamento.

Que é pensar? Fazei a vós mesmos esta pergunta: Que é pensar? Temos de compreender o significado profundo do pensamento, porque nós vivemos pelo pensamento. Se fazemos qualquer coisa, ou a fazemos refletidamente, ou a fazemos mecanicamente, em conformidade com o padrão de ontem, a tradição. Temos, portanto, de ver claramente qual é a função do pensamento. Se vos observais mui atentamente, não descobris que o pensamento é reação da memória, sendo essa memória experiência, conhecimento? Se não tivésseis nenhum conhecimento, nenhuma experiência, nenhuma memória, não haveria pensar. Estaríeis vivendo num estado de amnésia. O pensamento, como vimos, é reação da memória, e a memória está condicionada pela cultura em que viveis, pela educação que recebestes e a propaganda religiosa que vos foi instalada; o pensamento é reação da memória, isto é, do saber e da experiência nela acumulados. Necessitamos do conhecimento, da memória, para acharmos o caminho de casa, para falarmos uns com os outros, mas o pensamento, sendo reação da memória, nunca é livre, é sempre velho.

E o pensamento — essa reação do “velho”, da memória — é capaz de descobrir uma maneira de viver totalmente harmônica e clara? Todavia, queremos descobri-la por meio do pensamento ; digo: “pensarei nisso a fundo e descobrirei a maneira de viver harmonicamente”. E, já que o pensamento é reação do passado, de nosso condicionamento, não tem nenhuma possibilidade de descobrir a maneira harmoniosa de viver. Estais entendendo? O pensamento não pode descobri-la e, entretanto, usamos o pensamento para descobri-la. Bem sabemos que o pensamento é necessário, para podermos voltar para casa, para ganharmos a vida, para fazermos qualquer coisa; num certo nível, ele é absolutamente necessário, mas, quando se trata de descobrir uma maneira de viver diferente da atual — que é de desarmonia — o pensamento se torna um empecilho.

Ao perceberdes esta verdade, que o pensamento, por mais racional e lógico, por mais são e claro que seja, é incapaz de descobrir aquela maneira de vida, qual o estado de vossa mente? Estais-me acompanhando? estais trabalhando com o orador, ou estais meramente ouvindo palavras e ideias? Compreendeis esta pergunta? espero estejais trabalhando com igual ardor e empenho, porque, do contrário, nada descobrireis. E nós, que vivemos neste mundo insano, temos de descobrir uma nova maneira de viver. Ora, se o pensamento é incapaz de descobri-la, e compreendemos isso como um fato verdadeiro e não como uma explicação verbal, qual é então o estado da mente, da vossa mente? Qual é o estado da mente quando percebe um fato verdadeiro?* Não me respondais, por favor. Nunca vos deixais entranhar de uma verdade;não “ficais com ela”, mas estais sempre prontos a saltar com palavras e explicações, sabendo muito bem que a explicação não é a coisa real.

Perguntamos,  pois: Qual é o estado da mente que percebe a necessidade do pensamento e percebe também que o pensamento, por mais que se esforce, não pode de nenhum modo produzir aquela beleza de uma vida totalmente harmônica? Esta é uma das coisas mais difíceis de transmitir, um dos assuntos mais difíceis de tratar, porque até agora só temos vivido de experiências alheias, sem percepção direta; temos medo da percepção direta. E, diante deste desafio, vossa tendência é fugir, refugiar-vos em palavras e explicações; mas cumpre por de lado todas as espécies de explicação. Assim, qual o estado da mente, isto é, qual a natureza da mente que percebe a verdade? Por ora, deixemos de lado este ponto, porque não há tempo para entrarmos em pormenores e há ainda assuntos a tratar. A ele voltaremos.

(…) Ante o nosso sofrimento, tratamos de fugir, e as palavras, as teorias, as explicações e crenças nos oferecem os desejados meios de fuga. Se morre meu filho, tenho uma dúzia de explicações. Fujo, por medo à solidão. E que acontece? Torno a adormecer. Mas, o sofrimento é uma espécie de desafio. Se “ficardes” com ele, completamente, sem fugir, sem “verbalizar”, sem nenhum movimento de pensamento, descobrireis toda a sua estrutura.

E cumpre-vos, também, descobri, por vós mesmo, se o medo pode terminar — não apenas o medo físico, mas também os temores internos, psicológicos.

Que é o medo? É ele produto do pensamento? Obviamente, o medo resulta do pensamento. Pensais numa certa coisa que, ontem ou no ano passado, vos causou dor, física ou de outra espécie, e sentis medo; é desse modo que o pensamento nutre o medo e lhe dá continuidade. O pensamento projeta, também, o medo no futuro: posso perder meu emprego, minha posição, meus prestígio, minha reputação. Compreendeis? O pensar tanto no passado como no futuro gera medo. Por conseguinte, perguntamos: pode o pensamento cessar?

E note-se, ainda, que o pensamento sustenta o prazer. O pensar no prazer que ontem experimentei, contemplando o pôr do Sol — tão maravilhoso, tão belo, tão estimulante, etc. — sustenta aquele prazer.

Temos, pois, o sofrimento, o medo, o prazer e a alegria.

A alegria difere do prazer? Não sei se alguma vez a conhecestes. A alegria “acontece”, vem subitamente. Mas, não se sabe como, o pensamento dela se apodera e a reduz a prazer; e, assim, dizeis: “Quero experimentar de novo aquela alegria”. O pensamento, pois, sustenta e nutre o prazer, o medo, e dá continuidade ao sofrimento.

E, por fim, há o medo da morte, o medo fundamental do homem. Dele trataremos mais tarde.

Agora, ao perceberdes que o pensamento perpetua o prazer e o medo, e que evitar o medo, mediante diferentes formas de fuga, deforma a mente e, por conseguinte, a torna incapaz de compreender de todo o medo — qual o estado de vossa mente ao perceberdes esta verdade? E qual o estado da mente que sabe quando o pensamento é necessário, quando deve ser empregado, logicamente, objetivamente, equilibradamente, e sabe também que o pensamento, que é reação do conhecimento, ou seja, do passado, se torna um obstáculo a uma maneira de viver isenta de contradição? Qual o estado de vossa mente quando dizeis: “Compreendo”? Ela está completamente vazia e em silêncio. Não é exato isso? Só se pode ver uma coisa bem claramente quando não há escolha. Havendo escolha, há confusão. Só a mente confusa escolhe, discrimina entre o essencial e o não essencial; mas o homem que vê com clareza não faz escolha.

Há, pois, uma ação que vem quando a mente está vazia de todo o movimento de pensamento, exceto aquele movimento que é necessário quando o pensamento deve funcionar. A mente é então capaz de dar atenção aos fatos da vida diária. Mas, ela é capaz de funcionar dessa maneira se sois muçulmano, budista, hinduísta, e estais condicionado por esse fundo? Não é, evidentemente. Por conseguinte, se perceberdes esse fato, deixareis de ser muçulmano, cristão, e vos tornareis outra coisa bem diferente —  não algum dia, no futuro, mas agora, neste mesmo momento. De outro modo, jamais vereis a verdade. Sobre ela podereis falar interminavelmente, ler todos os livros do mundo, mas jamais alcançareis sua beleza e vitalidade. Assim, a mente que investiga, que faz perguntas fundamentais, indaga também se a sociedade pode ser transformada radicalmente, fundamentalmente — não sua estrutura econômica, mas sim, a estrutura psicológica. Porque, se a psique não for transformada, continuareis a fazer, exteriormente, as mesmas coisas — modificadas, talvez, mas sempre segundo o velho padrão.

Cabe-vos, pois, fazer esta pergunta fundamental; a ela ninguém pode responder senão vós mesmo. Não há confiar em ninguém. Deveis, portanto, observar e, observando, aprender. Assim, pode a mente manter-se completamente desperta, observando, a fim de ver a verdade relativa a qualquer coisa e, vendo-a, atuar — assim como atuais em presença de um perigo? Ao verdes um perigo, atuais instantaneamente. Do mesmo modo, ao verdes, por inteiro, a  verdade relativa a qualquer coisa, há ação imediata. 

Krishnamurti — Nova Deli, 13 de dezembro de 1970
Extraído do livro: O Novo Ente Humano – Ed. ICK

(*) A mente está vazia e em silêncio, conforme Krishnamurti explica mais adiante (Nota do tradutor)

sábado, 29 de dezembro de 2012

Quando a pessoa se torna consciente, se torna só

Você não pode tornar outra pessoa responsável por sua evolução. Aceitar esta situação dá-lhe forças. Você está no seu caminho para crescer, para evoluir.

Nós criamos deuses, ou nos refugiamos nos gurus, de tal forma que não tenhamos responsabilidade por nossas próprias vidas, por nossa própria evolução. Nós tentamos colocar a responsabilidade em algum lugar distante de nós. Se nós não somos capazes de aceitar algum deus ou algum guru, nós tentamos então escapar da responsabilidade através de intixicantes, ou drogas, através de alguma coisa que nos torne inconscientes. Mas estes esforços para negar a responsabilidade são absurdos, juvenis, insfantis. Eles apenas postergam o problema; não são soluções. Você pode postergar até à morte, mas o problema ainda permanece, o seu novo nascimento continuará no mesmo caminho.

Uma vez que você começa a se tornar consciente de que somente você é responsável, não há escape através de nenhum tipo de insconsciênia. E você é tolo de tentar escapar, porque a responsabilidade é uma grande oportunidade para a evolução. Da luta que é criada, algo novo pode evoluir.

Tornar-se consciente significa saber que tudo depende de você. Mesmo seu deus depende de você, porque ele é criado por sua imaginação. Tudo no fundo é uma parte de você, e você é responsável por ela. Não há ninguém para ouvir suas desculpas, não há cortes-de-apelos. Toda responsabilidade é sua.

E você é sozinho, absolutamente sozinho. Isto precisa ser compreendido muito claramente. No momento em que uma pessoa se torna consciente, ela se torna só. Assim não fuja desse fato através da sociedade, dos amigos, das associações, das multidões. Não fuja dele! É um grande fenômeno; todo o processo da evolução trabalha em direção a isso. A consciência chega ao ponto agora onde você sabe que está só. E somente no estado de ser sozinho é que você pode atingir a iluminação.

Eu não estou falando de solidão. O sentimento de solidão é aquele que vem quando o indivíduo foge do estado de ser sozinho, quando o indivíduo não está pronto para aceitá-lo. Se você não aceitar o fato de ser sozinho, então você se sentirá solitário. Então você encontrará alguma multidão ou alguns meios de intoxicação nos quais esquecer-se a si mesmo. A solidão criará sua própria mágica do esquecimento.

Se você puder estar , mesmo que por um momento apenas, totalmente só, o ego morrerá; o “Eu” morrerá. Você explodirá, você não será mais. O ego não pode permanecer só. Ele só pode existir em relação a outros. Sempre que você está só, um milagre acontece. O ego torna-se fraco, agora ele não pode continuar a existir por muito tempo. Assim, se você pode ser corajoso o bastante para estar só, você gradualmente tornar-se-á sem ego.

Estar só é um ato muito consciente e deliberado, mais deliberado do que o suicídio, porque o ego não pode existir sozinho; mas ele pode existir no suicídio. As pessoas egoísticas são as mais propensas ao suicídio. O suicídio está sempre em relação a alguém. nunca é um ato de isolamento. No suicídio, o ego não sofrerá. Ao contrário, tornar-se-á mais expressivo. Entrará em um novo nascimento com força maior.

Através do isolamento interior o ego se desmancha. Não há nada com o que se relacionar, desta forma não pode existir. Assim, se você está pronto para estar só, não vacilantemente — nem retrocendendo nem fugindo, apenas aceitando o fato do isolamento tal como ele é —, tornar-se-á uma grande oportunidade. Então você é como uma semente que tem muito potencial nela. Mas lembre-se, a semente deve destruir-se a si mesma para a planta crescer. O ego é uma semente, uma potencialidade. Se ele é destruído, o divino nasce. O divino não é nem o “Eu” nem o “Vós”, é o um. Através do isolamento interior você chega a esta unicidade.

Você pode criar falsos substitutos para esta unicidade. Os hindus tornam-se um, os cristãos tornam-se um, os maometanos tornam-se um; a Índia é um, a China é um. Isto são apenas substitutos para a unicidade. A unicidade vem somente através do isolamento interior total.

Uma multidão pode chamar a si mesma de um, mas a unicidade está sempre em oposião a alguma outra coisa. Já que a multidão está com você, você se sente descontraído. Agora você já não é mais o responsável. Você não destruiria um templo sozinho, você não incendiaria uma mesquita sozinho, mas como parte de uma multidão você pode fazê-lo, porque agora você não individualmente responsável. Todos os outros são responsáveis, assim ninguém em particular é responsável. Não há consciência individual, somente consciência grupal. Você regride na multidão e se torna tal como um animal.

A multidão é um falso substituto para o sentimento de unicidade. Aquele que está consciente da situação, consciente da sua responsabilidade como um ser humano, consciente da dificuldade, da tarefa árdua que vem com o ser humano, não escolhe quaisquer substitutos falsos. Ele vive com os fatos como são; ele não cria qualquer ficção. Suas religiões, suas ideologias políticas, são apenas ficções, criando um sentimento ilusório de unicidade.

A unicidade vem somente quando você se torna ausente de ego, e o ego pode morrer somente quando você está totalmente só. Quando você está completamente só, você não é. Aquele exato momento é o momento da explosão. Você explode para dentro do infinito. Isto, e somente isto, é evolução. Eu a chamo revolução, porque não é inconsciente. Você pode tornar-se sem ego ou não. Depende de você.

Estar só é a única revolução real. Muita coragem é necessária. Somente um Buda está só, somente um Jesus ou um Mahavir está só. Não que eles tenham deixado suas famílias, abandonando o mundo. parece assim, mas não é assim. Eles não estiveram abandonando coisas negativamente. O ato era positivo; era um movimento em direção ao isolamento. Eles não estavam abandonando. Eles estavam em busca de encontrarem isolamento interior.

A busca toda é por aquele momento de explosão quando o indivíduo está isolado. No isolamento há regozijo. E apenas então a iluminação é obtida.

Nós não podemos estar isolados, os outros não podem tampouco estar isolados, assim nós criamos grupos, famílias, sociedades, nações. Todas as nações, todas as famílias, todos os grupos, são feitos de covardes, daqueles que não são corajosos o suficiente para esteram sós.

Coragem real é a coragem de estar só. Significa entendimento consciente do fato de que você é sozinhoe você não pode ser diferente. Você pode ou enganar-se a si mesmo, ou viver com este fato. Você pode continuar enganando-se a si mesmo por vidas e vidas, mas continuará simplesmente num círculo vicioso. Somente se você viver com este fato do isolamento, o círculo é quebrado e você pode vir ao centro. Aquele centro é o centro da divindade, do todo, do santo.

Osho — A Psicologia do Esotérico

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Enfrentando nossa tremenda solidão e vazio

Pergunta: Que queríeis dizer ao declarardes, há dias, que devemos ser perturbados?

Krishnamurti: Peço-vos não considerar-me como uma autoridade. Isso seria uma coisa terrível. Mas podeis ver por vós mesmo que o desejo de não sermos perturbados é uma de nossas principais necessidades. E é possível que a mente, o intelecto, ao deter seu incessante “tagarelar”, descubra uma grande perturbação interior. Podeis ver por vós mesmo que vossa mente vive ocupada — com a esposa, o marido, o sexo, a nacionalidade, Deus, sobre onde obter a próxima refeição, etc. E já procurastes averiguar por que ela vive ocupada, e que aconteceria se não estivesse ocupada? Se o fizerdes, vos vereis frente a frente com algo que nunca pensastes; e esse algo pode ser um fato extremamente perturbador. E é realmente. Esta constante ocupação da mente pode ser uma simples fuga ao fato, ou seja, nossa tremenda solidão e vazio. E essa perturbação precisa ser enfrentada e profundamente examinada.

Krishnamurti — 10 de setembro de 1961  

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Desaparecendo com todo sentimento de solidão e medo

Onde não existe o medo, está a beleza — não a beleza de que falam os poetas, aquela que os artistas pintam etc., porém coisa bem diferente. e para descobrir a beleza, um homem terá de conhecer esse isolamento completo — ou, melhor, não terá de conhecê-lo, pois ele já existe. Vós fugistes dele, mas ele continua existente e vos segue sempre. Ele lá está, em vosso coração e em vossa mente, nos mais profundos recessos de vosso ser. Vós o encobristes, fugistes dele; mas ele continua existente. E a mente tem de passar por ele, como quem se submete à purificação pelo fogo. Ora, pode a mente passar por ele sem reação, sem dizer que é um estado horrível? No momento em que há reação, torna-se existente o conflito. Se vós o aceitais, continuareis debaixo de seu peso; e se o rejeitais, tornareis a encontrá-lo na primeira volta do caminho. A mente, pois, tem de passar por ele. Estais-me acompanhando? A mente é aquela solidão, não precisa de passar por ela; ela é a solidão. Quando pensais em termos de “passar por uma coisa” para alcançar outra, já estais em conflito. No momento em que dizeis: “De que maneira devo passar pela solidão, de que maneira devo olhá-la?” — nesse momento já vos achais de novo em conflito.

Existe, pois, vazio, uma solidão extraordinária que nenhum Mestre, nenhum guru ou idéia, nenhuma atividade poderá afastar de vós. Já andastes “mexendo” com essas coisas, já vos entretivestes com todas elas; mas elas não podem preencher esse vazio; ele é um abismo sem fundo. Mas deixa de ser esse “abismo sem fundo” no momento em que o experimentais. Compreendeis?    

Para que a mente possa ficar inteiramente livre de conflito, total e completamente livre de apreensão, medo e ansiedade, torna-se necessário o experimentar desse extraordinário sentimento de não relação com alguma coisa; daí provém o sentimento de solidão. Não imagineis que já o tendes; isso é muito difícil. Só quando temos esse sentimento de solidão em que não há medo é que existe o movimento para o imensurável; porque então não há ilusão, não há fabricante de ilusão, não há o poder de criar ilusão. Enquanto existe conflito, existe o poder de criar ilusão; e com a total cessação do conflito, o temor deixa de existir completamente, e, portanto, não há mais buscar.

Não sei se compreendestes. Afinal, todos vós estais aqui porque andais a buscar. E se examinardes isso, que é que estais buscando? Estais em busca de algo existente além de todo esse conflito, miséria, sofrimento, agonia, ansiedade. Buscais uma saída. Mas, se se compreende isso de que estivemos falando, cessa então toda a busca — e esse é um extraordinário estado mental.

Como sabeis, a vida é um processo de desafio e reação, não? Temos o desafio exterior: o desafio da guerra, da morte, de dúzias de coisas diferentes, e reagimos. O desafio é novo, mas todas as nossas reações são sempre velhas, condicionadas. Não sei se isto está claro. Para reagir ao desafio, eu preciso reconhecê-lo, não? E se o reconheço, é porque o interpreto em termos de passado; portanto, ele é “o velho”, evidentemente. Vede bem isso, por favor, porque desejo ir pouco mais longe.

Para o homem que vive muito interiormente, os desafios exteriores perderam toda a importância; mas ele continua a ter seus desafios e reações interiores. Porém, eu estou falando a respeito da mente que já não busca, e, portanto, já não tem desafio e reação. E este não é um estado de satisfação, de contentamento, um estado de placidez qual de uma vaca. Quando compreendemos o significado do desafio e da reação exteriores, e o significado do desafio interior que apresentamos a nós mesmos, e a respectiva reação, e rapidamente passamos por tudo isso — sem levarmos nisso meses e anos — a mente, então, já não está sendo moldada pelo ambiente; já não é influenciável. A mente que passou por essa extraordinária revolução pode enfrentar todo e qualquer problema, sem que nenhum problema deixe marca nem raízes. Desapareceu, então, todo sentimento de medo.

Não sei até que ponto percebestes o que estive explicando. Notai que escutar não significa apenas ouvir; escutar é uma arte. Faz parte do autoconhecimento; e se uma pessoa escutou realmente, e penetrou profundamente em si mesma, isso é uma purificação. E o que foi purificado recebe uma benção que não é a benção das igrejas.

Krishnamurti — 18 de maior de 1961

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Conhecendo as implicações da solidão

Questionador: Sinto-me muito só e anseio por um relacionamento humano íntimo. Já que não consigo arranjar companhia, o que devo fazer?

Krishnamurti: Uma das nossas dificuldades é, sem nenhuma dúvida, o fato de queremos ser felizes por meio de alguma coisa, por meio de uma pessoa, de um símbolo, de uma ideia, da virtude, por meio da ação, por meio da companhia. Pensamos que a felicidade, a realidade ou o nome que lhe quiserem dar pode ser encontrada por intermédio de alguma coisa. Logo, sentimos que, através da ação, da companhia, de certas ideias, encontraremos a felicidade.

Assim, estando só, quero encontrar alguém ou alguma ideia por meio da qual eu possa ser feliz. Mas a solidão sempre permanece; ela está sempre presente, encoberta. Mas como isso me assusta e eu não conheço a natureza interior dessa solidão, quero encontrar alguma coisa a que me apegar. Assim, penso que por meio de algo, de alguém, serei feliz. Por esse motivo, nossa mente está sempre preocupada em encontrar alguma coisa. Por intermédio dos móveis, de uma casa, de livros, de pessoas, de ideias, de rituais, de símbolos, esperamos alcançar algo, encontrar a felicidade. E eis porque as coisas, as pessoas, as ideias, se tornaram extraordinariamente importantes: porque temos a esperança de, por seu intermédio, vir a alcançar a felicidade. Desse modo, começamos a ficar dependentes delas.

Mas, apesar de tudo isso, permanece a coisa não compreendida, não resolvida; a ansiedade, o medo, ainda estão presentes. E mesmo quando me dou conta de que estão presentes, quero usá-los, transpô-los, a fim de descobrir o que há além. A minha mente usa tudo como um meio de ir além, e por isso, torna triviais todas as coisas. Se uso você para a minha realização, para a minha felicidade, você se torna bem pouco importante, visto que minha preocupação é a minha felicidade. Logo, quando minha mente está às voltas com a ideia de que pode ter felicidade por meio de alguém, de uma coisa ou de uma ideia, não torno transitórios todos esses meios? Porque minha preocupação é, nesse caso, alguma outra coisa, ir além, capturar algo que se encontra além disso tudo.

Não será muito importante que eu compreenda essa solidão, essa dor, esse sofrimento do vazio extraordinário? Porque, se eu compreender isso, talvez não empregue coisa alguma para encontrar a felicidade. Não usarei Deus como meio de atingir a paz nem um ritual para ter mais sensações, exaltações, inspirações. O que me consome o coração é essa sensação de medo, minha solidão, meu vazio. Posso compreender isso? Posso solucioná-lo? A maioria de nós se sente solitária, não? Façamos o que fizermos, o rádio, os livros, a política, a religião — nada dessas coisa pode encobrir de fato essa solidão. Posso ser socialmente ativo, posso identificar-me com certas filosofias organizadas, mas, faça o que fizer, a solidão continua presente, nas profundezas do meu inconsciente ou no mais íntimo do meu ser.

E como proceder diante disso? Como trazê-lo para o exterior e resolvê-lo por completo? Mais uma vez, toda a minha tendência é condenar, não é? Tenho medo daquilo que não conheço, e o medo é o resultado da condenação. Afinal, não conheço a qualidade da solidão, o que ela de fato é. Mas a minha mente a julgou, dizendo que ela é assustadora. A mente tem opiniões sobre o fato, tem ideias acerca da solidão. E são essas ideias e opiniões que criam o medo e me impedem de ver de fato a solidão.

Estarei me fazendo compreender com clareza? Sinto-me solitário e tenho medo disso. O que causa o medo? Não será o fato de eu não conhecer as implicações da solidão? Se conhecesse o conteúdo da solidão, eu não a temeria. Entretanto, como tenho uma ideia de como ela poderia ser, eu não a temeria. Entretanto, como tenho uma ideia de como ela poderia ser, fujo dela. O que gera o medo é a fuga, e não a observação que faço da solidão. Para observá-la, para ficar com ela, não posso condenar. E quando for capaz de encará-la, terei condições de amá-la, de observá-la.

Então, será essa solidão de que tenho medo apenas uma palavra? Não será ela, na verdade, um estado essencial, talvez a porta por meio do qual descobrirei? Essa porta pode me levar mais longe, de modo que a mente compreenda o estado no qual tem de estar só, não contaminada. Porque todos os processos que me afastam dessa solidão são desvios, fugas, distrações. Se a mente puder viver com a solidão sem condená-la, talvez isso a leve a descobrir o estar só, o estado em que a mente se encontra não apenas solitária mas completamente sozinha, independente, não desejosa de descobrir por intermédio de alguma outra coisa.

É necessário ficar só, conhecer esse estar só não induzido pelas circunstancias, esse estar só que não é isolamento, esse estar só que é criatividade, condição na qual a mente já não busca a felicidade nem a virtude, nem cria resistência. A mente que está só é a única que pode encontrar — não a mente contaminada, corrompida pelas suas próprias experiências. Assim, talvez a solidão, de que todos temos consciência, possa, se soubermos como encará-la, abrir a porta para a realidade.

Krishnamurti — Londres 7 de abril de 1963

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Estar relacionado significa não depender do outro

Temos de considerar o nosso relacionamento tal como é agora, todos os dias; e, observando o que ele é, descobriremos como transformar essa realidade. Assim, estamos descrevendo as coisas tais como efetivamente são. Cada um vive em seu próprio mundo, em seu mundo pessoal de ambição, de cobiça, de medo, de desejo de sucesso e assim por diante. Se sou casado, tenho responsabilidades, filhos; vou ao escritório ou algum outro lugar de trabalho; marido e mulher, rapaz e moça, se encontram na cama. E a isto damos o nome de amor — levar vidas separadas, ser isolados, construir uma parede de resistência ao nosso redor, levando avante uma atividade que gira em torno de nós mesmos. Cada qual procura segurança psicologicamente; cada qual depende do outro para se sentir confortado, para ter prazer, para ter companhia. Como somos todos profundamente solitários, cada um exige que o amem, que o valorizem; cada um está tentando dominar o outro. Vocês mesmos podem perceber isso se se observarem. Há na vida de vocês algum tipo de relacionamento, qualquer que seja? Não há relacionamento entre dois seres humanos; embora possam ter filhos, um lar, na realidade os dois não estão relacionados entre si. Se tem um projeto comum, esse projeto os sustenta, os matem juntos, mas isso não é relacionamento.

Dando-se conta disso, a pessoa percebe que, se não há relacionamento entre dois seres humanos, começa a corrupção, não na estrutura externa da sociedade, no fenômeno externo da poluição, mas na poluição interior, a destruição. Os seres humanos na realidade não tem nenhum relacionamento — como é o caso de vocês. Vocês podem segurar a mão um do outro, beijar-se, dormir juntos; mas na realidade, quando observam tudo isso bem de perto, haverá aí algum relacionamento? Estar relacionado significa não depender do outro, não tentar escapar da própria solidão por meio do outro, não tentar encontrar conforto, companhia, por intermédio do outro. Quando vocês procuram o conforto por meio do outro, quando são dependentes, etc., pode haver algum tipo de relacionamento?

Não estarão vocês, nesse caso, usando-se mutuamente?

Não estamos sendo pessimistas, mas observando a realidade tal como é; isso não é pessimismo. Para descobrir o que de fato significa estar relacionado com o outro, é necessário compreender a questão da solidão, porque a maioria de nós é terrivelmente solitária; quanto mais envelhecemos, tanto mais solitários ficamos, principalmente neste país [Estados Unidos]. Vocês já observaram como são os mais velhos? Já se deram conta de suas fugas, de suas diversões? Eles trabalharam a vida inteira e querem fugir para alguma espécie de entretenimento.

Vendo isso, será possível encontrar uma maneira de viver na qual não usemos o outro psicológica nem emocionalmente, não dependamos do outro, não o façamos de válvula de escape das nossas próprias torturas, dos nossos próprios desesperos, da nossa própria solidão?

Compreender isso equivale a compreender o que significa ser solitário. Vocês já ficaram solitários? Sabem o que isso quer dizer? Quer dizer que vocês não têm relação com o outro, estão completamente isolados. Podem estar com a família, no meio da multidão, no escritório, em qualquer lugar, quando essa sensação de profunda solidão, com o desespero que a acompanha, de súbito desaba sobre vocês. Até resolverem isso por completo, seus relacionamentos assumem o caráter de um meio de fuga, levando, por conseguinte, à corrupção, à angústia. Como proceder para compreender essa solidão, essa sensação de isolamento? Para compreendê-la, temos de examinar a nossa própria vida. Não é verdade que todas as suas ações são atividades que giram em torno de vocês mesmos? Vocês podem de vez em quando ser caridosos, generosos, fazer algo sem interesse próprio — trata-se de ocasiões raras. Esses desespero jamais pode ser dissolvido por meio de uma fuga, mas apenas mediante a sua observação.

Logo, voltamos à questão de como nos observarmos a nós mesmos de modo que não haja nenhum conflito nessa observação. Porque o conflito é corrupção, perda de energia; é a batalha da nossa vida do momento em que nascemos até a hora da morte. Será possível viver sem um único instante de conflito? Para fazê-lo, para descobrir isso por nós mesmos, temos de aprender a observar todo o nosso movimento. Há uma observação verdadeira quando não há o observador, mas apenas a observação.

Quando não há relacionamento, pode haver amor? Falamos sobre isso e o amor, tal como o conhecemos, está vinculado com o sexo e o prazer, não é? Alguns de vocês dizem “não”. Se dizem não, vocês devem ser sem ambição, não havendo, assim, competição, divisão — como “você” e “eu”, “nós” e “eles”. Não pode haver divisão de nacionalidade, nem divisão causada pela crença, pelo conhecimento. Só então vocês podem dizer que amam. Porém, para a maioria das pessoas, o amor está vinculado com o sexo e com o prazer, e com toda a labuta concomitante — ciúme, inveja, antagonismo — vocês sabem o que acontece entre um homem e uma mulher. Quando esse relacionamento não é verdadeiro, real, profundo, completamente harmonioso. Como podem vocês ter paz neste mundo? Como pode a guerra ter fim?

Assim, o relacionamento é uma das coisas mais importantes — ou melhor, a coisa mais importante — da vida. Isso significa que se tem de compreender o que é o amor. Certamente deparamos com ele de uma maneira estranha, sem procura-lo. Quando descobrem por si mesmos o que o amor não é, vocês ficam sabendo o que ele é. Não de forma teórica nem verbal, mas quando se dão efetivamente conta do que ele não é: não ter uma mente competitiva, ambiciosa, uma mente que se empenha, compara, imita. É impossível uma mente assim poder amar.

E será que vocês, vivendo neste mundo podem ser completamente sem ambição, jamais se comparando com qualquer outra pessoa? Porque, no momento em que vocês se comparam com o outro, há conflito, há inveja, há o desejo de alcançar, de ir além dele.

Será que uma mente e um coração que se lembram de mágoas, dos insultos, das coisas que os tornaram insensíveis e embotados, será que uma tal mente e um tal coração podem saber o que é o amor? No entanto, o que estamos procurando, consciente ou inconscientemente? Os nossos deuses são o resultado do nosso prazer. As nossas crenças, a nossa estrutura social, a moral da sociedade — que é essencialmente imoral — são o resultado da nossa busca do prazer. E quando vocês dizem “eu amo alguém”, isso é amor? Amor significa ausência de separação, de dominação, de atividade autocentrada. Para descobrir o que ele é, é imprescindível negar tudo isso — negar no sentido de perceber a sua falsidade. Uma vez que se perceba como falsa uma coisa que se aceitava como verdadeira, natural, humana, não mais se pode voltar a ela; quando veem uma cobra ou outro animal perigoso, vocês nunca brincam com ele, vocês nunca se aproximam dele. Do mesmo modo, quando perceberem efetivamente que o amor não é nenhuma dessas coisas, quando o sentirem, o observarem, o mastigarem, viverem com ele, comprometerem-se inteiramente com ele, vocês saberão o que é o amor, o que é a compaixão — que é paixão por todos.

Não temos paixão; temos luxúria, temos prazer. O significado original da palavra paixão é sofrimento. Todos já tivemos algum tipo de sofrimento, por perder alguém, o sofrimento da autocomiseração, o sofrimento da raça humana, tanto coletivo como pessoal. Sabemos o que é o sofrimento, a morte de alguém que julgamos amar. Quando permanecemos com esse sofrimento de maneira total, sem tentar racionalizá-lo, sem tentar escapar dele de nenhuma forma — por meio de palavras ou da ação —, quando nos mantemos com ele completamente, sem nenhum movimento do pensamento, descobrimos que desse sofrimento vem a paixão. Essa paixão tem a qualidade do amor, e o amor não tem sofrimento.

Krishnamurti —Nova Iorque, 24 de abril de 1971
Extraído do livro: O despertar da Inteligência (Não editado no Brasil)

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Pode a mente abster-se de fugir e olhar de frente o seu vazio?

Pode a mente abster-se de fugir e olhar de frente o seu vazio, esse extraordinário sentimento de solidão, que é a expressão autêntica do "eu"? — visto que o "eu" é a entidade, a consciência que, quando não está em movimento, é vazia. Compreendeis o que estou explicando?...

Afinal de contas, o "ego", o "eu", se expressa na ambição, no desejo de aquisição, na inveja, no ser violento e no lutar para ser não-violento, etc. Tudo isso são expressões do "eu"; e, reconhecendo-as como tais e investigando-as profundamente, vejo também que essas atividades do "eu" resultam justamente do seu extraordinário sentimento de vazio. Não sei se tendes notado que, quando seguimos as pegadas do "eu" como entidade completamente vazia; a mente, em verdade, não quer ver esse vazio, preferindo voltar-lhe as costas, fugir. 

Ora, se sou capaz de compreender o que é esse vazio, então é bem provável que eu possa resolver o problema da violência. Mas, para compreender o que é o vazio, preciso olhá-lo, e não posso olhá-lo se estou fugindo. É justamente a fuga que causa o medo e precipita a ação da inveja, da competição, da crueldade, da inimizade, e tudo o mais. Assim sendo, pode a mente olhar essa coisa, de que está fugindo por meio da ação? espero que me esteja fazendo claro. 

Não tendes consciência de um estado de solidão, de vazio? Não estamos considerando o que deveis fazer a respeito desse estado. Foi esse "que se deve fazer?" que produziu este mundo estúpido e caótico. Estou indagando o que há atrás do desejo de fazer alguma coisa — o que é dificílimo de descobrir, visto que a mente está sempre evitando esse fator central. Mas se a mente for capaz de ficar cônscia, totalmente, de estar vazia, solitária — o que significa o completo descobrimento das atividades do "eu", que a levaram àquele estado — vereis que toda ação sem tal compreensão há de precipitar, necessariamente, a violência, sob diversas formas.

(...) Pode a vossa mente estar cônscia daquele vazio, sem fugir dele? É porque vos sentis vazio e só, que necessitais de um companheiro, que quereis depender de alguém, e essa dependência cria a autoridade, que seguis; e a própria circunstância de estar seguindo uma autoridade, já é um indício de violência. Pode a mente, ao perceber a verdade a esse respeito, deter a sua fuga e olhar a sua própria vacuidade? Compreendeis o que significa "olhar"? Não podeis olhar para aquele vazio se lhe tendes medo, se desejais evitá-lo; só podeis ter conhecimento pleno dele, quando não há espírito de condenação.

(...) Estou cônscio de estar só e vazio, e estou a observar esse vazio; mas não posso observá-lo se o condeno. A condenação é justamente uma distração, que estorva o observar. Ora, posso observar o vazio, tomar conhecimento dele, sem lhe dar um nome? Compreendeis? E, quando não lhe dou nome , o observador é então diferente do vazio a que está observando? É só quando o observador lhe dá nome, que ocorre a separação, não é verdade? 

(...) Quando digo "estou irritado", estou dando nome a uma certa sensação ou reação, e esta própria circunstância cria uma dualidade, não achais? Mas, se não dou nome à sensação, então essa coisa sou eu mesmo. Entendeis? Vede: dou nome a um sentimento porque minha mente está exercitada em reconhecer, em rotular; mas se a mente não põe rótulo em coisa alguma, desaparece então a separação entre observador e a coisa observada. Por outras palavras, quando não se dá nome a uma coisa, só há um único estado, e nesse estado não existe entidade separada, para fazer algo a respeito dessa coisa. A mente — que é violenta, por natureza — já não está operando com relação a uma coisa que deseja compreender, e por conseguinte a sua atividade cessa. 

(...) Enquanto a mente está operando em termos de ambição ou não-ambição, ela cria necessariamente o caos, e lutas, e sofrimentos para si própria e para outros. E se, aprofundando mais o problema, a mente compreende todo o processo relativo a esse impulso para ser alguma coisa, então, invariavelmente, ela chegará ao ponto em que perceberá que está a procurar um meio de fugir ao "ser nada", que é um estado de vazio. E posso compreender esse vazio? Pode a mente penetrá-lo, prová-lo, senti-lo? Por certo, a mente não poderá compreender essa coisa extraordinária que chamamos "vazio", "solidão", enquanto estiver, de alguma maneira, a condenar, enquanto desejar rejeitá-lo, dominá-lo ou ultrapassá-lo. A mente rejeitará sempre esse estado, enquanto estiver a dar-lhe nome; e o reconhecer, o dar nome, é justamente o "processo" peculiar da mente. Afinal, não podeis pensar sem símbolos, sem idéias, sem palavras. E pode a mente deixar de "verbalizar"? Pode acabar com esse processo e considerar aquilo a que chama "vazio", sem lhe dar nome ou criar um símbolo tirado da imaginação? E quando deixa de verbalizar, o estado a que chama "vazio" é então diferente dela própria? Não é, por certo. O que há então é só um estado, em que não há verbalização, não há dar nome, e por conseguinte em que terminou aquela atividade da mente, que separa, que compete, que gera antagonismo. Nesse estado se verifica um movimento completamente diferente. Não há mais violência. Há uma delicadeza, que não pode ser compreendida pela mente que diz: "tenho de ser delicado". A volição cessou de todo — porque a vontade é também produto da violência. 

Krishnamurti - Realização sem esforço

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Isolamento e solidão


PERGUNTA: Todos temos tido a experiência do isolamento, conhecemos suas tristezas e percebemos suas causas, suas raízes. Mas que é "estar só"? É diferente do isolamento?

KRISHNAMURTI:   Isolamento é a dor, a agonia da solidão, o estado em que vós e eu, como entidades, não nos ajustamos a coisa alguma, - seja o grupo, a nação, a esposa, os filhos, o marido, vemo-nos segregados de todos os demais. Vós conheceis esse estado. Mas conheceis o "estar só"?  Presumis que estais sós, mas estais realmente sós?
O "estar só" é diferente do isolamento, mas não podeis compreendê-lo, se não compreenderdes o isolamento. Conheceis o estado de isolamento? Vós o tendes observado sub-repticiamente, o tendes olhado com aversão. Para o conhecerdes bem, precisais entrar na sua intimidade, sem barreira alguma de permeio, sem conclusão, sem preconceito ou especulação; deveis chegar-vos com liberdade e não com temor. Para compreender o isolamento precisamos ir ao seu encontro sem nenhum sentimento de temor. Se nos chegamos, dizendo que já lhe conhecemos as causas, as raízes, não podemos compreendê-lo. Conheceis as raízes do isolamento? Só as conheceis teoricamente, do exterior. Conheceis a essência íntima do isolamento? Fazeis, apenas, uma descrição dela, mas a palavra não é a coisa, não é o real. Para o compreenderdes, tendes de chegar-vos sem nenhuma intenção de fuga. A simples idéia de fugir ao isolamento é em si uma forma de insuficiência interior. A maioria de nossas atividades não são evasões? Quando vos sentis só, ligais o rádio, executais pujas, sais em busca de gurus, conversais com amigos, ides ao cinema, às corridas, etc. Vossa vida de cada dia é um fugir de vós mesmos, e por isso todos os meios de fuga se tornam importantíssimos e competis uns com os outros por causa deles - quer se trate da bebida ou de Deus. A fuga é que constitui o problema, embora tenhamos diferentes maneiras de fugir.  Podeis causar malefícios imensos, psicologicamente, com as vossas fugas respeitáveis, e eu sociologicamente, com minhas fugas mundanas; mas, para se compreender a solidão, todas as fugas devem cessar - não por meio de coerção, de compulsão, mas com o perceber a falsidade da fuga.  Estais então em confronto direto com o que é, e aí começa o verdadeiro problema.
Que é o isolamento? Para o compreenderdes, não lhe deveis dar nome. O simples dar nome, a simples associação do pensamento com outras lembranças dele, acentuam mais ainda o isolamento. Experimentai-o, e vereis. Quando tiverdes desistido de fugir, vereis que, enquanto não compreenderdes o que é o isolamento, tudo o que fizerdes por sua causa é sempre um modo de fugir a ele.  Só compreendendo o isolamento sois capaz de o transcender.
A questão do "estar só" é inteiramente diferente. Nunca estamos sós; estamos sempre em companhia de outras pessoas, a não ser, talvez, quando damos passeios solitários. Somos o resultado de um "processo" total, constituído de influências econômicas, sociais, climáticas, e outras; e enquanto vivermos sujeitos a tais influências, não estaremos sós.- Enquanto houver o "processo" da acumulação e da experiência, nunca será possível “estarmos sós”. Podeis imaginar que estais só, quando vos isolais por meio de estreitas atividades individuais e pessoais; mas isso não é “estar só”. Só é possível “estar só”, quando não existem influência alguma. “Estar só” é ação que não é o resultado de uma reação, que não é uma resposta a desafio ou estímulo. O isolamento é um processo de exclusão, e nós procuramos o isolamento em todas as nossas relações, sendo esta a verdadeira essência do “eu” –meu trabalho, minha natureza, meu dever, minha propriedade, minhas relações. O próprio processo do pensamento, que é o resultado de todos os pensamentos e influências do homem, conduz ao isolamento. Compreender o isolamento não é um ato burguês; não podeis compreendê-lo enquanto houver em vós a dor daquela insuficiência não revelada que acompanha o sentimento de vazio e frustração. “Estar só” não é isolamento, e nem tampouco, o seu oposto; é um “estado de ser” em que há completa ausência da experiência e do conhecimento.

Krishnamurti – Madrasta, 5 de fevereiro de 1950

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Examinando a questão do conflito.


Áudio da reunião de estudo deste tema, pelo Paltalk, na noite de 11/08/2012

Para compreender o conflito, vocês precisam observar a si mesmos. E a observação exige desvelo. Desvelo significa compreensão, afeição: como quando se cuida de uma criança, em que não há repúdio ou condenação. Cuidar de uma criança é observá-la, sem condená-la, sem compará-la. Observá-la com infinita afeição, imensa compreensão; estudá-la em todos os seus movimentos, em todas as fases de seu desenvolvimento, em suas travessuras, suas lágrimas, seus risos. O observar, pois, exige desvelo. Esse é o primeiro requisito da auto-observação.; por conseguinte, nunca deve haver um momento de condenação, de justificação, de comparação, porém, sempre a observação pura e simples de tudo o que está ocorrendo, a cada momento do dia, quer a pessoa se ache no escritório, ou viajando num ônibus, ou conversando com alguém, etc. Cada um deve observar a si próprio tão completamente, com tão infinito desvelo, que daí resulte a precisão, uma precisão absoluta, e não apenas idéias vagas, ação ineficaz.
Como disse, para observarem a si mesmos, exige-se atenção completa. Uma mente que está atenta, cônscia de si própria no justo momento em que está a observar-se, está aprendendo a respeito de si mesma. Aprender é coisa toda diferente de acumular conhecimentos. Da infância até à morte, estamos sempre registrando; nossa mente se tornou uma espécie de fita de gravação, na qual tudo se vai registrando. De acordo com tal registro, nós atuamos, pensamos, reagimos; e a esse registro vamos acrescentando coisas e mais coisas, todos os dias, consciente ou inconscientemente. Guardamos toda experiência, toda informação, todo incidente, toda lembrança. E a isto chamamos experimentar, aprender. Mas isto, em absoluto, não é aprender; aprender é coisa totalmente diferente. No momento em que se começa a acumular, deixa-se de aprender. Pois só a mente que está fresca, que é nova, só a mente que observa com atenção, aprende.
Penso que devemos perceber a diferença entre estas duas coisas. O conhecimento técnico é acumulativo. A ele vai-se acrescentando mais e mais, e é com base nesse conhecimento que atuamos. Se são engenheiro, se são físico, tratam de acumular a maior soma possível de conhecimentos para trabalhar com base nesse conhecimento acumulado. E, por essa razão, nunca há liberdade. É sempre um agir com base no que se aprendeu, consoante o que se adquiriu. No nível do conhecimento técnico, tal ação, tal memória, tal processo acumulativo é absolutamente necessário. Mas nós estamos falando de coisa inteiramente diferente, ou seja que o observar com atenção não implica processo aditivo. Porque, se ficamos meramente adicionando, adquirindo, então, no minuto seguinte de nossa observação, observamos com base no que temos acumulado e, por conseguinte, já não estamos observando. Compreendam isso, por favor.
É importantíssimo compreender que, quando a mente está sempre acumulando, acrescentando algo a si própria e de tal base observando, então, tudo o que ela observa recebe o colorido do que antes foi aprendido, do conhecimento prévio. Essa mente, por conseguinte, é incapaz de compreender um fato novo. E a vida é sempre nova; o viver é algo totalmente novo, a cada minuto do dia. Mas, perdemos o frescor, esse extraordinário sentimento de vitalidade, de beleza, de imensidão, porque vamos sempre ao encontro da vida com nosso conhecimento acumulado e, consequentemente, nunca estamos aprendendo, porém, apenas adicionando mais alguma coisa às já existentes; com base nesse adicionamento, observamos as coisas, na esperança de aprender.
Assim, a mente que é séria, que está bem consciente da situação mundial, percebe que o mundo se acha num estado de angustiosa confusão. Nota-se um constante declínio em todas as nações; só uns poucos são capazes de funcionar inteligentemente, em liberdade talvez; os demais se limitam a imitar — são pobres imitações dos computadores, sua ação é ineficaz. A dor, a angústia, a ansiedade, o desespero é que são fatos, e não as crenças de vocês, suas esperanças, seus deuses; o fato do desespero, da ansiedade, da extraordinária persistência do sofrimento, sofrimento sem fim; a crescente animosidade e brutalidade — eis o mundo a que pertencem. A função da mente verdadeiramente séria é compreender a transcender esse mundo. A mente séria deve observá-lo. Isto é, vocês devem observar a si mesmos, porque vocês são o mundo; porque há em vocês angústia, sofrimento, solidão, desespero, ansiedade, medo, porque são impelidos pela ambição, a avidez, a inveja — vocês são esse mundo. Vocês não são o que pensam ser — que são Deus, etc. Isto é só absurda especulação. Vocês tem que partir dos fatos e tem de aprender a respeito de si mesmos.
Há, pois, diferença entre aprender e acumular conhecimento. O aprender é infinito, não há fim no aprender a respeito de si mesmo. E, por conseguinte, a mente que não está acumulando, porém aprendendo, é capaz de observar seus conflitos, suas tensões, suas dores e secretos desejos e temores. Se assim vocês fizeres, não acidentalmente, porém todos os dias, todos os minutos — e isso é possível — se vocês se mantiverem em constante observação, verão que adquirirão uma energia extraordinária. Porque então a autocontradição estará sendo compreendida.
Com a palavra "compreender" não me refiro a algo intelectual. A mente que está fragmentada nunca compreenderá nada. Quando digo que "compreendo uma certa coisa intelectualmente", o que realmente estou dizendo é que ouço a palavra e compreendo a palavra; isso nada tem a ver com a compreensão. Compreensão implica não só o aspecto semântico, isto é, o sentido da palavra, mas também a apreensão do inteiro conteúdo dessa palavra e de seu significado conforme se aplica a nós mesmos. A compreensão, pois, não é uma simples questão de "cerebração", mera atividade intelectual. Vocês só podem compreender alguma coisa, quando lhe aplicam a mente, o corpo, os sentidos, os olhos, os ouvidos, tudo. E dessa compreensão resulta a ação total, e não ação fragmentária, contraditória.
Nessas contradições, o que interessa — principalmente àqueles que são verdadeiramente sérios — é compreender. E a vida exige seriedade, pois não se pode viver neste mundo levianamente. Vocês não podem estar interessados apenas em suas próprias aflições, seus próprios divertimentos, seus próprios temores. Vocês são uma parte do mundo e devem compreender a si mesmos e isto constitui imensa tarefa. E quando são sérios, devem levar essa compreensão ao extremo, até perceberem tudo o que a existência implica.
E, também, o conflito é algo que temos de compreender — compreender, e não dominar. Não tentem negá-lo, não tentem fugir dele, porém, tratem de compreende-lo, de ver todo o seu significado, de perceber as várias contradições, na palavra, no pensamento, na ação. Em geral, vivemos vidas duplas, ou triplas, ou múltiplas! Funcionamos fragmentariamente, nosso existir é fragmentário; desejamos ser mundanos; desejamos ter todos os confortos que nos são devidos. O conforto, obviamente é necessário; mas, com esse conforto vem a exigência de segurança. Não só desejamos estar seguros em nossos empregos — reação natural e são — mas também desejamos estar seguros psicologicamente, interiormente.
É possível estar-se em segurança psicologicamente, em algum tempo — isto é, estarmos psicologicamente seguros em nossas relações e psicologicamente seguros em relação àquilo com que estamos identificados? A segurança exterior é evidentemente necessária. Exteriormente, é absolutamente necessário termos moradia, um lar, emprego; mas não nos contentamos com isso. Queremos estar em segurança interiormente, e nasce assim a ilusão. A partir desse momento, começa a desenrolar-se uma série de conflitos, de conflitos intermináveis.
Cumpre-nos, pois, descobrir a verdade em relação a essa formidável questão da segurança psicológica — sem procuramos saber o que outro qualquer diz. Psicologicamente, vemo-nos inseguros; por essa razão criamos deuses, deuses que se tornam nossa segurança permanente! Isso gera conflitos. Compreendem o que entendemos por "conflito"? Entendemos: a contradição; a ação fragmentária; os pensamentos que se chocam; os desejos conflitantes entre si; as exigências contraditórias; as pressões do mundo e a exigência interior de viver em paz com o mundo; a aspiração a encontrar algo além da existência diária, monótona, estúpida; o ver-nos presos na engrenagem da existência diária e desesperadora; o nunca termos uma solução para o nosso desespero; a angústia imensa, não apenas pessoal, mas também a angústia do mundo, e nunca encontrarmos uma saída dessa angústia. Eis todos os fatores que geram a contradição — dos quais podemos estar conscientes ou não. Onde a mente se acha em contradição, tem de haver conflito.
E, muito evidentemente, a mente que se acha em conflito não pode ir adiante; poderá prosseguir na ilusão, mas não é capaz de avançar para descobrir se algo existe além do tempo, além da medida humana. Sem dúvida, esta é a função da religião. A função da mente religiosa é descobrir o verdadeiro. E a verdade não pode ser encontrada num templo ou num livro, por mais venerado que ele seja. Vocês têm de descobrir por seus próprios meios. Não podem comprá-la com lágrimas, com orações, com repetições, com rituais; por esse caminho se vai ao absurdo, à ilusão, à insanidade.
A mente séria, por conseguinte, deve estar cônscia desse conflito. Com "estar cônscio" quero dizer, observar, escutar. Escutar é uma arte. Com efeito, é uma arte extraordinária o escutar um som. Não sei se vocês já escutaram um som — o som de um pássaro pousado numa árvore, ou o distante buzinar de um carro. Pelo escutar — não pelo julgar, pelo identificar tal som com determinada ave ou determinado carro ou determinado rádio da casa mais próxima, porém, pelo simples escutar, verão — se assim souberem escutar — como se tornarão extraordinariamente sensíveis. A mente se torna sobremodo alerta quando escutamos simplesmente — isto é, não interpretando o que ouvimos, não tentando traduzi-lo, não o identificando com o que já conhecemos — pois isso nos impede de escutar. Mas, se escutarem simplesmente — escutarem seus pensamentos, suas exigências, o desespero de suas existências, não tentando interpretar, traduzir nada, não tentando fazer alguma coisa em relação ao que se escuta — verão que a mente de vocês se tornará sobremodo lúcida.
E só a mente lúcida, a mente sã, racional, lógica, em que não há conflito, consciente ou inconsciente — só essa mente pode prosseguir até descobrir, por si própria, se existe uma Realidade. Só essa mente é religiosa. E só essa mente pode resolver os problemas do mundo. Os problemas do mundo são inumeráveis e estão se multiplicando. E se vocês não forem capazes de resolvê-los lógica, equilibrada, sadiamente, com o espírito de vocês de todo livre de conflito, estarão apenas criando mais confusão, mais angústias para o mundo e para vocês mesmos.
A primeira coisa, por conseguinte, que nos cumpre fazer é observar com atenção, todas as murmurações, todos os temores, ilusões, desesperos do próprio ser de vocês. E verão então, por si mesmos — e para isso vocês não necessitam de provas, nem de gurus, nem de livros sagrados — se a Realidade existe. E encontrarão aí, um extraordinário sentimento de libertação do sofrimento. Aí existe a claridade, a beleza e aquela coisa que está faltando hoje à mente humana: o amor, a afeição.
Madrasta, 12 de janeiro de 1964
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill