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sexta-feira, 11 de julho de 2014

A verdade libertadora

Investigar e aprender é função da mente. "aprender" não é mero cultivo da memória ou acumulação de conhecimentos, porém, a capacidade de pensar clara e sãmente, sem ilusões, partindo de fatos e não de crenças e ideais.

Em nosso esforço para promover o total desenvolvimento do ente humano, devemos tomar em consideração tanto a mente inconsciente como o consciente. Tratar apenas de educar a mente consciente, sem compreender o inconsciente, é introduzir a autocontradição na vida humana, com todas as suas frustrações e desditas.

A mente consciente é presente imediato, limitado, ao passo que a inconsciente está sob o peso dos séculos e não pode ser detida ou posta à margem por uma simples necessidade imediata.

O inconsciente tem a qualidade do tempo profundo e a mente consciente, com sua recente cultura, não pode entender-se com o inconsciente, conforme suas passageiras premências. Quando não há resistência entre o manifesto e o oculto, então o oculto, dotado que é da paciência do tempo, não violará o presente imediato.

A mente superficial que "experimenta" o exterior sem compreender o interior, o oculto, só Poe produzir conflito maior e mais amplo.

A experiência não liberta ou enriquece a mente, como geralmente pensamos.

Enquanto a experiência fortalecer o experimentador, haverá conflito. Tendo experiências, a mente condicionada apenas fortalece o seu condicionamento e, desse modo, perpetua a contradição e a desdita. Só a mente que é capaz da compreensão de todo o seu próprio mecanismo, pode experimentar ser um fator libertador.

Uma vez percebidos e compreendidos os poderes e capacidades das numerosas camadas da mente oculta, poderão as particularidades ser examinadas judiciosa e inteligentemente. O importante é a compreensão da parte oculta, e não o mero preparo da mente superficial para a aquisição de conhecimentos, por necessários que sejam. Essa compreensão do oculto liberta a mente total do conflito, e só então há inteligência.

Cumpre-nos despertar a capacidade plena da mente superficial que vive em diária atividade, e ao mesmo tempo compreender a mente oculta. Na compreensão do oculto há um viver total, na qual a autocontradição, com suas fases alternadas de sofrimento e felicidade, deixa de existir. É essencial estar-se familiarizado com a mente oculta e cônscio de seus movimentos; mas é igualmente importante não ficarmos ocupados com ela e atribuir-lhe indevida significação. É só quando a mente compreende o superficial e o oculto, que ela pode ultrapassar suas próprias limitações e descobrir aquela suprema e atemporal felicidade.

K R I S H N A M U R T I
(palestra realizada na Suécia, em Estocolmo, em maio de 1956 e na Bélgica, em Bruxelas, em Junho de 1956)

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Será que, de fato, nada lhe é tão importante quanto a verdade?

A trilha espiritual não é de rosas sem espinhos. Quando você decide fazer a transição para a vida mística, verá que é necessário abandonar muitos de seus conceitos anteriores de corpo, negócios e prazer. Você encontrará novas experiências à sua espera, e, nesse período de transição, nem tudo é harmonia, "porque estreita é a porta, e apertado o caminho que leva à vida, e poucos há que a encontrem".¹ Essa vida não é fácil em seus primeiros estágios. De fato, aprender estas lições pode ser muito doloroso porque muitas delas só chegam através de um profundo sofrimento. É estranho, mas sem esse sofrimento talvez não as aprendamos, porque quando tudo está bem e estamos em paz com o mundo, não fazemos realmente o esforço nem realmente tentamos nos aprofundar em nós mesmos. 

Frequentemente, seguimos pensando como tudo está indo bem — mas, de fato, não há progresso. É a profundidade de nossas provações e atribulações que nos força para cima, e muitas vezes a pessoa que sofreu mais é a que mais consegue — não porque isso seja necessário, ou que haja algum Deus que o decrete, mas por causa da inércia, por causa do nosso desejo de continuarmos ao longo do caminho que estamos seguindo, porque gostamos de saber que cada dia será seguido por outro dia sem dor, sem carências e sem limitações. 

Tenho lido as vidas de muitos que foram longe na trilha espiritual e até agora não encontrei ninguém que não tenha tido seu Gethsêmane. Essas grandes verdades não são de fácil consecução. Se as provações não chegam sob uma forma, chegam sob outra... Pode ser dentro de nossa família. Pode ser dentro de nossa comunidade. Em algum lugar, de algum modo, se temos de sondar as profundezas da sabedoria espiritual, cada um de nós deve passar por um período de transição. 

[...] Existe toda espécie de provações que chegam com esta vida... Surgem períodos de hesitação e de dúvida. Esse período não é fácil. Chegam uma ocasião em que os membros de sua família começam a dizer que você deve ter ficado louco, e os membros de sua irmandade lhe dizem: "bem, você agora com certeza saiu dos eixos". 

De um modo ou de outro as provações chegam até nós através de nós mesmos, através de nossa família ou de nossos conhecidos. Pode até surgir uma ocasião de problemas sérios de saúde e suprimento, mas temos de aprender a permanecer firmes, temos de aprender a meditar com eles. Também temos de aprender a nos afastar por "quarenta dias", ainda que não sejam realmente quarenta dias, mas em sentido figurado. É nos afastarmos para dentro do "armário", em nosso esconderijo, e apenas orar até cansar o nosso velho coração: "Afasta de mim este cálice — todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres". 

Todas estas coisas vêm neste caminho — estreito e apertado. À medida em que você abandona a sua confiança em todos os meios humanos de salvação, à medida em que você escolhe este caminho, você verá como ele é estreito e apertado. Você verá como são poucos os que o percorrem e, durante algum tempo, parecerá que você está afastado de seus amigos; parecerá que ninguém no mundo o entende e que você jamais encontrará alguém que o entenda. Eu sei, porque durante muitos anos não só não tive a oportunidade desta maneira em público como também não tive sequer a oportunidade de falar destas coisas em particular. Tive de ficar quieto, porque no momento que eu tentasse expressar quaisquer destas ideias, as pessoas entenderiam mal. 

Se nossa confiança está no plano interior, se a sua confiança está em seu contato consciente com Deus, e você julga que não depende de meios humanos para demonstrar seu bem, surge uma ocasião em que você tem de permanecer quieto e secretamente dentro de seu próprio ser. Você tem de resolver isso sem falar a esse respeito ao mundo exterior. Tem de prová-lo e, depois de ter feito isso, a evidência é tão grande que você não precisa mais contar, exceto quando estiver ensinando. Você nunca terá de contar a ninguém que encontrou "a pérola de grande valor". Em primeiro lugar, se você contasse, isso seria quase que a prova positiva de que não tinha encontrado. Não é necessário falar disso, porque toda a sua vida, toda a sua atitude e todo o seu ser são evidências suficientes. Tudo indica que você a encontrou, e então o mundo a quer — ou quer pelo menos os seus frutos. 

Surge um outro período difícil, quando você realmente acredita que o mundo reconheceu que você encontrou "a pérola", e ele a quer e você deseja expô-la.  Depois que você fez isso durante diversos anos — anos de profundo sofrimento — você descobre que o mundo não a queria, absolutamente: apenas queria os frutos que viu você desfrutar. Eis por que, quando alguém vem a você, nem sempre tem a certeza de que a pessoa ESTÁ SENDO VERDADEIRAMENTE SINCERA. Talvez ela queira apenas os efeitos ou os resultados. Você logo descobre  que é e qual o propósito real dela porque, se ela realmente o quiser, haverá indicações de que todas as outras foram postas de lado e por suas ações ela prova que nada lhe é tão importante quanto a verdade.  Então você não ouvirá: "Bem, quinta-feira à noite, não pode ser, mas eu virei na terça-feira de tarde. Se você não puder me ver, então eu não posso vê-lo!". 

Quando um discípulo quer realmente a verdade, ele virá à meia-noite ou a qualquer hora do dia ou da noite, bastando que você o diga...

[...] Se há uma ideia em sua mente de que a verdade é algo que pode ser usado, que é algo ou coisa para obter ganho pessoal, para obter felicidade ou saúde pessoal, nem comece o seu estudo porque você encontrará só desapontamentos e corações dilacerados.[...] O Caminho Infinito não pode ser usado para tais propósitos: o Caminho Infinito pode proporcionar somente imortalidade e eternidade e todo o bem que Deus conhece. Mas isso é um nível completamente diferente do que o do bem humano, assim como a liberdade espiritual não deve ser confundida com liberdade humana. 

A liberdade espiritual, a paz que ultrapassa todo entendimento, não depende de nada no mundo exterior. Depende do seu relacionamento com o Cristo, com Deus (Consciência). Quando isso se torna real, quando Ele (Consciência) se incorpora em você, quando o inflama e essa vida se torna seu tudo em tudo, você se vê vivendo em dois mundos: o mundo interior, que é importante, e o mundo exterior, com sua cota de satisfações, que não deve ser tomado a sério e não deve tomar muito tempo e esforço porque a impaciência para voltar ao Centro é muito grande.

Joel S. Goldsmith - A União Consciente com Deus  

domingo, 23 de março de 2014

Verdade é graça e graça é verdade



Onde estiver a verdade, estará a graça. E onde existir a graça, existirá a verdade.

Procure compreender: você só pode estar pleno de graça quando é verdadeiro. Se existir qualquer mentira sua graça será perturbada, a beleza envenenada porque você está ocultando e reprimindo essa mentira. Não quer que ninguém a conheça. Você não pode se abrir porque a mentira o manterá trancado. 

Se você mente, não pode fluir, não pode ser livre. Está preso à mentira. Por isso não digo que as mentiras são más por serem nocivas aos outros — não. São más porque fazem com que você perca sua própria graça. As fraudes, os enganos, não são maus pelas outras pessoas; mas sim porque perturbam seu fluxo impedindo você de fluir. Você começa a congelar, está preso em muitos planos, está quase morto. Seu ser está bloqueado. 

Observe a criança. Todas são cheias de graça. Onde isso começa a desaparecer? Aos poucos elas vão perdendo e começam a ficar feias, sem graça. É raro encontrar alguém que tenha conseguido permanecer tão gracioso como quando era criança. O que acontece? Por que a criança é tão graciosa? 

Você já viu uma criança feia? Não, não existe. Ser criança e ser feia, são coisas impossíveis. Todas são belas, incondicionalmente belas. Estão sempre fluindo e são verdadeiras. Se querem chorar, choram; se querem rir, riem. Se sentem raiva, sentem realmente e quando amam, amam completamente. São verdadeiras a cada momento, não enganam nunca. 

Mas logo aprendem a fazer política. Rapidamente elas percebem que "mamãe gosta que eu sorria. É fácil persuadi-la, mais fácil manipula-la se eu sorrir". Tão pequena e já se tornando política! A criança aprende a esperar. Pode estar sentindo raiva, mas se percebe que a mãe está chegando começa a sorrir. Sabe que é essa a única maneira de ganhar um sorvete. Esse sorriso é falso e feio porque não traz em si todo o ser; é como se tivesse sido pintado no rosto. Aos poucos outras coisas começam a ser pintadas, mais e mais personalidades vão sendo acumuladas e logo a essência estará perdida. A partir daí você vai se tornando feia. Verdade e graça caminham sempre juntas. Verdade é graça e graça é verdade.

Os evangelhos captam o ponto exato do ser de Jesus: verdade e graça. Ele foi verdadeiro; profunda e essencialmente verdadeiro. Por essa razão surgirão tantos problemas. Viver numa sociedade absolutamente não-verdadeira, conviver com ela em estado de verdade suprema, é realmente criar problemas. 

O S H O

terça-feira, 15 de outubro de 2013

A verdade é uma presença silenciosa

Caro Confrade, permita-me sugerir que talvez você esteja a desperdiçar a sua energia e investigação numa direção inútil. Para determinar se uma afirmação é verdadeira ou falsa, o que temos que verificar é se tem ou não correspondência na realidade dos fatos e da experiência. E isso nada tem a ver com quaisquer características pessoais de quem a enuncia. Nada no mensageiro determina o valor da mensagem. Você procura um mestre e uma autoridade perfeita e infalível a quem possa seguir ou procura a verdade? Se você está seriamente interessado na verdade, terá que a descobrir na sua própria experiência e funcionamento. Se alguém chegasse ao pé de nós e nos dissesse que a nossa casa se encontrava em chamas, o que faríamos? Íamos verificar as credenciais e o currículo de quem nos dava a informação? Ou simplesmente desatávamos a correr para o local da nossa moradia? É por isso que quem está seriamente interessado na verdade considera o debate e a discussão como um desperdício inútil de energia. A defesa obstinada da opinião resulta mais vezes da vaidade do ego do que da procura desinteressada da verdade. Não merece a aceleração do nosso ritmo cardíaco! Quem descobriu a verdade sabe que ela não depende de convencer ninguém e nem precisa da confirmação de ninguém. A mentira é que precisa de ser sustentada pelo barulho do intelecto e das palavras. A verdade é uma presença silenciosa! Saudação amiga!

Pedro Fonseca

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Sobre o descobrimento da Verdade

O descobrimento do que é verdadeiro não se efetua por meio de esforço consciente. Se compreendermos isso verdadeiramente, chegaremos ao estado em que a mente reconhecerá a sua incapacidade de atender aos nossos problemas. Então talvez nos seja oferecida a possibilidade de descobrirmos uma nova fonte de ação, uma fonte diferente, cujo descobrimento nos habilitará a encontrar uma nova maneira de pensar, de sentir, de viver, de existir.

(...)A Verdade é aquilo que nunca se contaminou, que não se pode conceber, premeditar, ler nos livros, que não pode nos ser dada por outrem. A única solução para os nossos problemas é o descobrimento do que é a Verdade. Esta é a única revolução capaz de nos influir radicalmente na existência, na nossa vida de cada dia, em nossas relações diárias.

(...) Esse descobrimento do que é a Verdade não se verifica por meio do esforço consciente. Acho muito importante compreender-se que não podemos IR à Verdade. E A VERDADE SÓ PODE VIR-NOS IMPERCEPTIVELMENTE, QUANDO NÃO A ESPERAMOS. Qualquer forma de expectativa, de esperança é uma forma de "projeção" — projeção do "eu", sendo o "eu"o coletivo. (...) Esse estado só é realizável quando compreendermos o processo de nossa mente, e não quando procuramos imaginar o que ele seja, ou especular-lhe a respeito. Tão-somente ao compreendermos o processo do nosso pensar e vermos o quanto nossas mentes estão condicionadas, só então há uma possibilidade de descobrir o que é a Verdade, a qual, só ela, pode libertar-nos dos nossos problemas.

(...) O descobrimento da Verdade, porém, é um processo muito árduo. Requer pensamento amadurecido — e não fáceis soluções, conclusões, ou juízos, segundo a fórmula esquerdista ou direitista, ou tirados do que aprenderam nos seus livros ou da experiência de vocês. Requer estudo muito sério.

(...) Vocês não podem achar o que é a Verdade com uma mente frívola. Uma mente superficial, maldizente, estúpida, ambiciosa — jamais descobrirá o que é a Verdade. Uma mente frívola não pode criar senão uma coisa frívola; não pode criar senão um Deus frívolo. Nosso problema, por conseguinte, não é o de achar ou descobrir o que é Deus, mas o de percebermos como somos frívolos.

(...) O importante é descobrir-se e compreender-se O QUE É, e não, transformá-lo noutra coisa. Afinal, uma mente estúpida, mesmo quando procura tornar-se muito sagaz, muito penetrante e inteligente, contínua estúpida do mesmo modo, porque sua essência mesma é a estupidez.

(...) Só a Verdade pode libertar-nos. A compreensão apenas pode vir quando não estamos seguindo alguém, quando não existe autoridade alguma — seja a autoridade da tradição, seja a autoridade dos livros, do GURU, da nossa própria experiência. Nossa experiência é resultado do nosso condicionamento, e tal experiência não pode ajudar-nos a descobrir a Verdade.

Nessas condições, os que se sente seriamente interessados, os que desejam de verdade descobrir a Verdade relativa aos seus problemas, devem, naturalmente, colocar de lado tudo quanto é autoridade. Isto é dificílimo, porque quase todos nós estamos cheios de temor.(...) Enquanto estivermos encostados em alguém, nunca chegaremos a compreender o "processo" do nosso pensar; negaremos, assim, a nós mesmos, o descobrimento da Verdade.

(...) A Verdade — a única religião — só pode ser achada, ou, melhor, pode manifestar-se somente quando nossa mente se acha de todo tranquila, sem sentir necessidades, em "projetar", sem desejar "fazer" ou "não fazer". Isso não implica retirada para longe do mundo; não há possibilidade de retirada, não há possibilidade de isolamento. Estar em relação é — Vida. E nas nossas relações podemos descobrir o que é Verdade, o que é Amor.

(...) A Verdade tem de vir a vocês. A Verdade não pode ser chamada. E ela só pode vir quando estão abertos, quando não possuem nenhum desejo. Só quando vazia, de todo vazia, a taça de vocês, só quando sabem que estão mortos, só então se apresenta aquele estado em que vocês têm a taça sempre cheia. Só há, então, Amor, o amor infinito.

(...) Mas, no que diz respeito à maioria de nós, nosso conhecimento, nossas experiências, autoridades, compulsões, as várias atividades de nossa vida diária estão nos impedindo de experimentar diretamente algo que é verdadeiro. Por mais que me ouçam, suas mentes estão sendo estorvadas de tal maneira pela autoridade, pelo saber, pela experiência, que são incapazes de ver as coisas diretamente. Assim, pois, apenas vem a compreensão quando a mente está realmente tranquila, quando não é coagida, compelida, quando na sua tranquilidade e serenidade, a mente está receptiva. Se compreensão não é acumulação, não se pode juntar compreensão; não se pode armazenar compreensão. A compreensão vem em clarões, numa série de clarões ou num só clarão de longa duração — o que indica que a mente deve achar-se sobremodo tranquila, ESCUTANDO, sem fazer escolha alguma. Mas uma mente condicionada, uma mente disciplinada, aprisionada, limitada por conclusões — essa mente não pode compreender, não pode experimentar diretamente a Verdade. E é esse experimentar da Verdade, de momento a momento, que produz a libertação criadora.

(...) Essa atividade criadora é Amor. Sem Amor não há revolução, e o Amor não é uma ação consciente. O Amor é algo além dos limites do pensamento. Só se pode compreender, sentir, experimentar o Amor, quando a mente se acha de todo tranquila; e só então existe a possibilidade de efetuar-se uma revolução fundamental no mundo.

Jiddu Krishnamurti — Autoconhecimento — Base da Sabedoria
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segunda-feira, 16 de setembro de 2013

A Verdade resultante da busca não é Verdade

Pergunta: conforme pensa, assim se torna o homem. Não é essencial que saibamos uma forma de não ficarmos à mercê de nossos pensamentos maus e incontroláveis?

Krishnamurti: Em primeiro lugar, o interrogante começa citando a frase: "conforme pensa, assim se torna o homem". Não é um fato muito curioso esse — de que não sabemos pensar diretamente num problema? Temos citações e mais citações, em apoio de nossas teorias — citações do Bhagavad-Gita, de Marx, Sankara, Churchill ou Mau-Tsé-Tung. A nossa mente é incapaz de observar e experimentar qualquer coisa diretamente. Essa sabedoria de empréstimo nos destrói a capacidade de descobrirmos a Verdade por nós mesmos.

(...) A mente de vocês está inibida, tolhida; e uma mente inibida é incapaz de ser livre. Apenas é livre a mente que compreende achar-se tolhida; então há possibilidade de fazer-se alguma coisa. Uma mente que diz: "não estou inibida", "estou repleta de conhecimentos", "estou recheada de citações das ideias dos outros" — é incapaz do descobrimento daquilo que é Real. O homem de tal mentalidade vive num nível "de segunda mão".

Agora, a segunda parte da pergunta é: "não é essencial que conheçamos uma forma de não ficarmos à mercê de nossos incontroláveis pensamentos?" Nesta pergunta duas coisas se compreendem. Diz ele: "como posso manter-me livre dos pensamentos maus e incontroláveis?" Preste muita atenção a isto, porque é importantíssimo; pois, se puderem realmente perceber o significado, se puderem penetrar as palavras, descobrirão algo.

(...) Existe o pensador, a entidade separada do pensamento, separada dos pensamentos maus e incontroláveis? Tenham a bondade de observar a própria mente de vocês. Dizemos: "há o 'eu', que deseja permanecer separado dos maus pensamentos, dos pensamentos instáveis, erradios". Isto é: há o "eu" que diz: "este é um pensamento extravagante", "esta é uma ação má", "isto é bom", "isto é mau", "preciso controlar este pensamento", "preciso reter este pensamento". É isso o que sabemos. A pessoa, o "eu", o pensador, o juiz, a entidade que julga, o censor, é diferente de tudo isso? O "eu" é diverso do pensamento, da inveja, do que é mau? O "eu" que se diz distinto de uma coisa má está sempre lutando para sobrepujá-la, dominá-la, lutando para tornar-se alguma coisa. Vocês têm, pois, esta luta, este esforço de banir os pensamentos e de "não ser extravagante".

No próprio "processo" do pensar criou-se este problema do esforço. Compreendem? É então que nasce a disciplina, o controle, por parte do "eu", do pensamento mau; o esforço do "eu" para tornar-se não invejoso, não violento, para ser isto ou aquilo. Vocês criaram, pois, deveras, o processo do esforço, no qual figuram o "eu" e a coisa que ele está controlando. Este é o fato real de nossa existência diária.

Ora bem, o "eu" que está observando, o observador, o pensador, o agente é diferente da ação, do pensamento, da coisa que observa? Temos dito, até agora, que o "eu" difere do pensamento. Consideremos, pois, esta coisa: "o pensante difere do pensamento?" Diz o pensante: "meus pensamentos são erradios, maus; por conseguinte, devo controlá-los, moldá-los, discipliná-los". Nesse processo criou-se o problema do esforço e a fórmula negativa "não ser". (...) Como disse, criamos o esforço sob formas distintas — de negação e afirmação; tal é a nossa vida de cada dia.

Mas, existe alguma diferença entre o pensador e o pensamento? Investiguem isso. Há diferença? Isto é, se não pensassem, existiria um "eu"? Se não houvesse pensamento, ideia, memória, experiência, existiria o "eu"? Vocês dizem ser, o "eu", a entidade superior, a coisa que está acima do pensamento a guiar-lhes e governar-lhes. Pois bem, se dizem isso, tornem a considerá-lo; não o adotem. Se dizem tal coisa, então essa mesma entidade que pensa a respeito do Atman, continua compreendida na esfera do pensamento. Toda coisa suscetível de ser pensada está na esfera do pensamento. Isto é, quando penso a respeito de você, no nome próprio que sei, quando lhe conheço, você já se encontra na esfera do meu pensamento, não é verdade? Meu pensamento, está, por conseguinte, em relação com sua pessoa. Assim, pois, o Atman, ou "eu superior", ou qualquer palavra que preferirem, está sempre na esfera do pensamento. Vemos, pois, há sempre uma relação entre o pensador e o pensamento; eles não constituem dois estados separados, mas um processo unitário.

Há, pois, tão-somente, pensamento, o qual se divide, a si mesmo, em duas partes — pensador e pensamento, atribuindo ao pensador a superioridade. Esse pensamento cria o "eu", que se torna permanente, porque, na verdade, é este o estado a que ele aspira: a segurança, a permanência, a certeza, — nas relações, com minha esposa, meu filho, minha sociedade; sempre o desejo de inalterável certeza. O pensamento é desejo; por conseguinte, o pensamento, o desejo, buscando a certeza, cria o "eu". E o "eu", então, se fecha na permanência e começa a dizer: "preciso controlar os meus pensamentos, preciso banir tal pensamento e adotar tal pensamento" — como se esse "eu" tivesse existência separada. Se observarem, verão que o "eu" não é separado do pensamento. Aí se faz sentir a importância de se experimentar realmente essa coisa, de que o pensador é o pensamento. Esta é a meditação verdadeira: o descobrir como a mente está sempre produzindo a separação do pensador e do pensamento.

Interessa-nos o processo total do pensar, e não o "eu", querendo observar o pensamento, o "eu" que cria, que domina, subjuga e sublima pensamentos. Só há um único "processo": o pensar. O pensamento que declara "esta é minha casa" é inspirado pelo desejo de segurança, nessa casa. Identicamente, quando dizem "minha esposa", esse pensamento implica segurança. Vemos, pois, que o "eu" ganha superioridade, na certeza. Não há senão um processo, que é o pensar, pois não há "eu" separado do pensamento.

Nessas condições, ao reconhecerem esse fato, ao apresentar-se esta percepção, esta compreensão, que acontece aos pensamentos erradios, instáveis, a saltitarem por todos os lados, como borboletas ou macaquinhos? Quando já não existe censor, quando já não há nenhuma entidade que diz "preciso controlar o pensamento" — que acontece?... Existe então "pensamento errático"? Entendem? Não há mais nenhuma entidade operando, julgando; por conseguinte, cada pensamento é um pensamento, de per si, e não deve ser comparado e declarado bom ou mau. Por conseguinte, não há divagação ou instabilidade.
Só há pensamento erráticos, quando o pensamento diz "estou divagando; não devo fazer aquilo; devo fazer isto". Quando não há o pensador, a entidade que quer controlar o pensamento, então o que nos interessa é só o pensamento, tal qual é, e não como deveria ser. E descobrirão então quanto é belo observar, na sua realidade, cada pensamento e a respectiva significação; porque, então, não há mais pensamento errático. Eliminem definitivamente o problema do esforço, pois não se pode alcançar a Realidade por meio de esforço; o esforço tem de cessar, para que a Realidade possa apresentar-se. Vocês devem ser receptivos. Não se trata de recompensa ou castigo. Não se trata de recompensas por suas boas ações. A sociedade interessa a respeitabilidade de vocês; porém, para a Verdade, não.

Para que a Verdade possa existir, o pensamento deve estar em silêncio. Não deve estar o pensamento em busca de recompensa ou punição, e nem ter pretensões. Só nesse estado de espírito, em que não há busca, é possível manifestar-se a Verdade. A Verdade resultante da busca não é Verdade nenhuma; não é senão uma voz projetada do "eu", traduzindo-lhe a ambição de preenchimento. Assim, pois, ao perceberem tudo isso, ao perceberem na sua inteireza o quadro em que se mostra como a mente opera, não há então pensamento para controlar ou disciplinar; todo pensamento tem então sua importância; há a observação do pensamento, com o pensamento no papel de observador que observa o pensamento, coisa essa dificílima de experimentar-se, uma vez que requer uma extraordinária lucidez e tranquilidade de espírito. Todo pensamento é resultado da memória — da memória que não é mais do que um nome. Porque, em verdade, nós pensamos com palavras; seu pensamento é produto ou "projeção" da memória; a memória se constitui de imagens, símbolos e palavras. Portanto, enquanto houver aquela "projeção", haverá pensamento. Um homem interessado em compreender o pensamento deve, por conseguinte, compreender todo o processo da sua produção: dar nome, lembrar-se, reconhecer. Só então há possibilidade da mente tornar-se, totalmente tranquila. Essa tranquilidade vem com a compreensão. Pode então a Verdade dispensar ao indivíduo as suas bençãos, chegar-se a ele, libertá-lo de todos os seus problemas; somente aí surge o ente criador — que não é o homem que pinta quadros, escreve poemas ou trabalha dez horas por dia.

Jiddu Krishnamurti — Autoconhecimento — Base da Sabedoria 

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

A verdade não é coisa para ser lembrada, repetida

Pergunta: A indagação — que é a verdade — é muito antiga e ainda não é respondida definitivamente. Você fala da verdade, mas não vemos tentativas ou esforços por alcançá-la, como o vimos nas vidas de pessoas como Mahatma Ghandi e a doutora Besant. Sua agradável personalidade, seu sorrido que desarma, seu amor suave, é tudo o que vemos. Quer explicar porque há tanta diferença entre a sua vida e a vida de outros que se consagraram à procura da verdade? Existem duas verdades?

Krishnamurti: Deseja provas? E por que padrão será julgada a verdade? Há os que dizem que o esforço e a tentativa são necessários para se ter a verdade; mas a verdade é alcançável por meio do esforço, de tentativa, de um jogo de probabilidades? Há os que lutam e se esforçam na conquista da verdade, de modo espetacular, quer publicamente, quer na tranquilidade de uma caverna; acharão eles a verdade? É a verdade coisa que se possa descobrir por meio de esforço? Existe um caminho que leva à verdade: o seu caminho, o meu caminho, o caminho do que faz esforço e o caminho do que não o faz? Há duas verdades, ou tem a verdade vários aspectos?

Ora, o problema é seu, e não meu; e o seu problema é o seguinte: você diz "Certas pessoas — suas, ou várias, ou centenas — fizeram esforços, lutaram, procuraram a verdade, ao passo que você não faz esforço algum, leva uma vida agradável e despretensiosa". Quer, pois, comparar, isto é, tem um padrão, tem um retrato de seus guias, que lutaram por alcançar a verdade; e se chega um que não se ajusta ao seu molde, fica decepcionado e pergunta: "Que é a verdade?" Você fica decepcionado — esta é que é a coisa importante, senhor, e não saber se eu possuo a verdade, ou se outro qualquer a possui. O que importa é verificar se se pode descobrir a realidade sem esforço, sem ação da vontade e sem luta. Isso traz compreensão? A verdade, por certo, não é algo que está distante, a verdade se encontra nas pequenas coisas da vida de cada dia, em cada palavra, em cada sorriso, em cada relação, mas nós não sabemos vê-la; e o homem que tenta, que luta valorosamente, que se disciplina, que se domina — possuirá ele a verdade? A mente que é disciplinada, controlada, limitada, por meio de esforço — perceberá ela a verdade? Evidentemente não a perceberá. É só a mente silenciosa que há de perceber a verdade, e não a mente que se esforça por ver. Senhor, se fizer esforço para ouvir o que estou dizendo, ouvirá? Só quando está quieto, quando está realmente silencioso, você compreende. Se observar de perto, se ouvir tranquilamente, então ouvirá; mas se fica tenso, lutando por assimilar tudo o que se está dizendo, sua energia se dissipará na tensão, no esforço. Nessas condições, não encontrará a verdade por meio do esforço, não importa quem a diga, se os livros antigos, se os antigos santos ou os modernos. O esforço é a negação da compreensão; só a mente tranquila, a mente simples, a mente que está quieta, que não se impõe esforços extenuantes — só essa mente compreenderá a verdade, verá a verdade. A verdade não é algo distante, não há caminho que leve a ela, não há o vosso caminho, nem o meu caminho; não há caminho devocional, não há caminho de ciência nem caminho de ação, porque a verdade não tem caminho que a ela a conduza. No momento em que você tem um caminho para a verdade, você a divide, porque todo caminho é exclusivo e o que é exclusivo no começo há de acabar em exclusão. O homem que está seguindo um caminho nunca há de conhecer a verdade, porque está vivendo na exclusão; seus meios são exclusivos, e os meios são o fim, os meios não estão separados do fim. Se os meios são exclusivos, o fim também é exclusivo.

Assim, não há caminho que conduza à verdade, não existem duas verdades. A verdade não é do passado nem do presente, ela é atemporal; e o homem que cita a verdade do Buda, de Sankara, do Cristo, ou apenas repete o que eu estou dizendo, não encontrará a verdade, porque repetição não é verdade. A verdade é um "estado de ser" que surge quando a mente — que sempre procura dividir, ser exclusiva, que só é capaz de pensar em referência a resultados, realizações — deixa de existir. Só então haverá a verdade. A mente que está fazendo esforço, disciplinando-se, com o propósito de alcançar um fim, não pode conhecer a verdade, porque o fim é a projeção dela própria, e o cultivo dessa projeção, por mais nobre que seja, é uma forma de auto-adoração. O ser, nestas condições, está adorando a si mesmo, e por conseguinte não pode conhecer a verdade. A verdade só pode ser conhecida quando compreendemos todo o processo da mente, quando não existe luta alguma. A verdade é um fato, e o fato só pode ser compreendido depois de você afastar as várias coisas que foram colocadas entre a mente e o fato. O fato são as suas relações com a propriedade, com sua esposa, com os seres humanos, com a natureza, com ideias; e enquanto você não compreender o fato das relações, a sua busca de Deus só servirá para aumentar a confusão; porque ela é uma substituição, uma fuga e, por conseguinte, destituída de significação. Enquanto dominar a sua esposa ou ela lhe dominar, enquanto possuir e for possuído, você não pode conhecer o amor; enquanto estiver refreando, substituindo, enquanto for ambicioso, você não pode conhecer a verdade. Não é a negação da ambição que torna a mente calma, e a virtude não é a negação do vício. A virtude é um estado de liberdade, de ordem, que o vício não pode dar; e a compreensão do vício é o estabelecimento da verdade. O homem que constrói igrejas ou templos, em nome de Deus, com o dinheiro que juntou pela exploração, pela astúcia e a desonestidade, não conhecerá a verdade; pode ele ter falas suaves, , mas sua língua tem o sabor amargo da exploração, do sofrimento. Só conhecerá a verdade aquele que não está buscando a verdade, que não está lutando nem fazendo tentativas para alcançá-la. A mente, em si, é um resultado, e tudo o que ela produz é sempre um resultado; mas o homem que se contenta com o que é, esse conhecerá a verdade. Contentamento não significa estar satisfeito com o status quo, com a manutenção das coisas como estão — isto não é contentamento. É no perceber um fato verdadeiramente e no estar livre dele, que existe o contentamento, que é virtude. A verdade não é contínua, não tem morada, ela só pode ser vista momento por momento. O que foi verdade ontem, não é verdade hoje, o que é verdade hoje não será verdade amanhã. A verdade não tem continuidade. A mente é que deseja fazer contínua a "experiência" que ela chama "verdade", e essa mente não conhecerá a verdade. A verdade é sempre nova; é ver o mesmo sorriso e vê-lo como se fosse novo, ver a mesma pessoa, e vê-la de maneira nova, ver de maneira nova as palmeiras que se agitam, ir ao encontro da vida sempre de maneira nova. A verdade não pode ser conquistada por meio de livros, por meio de devoção ou de auto-sacrifício, mas ela é conhecida quando a mente é livre, quando tranquila; e essa liberdade, essa tranquilidade da mente só vem quando os fatos das suas relações são compreendidos. Sem compreender as suas relações, tudo o que ela faz só cria novos problemas. Mas quando a mente está livre de todas as suas projeções, há um estado de tranquilidade em que cessam os problemas, e só então surge na existência o atemporal, o eterno. A verdade não é, pois, uma coisa de conhecimento, uma coisa para ser lembrada, uma coisa para ser repetida, impressa e divulgada. A verdade é aquilo que é, não tem nome, sendo, portanto, inacessível à mente.

Jiddu Krishnamurti — O que estamos buscando?


A Verdade não está nas citações alheias

(...) Por que você faz citações e por que faz comparações? Você costuma dizer: “Citando, posso comparar e compreender”; mas você cita porque, na sua mente, você não é mais que citações... Um disco de gramofone repete o que outra pessoa disse. Isso tem algo de vital na busca da verdade? Você compreende citando a Bíblia ou outro livro qualquer?

Nenhum livro é sagrado, asseguro-lhe; assim como um jornal, são só palavras impressas em papel, não há nada de sagrado nem num nem noutro.

Ora, você cita, porque pensa que, citando e comparando, compreende o que estou dizendo. Compreendemos alguma coisa por meio da comparação, ou só vem a compreensão quando atentamos diretamente para o que se diz? Quando você afirma que a Bíblia já o disse, ou que outro qualquer já o disse, o que realmente está ocorrendo  no seu “processo” psicológico? Afirmando o que outra pessoa já disse, você não precisa mais pensar no caso, não é verdade? Você pensa que compreendeu a Bíblia; e quando você compara o que a Bíblia disse com o que estou dizendo, você acha que é a mesma coisa e não dá mais atenção o problema. Isto é, quando você compara, está, na verdade, procurando um estado no qual não seja perturbado. Afinal de contas, se você leu a Bíblia ou o Bhagavad Gita, e pensa tê-los compreendido, pode dar-se por satisfeito, e ficar a repetí-los, e isso não terá efeito algum em sua vida diária; pode continuar a ler e a citar, sem ser perturbado, em perfeita segurança. Você é então uma pessoa muito respeitável e pode continuar com seu estúpido e monstruoso modo de vida; e se vem alguém e lhe chama a atenção para alguma coisa, imediatamente você compara o que ele diz com aquilo que você leu, e pensa tê-lo compreendido. Na verdade, você está evitando perturbações; e é por isso que você compara, e é isso que eu reprovo.

Não sei se o que estou dizendo é novo ou velho; não me interessa saber se alguém já o disse ou não; o que verdadeiramente me interessa é descobrir a verdade de todo e qualquer problema — não de acordo com algum livro tido como sagrado. Quando procuramos a verdade de um problema, é estúpido repetir o que outros disseram. — Senhor, isto aqui não é uma conferência política, e fundamentalmente, a questão é a seguinte: pode-se compreender alguma coisa por meio de comparação? Compreendemos a vida, se temos a mente cheia de coisas ditas por outras pessoas, se seguimos a experiência, o saber alheio? Ou só vem a compreensão quando a mente está quieta? — mas não quando foi aquietada, porque isso é estar insensibilizada. Com o indagar, procurar, perscrutar, a mente se torna, inevitavelmente tranquila e então o problema revela todo o seu significado; e só quando a mente está tranquila se dá a compreensão do significado do problema, e não quando estamos constantemente comparando, citando, julgando, pensando. Positivamente, Senhor, o homem de saber, o letrado, nunca pode conhecer a verdade; pelo contrário, o saber e a erudição devem cessar. A mente precisa ser simples, para compreender a verdade, e não estar cheia do saber de outras pessoas ou de sua própria inquietação. Se você não tivesse livros de espécie alguma, se não tivesse os chamados livros religiosos ou sagrados, o que faria para descobrir a verdade? Se você estivesse verdadeiramente interessado em descobri-a, teria de perscrutar o seu próprio coração, teria de procurar os lugares sagrados da sua mente, não é verdade? Teria de observar-se com atenção, de compreender a maneira como a mente funciona; porque a mente é o único instrumento que você possuí, e se você não compreende esse instrumento, como poderá transcende-lo? Certamente, Senhor, os que escreveram os originais dos livros sagrados não podiam ter sido copistas, não é verdade? Eles não citaram palavras alheias. Mas nós citamos, porque os nossos corações estão vazios, porque somos áridos, nada temos de nós. Fazemos muito barulho, e a isso chamamos sabedoria; e com esse conhecimento queremos transformar o mundo, de modo que fazemos mais barulho ainda. Eis porque é muito importante que a mente realmente esteja desejosa de realizar uma transformação fundamental esteja livre de cópia, de imitação, de padrões.

Jiddu Krishnamurti — O que estamos buscando?   




segunda-feira, 2 de setembro de 2013

O "estado de ser" que é felicidade suprema

Existe um pensante, como entidade separada do pensamento? Ora, não há entidade separada; só há pensamento, e foi o pensamento que criou a entidade separada chamada pensante. O pensamento é reação da memória, tanto da consciente como da inconsciente, da oculta como da patente; a memória é experiência, e a experiência é reação a estímulo e, depois, o processo de dar nome, o qual empresta mais desenvolvimento à memória. A memória reage como pensamento, nas relações, e todo esse processo de pensamento, esse ciclo de memória, estímulo, reação, experiência e dar nome, que vai aumentar a memória, é o que chamamos consciência. É só isso o que sou, e é só isso o que sei. Vejo, pois, que a minha ente funciona dentro da esfera do conhecido; e poderá ela funcionar fora dessa esfera? Percebo agora o processo integral do meu pensar, o que me leva a fazer a pergunta: Poderá a mente transcender o pensamento, que é resultado do conhecido? Não pode, evidentemente; porque, quando o pensamento procura passar além, o que ele segue é sua própria "projeção". O pensamento não pode experimentar o conhecido, só pode experimentar o que ele próprio "projetou", que é o conhecido. O pensamento é a mente, que é resultado do tempo, resultado do passado;e eu desejo saber se a mente é capaz de passar além de si mesma. Não pode, é claro, porque o "além" é desconhecido, não pertence ao tempo. Assim, a mente precisa findar — o que significa que deve estar quieta, meditativa. Meditação não é o tornar-se alguma coisa, mas a compreensão do processo total das relações, que é autoconhecimento. É só quando a mente está tranquila, não tendo sido obrigada a ficar tranquila, que existe a possibilidade de experimentar o desconhecido.

Pode, pois, a mente, que é o resultado da experiência, que é memória — pode a mente experimentar o desconhecido? Compreendem o problema? Pode a mente, que é memória, produto do tempo, experimentar o atemporal? A função da mente é lembrar; e a verdade será objeto de experiência e lembrança?(...) A questão é: a mente é o resultado do tempo, o tempo é memória, e a memória diz: "experimentei" ou "não experimentei". Será a verdade, o desconhecido, o imensurável, objeto de experiência, ou seja, algo para ser lembrado? Se vos lembrais de uma coisa, essa coisa já é o conhecido, não é? Será possível experimentar uma coisa que não existe em relação com o tempo — o que significa experimentar, vendo a verdade, momento por momento? Se me lembro da verdade, essa coisa não é mais a verdade; porque a memória é coisa do tempo, da continuidade, e a verdade não é do tempo, a verdade não é continuidade. A verdade do Buda não é a verdade que hoje descubro. A verdade só se apresenta na mente de todo silenciosa. A verdade não é coisa que possa ser procurada, experimentada, conservada, e adorada. Só é possível "experimentar" o atemporal, quando a mente está liberta de todo condicionamento. Assim, o autoconhecimento é a compreensão do condicionamento.

O que importa é compreender o processo total da mente. Trataremos disso mais tarde; cumpre-nos, agora, perceber que a verdade não é uma coisa suscetível de ser lembrada. O que é lembrado é do tempo, é coisa do passado, e a verdade nunca é do passado, nem do futuro; a verdade só pode estar no presente, naquele estado em que não existe o tempo. O tempo é o processo da mente, a mente é pensamento, o pensamento é reação da memória. A memória é a experiência do estímulo e da reação, e porque a reação é inadequada; cria-se o problema das relações. Assim, a compreensão do processo total do "eu" reside na compreensão das relações, na vida cotidiana, e essa compreensão liberta a mente do tempo, e ela, por conseguinte, é capaz de experimentar a realidade de momento em momento, o que não constitui um processo de lembrança — não mais podemos chamar "experiência" a esse estado, que é inteiramente diverso. Esse "estado de ser" é felicidade suprema, não é algo que aprendemos em livros e repetimos como discos de gramofone. Nesse estado, um homem é feliz, não repete, para ele a vida não tem problemas. É só a mente que cria problemas.

Jiddu Krishnamurti — 12 de fevereiro de 1950 — O que estamos buscando?

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sábado, 31 de agosto de 2013

O que significa nossa chamada “busca da verdade”?

Que entendemos com conflito, por contradição? Por que existe contradição em nós? Compreendem o que eu entendo por contradição? — esta luta constante para ser algo diferente do que sou. Sou isto e quero ser aquilo. Essa contradição em nós é um fato, não um dualismo metafísico, sobre o qual não há necessidade de discorrermos. A metafísica nenhum valor tem para a compreensão do que é. Podemos discutir sobre o dualismo, dizer o que ele é, se existe, etc.; mas, que valor tem ele se não sabemos se existe contradição em nós, desejos antagônicos, interesses opostos? Isto é, quero ser bom e não consigo. Essa contradição, essa oposição que existe em nós precisa ser compreendida, porque gera conflito; e no conflito, na luta, não podemos criar individualmente. Vejamos com clareza o estado em que nos encontramos. Há contradição, e por isso tem de haver luta; e a luta é sempre destruição, desperdício. Em tal estado, nada podemos produzir, senão antagonismo, luta, mais amarguras e sofrimentos. Se pudermos compreender perfeitamente esse estado e ficarmos livres da contradição, haverá paz interior, a qual nos trará a mútua compreensão.

O problema, portanto, é este: Visto que o conflito é destrutivo, inútil, por que existe contradição em cada um de nós? Para compreender isso, precisamos ir um pouco mais longe. Por que existem desejos opostos? Não sei se estamos bem conscientes disso — dessa contradição, desse querer e não querer, desse lembrar-nos de uma coisa e querermos esquecê-la, substituí-la por algo novo. Observem bem. É um fato muito simples e muito normal. Nada tem de extraordinário. A verdade é que existe contradição. Mas, como nasce a contradição? Não é importante compreendê-lo? Porque se não fosse a contradição, não haveria conflito, não haveria luta, e o que é seria compreendido sem lhe acrescentarmos um elemento oposto, gerador de conflito. A questão que temos de examinar, portanto, é: Por que existe essa contradição e, consequentemente, essa luta inútil e destrutiva? Que significa contradição? Não implica ela um estado impermanente ao qual se opõe um outro estado impermanente? Isto é, julgo que tenho um desejo permanente. Admito em mim a existência de um desejo, e logo surge outro desejo, que o contradiz; e essa contradição gera conflito, que é desperdício. Isto é, há uma constante negação de um desejo por outro desejo, um interesse que se sobrepõe a outro interesse. Mas existe de fato um desejo permanente? Sem dúvida, todo desejo é impermanente — não metafisicamente, mas de fato. Não deem a isso uma significação metafísica, pensado que assim a compreendem. Na realidade, todo desejo é impermanente. Desejo um emprego. Isto é, penso que um determinado emprego me proporcionará felicidade, e quando o obtenho vejo-me insatisfeito. Quero tornar-me gerente, depois proprietário, etc.; não somente neste mundo, mas também no mundo dito espiritual — o professor quer ser diretor, o ministro quer ser bispo, o discípulo Mestre.

Assim, esse constante “vir a ser”, esse sucessivo passar de um estado para outro, produz contradição, não é verdade? Nessas condições, por que não encarar a vida, não como um desejo permanente, mas como uma série de desejos fugitivos, em constante oposição entre si? A mente, não tem necessidade de permanecer em estado de contradição. Se considero a vida, não como um desejo permanente, mas como uma série de desejos temporários, em constante mutação, não existe contradição... Muito importa compreender que, onde há contradição há sempre conflito, e que o conflito é improdutivo, inútil, quer se trate de uma disputa entre duas pessoas, quer de uma luta interior; como a guerra, ele é totalmente destrutivo.

A contradição, surge apenas quando temos um ponto fixo de desejo, isto é, quando a mente, não considerando todo desejo como uma coisa em movimento, transitória, se apodera de um desejo, atribuindo-lhe permanência: só então, ao surgirem outros desejos, apresenta-se a contradição. Mas todos os desejos estão em constante movimento, não há fixação do desejo. Não há um ponto fixo de desejo; a mente estabelece um ponto fixo, porque se serve de todas as coisas como um meio de ganho; e há de haver contradição, conflito, enquanto houver esse empenho de chegar. Não sei se percebem isso.

É importante compreender, em primeiro lugar, que o conflito é essencialmente destrutivo, quer se trate de conflito comunal, do conflito entre nações, entre ideias, quer do conflito interno do indivíduo. Ele é sempre destrutivo; e essa luta é aproveitada, explorada pelos sacerdotes, pelos políticos. Se percebemos bem isso, se percebemos realmente que toda luta é destrutiva, cabe-nos então descobrir a maneira de colocar fim à luta, isto é, investigar a contradição; a contradição implica sempre o desejo de vir a ser, de ganhar, o desejo de chegar — é isso, afinal de contas o que significa a chamada busca da verdade. Isto é, vocês querem atingir algo, querem alcançar bom êxito, querem encontrar, no final de tudo, um Deus ou a verdade, que passará a ser a permanente satisfação de vocês. Por conseguinte, não estão em busca da verdade, não estão à procura de Deus. Procuram satisfação com uma ideia, uma palavra de som respeitável, tal como Deus, a verdade; mas de fato, cada um de vocês está é em busca de satisfação, e, pondo essa satisfação, no mais alto nível, vocês a chamam Deus: no mais baixo nível ela se chama embriaguez pela bebida. Enquanto o que a mente busca é satisfação, não há muita diferença entre Deus e a bebida... Se desejam realmente encontrar a verdade, devem ser sinceros, ao extremo, e não apenas no nível verbal, mas totalmente; precisam estar extraordinariamente lúcidos, e não podem ter lucidez se se furtam a encarar os fatos. E é isto o que estamos tentando, nestas reuniões: perceber claramente, por nós mesmos o que é. Se não desejam ver, podem ir embora; mas se desejam encontrar a verdade, precisam estar extraordinariamente lúcidos, escrupulosamente lúcidos... Enquanto a mente estiver fixa com uma ideia, com uma crença, haverá contradição na vida; e essa contradição gera antagonismo, confusão, luta, o que significa que não haverá paz.

Jiddu Krishnamurti — O que estamos buscando?

A verdade não lhe pertence, nem a mim

Você não pode achar a verdade por intermédio de ninguém. Como o pode? A verdade, de certo, não é uma coisa estática; não tem morada fixa; não é um fim, um alvo. Pelo contrário, é viva, dinâmica, ativa, cheia de vitalidade. Como pode ser um fim? Se a verdade fosse um ponto fixo, não seria a verdade; seria mera opinião. Senhor, a verdade é o desconhecido, e a mente que procura a verdade a verdade nunca a achará. Porque a mente está constituída do conhecido, é resultado do passado, produto do tempo — e isso pode observar por si mesmo. A mente é o instrumento do conhecido e, por consequência, não pode achar o desconhecido; só pode mover-se do conhecido para o conhecido. Quando a mente procura a verdade, a verdade que leu nos livros, essa “verdade” é uma auto-projeção; porque em tal caso, a mente apenas está em busca do conhecido, um conhecido mais agradável do que o anterior. Quando a mente procura a verdade, está em procura de sua própria projeção, e não da verdade. Afinal de contas, todo ideal é auto-projeção; é fictício, irreal. O que existe é o que é, e o oposto não existe. Mas uma mente que busca a realidade, que busca a Deus, está em busca do conhecido. Quando você pensa em Deus, seu Deus é “projeção” do seu próprio pensamento, resultado de influências sociais. Só se pode pensar no conhecido; você não pode pensar no desconhecido; não pode se concentrar na verdade. No momento em que pensa no desconhecido, ele não é mais que o conhecido, de você mesmo projetado. Assim, Deus, ou a verdade, não podem ser pensados. Se você pensa nela, não é a verdade. A verdade não pode ser procurada; ela vem a nós. Só podemos procurar o que é conhecido. Quando a mente não é torturada pelo conhecido, pelos efeitos do conhecido, só então a verdade pode revelar-se. A verdade se encontra em cada folha, em cada lágrima; ela tem de ser conhecida de momento a momento. Ninguém pode lhe levar à verdade; e se alguém lhe guia, só pode levar-lhe ao conhecido.

A verdade só pode manifestar-se na mente que está livre do conhecido. Ela surge num estado em que o conhecido está ausente, não funciona. A mente é o depósito do conhecido, o resíduo do conhecido; e para que a mente esteja naquele estado no qual o desconhecido se manifesta, tem de estar cônscia de si mesma, de suas experiências anteriores, tanto conscientes como inconscientes, das suas respostas, reações, da sua estrutura. Quando há autoconhecimento completo, o conhecimento termina, e a mente fica completamente vazia do conhecido. Só então a verdade pode vir até você, sem ter sido chamada. A verdade não lhe pertence, nem a mim. Não podemos adorá-la. No momento em que a conhecemos, ela é irreal. O símbolo não é real, a imagem não é real; mas quando há compreensão do “eu”, desaparecimento do “eu”, desponta então a eternidade.

Jiddu Krishnamurti — O que estamos buscando?     


quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Desejar experienciar a verdade é negar a verdade

As crenças condicionam a experiência, e a experiência, depois, reforça a crença. O que você acredita, você experiência. A mente dita e interpreta a experiência, convida-a ou rejeita-a. A própria mente é o resultado da experiência, e ela pode reconhecer ou experienciar apenas aquilo com que está familiarizada, que conheça, em qualquer nível que seja. A mente não pode experienciar o que não seja conhecido. A mente e sua reação são de maior significância do que a experiência; fiar-se na experiência como um meio de entender a verdade é ficar preso na ignorância e na ilusão. Desejar experienciar a verdade é negar a verdade; pois o desejo condiciona, e a crença é um outro disfarce do desejo. Conhecimento, crença, convicção, conclusão e experiência são empecilhos à verdade; eles são a própria estrutura do Eu.

(...) O desejo de experienciar a verdade deve ser pesquisado e entendido; mas se houver motivação na busca, a verdade não toma forma. Pode haver busca sem uma motivação, consciente ou inconsciente? Com a motivação, a busca? Se você já sabe o que quer, se você formulou um fim, então a busca é o meio de atingir aquele fim, que é projetado. Portanto, a busca é por gratificação, não pela verdade; e os meios serão escolhidos de acordo com a gratificação. O entendimento do que é não precisa de motivação; a motivação e os meios impedem o entendimento. A busca, que é percepção desprovida de escolha, não é por algo; é estar atento ao anseio pelo fim e aos instrumentos para isso. Essa atenção desprovida de escolha produz um entendimento do que é.

É estranho o quanto nós ansiamos pela permanência, pela continuidade. Esse desejo assume muitas formas, das mais grosseiras às mais sutis... Só conhecemos a continuidade e nunca a não-continuidade.

(...) Esse centro de continuidade não é a essência espiritual, pois ainda está dentro do campo do pensamento, da memória e, portanto, do tempo. Pode experienciar somente sua projeção, e por meio de sua experiência projetada dá a si mesmo mais continuidade. Consequentemente, enquanto existir jamais poderá experienciar além de si mesmo. Ele precisa morrer; precisa cessar de dar continuidade através da ideia, através da memória, através da palavra. A continuidade é deterioração, e só há vida na morte. Só existe renovação com o cessar do centro; desse modo, o renascimento não é continuidade; então, a morte é como a vida: uma renovação a cada momento. Essa renovação é criação.

Jiddu Krishnamurti

Você deve cessar para que a realidade seja

Pode Deus ser encontrado por meio da procura? Você pode procurar pelo incognoscível? Para encontrar, você deve conhecer o que está procurando. Se você procura para encontrar, o que você encontrar será uma projeção; será o que você deseja, e a criação do desejo não é a Verdade. Procurar a Verdade é negá-la. A Verdade não tem residência fixa; não há um caminho, nem um guia para ela, e a palavra não é a Verdade. Será a Verdade encontrada em um cenário particular, em um clima especial, entre certas pessoas? Está aqui e não ali? Este é o guia para a Verdade e não um outro? Existe realmente um guia? Quando a Verdade é procurada, o que é encontrado só pode surgir da ignorância, pois a própria busca surge da ignorância. Você não pode procurar a realidade; você deve cessar para que a realidade seja.

Jiddu Krishnamurti — Comentários sobre o viver


terça-feira, 13 de agosto de 2013

O conhecimento não é o caminho da verdade

Pergunta: Embora você tenha empregado frequentemente a palavra "verdade", não me lembro de que a tenha alguma vez definido. O que ela quer dizer?

Krishnamurti: Você e eu, como dois indivíduos, vamos investigar esta questão, não amanhã, mas talvez nesta tarde mesmo. Se você está perfeitamente sereno, vamos averiguar isso. Definições de nada valem. As definições não tem significação para o homem que busca a verdade. A palavra não é a coisa; a palavra "árvore" não é a árvore; mas nos satisfazemos com palavras. Tenham a bondade de seguir-me com atenção. Para nós, as definições, as explicações, são muito satisfatórias, porque podemos viver dentro dos seus limites. Podemos cultivar palavras, porque as palavras produzem em nós efeitos físicos e psicológicos. A palavra "Deus" desperta toda sorte de reações psicológicas e neurológicas, e ficamos satisfeitos.

Por isso, para nós, a definição é muito importante. Não é exato? Chamamos à definição conhecimento, e pensamos que conhecimento é a verdade. Quanto mais lemos a respeito, pensamos que tanto mais perto estamos dela. Mas a explicação da palavra não é a coisa. Cumpre-nos, pois, compreender, não nos deixando enredar por definições de palavras. Por conseguinte, temos de colocar de lado as palavras. E como isso é difícil! Não acham? — porque a palavra é o processo de pensamento. Não há pensar sem verbalizações, sem o emprego de palavras, imagens, conceitos, fórmulas. Prestem atenção a isso, meditem junto comigo, agora, a fim de o verificarem.

Quando a mente percebe que está enredada em palavras, que o próprio processo do seu pensar é palavra, é memória, como pode então essa mente — que é memória, que é tempo, que é presa a definições e conclusões — como pode ela compreender o que é a verdade, o que é o incognoscível? Se desejo conhecer o incognoscível, deve a mente estar de todo silenciosa, não acham? Isto é, tudo quanto é verbalização, imaginação, projeção, tem de acabar. Todos vocês sabem o quanto é difícil para a mente estar quieta — não compelida, não disciplinada, porém, quieta; o que significa que a mente já não está verbalizando, reconhecendo, já não é o centro de reconhecimento de qualquer experiência.

Quando a mente reconhece a experiência, essa experiência é coisa projetada. Quando experimento o Mestre, a Verdade, Deus, essa experiência é uma autoprojeção minha, porque reconheço. Há o centro do "eu", que reconhece aquela experiência; reconhecimento é processo da memória. Digo então: "Vi o Mestre, sei que ele existe, sei que existe Deus". Isto é, a mente é o centro de reconhecimento, e o reconhecimento é o processo da memória.

Quando experimento alguma coisa, tal como Deus, a Verdade, essa coisa é projeção minha, é reconhecimento, não é a Verdade, não é Deus.

A mente só está inteiramente tranquila quando é incapaz de experimentar, quando não há nenhum centro de reconhecimento. Mas isso não ocorre por meio de nenhuma espécie de ação da vontade. Não vem por meio da disciplina. Vem quando a mente observa suas próprias atividades, — o que espero que estejam fazendo neste momento. E quando observam, podem ver como a cada minuto há o processo de reconhecimento em funcionamento, e como, quando reconhecem, não há nada novo.

A verdade é algo atemporal, não é mensurável por palavras. Uma vez que a verdade é imensurável, atemporal, a mente não pode reconhecê-la. Consequentemente, para que a verdade seja, é imprescindível que a mente se ache num estado de "não experimentar". A verdade deve vir a vocês; não pode ir a ela. Se forem a ela, vocês a "experimentaram". Não podem invocar a verdade. Quando a chamam, quando a experimentam, estão em condições de reconhecê-la; se a reconhecem, então, não é a verdade; é apenas o próprio processo de memória, de pensamento de vocês, que está lhes dizendo: "É isso, eu li, eu experimentei". O conhecimento, por conseguinte, não é o caminho da verdade. O conhecimento precisa ser compreendido e colocado de lado, para que a verdade seja. Se a mente de vocês está tranquila, não adormecida, não narcotizada por palavras, mas está realmente acompanhando, observando o processo da mente, verão então como nasce a tranquilidade, no escuro, misteriosamente; e nesse estado de tranquilidade, verão aquilo que é eterno, imensurável.

Jiddu Krishnamurti — 27/01/1952 — Quando o pensamento cessa

A busca de segurança impede o despertar da inteligência

Interrogante: Todos nós, os teosofistas, estamos fundamentalmente interessados na Verdade e no Amor, tanto como você está. Você não podia ter ficado na nossa Sociedade, ajudando-nos, em vez de se separar de nós e fazer-nos acusações?

Krishnamurti: Em primeiro lugar, muitos de vocês estão achando isso divertido; outros estão um tanto quanto agitados, outros apreensivos. Não o estão sentido? Vamos investigar.

Fundamentalmente, estamos, vocês e eu, procurando a mesma coisa? Pode-se procurar a Verdade no seio de uma organização qualquer? Vocês podem colocar um rótulo em vocês, e procurar a verdade? Podem ser hinduístas e dizer: "Estou procurando a verdade?" Porque, então, o que estão procurando não é a Verdade, mas a confirmação de uma crença. Podem pertencer a qualquer a qualquer organização, a qualquer grupo espiritual, e procurar a Verdade? Pode-se achar a Verdade coletivamente? Conhecem o amor, quando acreditam? Não sabem que quando acreditam fortemente em alguma coisa e eu acredito no contrário, não existe amor entre nós? Quando acreditam em certos princípios hierárquicos e em certas autoridades, e eu não creio, pensam que existe comunhão entre nós? Quando toda a estrutura de pensar de vocês é o futuro, o vir-a-ser por meio da virtude, quando vão ser alguém no futuro, quando o processo do pensar de vocês está baseado na autoridade e em princípios hierárquicos, pensam que existe amor entre nós? Vocês podem se servir de mim, por conveniência, e eu servir-me de vocês, por conveniência. Mas isso não é amor. Vejamos com clareza. Não se agitem a respeito destas questões. Não as compreenderão, se se agitarem por causa delas.

Para descobrir se realmente estão em busca da Verdade e do amor, devem investigar, não acham? Se investigassem, se descobrissem, interiormente, e, portanto, agissem, exteriormente, o que aconteceria? Ficariam fora da sociedade (da vossa sociedade Teosófica) não é verdade? Se duvidassem de suas crenças, não estariam de fora? — Enquanto houver sociedades e organizações, — as chamadas organizações espirituais com "direitos adquiridos", na propriedade, na crença, no saber — as pessoas a elas pertencentes, evidentemente não estão em busca da verdade. Podem dizer que estão. Cabe-lhes, pois, averiguar se estamos, fundamentalmente, buscando a mesma coisa. Vocês podem ver a verdade por intermédio de um Mestre, por intermédio de guru? Pensem bem nisso, senhores. É problema de vocês. Pode-se descobrir a verdade através do tempo, no vir-a-ser alguma coisa? Pode-se descobrir a verdade por intermédio do Mestre, do discípulo, do guru? Que podem eles dizer-lhes, fundamentalmente? Só podem aconselhar-lhes a dissolver o "eu". Estão fazendo isso? Se não estão, então, evidentemente, não estão procurando a verdade. Não sou eu que estou dizendo-lhes que não estão procurando a verdade, mas p fato é que se dizem: "Vou ser alguém", se ocupam uma posição de autoridade espiritual, não podem estar em busca da verdade. Sou muito claro, a respeito desses assuntos e não estou procurando persuadir-lhes a aceitar ou rejeitar — o que seria estupidez. Não posso fazer-lhes acusações, como diz o interrogante. Apesar de me ouvirem há vinte anos, continuam com suas crenças; porque é uma coisa muito reconfortante sabermos que temos quem cuide de nós, que temos mensageiros especiais para o futuro, que irão ser algo belo, agora, no final dos tempos. Assim continuarão, porque possuem os seus "direitos adquiridos, suas propriedades, seus empregos, crenças e conhecimentos. Não duvidam deles. A mesma coisa acontece no mundo inteiro. Não é só este ou aquele grupo de indivíduos, mas todos os grupos — católicos, protestantes, comunistas, capitalistas — se encontram nas mesmas condições. Todos têm os seus direitos adquiridos. O homem que é verdadeiramente revolucionário, que interiormente está percebendo a verdade sobre todas essas coisas, esse homem achará a Verdade. Saberá o que é o amor, não numa data futura, porque isso nenhum valor tem. Quando um homem tem fome, quer comer agora e não amanhã. Mas vocês possuem cômodas teorias, sobre o tempo, sobre o correr do tempo, a que estão presos. Por conseguinte, onde está a ligação, onde está a relação entre vocês e eu, ou entre vocês e aquilo que estão tentando descobrir? E, no entanto, todos falam de amor, de fraternidade, e tudo o que fazem é o contrário. É um fato evidente, senhores, que no momento em que há organização, há necessariamente intrigas para a conquista de postos, de autoridade; conhecem bem isso.

Assim, o necessário não é que eu lhes acuse ou que vocês me acusem e me expulsem. O problema não é este. É claro que precisam repelir um homem que lhes diz que aquilo que acreditam, o que fazem é errado; ou, interiormente, deveriam fazer, porque eu digo que me oponho àquilo que desejam. Se realmente desejam procurar, se realmente desejam achar a Verdade e o amor, deve haver unidade de propósitos, abandono completo de todos os seus direitos adquiridos; o que significa que devem ficar interiormente vazios, pobres, sem estar buscando, sem estar conquistando posições de autoridade, como expoentes ou portadores de mensagens dos Mestres. Precisam estar despojados de tudo. Como, entretanto, não desejam isso, naturalmente adquirem rótulos, crenças e várias formas de segurança. Senhores, não rejeitem o que digo; averiguem se de fato estão — como dizem — fundamentalmente em busca da Verdade. Tenho minhas dúvidas. Duvido, realmente, quando lhes ouço dizer "estou em busca da Verdade". Não podem procurar a Verdade, porque a busca de vocês é uma projeção de si mesmos, de seus próprios desejos; o "experimentar" de vocês dessa projeção é uma experiência que desejam. Mas quando não estão buscando, quando a mente se acha quieta e serena, sem nenhum desejo, nenhum motivo, nenhuma compulsão, verão então que vem o êxtase. Para que o êxtase venha, precisam estar despojados de tudo, vazios, sós. A maioria das pessoas ingressa em tais organizações porque são gregárias, porque elas são grêmios e o ingressar em grêmios tem suas vantagens, socialmente falando. Pensam que irão achar a Verdade, enquanto estão em busca de conforto, de satisfação, de segurança social? Não, senhores; devem ficar sós, sem arrimo algum, sem amigos, sem guru, sem esperança, interiormente despidos tudo, vazios. Só então, assim como se pode encher uma taça vazia, pode o vazio interior encher-se com aquilo que é eterno.


Jiddu Krishnamurti — 20 de janeiro de 1952 – Quando o pensamento cessa
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quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Sua mente agora está cheia e o seu coração vazio

A Verdade é a Verdade, uma só, única. Ela não tem partidos; não tem caminhos; nenhum caminho produz à Verdade. Não há caminho da Verdade; ela tem de vir a você. 

A Verdade só pode vir a você quando sua mente e coração são simples e claros, e existe amor no seu coração, e não se seu coração está cheio das coisas da mente. Quando há o amor em seu coração, você não fala da necessidade de se formar uma organização para que haja a fraternidade; não falam de crença, nem falam de divisão, ou dos poderes que geram a divisão. Não precisa procurar conciliação. Você é, então, um ente humano simples, sem rótulo e sem pátria. Significa isso que você precisa se despojar de todas essas coisas, para que a Verdade possa manifestar-se. E ela só pode vir quando a mente está vazia, quando a mente desiste de criar. Ela virá então, sem você a chamar. Virá, veloz como o vento, sem ser pressentida. A Verdade vem no escuro e não quando estamos à sua espreita, desejando-a. Ela surge, súbita como a luz do sol, pura como a noite, mas, para a receber, deve o coração estar cheio e a mente vazia. Sua mente agora está cheia e o seu coração vazio. 

Jiddu Krishnamurti — 6 de fevereiro de 1949    

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Deixe de alimentar teorias sobre a Verdade

Pergunta: Você diz que em cada um de nós reside a Verdade permanente e atemporal; mas, visto que a nossa vida é efêmera, como pode residir em nós a Verdade?

Krishnamurti: Fizemos da Verdade uma coisa permanente. Mas a Verdade é permanente? Se é, ela se acha então na esfera do tempo. Dizer que uma coisa é permanente implica que ela é contínua; e o que é contínuo não pode ser a Verdade. Esta é a beleza da Verdade: ela é para ser descoberta momento a momento, e não para ser lembrada. Uma verdade lembrada é coisa morta. A Verdade deve ser descoberta a cada instante, porque é viva e nunca é a mesma; e, todavia, cada vez que você a descobre, ela é a mesma.

O importante não é criar uma teoria da Verdade, dizer que a Verdade é permanente em nós, etc., etc. Isto é uma invenção dos velhos, que têm tanto medo da morte como da vida. Estas maravilhosas teorias — que a Verdade é permanente, que você não precisa ter medo porque é uma alma imortal etc. — foram inventadas por gente amedrontada, de mente decadente, e cujas filosofias não têm validade nenhuma. A vida deve ser descoberta momento por momento, dia por dia; ela tem de ser descoberta, não podemos ter suposições a seu respeito. Se você supõe que conhece a vida, não está vivendo. Três refeições ao dia, roupas, moradia, sexo, emprego, diversões, e seu pensar — esse monótono “processo” de repetição não é a vida. A vida é coisa que se precisa descobrir; e você não pode descobri-la se não tiver perdido, colocado de lado todas as coisas que achou. Faça uma experiência com o que estou dizendo. Coloque de lado suas filosofias, suas religiões, seus costumes, seus tabus raciais etc., porque nada disto é vida. Se você ficar enredado nessas coisas, nunca descobrirá a vida; e a função da educação, por certo, é lhe ajudar a descobrir a vida a todas as horas.

O homem que diz que sabe, já está morto. Mas o homem que pensa “Não sei”, o homem que está descobrindo, investigando, que não está em busca de um fim, nem pensando em termos de “chegar” ou de “vir a ser” — esse homem está vivendo, e esse viver é a Verdade.

Krishnamurti — A cultura e o problema humano

quarta-feira, 3 de julho de 2013

A Verdade não é uma estrutura mental

Achamo-nos numa crise tremenda, quer reconheçamos, quer não. E no meio desta crise, não podemos continuar a seguir um livro antiquado ou um guia qualquer; temos de encontrar a Verdade no nosso próprio coração, e só a encontraremos se a nossa mente estiver “descondicionada”. Enquanto houver o condicionamento que nos faz buscar, seguir, ou criar ideologias e adorar ídolos; enquanto houver condicionamento da nossa mente, fazendo-nos proceder como hinduístas, comunistas, socialistas, capitalistas, ou o que quer que seja, não encontraremos a Verdade contida em problema algum. Só quando você e eu descobrimos a Verdade, que não é pessoal, individual, haverá a possibilidade de promover-se uma revolução que não seja uma revolução de ideias, mas a revolução da Verdade. Dela necessitamos nos tempos atuais.

Igualmente importa descobrir qual é a sua relação para com a Realidade Criadora, ou como você quiser chama-la — pois os nomes não têm importância. Essa Realidade Criadora nunca será encontrada, enquanto a nossa mente estiver cristalizada, atulhada de ideias e palavras sem nenhuma significação. Você não a encontrará, não a descobrirá, se a sua mente não é capaz de se libertar do pensamento tradicional.

A Verdade não é uma estrutura mental. A mente não pode perceber a Verdade. A Verdade não é produto da mente; pelo contrário, enquanto a mente estiver em atividade, tentando imaginá-la, descobri-la, desenterra-la, jamais a encontrará. Apenas a encontrará, quando houver a compreensão que liberta a mente e lhe dá a única possibilidade de profundo silêncio. É necessária uma mente silenciosa, uma mente tranquila, de uma tranquilidade não produzida por disciplina, coerção ou persuasão. Uma mente disciplinada não é uma mente livre; uma mente estreita, condicionada, é incapaz de compreender o que é a Verdade. A mente, porém, que compreende, que penetra, capaz de “experimentar” diretamente, na ação, nas relações, no viver de cada dia — essa mente é também capaz de descobrir a Verdade; e essa Verdade é que nos liberta dos nossos problemas.


Krishnamurti – 24 de janeiro de 1953

Nossa vida é só fumaça sem a chama da paixão

A palavra “paixão” é ordinariamente reservada para uma coisa: o sexo. Mas, para mim, paixão não é sexo. Precisamos de paixão, intensidade, para podermos viver realmente com uma coisa; para vivermos plenamente, contemplarmos uma montanha, uma árvore, olharmos realmente para um ente humano, devemos ter intensidade apaixonada. Mas essa paixão, essa chama é negada, quando estamos tolhidos por vários impulsos, exigências, contradições, temores. Como pode sobreviver uma chama se a sufocamos com uma quantidade de fumo? Nossa vida é só fumaça; buscamos a chama, mas a estamos negando pelo reprimir, controlar, moldar a coisa que chamamos desejos.

Sem a paixão, como pode haver beleza? Não me refiro à beleza de quadros, edifícios, pinturas de mulheres, etc., que têm suas peculiares formas de beleza, mas não estamos tratando da beleza artificial. Uma coisa construída pelo homem, como uma catedral, um templo, um quadro, um poema, ou uma estátua, pode ser ou pode não ser bela. Mas existe uma beleza superior ao sentimento e ao pensamento que não pode ser percebida, compreendida ou conhecida se não existe paixão. Mas não interpretem erroneamente a palavra “paixão”. Não é uma palavra feia; não é uma coisa adquirível no mercado ou de que se pode falar romanticamente. Não tem absolutamente nenhuma relação com a emoção, o sentimento. Não é coisa respeitável; é uma chama destruidora de tudo que é falso. E temos sempre tanto medo de deixar essa chama consumir as coisas que nos são caras, as coisas que chamamos importantes!

Afinal de contas, a vida que atualmente levamos, baseada em necessidades, desejos e métodos de controlar o desejo, nos faz mais superficiais e vazios do que nunca. Podemos ser talentosos, ilustrados, e capazes de repetir tudo o que aprendemos; mas as máquinas eletrônicas fazem a mesma coisa e já, em certos setores, as máquinas se tornaram mais capazes do que o homem, mais exatas e rápidas em seus cálculos. E assim estamos sempre voltando a este mesmo tópico, ou seja, que a vida que vivemos atualmente é bem superficial, estreita, limitada, e isso porque, profundamente, estamos vazios, sós, e sempre tentando encobrir, preencher esse vazio; por isso, a necessidade, o desejo se torna uma coisa terrível. Nada pode preencher esse profundo vazio interior — nem deuses, nem salvadores, nem o saber, nem as relações, nem os filhos, nem o marido, nem a esposa — nada. Mas se a mente, o intelecto, a totalidade de vosso ser, é capaz de encará-lo, de “viver com ele”, verão então que, psicológica, interiormente, não há necessidade de coisa alguma. Esta é a verdadeira liberdade.

Isso, porém, requer profundo discernimento, profunda investigação, incessante vigilância; e desse modo talvez venhamos saber o que é o amor. Como pode haver amor quando há apego, ciúme, inveja, ambição e todas as hipocrisias que acompanham esta palavra? Mas, se tivermos passado por aquele vazio — que é uma realidade e não um mito nem uma ideia — veremos que o amor e o desejo e a paixão são uma mesma coisa. Se se destrói uma, destrói-se a outra; se se corrompe uma, corrompe-se a beleza. Para se penetrar tudo isso requer-se, não uma mente desapegada, dedicada ou uma mente religiosa, mas uma mente disposta a investigar, uma mente nunca satisfeita, que está sempre a olhar, a vigiar, a observar a si própria — a conhecer a si mesma. Sem o amor, nunca será possível descobrir o que é a verdade.

Krishnamurti — Paris, 12 de setembro de 1961

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Descasque a cebola

O ser do homem é muito simples, mas a sua personalidade é muito complexa. A personalidade é como uma cebola — existem muitas camadas de condicionamento, corrupção, e ocultas por trás dessas muitas camadas está o simples ser do homem. Ele está por trás de tantos filtros que você não pode vê-lo — e oculto por trás desses muitos filtros você não pode ver o mundo também, porque tudo o que atinge você é corrompido pelos filtros antes de atingi-lo.

Nada nunca atinge você como é; você continua deixando de sentir. Há muitos intérpretes no caminho. Você vê alguma coisa — primeiro os seus olhos e os seus sentidos o falseiam. Então a sua ideologia, a sua religião, a sua sociedade, a sua igreja — eles falseiam tudo. Então as suas emoções — elas falseiam também. E assim por diante, o tempo todo... No momento em que a informação chega até você ela não é mais quase nada do original, ou tão pouca que não faz diferença. Você só percebe alguma coisa se os seus filtros permitirem, e os filtros não permitem muito.

Os cientistas concordam; os cientistas afirmam que vemos apenas dois por cento da realidade — apenas dois por cento! Noventa e oito por cento da realidade se perdem. Quando você está me ouvindo, ouve apenas dois por cento do que foi dito. Noventa e oito por cento se perdem, e quando os noventa e oito por cento se perdem, aqueles dois por cento ficam fora de contexto. É como se você pegasse duas páginas de um romance ao acaso, uma daqui, outra dali, e então começasse a reconstruir rodo o romance a partir dessas duas páginas. Noventa e oito páginas ficam de fora! Você não faz ideia do que elas continham; você nem mesmo sabe que elas existiam. Você tem apenas duas páginas e reconstrói toda a novela de novo. Essa reconstrução é uma invenção sua. Não é uma descoberta da verdade, é a sua imaginação.

E há uma necessidade interior de preencher as lacunas. Sempre que você vê que duas coisas não têm relação entre si, a mente sente uma pressão interior para relacioná-las; do contrário ela se sente muito intranquila. Então você inventa uma ligação. Você conserta as informações desconexas com elos, você as une com uma ligação e inventa um mundo que não existe

George Gurdjieff costumava chamar esses filtros de "amortecedores". Eles o protegem da realidade. Eles protegem as suas mentiras, eles protegem os seus sonhos, eles protegem as suas projeções. Eles não permitem que você entre em contato com a realidade porque o próprio contato seria esmagador, chocante. O homem vive por meio de mentiras.

Conta-se que Friedrich Nietzsche teria dito: "Por favor, não tirem as mentiras da humanidade, ou então o homem não será capaz de viver. O homem vive por meio de mentiras. Não acabem com as ficções, não destruam os mitos. Não digam a verdade porque o homem não pode viver com a verdade." E ele está certo quanto a noventa e nove vírgula nove por cento das pessoas — mas que tipo de vida pode existir por meio de mentiras? Essa seria uma grande mentira em si mesma. E que tipo de felicidade é possível por meio de mentiras? Não há possibilidade; dai que a humanidade vive em sofrimento. Com a verdade há alegria; com as mentiras há apenas sofrimento e nada mais. Mas nós continuamos protegendo essas mentiras.

Essas mentiras são agradáveis, mas elas o mantêm protegido contra a felicidade, contra a verdade, contra a existência. 

O homem é exatamente como uma cebola. E a arte consiste de como descascar e chegar ao seu centro mais profundo.

Osho, em "Intuição: O Saber Além da Lógica"


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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill