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quinta-feira, 5 de abril de 2018

No estar só, psicologicamente, a liberdade

No estar só, psicologicamente, a liberdade

PERGUNTA: Estudei muitos sistemas de filosofia e as doutrinas dos grandes guias religiosos. Tendes algo melhor para oferecer, do que a que já sabemos?

Krishnamurti: Pergunto-me a mim mesmo porque é que estudais, porque ledes filosofia, porque ledes os ditos dos guias religiosos. Pensais que o saber que tendes adquirido dos instrutores e dos livros vos levará a alguma parte? Ele poderá ser útil, numa discussão, para "deitardes erudição", mostrardes quanto sois perspicaz. Mas o saber acumulado — afora no mundo científico — pode conduzir um homem, a vós ou a mim, ao descobrimento do que é real, do que é verdadeiro, Deus, o Eterno, descobrimento sem o qual a nossa vida muito pouco significa? Sem dúvida, para se achar o Eterno, temos de largar todo o nosso saber, não é verdade? Tudo o que disse Buda, Cristo, ou outro qualquer — tudo isso não tem de ser posto de lado? Senão estareis meramente perseguindo vossas próprias "projeções" ou a "projeção" da vossa igreja; estareis, na verdade, reagindo ao vosso próprio condicionamento.

Ora, vós tendes de deixar de ser cristãos, hinduístas, budistas ou praticantes da ioga, deveis deixar tudo isso completamente para que "o que está além" (caso exista) possa manifestar-se. Se dizemos, simplesmente, que além existe algo, e aceitamos este algo, e esperamos alcançá-lo, com isso nos mostramos muito superficiais. Mas podemos empreender uma jornada sem nada sabermos, sem apoio nenhum, sem sermos cristãos, budistas, hinduístas, que são simples rótulos e denotam uma mente condicionada? O pormos de parte tudo o que sabemos, eis o único problema, e pouco importa que eu tenha "algo melhor para oferecer". Porque, sem dúvida, um homem deve estar só — não isolado, não "sozinho" — no saber, na experiência, porque todo saber e toda experiência são obstáculos ao descobrimento do real. A mente deve estar livre de todo condicionamento, tem de estar só, para descobrir. Quanto mais uma pessoa observa certa prática, quanto mais acumula, quanto mais disciplina, molda, torce, luta, tanto menos compreenderá o que é. Não estou falando de nenhuma filosofia indiana de negação, de "nada fazer", quando tendes a mentalidade ocidental de "fazer algo"; não é disso que estou falando. Estamos tratando de coisa completamente diferente. A mente deve tornar-se pura, nova.

Não pode ser nova e pura se há acumulação de saber ou a mera repetição das palavras de um instrutor, ou o resultado final de certa prática. Não pode a mente tornar-se apercebida de seu próprio condicionamento? Não só do condicionamento superficial, mas de todos os símbolos, ideologias, filosofias, imagens, todas as coisas, enfim, que jazem nas profundezas da mente e a estão condicionando. Tornar-se apercebido dessas coisas e delas libertar-se, eis o que é "liberdade religiosa". Esta liberdade é que opera a revolução - a única revolução que pode transformar o mundo.

Krishnamurti, Primeira Conferência em Londres
17 de junho de 1955

Na chama da percepção está a liberdade religiosa

Na chama da percepção está a liberdade religiosa

Embora tenhamos numerosos problemas, e cada um deles pareça produzir muitos outros, poderíamos verificar agora se não seria muito mais acertado não buscar a solução de problema algum. Nossa mente parece incapaz de ocupar-se com a vida como um todo; é bem evidente que nos ocupamos de nossos problemas fragmentariamente, separadamente, fora da perspectiva total. O mais importante, talvez, se temos problemas, não é buscarmos para eles uma solução imediata, mas termos a paciência de investigá-los profundamente, para vermos se podem ser resolvidos pelo exercício da vontade. Releva, a meu ver, não a maneira de resolver os problemas, porém, sim, a maneira como os consideramos. Porque, sem liberdade, de qualquer maneira que os consideremos, nossa ação será restrita; sem liberdade, qualquer solução - econômica, política, pessoal ou qualquer que seja - só acarretará mais sofrimentos e mais confusão. Por esta razão, considero muito importante averiguarmos o que é a verdadeira liberdade, descobrirmos por nós mesmos o que é a liberdade.

Só há uma liberdade: a liberdade religiosa; não existe outra liberdade. A liberdade que oferece o chamado "Governo de Bem-Estar", a liberdade econômica, nacional, política etc., que se nos dá, não é liberdade, em absoluto, e só pode levar a um caos maior e a piores sofrimentos — fato muito óbvio para qualquer observador atento. Penso, pois, que deveríamos aplicar nosso tempo, nossa energia e pensamento, inteiramente à investigação do que é "liberdade religiosa" — a descobrir se tal coisa existe realmente. Esta investigação — se desejamos levá-la a bom termo, sem nos deixarmos desviar por atrações de espécie alguma — exige muita penetração, energia e perseverança. Acho que merece a pena concentrar-nos, todos nós, neste problema: que significa ser "religiosamente livre"? É possível libertar a mente — isto é, nossa própria mente, a mente individual — da tirania das igrejas, das crenças organizadas, dos dogmas, dos sistemas de filosofia, das várias práticas da ioga, e todas as preconcepções sobre o que seja a Realidade ou Deus, e, livres de tudo isso, descobrirmos por nós mesmos se existe "liberdade religiosa"? Porque, sem dúvida, só a liberdade religiosa pode oferecer, definitiva e fundamentalmente, a solução de todos os nossos problemas, tanto individuais como coletivos. Isso, com efeito, significa: pode a mente descondicionar-se? Porque, em última análise, nossa mente é resultado do tempo, da tradição, de uma vasta experiência, não só a experiência do presente, mas também a experiência coletiva do passado.

A questão, pois, não é de como enobrecermos o nosso condicionamento, como melhorá-lo — como está tentando fazer a maioria de nós — porém, antes, de libertarmos completamente o nosso espírito de todos os seus condicionamentos. A questão verdadeira, parece-me, não é de decidirmos a que religião pertencer, que sistema de filosofia adotar, que disciplinas praticar para alcançarmos a percepção de uma realidade existente além dos limites da mente, porém, sim, de descobrirmos por nós mesmos, pela nossa compreensão individual, pela investigação própria e autoconhecimento, se a mente pode ser livre. Esta é a maior de todas as revoluções, a única revolução — a libertação da mente de todos os seus condicionamentos. Afinal de contas, para descobrir algo que seja eterno, descobrir se tal coisa existe, não deve a mente pensar em termos de tempo; não deve acumular o passado, visto que tal acumulação gera o tempo. As próprias experiências que colhemos têm de ser postas fora, porque elas manufaturam, constroem o tempo. Nossa mente, sem dúvida, resulta do tempo, condicionada pelo passado, pelas inumeráveis experiências, lembranças que acumulamos e que nos emprestam continuidade.

Assim sendo, pode-se ser livre religiosamente, de fato, no sentido mais profundo da palavra "religião"? Porque religião, bem de ver, não são ritos, dogmas, não é moral social, frequentar a igreja todos os domingos, a prática da virtude, o bom comportamento, que nos levam à respeitabilidade. Nada disso é religião, por certo. Religião é muito mais do que isso, coisa muitíssimo diferente.

Se desejamos verificar o significado de ser "religiosamente livre", acho necessário seja compreendido, integralmente, o problema da vontade, do desejo, com seus alvos, atividades, propósitos, "projeções" inumeráveis — a armadilha em que a mente está cativa. Parece-me, pois, que os nossos problemas só poderão ser resolvidos, em definitivo, se deixarmos "queimar-se" totalmente o mecanismo da vontade, coisa que parecerá completamente estranha a um espírito ocidental, e mesmo à mentalidade oriental. Porque, ao fim de contas, esta suposta religião, que geralmente aceitamos, está baseada essencialmente no processo do "vir a ser algo", de por fim alcançar certo estado, que é projetado ou inventado, não é verdade? Podemos, em raros momentos, experimentar um "novo estado", mas imediatamente pomo-nos a persegui-lo — o que também implica o cultivo da vontade de ser, de ser algo — e nele estará o processo do tempo, não é verdade?

Se a mente deseja alcançar algo além do tempo, além das limitações das experiências, baseadas essencialmente no condicionamento da ação, do pensamento, do sentimento; se desejamos alcançar algo além de tudo isso, sem dúvida é necessário que nossa mente, constituída que é de tantas atividades e desejos, finde, cesse as suas atividades. E isto, na verdade, significa compreensão de todo o mecanismo da mente condicionada. Afinal de contas, é bem óbvio, a mente condicionada, que se formou e moldou segundo a cultura de uma dada sociedade, não pode encontrar algo que se acha além de todo o pensar. E a compreensão que nos faz achar o que está além é revolução — a verdadeira religião.

O que é significativo, portanto, não é que sejais cristão, budista ou hinduísta, um "seguidor", um homem que troca uma religião por outra para satisfazer sua particular vaidade, aceitando certas formas de rituais e abandonando as antigas — sabeis as sensações que se experimenta quando se assiste a uma cerimônia religiosa. Tudo isso, a meu ver, é prejudicial, completamente inútil, para a mente que deseja descobrir o verdadeiro. Mas o abandono desse caminho, por ação da vontade, só pode naturalmente gerar mais condicionamento, o que acho muito importante compreender. Estamos habituados a exercer esforço, visando a um resultado. É por isso que nos exercitamos; praticamos certas virtudes e lutamos por alcançar certo padrão de moralidade, o que indica esforço, de nossa parte, para chegarmos a algum lugar, não é verdade? Seria desejável refletirmos sobre isto, discuti-lo, investigá-lo juntos, investigar como libertar a mente de todo condicionamento; se ela pode ser descondicionada pela ação da vontade, pela análise de todos os mecanismo de pensamento e suas respectivas reações; ou se existe uma maneira totalmente diferente de proceder, ou seja, com um percebimento em que sejam "queimados" pela raiz todos os processos de pensamento. Todo pensar, obviamente, é condicionado; não existe "pensar livre" — tal coisa não existe. O pensar, sendo produto de nosso condicionamento, nossa cultura, nosso clima, nosso fundo social, econômico, político, nunca pode ser livre. Os próprios livros que ledes, as próprias praxes que observais, têm suas bases no vosso próprio fundo (background); e todo pensar só pode provir desse mesmo fundo. Assim, se pudermos estar vigilantes (poderemos apreciar mais adiante o que significa "estar vigilante"), talvez possamos "descondicionar" a mente, sem o processo da vontade, sem a determinação de descondicioná-la. Porque determinação denota uma entidade que deseja, uma entidade que diz: "Tenho de descondicionar a minha mente". Essa própria entidade é produto do nosso desejo de alcançarmos certo resultado; portanto, já existe um conflito. Mas podemos estar apercebidos de nosso condicionamento, simplesmente apercebidos? Assim, não há conflito algum. Na chama desse percebimento, se o permitimos, podem consumir-se todos os nossos problemas. No fundo, todos temos o sentimento de que existe alguma coisa além do nosso pensar, dos nossos insignificantes problemas e tribulações. Há, porventura, momentos em que "experimentamos" esse estado. Mas tais experiências, infelizmente, se tornam um obstáculo ao ulterior descobrimento de coisas mais importantes; pois nossa mente gosta de apegar-se a toda coisa que experimentamos. Tomando tal coisa pelo real, ficamos-lhe apegados; mas, justamente este apego impede o experimentar de coisa muito mais importante. A questão, por conseguinte é: pode a mente condicionada olhar-se a si própria, perceber o seu condicionamento, sem fazer escolha, abstendo-se de comparações e de condenação, para ver se na chama desse percebimento não se consome, pela raiz, o problema, o pensamento, que a preocupam? Não há dúvida de que toda espécie de acumulação, de conhecimentos ou de experiência, toda espécie de ideal, toda "projeção" da mente, toda prática deliberada para moldar a mente — o que ela deve ser e não deve ser —, não há dúvida de que tudo isso está paralisando o processo da investigação, do descobrimento. Se examinardes bem esta questão, se refletirdes a fundo a seu respeito, vereis que a mente tem de estar livre de todo condicionamento para que possa ter "liberdade religiosa". E é só nesta liberdade religiosa que todos os nossos problemas podem ser resolvidos.

Nossa investigação, por conseguinte, deve visar não à solução de nossos problemas imediatos, mas, sim, a descobrir se a mente — não só a mente consciente, mas também a inconsciente, a mente profunda, onde estão depositadas todas as tradições, lembranças e herança racial —, se a totalidade da mente pode ser posta de lado, abandonada. Acho que tal coisa só é possível quando a mente é capaz de um estado de percebimento em que não haja exigência em nenhum sentido, nem pressão de espécie alguma, um estado de simples vigilância e percebimento. Penso ser uma das coisas mais difíceis o nos pormos assim vigilantes, porque o problema imediato, a solução imediata, nos está prendendo toda a atenção, e por isso são tão superficiais as nossas vidas! Ainda que recorramos a todos os analistas, leiamos todos os livros, adquiramos muito saber, frequentemos as igrejas, rezemos, meditemos, pratiquemos muitas disciplinas, nossa vida, não obstante, é muito superficial, pois não sabemos penetrar-lhe as profundezas. A meu ver, a compreensão, o modo de penetração que nos levará às maiores profundidades, está no percebimento, no estarmos apercebidos, simplesmente, dos nossos pensamentos e sentimentos, sem condenação e sem comparação - no simples observar. Se o experimentardes, vereis como isso é difícil; porque nossa educação, em todos os seus aspectos, só nos prepara para condenar, aprovar, comparar. Nessas condições, parece-me que o nosso problema — que na realidade independe do tempo — é o de descobrirmos por nós mesmos, "experimentarmos" diretamente o que significa libertar a mente de todos os condicionamentos. É relativamente fácil livrar-se do nacionalismo, das qualidades raciais hereditárias, de certas crenças e dogmas, não pertencer a nenhuma igreja ou religião — isso é relativamente fácil para todo aquele que refletiu seriamente sobre estes assuntos; mas é muito mais difícil ir mais longe do que isso, ultrapassar estes limites. Pensamos ter feito muito quando sacudimos de nós algumas das camadas superficiais de nossa cultura ocidental ou oriental. Mas o penetrarmos mais além, sem ilusões, sem enganarmos a nós mesmos, isso é extremamente difícil. À maioria de nós nos falta para tal a necessária energia. Não me refiro à energia que se cria pela abstinência, pela renúncia, pelo ascetismo, pelo controle, pois a energia oriunda dessas coisas é de uma qualidade falsificada, já que desfigura a observação; refiro-me àquela energia que nasce quando a mente já não está buscando coisa alguma, já não sente necessidade de buscar, nem de descobrir, nem de "experimentar", e, portanto, está verdadeiramente tranquila. Só nesse estado a mente é capaz de descobrimento; porque só a mente tranquila está apta a receber algo que não é "projeção" dela própria. A mente tranquila é livre — é a mente religiosa. Podemos considerar realmente este assunto, não como um grupo, "experimentando" coletivamente, o que, aliás, é relativamente fácil, mas podemos, como indivíduos, investigar realmente e descobrir por nós mesmos até que grau e até que profundidade estamos condicionados? E podemos estar apercebidos desse condicionamento sem lhe opormos nenhuma reação, sem condená-lo, sem procurarmos alterá-lo, sem substituirmos o antigo condicionamento por um condicionamento novo, estar apercebidos com tanta simplicidade e tão profundamente que o próprio "mecanismo" de condicionamento — que, afinal, é simplesmente o desejo de estar seguro, o desejo de permanência — seja "queimado" pela raiz? Podemos descobrir isso por nós mesmos — e não porque outro falou a seu respeito — percebê-lo diretamente, de modo que a própria raiz, o próprio desejo de segurança, permanência, seja de todo consumido? É esse desejo de permanência, quer no futuro quer no passado, esse apego à experiência acumulada, que nos impele à busca da segurança. E esse desejo não pode ser "queimado", consumir-se de todo? Porque é ele que cria condicionamento. Esse desejo, que quase todos temos, de saber, buscando nesse saber nossa própria segurança, esse desejo de experiência, para nos tornarmos mais fortes, não se pode acabar definitivamente — não pela volição, mas fazendo-o consumir-se na chama do percebimento, de modo que a mente fique livre de todos os seus desejos, e possa então surgir aquilo que é eterno?

Penso ser esta a verdadeira revolução, e não a comunista ou qualquer outra forma de revolução. Estas não resolvem os nossos problemas; pelo contrário, aumentam-nos, multiplicando as nossas tribulações, o que, mais uma vez, é um fato bem óbvio. Sem dúvida, a única revolução verdadeira é a que liberta a mente de seu condicionamento e, por conseguinte, da sociedade. Não é, pois, a mera reforma da sociedade. O homem que está libertado da sociedade, uma vez que está livre de condicionamento, agirá pela sua maneira própria, e sua ação, por sua vez, influirá na sociedade. Nosso problema, por conseguinte, não é a reformação — como melhorar a sociedade, como ter um "Estado de Bem-Estar" comunista, socialista, ou coisa parecida. Nosso problema não se refere à revolução econômica ou política, nem à paz pelo terror. Para um homem verdadeiramente sério estas coisas não constituem problemas. O seu problema real é o de investigar se a mente pode libertar-se, de todo, de seu condicionamento e, talvez, nesta investigação, neste silêncio extraordinário, descobrir aquilo que ultrapassa todas as medidas.

Tenho aqui várias perguntas, e, antes de a elas responder, acho importante verificar o que é que entendemos por "um problema". Só existe algum problema quando a mente está ocupada, não achais? Tende a bondade de escutar e permita-me sugerir-vos que não salteis a conclusões, uma vez que estamos tentando investigar juntos. Quando a mente está ocupada, seja com Deus, seja com assuntos culinários, com uma pessoa, uma ideia, uma virtude, sua ocupação inevitavelmente tem de criar problemas. Se estou ocupado com o descobrimento de Deus ou da Verdade, esta minha ocupação se torna um problema, porque me ponho então a indagar, a mendigar, em busca do método mais eficaz etc.

A verdadeira questão, por conseguinte, não se relaciona com o problema em si, porém, sim, precisamos investigar porque anda a mente sempre ocupada, porque busca a mente ocupações. Não me refiro às atividades diárias, dos negócios etc., mas à ocupação psicológica da mente, a qual tem relação com a nossa vida de cada dia. Pouco importa com o que estejamos ocupados: se a respeito de Deus, da Verdade, do amor, do sexo, de assuntos culinários — tudo é a mesma coisa, não há "ocupações nobres". A mente busca ocupações, precisa estar ocupada com alguma coisa, tem horror a se ver não ocupada. Verificai, numa ocasião qualquer, quanto vos ocupam os vossos problemas e o que sucederia se não estivésseis tão ocupados: descobriríeis logo o horror que a mente tem de ver-se sem nenhuma ocupação. Nossa cultura, nossa educação, em todos os seus aspectos, nos ensinam que a mente deve estar ocupada; no entanto, acho que a própria ocupação cria o problema. Isto não significa que não existem problemas; há problemas, mas eu acho que a ocupação com o problema é que nos impede de compreendê-lo.

É realmente interessante observar a mente, observar a nossa própria mente, e verificar como está sempre ocupada com uma coisa ou com outra; nunca se acha um momento em que ela esteja quieta, desocupada, vazia, nunca se encontra num espaço sem limites. Como andamos sempre tão ocupados, os nossos problemas aumentam sem cessar. E a mera solução de um dado problema, sem se compreender por inteiro o mecanismo da ocupação mental, só tem o efeito de criar outros problemas. Assim sendo, não haverá possibilidade de compreendermos esta peculiar insistência da mente em estar ocupada, seja com ideias, especulações, conhecimentos, ilusões, estudos, seja com sua própria virtude e seus próprios temores? Estar livre de tudo isso, ter uma mente não ocupada, é muito difícil, porquanto significa, com efeito, a cessação de todas estas reações da memória, que chamamos "pensar".

Krishnamurti, Primeira Conferência em Londres
17 de junho de 1955


quinta-feira, 23 de junho de 2016

O Poder do Agora

Obedece a vida a uma lei qualquer? A vida que é absolutamente livre e incondicionada, não possui lei em si mesma. Na manifestação, que pode ser chamada a expressão da vida, deve existir lei, porem não pode existir lei nenhuma para aquilo que a si mesmo se manifesta, que a si mesmo se expressa. 

E, assim como toda a lei é imitação, sustento que a vida em liberdade, que é espiritualidade em consumação, está por cima de qualquer limitação. Ao que é livre não vos podereis dirigir levando as mãos atadas. Não vos é dado atingir a vida espiritual mediante sistemas ou regulamentos. Ela representa uma experiência interna que não pode traduzir-se em termos daquilo que é finito. É tão vasta, tão imensa que, a não ser que a experimenteis vós mesmos, ficará como um mistério, um segredo oculto. 

Como poderia haver leis para a espiritualidade? Para a Verdade não existem em absoluto caminhos nenhuns, a despeito da ideia bem firmada de haver um Guru, um mediador, que vos ensina, que vos leva, de estágio em estágio, cada vez mais superiores, que vos anima e vos proporciona essa qualidade interna de força, de dignidade e de equilíbrio que são requeridas. Se não existir um mediador, se não existir Guru algum, nem sistema, nem religião, então preciso é que haja um constante apercebimento de si mesmo, uma auto-recordação continua, com o fim de estabelecer a distinção entre aquilo que é real e o que é irreal. Toda a ignorância representa uma mescla do real e do irreal. A ignorância não teve princípio, porém tem fim. Finaliza a ignorância quando por meio do acautelamento, do constante auto-recolhimento, por vós próprios chegardes a saber o que é o real e o que é falso, o que é essencial e o que não é. Isto depende de vós mesmos e não de coisas externas, não de exteriores circunstâncias, sejam elas quais forem — quer sejais vós milionários, quer sejais pobres — o mundo objetivo dos sentidos não existirá para o homem que procura a absoluta, a incondicionada Verdade. Ele não é guiado a partir do exterior, não é dominado, animado ou deprimido pelas circunstâncias externas. 

Para chegar a este reino que é libertação e para o qual caminho não existe, nem tão pouco lei nem Guru, tendes, necessariamente, que romper com todas as velhas tradições amadurecidas pelo tempo, relativas a mediadores e à salvação vinda do exterior. Este rompimento com a tradição significa também que deveis libertar-vos do bem e do mal, do bem e do mal relativos, da dor, do prazer e das convenções mundanas. Não significa que vos caiba o destruir todos os padrões de outrem. 

Como anteriormente vos tinha dito, isto é puramente uma realização individual e, para a ela chegardes por vosso próprio esforço, necessitais que em vós se produza um afastamento do bem e do mal externos, da dor e do prazer, e das convencionalidades estabelecidas pela sociedade. A Verdade é um país para o qual não exite, traçados caminhos e, para a ela chegardes não podem existir regulamentos. Isto, porém, não deve significar a licenciosidade pela vossa parte — isto é, que deveis utilizar-vos de vossa liberdade para fazerdes exatamente aquilo que vos apraz. A libertação não é isto. Para que os padrões externos de que vos falo não mais existam, tendes que substitui-los por um outro padrão fundado sobre os valores externos, coisa muito mais difícil de conseguir. Esse padrão verdadeiro, infalível, não poderá ser contestado nem julgado; nem tão pouco pode ser posto na mesma balança em que haja para sopesá-lo qualquer padrão estabelecido do exterior. Um tal padrão será dinâmico, e, por ser dinâmico será verdadeiramente criativo, pois que estará continuamente variando com a própria vida, por ser essa vida mesma, ao passo que todos os outros padrões seriam estáticos. Quando houverdes formado um tal padrão em vós próprios, sereis livres — estareis libertos de todos os vossos Gurus, de todos os vossos sistemas, de todos os vossos ritos, de todas as vossas leis. Esse padrão não variará de acordo com os vossos anseios pessoais, de acordo com os vossos gostos e desgostos, de acordo com os vossos hábitos adquiridos, será uma medida que há de levar todo o indivíduo para a libertação que é harmonia, que é verdadeira criação.

A libertação não se encontra nem no futuro nem no passado, não é algo que para ser atingido em um futuro longínquo nem tampouco se encontra no passado sob o controle daqueles que já a atingiram. Sustento eu que o agora, o imediato agora contém a verdade integral. O passado é o sempre mutante presente, ao passado pertencem o nascimento, a renúncia, a aquisição de todas as qualidades que houverdes já realizado.

O passado não virá solver vossos problemas nem restabelecer a harmonia em vosso interior; assim, voltai-vos para o futuro que, para vós, se torna um grande mistério. O futuro é o mistério do "Eu", do "Eu" ainda não solvido, porque, o quer que já tenhais solvidos do "Eu", do ser, está já no passado e, assim, o que ainda não tiverdes solvido será o futuro e, portanto, um mistério. O futuro há de ser sempre um mistério, porque, quanto mais penetrardes pelo futuro, mais misterioso ele se tornará, mais colhidos sereis por ele.

O estabelecimento da harmonia interna não é para conseguir-se nem no passado nem no futuro, porém no ponto em que passado e futuro se encontram, isto é, no agora. Quando houverdes atingido esse ponto, nem futuro, nem passado, nem nascimento, nem morte, nem espaço para vós mais existirão. É a esse "Agora" que é libertação, que é harmonia perfeita, que os homens do passado e os homens do futuro têm de chegar. Vós, que tendes em vista produzir esta harmonia no porvir, necessitais aperceber-vos deste momento eterno.

Para mim, o futuro, absolutamente não é de importância e nem também o é o passado. O que para mim é de máxima importância é aquilo que vós sois agora. Vossas ideias, vosso amor, vosso ser integral, deve viver no imediato agora, o que significa que necessitais de trazer vossas teorias para a pratica agora. Importa o que agora sois, a maneira pela qual viveis e tratais as outras pessoas e não aquilo que de futuro haveis de vir a ser. Quem se preocupa com aquilo que haveis de vir a ser? A semente que em si mesma contém a vida, necessita de sol e de chuva e os quer imediatamente, não no futuro, pois que, então, a semente, pode já estar morta.

Este momento eterno é criação. Desagrada-me usar de termos tais como "ativo" e "inativo", "dinâmico" e "estático" — passai, porém, para além dessas palavras e vede através delas algo de potente. Se não viverdes nesse momento que é eterno, estareis mortos para o "Eu", para a imensidade da vida. A não ser que vos liberteis de todas as atividades externas, convencionalismos, bens e males, filosofias e religiões, jamais podereis chegar a esse agora imediato que é criação.

O nos libertarmos, o vivermos no reino do eterno, o sermos conscientes dessa Verdade, significará o havermos sobrepujado o nascimento e a morte, pois que o nascimento pertence ao passado e a morte ao futuro, significará o termos ultrapassado o espaço, o estarmos para além do passado, do presente e da ilusão do tempo. O homem que atingiu uma libertação tal, conhece a perfeita harmonia que está constante e eternamente presente, vive incondicionalmente nessa eternidade que é o agora.

Krishnamurti, 1929 

sábado, 4 de junho de 2016

Não sabemos o que é liberdade


NÃO EXISTE PRESENTEMENTE LIBERDADE; não sabemos o que isso significa. Gostaríamos de ser livres, mas, se observardes, notareis que todos — o mestre, os pais, o advogado, o militar, o policial, o negociante — cada um, em sua pequena esfera, está fazendo alguma coisa para impedir a liberdade. Ser livre não é, meramente, fazerdes o que vos apraz, ou fugirdes das circunstâncias externas que vos tolhem, mas, sim, compreender todo o problema da dependência. Sabeis o que é dependência? Dependeis de vossos pais, não é verdade? Dependeis de vossos mestres, dependeis do cozinheiro, do carteiro, do leiteiro etc. Esta espécie de dependência é facilmente compreensível. Mas existe uma qualidade de dependência muito mais profunda e que é necessário compreender, para se poder ser livre: o dependermos de outrem, para nossa própria felicidade. Sabeis o que significa depender de alguém para a própria felicidade? Não é a mera dependência física de outra pessoa o que tanto vos prende, porém a dependência interior, psicológica, da qual recebeis vossa suposta felicidade; porque, quando dependeis de alguém dessa maneira, tornais-vos um escravo. Se, quando ficardes mais velho, dependerdes emocionalmente de vossos pais, ou de vossa esposa ou marido, de um guru, ou de uma ideia, aí já estará em começo a escravidão. Não compreendemos isso e, no entanto, quase todos nós, principalmente os mais novos, desejamos ser livres.

Para sermos livres, temos de revoltar-nos contra toda dependência interior, e não podemos revoltar-nos se não compreendemos por que somos dependentes. Enquanto não compreendermos bem a dependência interior, e dela não nos libertarmos, nunca seremos livres, porquanto só nessa compreensão pode haver liberdade. Mas a liberdade não é mera reação. Sabeis o que é "reação”? Se digo alguma coisa que vos ofende, se vos chamo um nome feio e vos zangais comigo, isto é uma reação — reação proveniente da dependência; e a independência é outra reação. Mas, liberdade não é reação; e enquanto não compreendermos e ultrapassarmos a reação, nunca seremos livres.

Sabeis o que significa amar alguém? Sabeis o que significa amar uma árvore, uma ave, um animal de estimação, ao ponto de cuidarmos com desvelo do ser que amamos, nutri-lo, acarinhá-lo, embora ele nada nos dê em troca — embora a árvore não nos dê sombra, o animal não nos siga os passos e não dependa de nós? Os mais de nós não amamos dessa maneira; em verdade, não sabemos o que isso significa, porque nosso amor é sempre cercado de ansiedade, de ciúme, de medo — e isso implica que estamos dependendo de outrem, interiormente, que desejamos ser amados também. Não amamos simplesmente, sem nada mais desejarmos. Queremos retribuição; e isso justamente, nos torna dependentes.

Assim, pois, a liberdade e o amor andam juntos. O amor não é reação. Se vos amo porque me amais, isto é pura transação, uma compra no mercado. Amar é nada pedir em troca, não sentir, sequer, que se está dando alguma coisa; só esse amor pode conhecer a liberdade. Mas, vede, não sois educado para isso. Sois educado para saberdes Matemática, Química, Geografia, História. Aí termina vossa educação, porque o único empenho de vossos pais é ajudar-vos a obter um bom emprego e a ter exito na vida. Se tem dinheiro, talvez vos mandem ao estrangeiro; mas, como acontece no resto do mundo, seu objetivo único é ver-vos ricos e numa respeitável posição social; e, quanto mais alto subirdes, tanto mais sofrimentos causareis a outros, porque, para galgardes posições, tereis de competir, de ser cruéis. Por isso, os pais mandam os filhos para escolas onde se estimule a ambição, onde não haja amor; por isso, uma sociedade como a nossa está sempre em declínio, em luta constante, e, embora os políticos, os juízes, os "nobres da terra” falem de paz, isso nada significa.

Ora, vós e eu devemos compreender todo esse problema da liberdade. Devemos descobrir por nós mesmos o que significa amar; porque, se não amamos, não teremos consideração para com os outros, não seremos atenciosos. Sabeis o que significa ter consideração a outrem? Quando vedes uma pedra pontuda num caminho percorrido por muitos pés descalços, vós a retirais, não porque vos pedem que o façais, mas porque vos condoeis de outro, quem quer que seja e ainda que nunca o vejais na vida. Plantar uma árvore e cuidar dela, olhar o rio e fruir a prodigalidade da terra, observar uma ave no ar e a beleza de seu voo, ter sensibilidade e manter-se aberto a esse extraordinário movimento que se chama a vida — para tudo isso há necessidade de liberdade; e, para serdes livre, deveis amar. Sem amor, não há liberdade; sem amor, a liberdade é mera ideia, sem nenhum valor. Assim, só os que compreenderam a íntima dependência e dela se libertaram; que sabem, por conseguinte, o que é amor — só esses podem conhecer a liberdade; só eles poderão criar uma nova civilização, um mundo diferente.

Krishnamurti em, A cultura e o problema humano

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

A libertação não ocorre pela mente consciente

Fundamentalmente, o nosso problema é o de operar uma revolução em nossa maneira de pensar, psicologicamente, basicamente. Tal transformação não pode ser efetuada por esforço consciente, porquanto, como disse, a mente consciente se constrói em torno da tradição, de experiências produzidas pela ação condicionada. Assim sendo, enquanto a mente está sempre a imaginar e a conceber planos, para agir de acordo com eles, sob coerção, mediante ajustamento e imitação, é incapaz de encontrar uma solução para todos os nossos problemas. Ensinaram-nos desde a infância a cultivar a memória. A memória é essencial, num determinado nível de nossa existência; entretanto, a memória não fornece a verdadeira solução de nenhum problema; ela é tão-somente capaz de traduzir o problema em conformidade com sua própria condição, sua própria experiência. Se, como hinduísta, experimentam uma coisa, vocês a traduzem de acordo com a mente condicionada de vocês; ou, se são comunistas, receberão a experiência ou a traduzirão segundo as definições do materialismo dialético ou coisa semelhante. Nessas condições, nunca recebem a experiência com a mente não-condicionada; e a mente condicionada, ao criar um padrão, uma norma de ação, cria mais problemas, maiores sofrimentos e desgraça. É isso que cumpre reconhecer. Acho muito importante perceber que o esforço interior, sob qualquer forma, é sempre imitativo; esforço significa imitação, ajustamento; e por meio do ajustamento não há possibilidade de transformação radical.[...] Mas, há possibilidade de libertação, no nível inconsciente, desde que eu seja capaz de ouvir sem traduzir nem interpretar a verdade relativa ao que me é dito. Podem averiguá-lo, experimentando-o em si mesmos. 

Senhores, não estamos numa reunião de discussão. Esta reunião não comporta discussões. 

Temos aqui um problema dificílimo; há séculos e séculos a mente está cultivando a memória, e ela é o único instrumento de que dispomos. E temos feito uso desse instrumento para resolver os nossos problemas. Endeusamos o intelecto (não entendam, todavia, que devemos nos tornar sentimentais, ou devotos, ou desordenados). É muito difícil perceber que os problemas não podem ter solução por intermédio da mente, por intermédio do "processo" do pensamento, uma vez que o pensamento é sempre condicionado. Não há liberdade de pensamento, visto que o pensamento, que é memória, que é o resultado de várias experiências passadas, é condicionado, limitado; e esse pensamento, quando aplicado a resolver os nossos problemas, só pode aumentá-los e acrescentar-lhes novos problemas. Posso perceber a verdade a respeito do pensamento condicionado e deixar que ocorra uma revolução no nível inconsciente? Porque, no nível inconsciente, não há limitação, não há ajustamento, uma vez que lá, a mente não interfere, buscando resultado; lá a mente não se esforça; não recalca, não procura tornar-se alguma coisa; lá, ela está apenas presente. A mente pode compreender o que é a Verdade. A Verdade não é o processo de análise, nem a simples observação de conhecimento. Mas a Verdade só pode ser compreendida no nível inconsciente, com a mente muito tranquila, não interferindo, não traduzindo. Se percebermos isso fundamentalmente, veremos que há, aí, uma transformação radical da nossa maneira de pensar. Entretanto, como disse, a mente foi exercitada para interferir, para buscar sempre, ativamente, um resultado. É só no nível inconsciente que se pode encontrar o Amor. E só o Amor é capaz de efetuar uma revolução. 

Jiddu Krishnamurti em, Autoconhecimento — Base da Sabedoria

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

O que se entende por verdadeira liberdade?

[...]O que nos interessa é só obter emprego ou fazer uso do nosso saber como meio de satisfação e engrandecimento próprio, como meio de progredir no mundo. Não é importante averiguarmos o que se entende por "verdadeira liberdade"? Se o compreendermos, talvez então o ensino de uma técnica de especialização profissional tenha seu valor. O mero cultivar da capacidade técnica, porém, sem se compreender o que é a verdadeira liberdade, leva à destruição, a e guerras maiores. E isso, de fato, está acontecendo no mundo atualmente. Vejamos, pois, o que se entende por verdadeira liberdade.

Evidentemente, o primeiro requisito da liberdade é a isenção de temor; não só o temor imposto pela sociedade, mas também o temor psicológico à insegurança. Vocês podem ter um ótimo emprego e estar galgando a escada do sucesso; entretanto, se há ambição, se há luta para ser alguém, não redunda isso em temor? E não implica isso, por conseguinte, em que o homem bem-sucedido na vida não é verdadeiramente livre? Dessa forma, o medo imposto pela tradição, pela chamada "responsabilidade", ou o acatamento aos decretos da sociedade, ou o próprio temor da morte, da insegurança, da doença, impede a verdadeira liberdade, no viver de vocês, não acham? Não é possível, pois, haver liberdade, quando há qualquer forma de compulsão exterior ou interior. Manifesta-se a compulsão sempre que há o impulso de ajustamento ao padrão da sociedade ou ao padrão que criaram para si mesmos, seja ele bom ou mau. O padrão é criado pelo pensamento, que é produto do passado, da sua tradição, sua educação, de toda experiência dua baseada no passado. Assim, enquanto houver qualquer espécie de compulsão — governamental, religiosa, ou do próprio padrão que criaram para si mesmos, no desejo de preenchimento e engrandecimento de vocês — não haverá a verdadeira liberdade. Isso não é fácil, nem é fácil compreender o que se entende por "verdadeira liberdade". Mas pode-se ver que, enquanto há temor, sob qualquer forma, não podemos saber o que é a verdadeira liberdade. Se, individual ou coletivamente, há temor, compulsão, não pode haver liberdade. Podemos especular a respeito da liberdade, mas a liberdade verdadeira é diferente das ideias especulativas a respeito da liberdade. 

Nessas condições, enquanto a mente estiver buscando a segurança, sob qualquer forma — e é isso o que quase todos nós desejamos — enquanto a mente estiver buscando qualquer espécie de permanência, não haverá liberdade. Enquanto, individual ou coletivamente, buscarmos a segurança, tem de haver guerra — o que constitui um fato muito evidente; é o que está ocorrendo no mundo, hoje em dia. Por conseguinte, só pode haver a verdadeira liberdade quando a mente compreende todo esse "processo" do desejo de segurança, de permanência. Afinal é isso o que vocês desejam de seus deuses e de seus gurus. Nas suas relações sociais, nos seus governos, querem achar segurança; revestem os seus Deuses da suprema segurança, a qual paira acima de vocês; revestem essa imagem com a ideia de que, se, como entidade, possuem uma existência transitória, lá, pelo menos, lhes está garantida a permanência. Começam, pois, com o desejo de ser religiosamente permanente; e todas as suas atividades políticas, religiosas e sociais, quaisquer que elas sejam, se baseiam nesse desejo de permanência — esse desejo de estarem seguros, de se perpetuarem através da família, da nação, de uma ideia, ou de um filho. Como pode essa mente que, consciente ou inconscientemente, busca sem cessar, a segurança, como pode essa mente em algum tempo alcançar a liberdade? 

Com efeito, não buscamos a verdadeira liberdade. Estamos buscando coisa diferente da liberdade: melhores condições de vida, uma situação melhor. Não queremos a liberdade, queremos condições melhores, superiores, mais dignas; e a isso chamamos "educação".[...] Em vez de serem entes humanos integrados, pensam de maneira separativa; suas atividades são fracionárias, fragmentárias, não são "integradas". 

A atual maneira de viver de vocês denota que não desejam realmente a liberdade; o que desejam é meramente uma profissão melhor, mais segurança, mais satisfação — se sentirem seguros nos seus empregos, bem seguros nas suas posições, religiosa e politicamente. Tais indivíduos não podem criar um mundo novo. Não são pessoas religiosas. Não são pessoas inteligentes. Pensão tão-somente em termos de resultados imediatos, tal como os políticos. E enquanto deixarem o mundo entregue aos políticos, haverão de ter destruição, guerras e desgraças. Senhores, não sorriam, por favor. A responsabilidade é toda de vocês, e não de seus líderes; é responsabilidade individual de vocês. A liberdade surge por si; não pode ser procurada. Surge a Liberdade, quando não há mais temor, quando há amor no coração de vocês. Vocês não podem ter amor, se pensam como hinduísta, cristão, muçulmano, parsi ou o que mais seja. Vem a liberdade, quando a mente já não busca segurança para si, seja na tradição, seja no saber. A mente tolhida, sobrecarregada de conhecimento, não é uma mente livre. A mente só é livre, quando é capaz de, a cada momento que passa, ir ao encontro da vida, ao encontro da Realidade que se revela em cada incidente, cada pensamento, cada experiência; e essa revolução não é possível quando a mente está tolhida, inutilizada. 

É dever do educador criar um novo ente humano, um ser humano diferente, sem medo, confiante em si, e disposto a criar sua própria sociedade — uma sociedade de todo dissemelhante da atual, baseada que está no temor, na inveja, na ambição, na corrupção. Só pode surgir a verdadeira liberdade no despontar da inteligência, que é a compreensão do inteiro "processo" da existência.

Jiddu Krishnamurti em, Autoconhecimento — Base da Sabedoria

terça-feira, 31 de março de 2015

Todos nascem livres, porém morrem em cativeiro

No início de tua vida és totalmente desprendido e natural mas, depois, entra a sociedade, surgem as regras e os regulamentos, a moralidade, a disciplina e muitos tipos de treinamento. Assim, o desprendimento e a naturalidade, bem como o ser espontâneo, estão perdidos.

Cada qual começa a reunir em torno de si uma espécie de armadura.

Cada qual começa a tornar-se mais rígido. A suavidade interior já não mais é visível. Na fronteira do ser cada qual cria um fenômeno parecido a uma fortaleza para se defender, para não ser vulnerável, para reagir, para ter segurança: a liberdade de ser está perdida.

Cada qual começa a olhar nos olhos do outro: sua aprovação, suas negações, suas condenações, suas apreciações vão se tornando cada vez mais valiosas.

“Os outros” torna-se o critério e todos passam a imitar e a seguir os outros, porque todos temos de viver uns com os outros.

A criança é muito maleável, pode ser modelada de qualquer maneira e a sociedade começa a modelá-la: os pais, os professores, a escola.

Aos poucos, ela se torna um caráter, e não um ser. Aprende todas as regras, ou se torna um conformista, o que também é cativeiro, ou se faz rebelde, o que é uma outra espécie de cativeiro.Se transformar-se num conformista, ortodoxo, quadrado, estará presa a uma qualidade de cativeiro, pode reagir, tornar-se um hippie, ir ao outro extremo, mas ainda permanecerá preso a outro um tipo de cativeiro - porque a reação depende da mesma coisa contra a qual reage.

Podes ir ao mais longínquo ponto do mundo, mas, bem no fundo da mente, tu te estarás rebelando contra as mesmas regras. Outros as seguem, tu reages, mas o foco permanece centrado nelas. Reacionários ou revolucionários, todos viajam no mesmo barco. Podem estar uns contra os outros, costas contra costas, mas o barco é o mesmo.

( Osho )

sábado, 28 de março de 2015

A liberdade para comandar a vida à sua própria maneira

À medida que desenvolve mais inteligência e percepções mais sutis, ele deixa de ser mero fantoche convencional e se transforma, finalmente, numa pessoa real.

Se o que busca não encontra ninguém em suas relações, contatos ou sociedade próximo o bastante de seu nível de interesses espirituais, deve aceitar sua solidão, pois escolheu afastar-se da preocupação comum. Porque, para ser um filósofo atuante, o homem deve seguir seu próprio caminho. Essa exigência de individualidade requer coragem e sabedoria. Se lhe faltar conhecimento superior, percepção intuitiva e intelecto — cuja combinação é sabedoria — deverá então procurar desenvolvê-los, e isso exige trabalho. No meio tempo, pode obter ajuda de guias pessoais e livros superiores. Sem sabedoria, ou, ao menos, sem um esforço genuíno em direção a ela, sua trajetória será mal estabelecida, e ele pode chegar ao desastre.

Afastar-se da vida comunitária sectária e caminhar sozinho requer qualidades que só uns poucos possuem. Há, nessa vida, segurança, conforto, apoio moral e material. Para ser capaz de abandonar essas coisas o homem deve ter um forte anseio anterior, assim como uma percepção clara e permanente do significado da filosofia.

O fraco não pode trilhar esse caminho. O homem precisa de força para seguir o que sua intuição profunda lhe diz para seguir, principalmente quando isso se afasta do supostamente racional e do socialmente convencional. Se sua atitude ou ação defronta-se com a crítica ou com a oposição, o que isso significa para ele? Não lhe cabe responder pelo que as outras pessoas pensam a seu respeito. Isso é de responsabilidade delas. Cabe-lhe responder apenas por aquilo que ele mesmo pensa ou faz.

Apenas o homem que tem a paixão de chegar à certeza da verdade, que tem a coragem de sustentar pontos de vista não-ortodoxos e de chegar a conclusões independentes, que vive num clima de pensamento original, e para quem a acusação de heresia não é acusação alguma, está apto a encontrar o caminho da verdade.

Seu dever é agir como pioneiros; mas, para serem pioneiros bem-sucedidos, precisam de coragem para esquecer ideias gastas e libertar-se de tradições moribundas, para ficar à altura das novas condições que estão surgindo. Nesse sentido, a sugestão de que seria também um dever cooperar com movimentos espirituais existentes seria aceitável se fosse praticável; mas a experiência mostrará que a maioria desses movimentos é incapaz de penetrar aquela profunda unidade de corações, a única que pode garantir o êxito de qualquer união externa. Tal plano terminaria em fracasso, e é melhor que elas sigam o seu caminho independente, do que desperdicem tempo e energia tentando o que não pode ser conseguido e não é realmente necessário.

A liberdade para comandar a vida à sua própria maneira é conquistada apenas quando ele consegue o destemor de desconsiderar a crítica e ignorar as expectativas de outras pessoas.

O que queremos dizer é que o homem moderno tem que se tornar mais auto-confiante, tem que jogar fora os restos da consciência tribal que ainda o regem, tem que aprender a pensar por si mesmo.
Seu desejo de expressar personalidade, caráter e pontos de vista individuais deve ser respeitado desde que não os tente impor aos demais de maneira agressiva ou tirânica.

Não é necessário ser grosseiro ou irritável para ser um individualista. Pode-se ser afável, bem-humorado, educado e gentil — e até mesmo radiante de boa vontade. É toda uma questão de equilíbrio interior.

Ele deve recusar-se a violar sua integridade intelectual ou a sacrificar sua independência espiritual.

Se ele é incapaz de continuar nesse busca sem a associação, o encorajamento ou a simpatia de outros que também a seguem, então é melhor não a iniciar, pois é óbvio que ainda não está preparado para ela e não sabe apreciar suficientemente seus valores.

Ele deve tentar manter sua vida em suas mãos se quer mantê-la livre das influências que afastariam os ideais que ele se propôs, especialmente, a seguir. Se ele dá valor à liberdade, deve recusar-se a se colocar numa posição em que seja obrigado a fazer eco aos pontos de vista daqueles que não compartilham de suas ideias. Pode ter que escolher entre as provações de uma independência resoluta e as tentações de uma segurança debilitante.

É preciso força mental ou poder mental para recusar o apoio gregário da massa — seja ela uma igreja sectária, um grupo místico ou alguma outra combinação. É preciso fé em si mesmo e coragem para resistir à influência dos outros e ser um indivíduo.

Ele não pode adequar-se mentalmente a nenhuma das categorias aceitas, que a sociedade local e de seu tempo fornece, e então um caminho independente e solitário o atrai. Fisicamente, pode fazer um acordo incômodo com a sociedade, de forma que ambos se beneficiem de serviços mútuos. Assim, sem cometer violência contra seus princípios mais importantes, ele pode descobrir uma maneira de viver entre os que não veem nenhuma utilidade neles.


Paul Brunton

segunda-feira, 23 de março de 2015

Sobre o nosso medo da liberdade

Os oprimidos, acomodados e adaptados, "imersos" na própria engrenagem da estrutura dominadora, TEMEM A LIBERDADE, enquanto não se sentem capazes de correr o risco de assumi-la. E a temem, também, na medida em que, lutar por ela, significa uma ameaça, não só aos que a usam para oprimir, como seus "proprietários" exclusivos, mas aos companheiros oprimidos, que se assustam com maiores repressões.

Quando descobrem em si o anseio por libertar-se, percebem que este anseio somente se faz concretude na concretude de outros anseios.

Enquanto tocados pelo medo da liberdade, se negam a apelar a outros e a escutar o apelo que se lhes faça ou que se tenham feito a si mesmos, preferindo a gregarização à convivência autêntica. Preferindo a adaptação EM que sua não liberdade os mantém à comunhão criadora, a que a liberdade leva, até mesmo quando ainda somente buscada. 

Sofrem uma dualidade que se instala na "interioridade" do seu ser. Descobrem que, não sendo livres, não chegam a ser autenticamente. Querem ser, mas temem ser. São eles e a ao mesmo tempo SÃO O OUTRO INTROJETADO NELES, como consciência opressora. Sua luta se trava entre serem eles mesmos ou serem DUPLOS. Entre expulsarem ou não ao opressor de "DENTRO" de si. Entre se desalienarem ou se manterem alienados. Entre seguirem prescrições ou terem opções. Entre serem expectadores ou atores. Entre atuarem ou terem a ilusão de que atuam, na atuação dos opressores. Entre dizerem a palavra ou não terem a voz, castrados no seu poder de criar e recriar, no seu poder de transformar o mundo. 

Este é o trágico dilema dos oprimidos, que a sua pedagogia tem de enfrentar. 

A libertação, por isto, é um parto. E um parto doloroso.  O homem que nasce desse parto é um homem novo que só é viável na e pela, superação da contradição opressores-oprimidos, que é a libertação de todos. 

A superação da contradição é o parto que traz ao mundo este homem novo não mais opressor; não mais oprimido, mas homem libertando-se. 

Paulo Freire

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Não há absoluta liberdade na sociedade

O homem nasce como parte do mundo, como um membro da sociedade, de uma família, como parte de outros. Ele é educado não como um ser solitário, é educado como um ser social. Todo treinamento, toda a educação, toda cultura consistem em como fazer de uma criança uma parte integrante da sociedade, como fazê-la se ajustar aos outros. É isso o que os psicólogos chamam de ajustamento. E sempre que alguém é um solitário, parece mal-ajustado. 

A sociedade existe como uma rede, um padrão de muitas pessoas, uma multidão. 

No seio dela você pode ter um pouco de liberdade — a um preço muito alto. Se você segue a sociedade, se você se torna uma pessoa obediente, eles lhe arrendam um mundinho de liberdade . Se você se torna um escravo, a liberdade lhe é dada. Mas se trata de uma liberdade dada, ela pode ser tomada a qualquer momento. E isso é a um custo muito alto: é um ajustamento com os outros; assim, os limites estão fadados a estarem presentes.

Na sociedade, numa existência social, ninguém pode ser absolutamente livre. A própria existência do outro criará problemas. Sartre diz "o outro é o inferno", e ele está certo em larga medida, porque o outro cria tensões em você: você fica preocupado devido ao outro. Haverá sempre uma colisão, porque o outro está em busca de absoluta liberdade e você também está em busca de absoluta liberdade — todos estão em busca de absoluta liberdade — e a absoluta liberdade só pode existir para um. 

Mesmo seus supostos líderes não são absolutamente livres, não podem ser. Eles podem ter uma aparência de liberdade, mas isso é falso: eles têm de ser protegidos, eles dependem de outros — a liberdade deles é apenas uma fachada. Mas, ainda assim, devido a essa ânsia de ser absolutamente livre, a pessoa quer se tornar um rei, um imperador. O imperador dá a falsa sensação de que é livre. A pessoa quer se tornar muito rica, porque a riqueza também dá uma falsa sensação de que você é livre. Como pode um homem pobre ser livre? Suas necessidades serão o limite. E ele não pode satisfazer suas necessidades. Aonde quer que vá, encontra uma parede que não pode atravessar. 

Daí, o desejo por riquezas. Lá no fundo, é o desejo de ser absolutamente livre — e todos os desejos são criados por ele. Mas, se você seguir falsas direções, você poderá continuar indo em frente, mas você jamais alcançará a meta, porque desde o começo a direção estava errada — você perdeu o primeiro passo. 

No hebreu antigo, a palavra 'pecado' é muito bela. Ela quer dizer AQUELE QUE PERDEU A ROTA — não há senso de culpa nisso realmente. Pecado significa aquele que perdeu a rota, se extraviou; e a religião significa voltar ao caminho correto de modo que você não perca a meta. A meta é a absoluta liberdade — a religião é simplesmente um meio nessa direção. É por isso que você tem de compreender que a religião existe como uma força anti-social, porque, em sociedade, a liberdade absoluta não é possível.

OSHO

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Dos perigos da liberdade


(...) Estudante: O senhor disse que a liberdade é muito perigosa para o homem. Por quê?

K: Por que a liberdade é perigosa? Sabe o que é a sociedade?

E: É um grande grupo de pessoas que lhe dizem o que fazer e o que não fazer.

K: É um grande grupo de pessoas que lhe dizem o que fazer e o que não fazer. É também a cultura e são os costumes e hábitos de uma comunidade; é a estrutura social, moral, ética e religiosa na qual o homem vive — é a isso que geralmente se chama sociedade. Agora, se cada indivíduo nessa sociedade fizesse o que desejasse, ele seria um perigo para a sociedade. Se o senhor fizesse, aqui na escola, o que desejasse, o que aconteceria? Seria um perigo para o resto da escola; não seria? Por isso, as pessoas, de um modo geral, não querem que os outros sejam livres. Um homem realmente livre, não intelectualmente, mas interiormente livre da avidez, da ambição, da inveja e da crueldade, esse homem é tido como um perigo para as pessoas porque é completamente diferente do homem comum. Assim, ou a sociedade o venera, ou o mata ou é indiferente a ele.(...)

Krishnamurti em, Ensinar e Aprender, Capítulo 4

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

O que é a verdadeira liberdade e como conquistá-la?

A verdadeira liberdade não é coisa que se adquira; é o resultado da inteligência. Você não pode sair e comprar liberdade no mercado. Não pode obtê-la lendo um livro ou ouvindo alguém falar. A liberdade vem com a inteligência. 

Mas, o que vem a ser a inteligência? Poderá haver inteligência quando há medo, ou quando a mente está condicionada? Quando a sua mente está cheia de preconceitos, ou quando você imagina que é um ser humano maravilhoso, ou quando é muito ambicioso e deseja subir a escada do sucesso, material ou espiritualmente, pode por acaso haver inteligência? Quando você está preocupado consigo mesmo, quando segue ou venera alguém, pode por acaso haver inteligência? De fato, a inteligência aparece quando você compreende toda essa estupidez e rompe com ela. portanto, você precisa começar a fazer isso; e a primeira coisa a fazer é tomar consciência de que sua mente não é livre.  Você precisa observar como sua mente está presa por todas essas coisas, e, então, haverá um princípio de inteligência, a qual acarreta liberdade. Você tem que encontrar a resposta por si mesmo. Qual é a vantagem de alguma outra pessoa ser livre quando você não o é, ou de outra pessoa ter alimento quando você morre de fome? 

Para ser criativo, o que implica ter realmente iniciativa própria, é preciso haver liberdade; e para haver liberdade é preciso haver inteligência. Portanto, você precisa inquirir e descobrir o que está entravando a sua inteligência. Precisa investigar a vida, tem de questionar os valores sociais, tudo, e não aceitar coisa alguma porque está com medo. 

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

O homem só pode ser bom quando é livre

Nosso problema é... saber se o homem vive para o bem da sociedade ou se a sociedade existe para o bem-estar do homem. A religião e o governo existem para educar o homem, tornando-o livre para descobrir por si mesmo o que é verdadeiro, ensinando-o a ser bom, a ter visão do grandioso? Ou existem para tiranizar o homem, brutalizá-lo, liquidá-lo, só porque uns poucos têm o poder de destruir?... O que tem importância... é averiguar porque razão a sociedade compele o homem ao conformismo, e porque o indivíduo se submete a isso. Sem dúvida, só a mente livre é capaz de investigar, e não aquela que está amarrada a um livro, uma religião organizada, uma ideologia. Uma sociedade que condiciona a mente para adorar ao Estado, e uma sociedade que condiciona a mente para adorar a ideia chamada "Deus", são igualmente tirânicas. 

Mas, pode existir uma sociedade que ajude efetivamente o homem, o indivíduo, a ser bom, a não ser ávido, a ser livre da inveja, da ambição? É este naturalmente o nosso interesse. O homem só pode ser bom quando é livre — livre, não para fazer o que bem entende, mas para compreender o movimento total da vida. Para isso requer-se uma escola completamente diferente, uma educação completamente diferente; requerem-se pais e professores que compreendam tudo o que a liberdade implica. De outro modo, só teremos mais tirania, e não menos, porque o Estado só quer eficiência. Precisa-se de homens eficientes para se ter uma nação industrializada, precisa-se de homens eficientes para matar, lutar, destruir — e nisto se concentra toda a atenção dos governos atualmente existentes. E os governos se separam ainda mais dos indivíduos, pela ação das chamadas religiões. Nenhuma religião organizada ousa sacudir o jugo e dizer para o governo: "Você está errado". Ao contrário, abençoam os canhões e cruzadores de batalha. Durante a última guerra apareceu um livro intitulado "Deus foi meu co-piloto" de autoria de um homem que bombardeara cidades, assassinando milhões de pessoas. Naturalmente aqui em Madanapale, esta questão da guerra não lhes toca de perto. Mas não há dúvida de que a guerra é apenas uma expressão, uma manifestação ampliada de nossa vida de cada dia. Vivemos numa batalha sem tréguas com nós mesmos e com o nosso próximo, somos ambiciosos, queremos poder, mais prestígio, posição mais alta; e este mesmo espírito aquisitivo se manifesta no grupo e na nação. Queremos ser poderosos, para defender a nós mesmos ou para agredir a outros, assim por diante... 

Não importa, pois, o que você pensa ou o que eu penso a respeito do comunismo ou da democracia; o que importa é descobrir como se pode libertar a mente. Porque, só a mente livre é capaz de compreender a Verdade, conhecer Deus, e sem esta compreensão a vida significa muito pouco. É a compreensão da Verdade ou Deus — a real experiência dele, não a crença nele — que tem a máxima importância, principalmente nesta hora em que o mundo se encontra em tamanho caos e miséria.

Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA

sexta-feira, 11 de julho de 2014

A Natureza da Liberdade

No outro dia, falávamos sobre a ação livre de idéia uma vez que, conforme dissemos, o pensamento é uma resposta da memória; o pensamento é sempre limitado, condicionado pelo passado e , por isso, jamais levará à liberdade.

Acho muito importante compreender esse fato. Se não compreendermos, por inteiro, o processo de autodefesa do pensamento, não poderá haver liberdade psicológica. E liberdade (que não é uma reação à não-liberdade nem o oposto disso) é essencial, pois só em liberdade podemos descobrir.Só quando a mente está de todo livre é que pode perceber o verdadeiro.

A verdade não é uma coisa contínua que se possa manter mediante prática ou disciplina, mas algo que se percebe num lampejo.A percepção da verdade não surge através de qualquer forma do pensamento condicionado, razão pela qual o pensamento não pode imaginar, conceber nem formular o que seja a verdade.

Para se entender, plenamente, o que é a verdade, tem de haver liberdade.Para a maioria de nós, liberdade é apenas uma palavra, uma reação ou uma idéia que serve de fuga à nossa escravidão, ao nosso sofrimento, à rotina entediante do dia-a-dia; mas isso, absolutamente, não é liberdade.A liberdade não vem através da busca porque não podemos buscar a liberdade e tampouco procurá-la. A liberdade só vem quando compreendemos todo o processo da mente que cria suas próprias barreiras, limitações e projeções a partir de uma base de experiência condicionada e condicionante.

Para uma mente de fato religiosa, é importantíssimo compreender aquilo que transcende a palavra, que transcende o pensamento e toda experiência. E, para compreender isso, para estar com o que se acha além de toda experiência, para perceber isso profundamente e num lampejo, a mente deve estar livre. Idéia, conceito, padrão, opinião, julgamento ou qualquer disciplina organizada impedem a liberdade da mente. Essa liberdade traz a sua própria disciplina – não a disciplina da submissão, da repressão ou do ajustamento, mas a disciplina que não é produto do pensamento, que não tem motivo.

Seguramente que, num mundo confuso, com tanto conflito e miséria, é mais do que urgente entender que a liberdade é o primeiro requisito da mente humana - não o conforto nem o fugaz momento de prazer nem a continuidade desse prazer, mas uma liberdade total, que é a única origem da felicidade. A felicidade não é um fio em si mesma; como a virtude. É um subproduto da liberdade. Uma pessoa livre é virtuosa; mas o homem que pratica a virtude, submetendo-se a um padrão estabelecido pela sociedade, jamais saberá o que é liberdade e, por isso, jamais será virtuoso.

Gostaria de falar sobre a natureza da liberdade e ver se podemos, juntos, encontrar tateando o caminho para ela; mas não sei como escutam o que estamos dizendo. Escutam apenas as palavras? Escutam para compreender, para experimentar? Se escutam em qualquer desses dois sentidos, nesse caso muito pouco valor terá o que se está dizendo. O importante é escutar, não as palavras nem com a esperança de experimentar essa coisa extraordinária que é a liberdade, mas escutar sem esforço, sem luta, serenamente. Isso, contudo, exige atenção. Por atenção, quero dizer estarmos totalmente empenhados nisso, com a mente e o coração. Se ouvirem desse jeito, descobrirão por si próprios que não podemos ir em busca de tal liberdade, que ela não provém do pensamento nem de exigências emocionais ou histéricas. A liberdade surge, sem que precisem procurá-la, quando há total atenção. Atenção total é o estado da mente que não tem limites nem fronteiras e que, portanto, é capaz de captar cada impressão, de ver e ouvir tudo. E isso podemos fazer; não é coisa tão difícil assim. Torna-se difícil unicamente porque estamos presos a hábitos e isso é uma das coisas de que gostaria de falar.

Cremos poder escapar da inveja gradualmente e fazemos esforço para nos livrar dela aos poucos e, assim, acabamos introduzindo a idéia de tempo. Dizemos: “Tentarei livrar-me da inveja amanhã ou um pouco mais adiante”; entrementes, porém, continuamos invejosos. As expressões tentar e entrementes são a própria essência do tempo e, quando introduzem o fator tempo, não conseguem libertar-se do hábito. Ou rompem com o hábito de uma vez por todas, ou ele continua, embotando a mente e criando novos hábitos.

Mas será possível a mente livrar-se, por completo, dessa idéia de atingir alguma coisa gradualmente transcender algo, ficar livre gradualmente? Para mim, liberdade não é uma questão de tempo – não existe nenhum amanhã no qual se possa ficar livre da inveja ou adquirir uma virtude. E, não havendo amanhã, não há medo. Só existe o pleno viver no agora; o tempo cessou de todo e, desse modo, acaba a formação de hábitos. Com a palavra agora refiro-me ao que é instantâneo, que não é reação ao passado nem uma forma de evitar o futuro. Há tão-somente um momento de atenção total; toda atenção, nesse momento, está aqui, no agora. Certamente que toda existência está no agora; quer sintam uma enorme alegria, quer experimentem profundo sofrimento, ou seja o que for, só no presente é que isso acontece. Através da memória, no entanto, a mente acumula a experiência do passado e a projeta no futuro.

Se não estivermos livres do passado, não haverá liberdade pois a mente nunca é nova, fresca, inocente. Só a mente fresca e inocente é livre. Liberdade nada tem que ver com idade, com experiência. A mim me parece que a essência mesma da liberdade está no compreender o mecanismo do hábito, tanto consciente como inconsciente. Não é uma questão de por fim ao hábito, mas de ver toda a estrutura do hábito. Temos de observar como formam os hábitos e como, por rejeitar um hábito ou resistir a ele, criamos outro hábito. O que importa é estarem inteiramente cônscios do hábito; nesse momento é que poderão ver, por si mesmos, que findou o processo de formação de hábitos. Resistir ao hábito, lutar contra ele ou rejeitá-lo só dá continuidade ao hábito. Quando lutam contra o hábito, dão vida a ele e, então, apenas atentos à estrutura do hábito como um todo, sem resistência, descobrirão estarem livres do hábito e, nessa liberdade, ocorre algo novo.

Saanen, 31 de julho de 1962.

Krishnamurti - Do Livro: Sobre a Liberdade - Cultrix

quarta-feira, 26 de março de 2014

O que devo fazer para me libertar?

Desde sempre o homem reflete sobre a sua condição, pensa que não é como gostaria de ser, define de maneira mais ou menos correta os vícios do seu funcionamento; faz, em suma, a sua auto­crítica. Esse trabalho de crítica, às vezes grosseiro, atinge ocasionalmente, em alguns ensinamentos, um altíssimo grau de profundidade e sutileza. As modalidades indesejáveis do funcionamento interior do homem comum são com frequência reconhecidas e descritas de modo bastante preciso.

Diante dessa riqueza do trabalho diagnóstico, surpreende a pobreza do trabalho terapêutico. As escolas que ensinaram e ensinam sobre o problema do homem, depois de mostrarem o que não anda bem no homem comum e a forma pela qual isso acontece, chegam necessariamente à pergunta: "Como remediar esse estado de coisas?" E aí começam a debandada e a pobreza das doutrinas. Chegando a esse ponto, quase todas elas se extraviam - ora grosseira ora sutilmente -, exceto a doutrina zen (ou, é preciso ainda esclarecer, "alguns mestres zen").

Isso não quer dizer que, em outros ensinamentos, certos homens não tenham obtido a sua "realização". Mas só o Zen puro expõe a questão e refuta os falsos caminhos de modo claro.

O erro essencial de todos os falsos caminhos consiste no fato de o remédio proposto não ter como objeto a causa profunda da miséria do homem comum. A análise critica do estado do homem não remonta o suficiente ao determinismo de seus fenômenos interiores; nesse encadeamento, ela não remonta ao fenómeno primeiro, detendo-se nos sintomas. O pesquisador que não vai além do sintoma, concentrando nele o seu esgotado pensamento analítico, não pode evidentemente conceber o remédio para a situação senão como a elaboração organizada e artificial de um sintoma que difere por inteiro do sintoma descoberto. Por exemplo: um homem chega à conclusão de que a sua miséria reside em suas manifestações de cólera, de amor-próprio, de sensualidade, etc., e julga que o caminho consiste em dedicar-se a produzir manifestações de doçura, de humildade, de ascetismo, etc. Outro homem, mais inteligente, chegará à conclusão de que a sua miséria reside em sua agitação mental e considerará que o caminho consiste em dedicar-se, por meio de certos exercícios, a tranquilizar a mente. Essa doutrina nos dirá: "A sua miséria vem do fato de você sempre desejar algo, do seu apego ao que você possui"; e isso desembocará, de acordo com o grau de inteligência do mestre, no conselho de distribuir todos os bens ou de aprender o desapego interior dos bens exteriores. Essa doutrina considerará que a miséria do homem reside na sua falta de autocontrole e ensinará "iogas", métodos que visam a um progressivo treinamento do corpo, do sentimento, do comportamento altruísta, do saber ou da atenção.

Tudo isso é, para o Zen, uma sofisticada domesticação e leva a uma ou a outra sujeição (dando a ilusória e exaltadora impressão de que nos tornamos livres). No fundo de todas essas coisas há este raciocínio simplista: "Isto não vai bem em mim dessa maneira; então, a partir de agora, vou fazer tudo ao contrário." Esse modo de apresentar o problema, ao partir de uma forma considerada má, encerra o pesquisador nos limites do domínio formal e lhe recusa, por conseguinte, toda possibilidade de restaurar a sua consciência para além de toda forma; quando me fecho no plano dualista, nenhuma inversão de sinal me liberta da ilusão dualista e me restaura na Unidade. Isso se assemelha por completo ao problema de "Aquiles e a tartaruga"; a maneira de formular o problema o encerra nos limites que devem ser transpostos e o torna, portanto, insolúvel.

O penetrante pensamento do Zen permeia todos os nossos fenômenos sem deter-se na consideração de suas modalidades. Ele sabe que, na realidade, nada vai mal em nós e que sofremos porque não compreendemos que tudo caminha à perfeição, porque cremos ilusoriamente que algo não está bem e que é preciso remediá-lo. Dizer que todo o mal advém do fato de o homem crer ilusoriamente que lhe falta algo constituiria ainda uma frase absurda, já que o "mal" de que fala é destituído de realidade e já que uma crença ilusória - portanto, sem realidade - não poderia ser a causa do que quer que seja. Além disso, se observo bem, não encontro positivamente em mim essa crença de que me falta algo (como poderia estar positivamente presente a crença ilusória numa ausência?); o que constato é que os meus fenômenos interiores caminham como se essa crença estivesse em mim. Mas, se os meus fenômenos o fazem, isso não se deve à presença dessa crença, mas ao fato de a intuição intelectual direta de que não me falta nada estar adormecida no fundo da minha consciência, de ainda não ter sido despertada. Ela está lá, pois nada me falta, sobretudo isso, mas está adormecida e não produz os seus efeitos. Todo o meu "mal" aparente provém do adormecimento da minha fé na perfeita Realidade; despertas em mim, não tenho senão "crenças" no que me oferecem os meus sentidos e a minha mente, que trabalha no plano dualista (crenças na inexistência de uma Perfeita Realidade Una). Essas crenças são formações ilusórias, sem realidade, consequências do adormecimento da minha fé. Sou um "homem de pouca fé", ou, mais exatamente, sem nenhuma fé, ou, melhor ainda, de fé adormecida, que não crê senão no que percebe no plano da forma. (Essa noção da fé presente mas adormecida explica a necessidade que temos, para nos libertar, de um mestre "despertador", de um ensinamento, de uma revelação; com efeito, o adormecimento comporta precisamente a não-fruição daquilo que pode despertar.)

Em suma, todas as coisas parecem ir mal em mim porque a ideia fundamental de que tudo é perfeito, eterno e totalmente positivo está adormecida no centro do meu ser, porque não está desperta, viva e atuante. Aí atingimos enfim o primeiro fenômeno doloroso, aquele de que deriva todo o resto dos nossos fenômenos dolorosos. O adormecimento da nossa fé na Perfeita Realidade Una (fora da qual nada "é") constitui o fenômeno primário de que deriva toda a cadeia distorcida; ele é o fenómeno causal, e nenhuma terapêutica do ilusório sofrimento humano poderá ser eficaz se não se encaminhar para esse ponto.

A pergunta "O que devo fazer para me libertar?" o Zen responde: "Você nada tem a fazer, já que nunca sofreu nenhuma sujeição e já que não existe, na realidade, nada de que você tenha de se libertar." Essa resposta pode ser malcompreendida e parecer desencorajadora porque encerra um equívoco referente à palavra "fazer". No homem comum, "fazer" se decompõe, de forma dualista, em concepção e ação, sendo à ação, à execução do que concebeu que o homem aplica a palavra "fazer"; tudo se organizará de modo espontâneo e harmonioso no nosso "fazer" quando deixarmos justamente de tentar modificá-lo de alguma maneira e trabalharmos apenas em despertar a nossa fé adormecida, isto é, em conceber a ideia primordial que temos de conceber. Essa ideia total, enquanto esférica e imóvel, não resulta, evidentemente, em nenhuma ação particular, não tem nenhum dinamismo específico; ela é a pureza central do Não-Agir, através da qual passará, não perturbado, o dinamismo espontâneo da vida natural real. Do mesmo modo, pode-se e deve-se dizer que despertar e alimentar essa concepção não é em absoluto "fazer", no sentido que essa palavra necessariamente assume para o homem comum, e até que esse despertar no pensamento se traduz na vida por uma diminuição (que tende à cessação) de todas as inúteis manipulações às quais o homem se dedica a partir de seus fenômenos interiores.

Evidentemente, é possível dizer que trabalhar na concepção de uma ideia é "fazer" algo. Mas, tendo-se em vista o sentido que essa palavra tem para o homem comum, é melhor, para evitar um perigoso equívoco, falar como o Zen e mostrar que o trabalho que pode abolir a angústia humana é um trabalho do intelecto puro que não implica a "feitura" de alguma coisa específica na vida interior, envolvendo, pelo contrário, a cessação do desejo de modificá-la.

Vejamos a questão com maiores detalhes. O trabalho que desperta a fé na única e perfeita Realidade que é o nosso "ser" se decompõe em dois momentos. Num momento preliminar, nosso pensamento discursivo concebe todas as ideias necessárias para que compreendamos teoricamente a existência em nós dessa fé adormecida e a possibilidade do seu despertar, bem como o fato de que só este último pode suprimir os nossos sofrimentos ilusórios. No curso desse momento preliminar, o trabalho efetuado pode ser denominado "fazer" alguma coisa. Mas essa compreensão teórica, supostamente obtida, ainda não modifica em nada o nosso estado doloroso; é preciso que ela se transforme numa compreensão vivenciada, experimentada por todo o nosso organismo, compreensão teórica e prática, ao mesmo tempo abstrata e concreta - só então a nossa fé será despertada. Mas essa transformação, esse transcender a forma, não pode resultar de nenhum trabalho direto "feito" pelo homem comum, inteiramente cego ao que não é formal. Não existe nenhum "caminho" para a libertação; isso é evidente, já que na realidade nunca estivemos submetidos a nada e continuamos a não estar. Não é preciso "ir" a lugar algum, não há nada a "fazer". O homem não tem nada a fazer diretamente para vivenciar a sua liberdade total e infinitamente jubilosa. O que ele deve fazer é indireto e negativo; o que deve compreender, através de um trabalho, é a enganosa ilusão de todos os "caminhos" que pode decidir trilhar. Quando seus esforços perseverantes lhe trouxerem a clara compreensão de que tudo o que pode "fazer" para libertar-se é vão, quando desvalorizar concretamente a própria noção de todos os "caminhos" imagináveis, irromperá o "satori", visão real que não tem "caminho" porque não é preciso ir a lugar algum, porque, desde toda a eternidade, estamos no centro único e fundamental de tudo.

Assim, pois, a "libertação", isso a que se dá esse nome e que é o desaparecimento da ilusão da sujeição, sucede cronologicamente a um trabalho interior, mas não é na verdade causada por ele. Esse trabalho interior formal não pode causar aquilo que transcende toda forma e que, por conseguinte, o transcende; ele é apenas o instrumento através do qual age a Causa Primeira.

Em suma, não existem formalmente nem a famosa "porta estreita" nem o "caminho" para o qual ela se abriria, a menos que se queira chamar assim a compreensão de que não há caminho, não há porta, não há lugar algum aonde ir. Eis aí o grande segredo - e, ao mesmo tempo, a grande evidência - que nos revelam os mestres zen.

Hubert Benoit
Do livro "A Doutrina Suprema, segundo o pensamento zen"*

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Para ser totalmente livre


Para ser totalmente livre, a pessoa precisa estar absolutamente consciente, pois nosso cativeiro está enraizado na nossa inconsciência; ele não vem de fora.

Ninguém pode impedi-lo de ser livre. Você pode ser destruído, mas, a menos que você deixe, a sua liberdade não pode ser tirada de você. Em última análise, é sempre o seu desejo de não ser livre que tira a sua liberdade. É o seu desejo de ser dependente, o seu desejo de negar a responsabilidade de ser você mesmo, que faz de você uma pessoa sem liberdade.

No momento em que a pessoa assume a responsabilidade por si mesma... E lembre-se de que isso não é um mar de rosas, existem espinhos também; não é açúcar no mel, existem momentos de amargura também.

A doçura é sempre contrabalançada pela amargura; elas vêm na mesma proporção. As rosas são contrabalançadas pelos espinhos, os dias pelas noites, os verões pelos invernos. A vida mantém o equilíbrio entre os opostos polares.

Assim, uma pessoa que esteja pronta para aceitar a responsabilidade por ser ela mesma, com todas as suas belezas, amarguras, alegrias e aflições, pode ser livre. Só uma pessoa assim pode ser livre.

Viva isso em toda sua agonia e em todo o seu êxtase — ambos são seus. E nunca esqueça: o êxtase não pode vir sem agonia, a vida não pode existir sem a morte e a alegria não pode existir sem a tristeza.

É assim que as coisas são — não se pode fazer nada a respeito. Essa é a própria natureza, o próprio Tao das coisas.

Aceite a responsabilidade por ser como é, com tudo o que você tem de bom e com tudo o que tem de ruim, com tudo o que tem de belo e com tudo o que não é belo. Nessa aceitação, ocorre uma transcendência e a pessoa se torna livre.


Osho, em "Liberdade: A Coragem de Ser Você Mesmo"

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill