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quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Como chegou a este grau de compreensão?

Pergunta: Pode dizer-nos como chegou a este grau de compreensão?

Krishnamurti: Receio que fosse demorar muito tempo, e pode ser muito pessoal. Em primeiro lugar, Senhores, eu não sou um filósofo, não sou um estudante de filosofia. Penso que aquele que seja apenas estudante de filosofia está já morto. Mas vivi com toda o gênero de pessoas, e fui criado, como talvez saibam, para levar a cabo uma certa função, um certo cargo. Mais uma vez, isso significa “explorador”. E era também o dirigente de uma enorme organização em todo o mundo, para fins espirituais; e vi a falácia disso, porque não se pode conduzir os homens à verdade. Só se pode torná-los inteligentes através da educação, o que nada tem a ver com sacerdotes e os seus meios de exploração – as cerimônias. Portanto dissolvi essa organização; e, vivendo com as pessoas, e não tendo uma ideia fixa sobre a vida, ou uma mente limitada por um determinado contexto tradicional, comecei a descobrir o que, para mim, é a verdade: verdade para toda a gente – uma vida que se pode viver saudavelmente, sensatamente, humanamente, não baseada na exploração, mas nas necessidades. Sei o que preciso, e que não é muito, portanto quer trabalhe para elas escavando um jardim, ou falando, ou escrevendo, isso não é de muita importância.

Em primeiro lugar, para descobrir qualquer coisa, tem que haver um grande descontentamento, um grande questionamento, infelicidade; e muito poucas pessoas no mundo, quando estão descontentes, desejam acentuar esse descontentamento, desejam passar por ele para descobrir. Geralmente as pessoas querem o oposto. Se estão descontentes, querem felicidade, ao passo que, por mim – se me permitem ser pessoal – eu não queria o oposto, eu queria descobrir; e assim gradualmente através de vários questionamentos e através de um atrito contínuo, cheguei a compreender isso a que se chama a verdade ou Deus. Espero ter respondido à pergunta.

Jiddu Krishnamurti em Auckland, Nova Zelândia, palestra a homens de negócios 6 de abril, 1934.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Sobre a compulsão por preenchimento

Não estamos todos nós procurando nos preencher em alguma coisa? O alpinista que escala os mais altos cumes — para ele esta é a ação de preenchimento; pelo casamento, pela prole, pelos filhos, vocês procurem se preencher; e o político, frente à multidão, ao recolher suas vibrações, com ela está se preenchendo. Se rejeitam essas expressões exteriores de ação e atividades tendentes ao preenchimento pessoal, voltam-se para as ações interiores, as ações psicológicas, espirituais: querem então se preencher numa ideia, em Deus, na virtude. Vemos, pois, que cada um deseja preencher-se à sua maneira — o que significa tornar-se algo por meio da identificação. Querem se preencher pela identificação com um partido político; renunciam a si mesmos e dizem que o partido tem toda a importância: o partido representa o que acreditam ser a Verdade; o partido por consequência representa um meio pelo qual se preenchem. O alpinista se preenche no deleite de ascender às grandes alturas, e o homem ambicioso se preenche no realizar a própria ambição. Ora, é isso o que estão fazendo, não é verdade? 

O desejo de se preencher, o desejo de vir-a-ser, o desejo de realizar, ganhar, governa as nossas relações, não é verdade? Desejo algo de você e por isso lhe trato muito amavelmente, muito urbanamente. Ofereço-lhe ramalhetes, e trato com desdém aqueles de quem nada recebo. Tal é o processo constante de nossa existência. Senhores, existe de fato tal coisa — "preenchimento pessoal"? Compreendem? "Ser é estar em relação" — isto é um fato muito evidente. Não posso viver sem estar em relação com alguma coisa, e essa coisa se torna o meio pelo qual procuro me preencher — minha esposa, meu filho, minha casa, minha propriedade, meu quadro, meu poema, ou esta fala que lhes dirijo agora. Se com ela estou me preenchendo, ela é evidentemente uma maneira de dar expansão ao "eu"; eu é que sou importante, e não vocês, nem o de que estou falando. Consequentemente, o meio de preenchimento pessoal se torna muito mais importante para mim ou para vocês, do que a Verdade que se encontra no investigar se de fato existe preenchimento. 

Todo esforço, nas condições atuais, se baseia no desejo de preenchimento; sabemos disso muito bem. Podemos tentar encobri-lo, disfarçá-lo com palavras e frases bem-soantes; essencialmente, porém, toda ação é produto do desejo de nos preenchermos por meio dela. Quando digo "Índia", identifico-me com a Índia, e a Índia se transforma no meio pelo qual realizo o meu preenchimento. Esses os fatos evidentes. Aprofundemos a questão um pouco mais. Existe a possibilidade de preenchimento? Da infância à maturidade e até a morte, estamos sempre em busca de preenchimento, por diferentes maneiras, não é verdade? — e sempre, infalivelmente, encontramos a frustração. Logo que se realiza uma ambição, apresenta-se outra ambição mais alta, e vivem assim numa luta incessante. Assim, pois, o nosso esforço de preenchimento, o nosso impulso de nos preencher, é sempre acompanhado do medo do insucesso, da frustração. Observem a mente e o coração de vocês, para verem se é ou não é verdade o que estou dizendo. Não são obrigados a aceitar o que digo. 

Onde há o desejo, o desejo consciente ou inconsciente, de nos preencher, existe sempre, forçosamente, o medo da frustração. Vendo-nos frustrados, procuramos outra espécie de preenchimento, para fugir dessa frustração. Nos achamos, pois, encerrados nesta prisão perpétua do preenchimento e da frustração. Não acham, pois, muito importante que libertemos a nossa mente desse desejo de preencher-se numa ação, numa ideia, em qualquer coisa, enfim? Quando procuro me preencher por meio de minha esposa e de meus filhos, isso significa amor? Se desejo me preencher, discursando para grandes ou pequenos auditórios, estou realmente interessado na Verdade, tenho o desejo fundamental de libertar os homens, ou estou me preenchendo por meio dos meus ouvintes? 

Senhores, esta não é uma reunião de discussão. Não nos importa, pois, descobrir se existe uma maneira diferente de resolvermos este problema, uma maneira diversa de estudá-lo, não baseada no desejo de preenchimento, uma ação que não vise um certo resultado? Não digam: "Sim, é o que diz o Bhagavad-Gita, o Upanishads" — colocando de lado a questão. Quando dizem uma coisa dessas, não estão realmente escutando à outra pessoa. E o que importa é o escutar. Com efeito, se souberem escutar, o milagre se realizará. Se souberem escutar tanto a melodia como o silêncio entre duas notas, talvez possam então descobrir a verdade relativa a qualquer coisa. Entretanto, enquanto estiverem comparando, rejeitando, aceitando, em constante atividade de explanação e rejeição, não estão de fato escutando

Estou aventando talvez haja uma forma diferente de proceder sem se visar ao preenchimento pessoal, e que não esteja só ao alcance de poucos. Se eu for capaz de me compreender, de me observar nas minhas atividades diárias, e reconhecer que a todas as horas do dia estou ocupado em me preencher e, por conseguinte, vivendo na frustração e no temor — se eu for capaz de reconhecer tal coisa — e não somente aceitá-la — então não haverá mais preenchimento pessoal, meu, em coisa alguma. Se perceberem, realmente, momento por momento, nas suas atividades diárias, que toda ação é insuflada pelo desejo de preenchimento e que o preenchimento traz sempre frustração; se perceberem a coisa na sua inteireza, se a virem, bem desperto, sem argumentação, sem discussão, sem desejo de comparar — então, daí, resultará forçosamente uma nova ação, uma ação que não será de preenchimento pessoal, mas de outra natureza. 

É bem óbvio que, quando cada um de nós está tentando preencher-se, há o caos na sociedade; e, a fim de dominar esse caos, a nossa mente apela para um determinado padrão ou condição. Se puderem perceber bem isso (se realmente estão escutando o que digo) reconhecerão esse fato verdadeiro, isto é, que não há preenchimento. Podem fazer tudo o que quiserem, se elevarem às maiores alturas — nunca há preenchimento. Se se reconhece este fato verdadeiramente, se o sentirmos interiormente, haverá então possibilidade de ação, a qual não será produto ou resultado da compulsão, do temor, da frustração. 

Jiddu Krishnamurti em, Autoconhecimento — Base da Sabedoria

sábado, 27 de junho de 2015

O vazio da existência e a resistência ao vazio

Um dos maiores desafios no processo de autoconhecimento e transformação pessoal é saber lidar com o vazio existencial que emerge, especialmente, em momentos de crise. Um dia acordamos e ele simplesmente está lá, instalado em nós. Não sabemos nem queremos saber de onde veio nem por quê nem pra quê, mas sabemos que queremos que ele desapareça o mais rápido possível. E para isso estamos dispostos a pagar qualquer preço, fazer qualquer loucura, consumir qualquer besteira, desatinar qualquer absurdo usando as 3 táticas clássicas - anestesiar, escapar ou entupir o vazio com todo tipo de lixo.

Ignorado nas mídias sociais, inexistente no "show business", negado no mundo corporativo e incompreendido pela maioria, o vazio e seus afluentes esvaziantes foram amaldiçoados pela nossa cultura liquefeita e hiperacelerada que tanto valoriza a superfície, o banal, o instantâneo, o virtual e o fake. Segundo esta visão distorcida da realidade, se permitir estar no vazio é um crime a ser punido, uma doença a ser curada, um estado a ser evitado. Porém, o mais curioso deste processo é constatar que não importa o que façamos, nem a potência da droga que consumimos, o maldito vazio teima em escapar pelas frestas invisíveis da psique e sempre retorna sorrateiro para nos mostrar que há algo errado neste pantomima.

Não sei quando começou este processo de domesticação e negação do vazio, mas suspeito que começou no dia em que deixamos de nos aceitar como seres humanos que, as vezes, em meio à complexidade escaldante da vida, se estraçalham por aí, se perdem sem rumo na vida, desentendem o que lhes está acontecendo, colapsam, choram e sofrem suas dores e tremores variados, com seus percalços descalços, com seus medos bobos e imaturidades constantes. Sim, ser humano é um caos, as vezes criativo, as vezes dramático e quase sempre os dois juntos, e o vazio, sim, o vazio existencial está justamente aí para nos ajudar, para nos alertar, para nos mostrar que está na hora de sair da psicomatrix de mentiras e ilusões, que precisamos respirar, caminhar, dar um abraço, rir, sorrir, tomar sol e não fazer nada para resgatar o fio da meada de nós mesmos esquecido lá no fundo do poço da alma debaixo da montanha de lixo emocional que acumulamos desde sempre.

O vazio é um estado-portal que tem o poder de nos reconectar a n ós mesmos; é entre, através e além dele que podemos resgatar nosso caminho perdido, nossa vontade adormecida, nossos sonhos soterrados e nossa criatividade embotada. O vazio é um canal de resgate, de reencontro de reparo e reconexão. Estar, aceitar, ficar e sustentar o vazio pode ser, no começo, desesperador, angustiante, ansiolítico e enlouquecedor, mas negá-lo, fugi-lo ou entupi-lo sistematicamente é a mais vil das traições, a traição a nós mesmos, ao nosso melhor futuro e ao fluxo natural de verdades que desliza silenciosamente em nós esbanjando beleza e sabedoria.

Holoplex

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Por que você quer se esquecer de si mesmo?

Por que você quer se esquecer de si mesmo? Por que você anda tão aborrecido consigo mesmo? Por que você não pode viver consigo mesmo? Por que você não pode ficar alerta e à vontade? Qual é o problema? O problema é que sempre que você está alerta sozinho, você se sente vazio — você sente como se não fosse ninguém. Você sente um nada internamente e esse nada se torna um abismo. Você se assusta e começa a fugir dele. 

Bem lá no fundo de você, você é um abismo, e é por isso que você continua fugindo. Buda chamou esse abismo de não-eu, anatta. Não há ninguém do lado de dentro. Quando você olha, é uma vasta expansão, mas não há ninguém lá — simplesmente o céu interior, um abismo infinito, sem fim, sem começo. No momento em que você olha, tem uma tontura, começa a correr, você foge imediatamente. Mas para onde você pode fugir? Aonde quer que você vá, esse vazio estará com você, porque ele é você. É o seu Tao, a sua natureza. A pessoa tem de chegar a um acordo com isso. 

Meditação nada mais é do que chegar a um acordo com seu vazio interior; reconhecê-lo, não escapar; viver através dele, não fugir; ser através dele, não fugir. Então, subitamente, o vazio torna-se a plenitude da vida. Quando você não foge dele, ele torna-se a coisa mais linda, a mais pura, porque somente o vazio pode ser puro. Se alguma coisa está presente, a sujeira entrou; se há alguma coisa ali, então, a morte entrou; se há alguma coisa ali, então a limitação entrou. Se há alguma coisa ali, então, Deus não pode estar lá. Deus significa o grande abismo, e supremo abismo. Ele está ali, mas você nunca é treinado para olhar para dentro dele. 

É exatamente como quando você vai às montanhas e olhe para dentro do vale: você fica tonto. Então, você não quer olhar porque um medo o invade — você pode cair. Mas nenhuma montanha é tão alta e nenhum vale é tão profundo como o vale que existe dentro de você. E quando quer que você olhe dentro de si, você sente uma tontura, uma náusea — você imediatamente foge, fecha os olhos e começa a correr. Você tem corrido por milhões de vidas, mas não chegou a lugar nenhum, porque não pode. 

A pessoa tem de chegar a termos com o vazio interior. E uma vez que você chega a termos com ele, subitamente, o vazio muda sua natureza — torna-se o todo. Então, ele não é o vazio, não é negativo: ele é a coisa mais positiva da existência. Mas a aceitação é a porta.

OSHO

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

O Vazio que Somos

Talvez o caminho mais fácil para a compreensão do Vazio seja olhar diretamente para a natureza essencialmente vazia das nossas atividades e motivações, a partir de um ponto de vista fundamental — em resumo, através de uma autoconfrontação duramente honesta.
Na minha opinião, uma das coisas mais difíceis de fazer — mais difícil do que dominar qualquer disciplina intelectual, por complexa que seja — é despojar nossa vida de toda superficialidade, e examinar, para viver com ela, a integral conscientização daquilo que restar. Poucos são os que se permitiram enfrentar essa realidade, porque despojar-se de todo, psicologicamente, acarreta penoso reconhecimento da natureza e motivações básicas das pessoas. Enfrentar isso, que é como ser virado pelo avesso, ou leva o homem ao desespero e, possivelmente, ao suicídio, ou o conduz diretamente para o esclarecimento, o que consideramos como nada mais nada menos do que viver simplesmente como um ser humano, sem qualquer simulação, sem qualquer importância auto-reconhecida, sem quaisquer impulsos psicológicos que se dirijam para além do aqui e do agora. 

Quem quer que um dia se tenha empenhado em tal autoconfrontação, saberá, imediatamente, de que estamos falando. Por outro lado, a pessoa que ainda não chegou a tal exercício pode considerar útil explorar, não a confrontação em si — que para ela seria, inevitavelmente, por ouvir dizer, uma experiência de segunda mão — mas o que a leva a hesitar diante dela. Esta última indagação, a esta altura, pode fazer-se a única possível, e chegaria, mesmo, a levar diretamente a uma experiência de encarar o caráter básico da pessoa, o reconhecimento da substância primitiva do seu próprio ser. 

É o fato de tudo isso ser extremamente penoso que leva o homem a desistir de fazer o reconhecimento honesto de sua situação total e prosseguir com o confronto. A angústia não está apenas em ver como somos falsos, banais, feios, depois que todas as máscaras de embelezamento que usamos são retiradas. Ela alcança muito mais profundamente, vai ao próprio âmago do nosso ser, quando compreendemos o "artificialismo" da vida que levamos — e, com essa palavra, não estamos apenas nos referindo a um amor excessivo pelas coisas fabricadas, perda de contato com as coisas da terra, ou com a nossa acomodação a uma forma de vida cada vez mais mecanizada e automatizada. Essas coisas, por si mesmas, estariam longe de ser tão más quanto as fazemos, se apresentadas dentro da estrutura de uma perspectiva psicológica fundamentalmente sadia. O que queremos dizer, porém, é quando alguém possui uma visão compreensiva do "mim" e, assim, apreende sua essência, algo se impõe com muita força. É que nosso ser, nosso próprio pensamento, é orientado como causa-efeito numa escala extraordinária. Isso cria um estado de expectativa que nega e sobrepõe-se, inevitavelmente, ao aqui-e-agora. 

Psicologicamente, estamos nisso o tempo todo. Realizamos coisas para que certos efeitos sejam criados, ou trabalhamos por segurança maior, por maior aprovação social, ou para diminuir nosso senso de solidão, ou seja lá para o que possa ser. Estamos muito presos ao conceito do "a fim de que", por isso sempre "vivemos para", e jamais "vivemos", apenas. Há alguma coisa que fazemos, que pensamos, que não seja orientada para uma finalidade? (Talvez somente nas raras ocasiões em que o fazemos por amor e não estejam em jogo aquisições ou recompensas.) Penso que esta é uma descrição justa da nossa ocupação essencial na vida. 

Chega, então, a dura descoberta de que, na realidade, não há, absolutamente, o "a fim de que", não há o "viver para", tais coisas não existindo na natureza — é apenas o  intelecto a extrair dos fenômenos que observa algum tipo de explanação teológico, que, entretanto, permanece como intervenção humana. Com isso vem a compreensão da completa inanidade das nossas ocupações. Não seria tão mal se apenas alguns, ou uns poucos dos nossos esforços se revelassem vãos. Seria uma situação com a qual conseguiríamos tratar, porque a percepção representaria apenas um outro desafio: deslocar nossas atividades para novas áreas de interesse que oferecessem, ao menos, uma porção módica de incentivo. Ser, porém, confrontados com o vazio de tudo que estamos fazendo, pensando, almejando, é mais do que aquilo que podemos suportar. Não deixa, absolutamente, possibilidade de fugir ao nada, porque mesmo as fugas perderam agora o seu atrativo e são vistas como tão inúteis quanto as coisas quanto as coisas das quais queremos nos afastar. Subitamente, parece inteiramente claro que estivemos perdendo nosso tempo, empenhados como estávamos em atividades sem significação; ainda assim, o que temos pela frente é menos claro. Se não vamos continuar com as mesmas coisas — e depois do que foi tão claramente visto, não poderemos, de fato, fazer isso — que diferença faz viver ou morrer? Qual é, afinal, o sentido de nossa existência? Ainda há nela algum escopo? Afinal, para nós, que sempre consideramos ser o "esforço", o "trabalhar para" alguma coisa, sinônimo de "viver", a autoconfrontação fornece rápida visão de completa derrota. Mergulhados como ficamos nessa coisa chamada, provisoriamente, o "nada", ficamos, no momento, dado o choque, paralisados quanto ao nosso funcionamento, de hábito orientado para um objetivo.

Antes usávamos, prudentemente, o termo "artificialidade" quando nos empenhávamos em descrever nossa forma de viver, e agora vamos ver porque o fizemos: a Realidade nada sabe de fins, objetivos, conceitos e esforços dos seres humanos. O conceito integral de sociedade, com sua luta pelo poder entre as nações, as classes, os indivíduos e hierarquia social levando às perenes tentativas para "subir", tanto social como materialmente, são apenas invenções humanas. Ou talvez fosse mais exato dizer que são o produto de um tipo caracteristicamente diabólico da mente humana. Quando considerada como uma espécie de jogo, no qual o jogador mais ágil ganha um troféu, tal manobra, dentro de regras societárias, pode não afetar a mente de forma duradoura. Quando tomada seriamente, entretanto, torna-se uma armadilha — desperdício de tempo e de energia. Podemos dizer, por exemplo, que o prazer obtido pelos homens em assegurar seu poder sobre seus semelhantes, em "ganhar a competição", e assim por diante, é totalmente irreal. Na verdade, não passa de um sacalão que a mente recebe através de sua própria perversão natural, baseada na suposição de que o homem é alguma coisa que não é. (E, é preciso notar, essa perversão se revela, ao mesmo tempo, uma faceta da estrutura social existente.) Assim, a experiência é, realmente, uma espécie de masturbação psicológica, infinitamente mais nociva, porém, do que a fisiológica.

Ou, para usar outra forma de exemplo: eu sou, psicologicamente, e de forma completa, dependente de outra pessoa, e, subitamente, essa pessoa morre ou se afasta de mim, e eu fico sem nada. Sinto-me abandonado, obliterado, compreendo, com um choque, que toda a minha existência fora completamente irreal, que me vinha embalando da maneira mais insidiosa, e que a realidade não dá provimento às minhas necessidades e dependência psicológicas particulares. Por que fiz isso — arrimar-me em outra pessoa ou identificar-me com ela? Porque, desde o princípio, havia algo em minha situação pessoal que era, ao mesmo tempo, doloroso e assustador de contemplar. Não sendo capaz de enfrentar essa situação, considerei que, incorporado a uma outra pessoa, menos responsável me fazia, menos vulnerável, menos introspectivo, mais seguro. Mas, como era previsível, "aquilo" me atingiu.

Deixe-me dar apenas mais um exemplo da nossa vida no irreal. A morte é real e nós a aceitamos sem demasiada noção enquanto acontece com os que estão fora do círculo próximo da nossa família e amigos. O pensamento da nossa própria morte, entretanto, é a perplexidade, e a maioria das pessoas sente-se incapaz de encarar esse fato inevitável com serenidade. parece-me que essa atitude, como fuga da realidade, pode ser comparada à do homem que descobre que sua noiva, ou sua namorada, já não é virgem. Ele não é o primeiro, e sofre por isso. Entretanto, diante do fato de que, inevitavelmente, há que haver um primeiro, isso importa? Mulheres que perdem sua virgindade de maneira considerada prematura, e tantos homens como mulheres morrendo — de maneira quase sempre considerada prematura — são os átomos da realidade, que aceitamos no universal, e diante dos quais recuamos, no particular.

Tratamos dessa questão com certo pormenor, para tornar claro que nossas vidas são de fato artificiais, baseadas em muitas suposições não escritas e não discutidas, de natureza social e cultural arbitrária, e que qualquer tipo de artificialismo, implicando separação da realidade, significa conflito, portanto sofrimento. Isso se dá porque cedo ou tarde a bolha de pensamento confortador, que nos isola da realidade, estoura. A absorção, em nível subliminar, de todos os padrões de pensamento do mundo, é "condicionante". E ver através dos padrões de condicionamento é, na verdade, "aprender". tal como estão as coisas, todos vivemos condicionados mas há, literalmente, um mundo de diferença entre alguém que está inconsciente desse fato e a pessoa que sabe estar condicionada e convive com ele à luz da sua conscientização.

Em resumo: pode ser dito que através das nossas atividades, através de hábitos de pensamento indelevelmente impressos — todos, afinal, resultantes do princípio prazer-dor como mola-mestra — estamos completamente desligados do que é real, e assim, da única coisa que pode ser considerada como valendo verdadeiramente a pena. E é esse fato, acima de tudo, o responsável pela nossa angústia.

Dr. Robert Powell

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Vazio: a chave da plenitude da vida

Embora levando exteriormente vidas de grande propósito e "negócios", a maioria das pessoas, hoje, teria de admitir, se forem totalmente honestas consigo mesmas, que estão vivendo uma existência em que a carência de sentido existe em diversos graus. Isso acontece porque a maior parte de seus esforços, embora tenham finalidade dentro de um estreito contexto, são essencialmente fragmentários e contraditórios, portanto não podem contribuir para um estilo de vida completo e saudável, como não podem levar a uma visão do mundo baseada na realidade. 

Longa sucessão de religiões orientais e de escritos filosóficos, vindos das mais antigas escrituras da Índia — os Vedas e os Upanishads — até o Zen, ensinam que há uma outra forma de funcionamento dos seres humanos, uma vida inteiramente livre de fragmentação, vida que também possui profundo sentido e grande beleza. E, nesses ensinamentos, o que é notável, existem, através da imensa variedade de expressão religiosa que representam, um discernimento e uma experiência elevadíssimos, que sempre permanecem os mesmos: a visão direta da natureza, do eu, e do mundo, visão que transforma e libera aquele que a obtém. Assim, com o advento dos Upanishaes, que foram chamados, com muita justiça, os ensinamentos mais revolucionários que vieram a ser oferecidos à humanidade, uma fagulha brilhou na consciência do homem, e a chama que dela nasceu tem sido conservada viva por um pequeno número de indivíduos, durante todos estes séculos. 

As intuições centrais desses ensinamentos, os únicos que dão verdadeira significação à vida, são a experiência e a compreensão integrais do que, em sânscrito, é designado pela palavra "Sunyata". Tal palavra é, quase sempre, embora inadequadamente, traduzida como "Vazio" — inadequadamente porque a palavra inglesa tem uma conotação pesadamente negativa, associado-se a futilidade, frustração e mesmo niilismo, quando Sunyata é, na verdade, uma experiência das mais positivas, soberanamente libertadora, que dá nova e melhorada amplitude de vida ao ser humano. Só ela é capaz de apagar o passado, com suas lembranças dolorosas, e só ela tem explicação para o problema do sofrimento. Esse Vazio infunde, pela primeira vez, sentido real a cada uma das atividades da pessoa, e assim, paradoxalmente, é a própria chave da plenitude da vida. 

Não sendo Sunyata um simples conceito, ou doutrina intelectual, já que se torna viva realidade depois que alcançada determinada profundidade de entendimento, não é possível, realmente, descrever a experiência com "qualquer" palavra (por isso é bom conservar a expressão equivalente de "Vazio"). Só é possível fazer sugestões sobre alguns dos aspectos das intuições revolucionárias, dos quais um dos mais importantes, no Vazio, é o de não haver, de forma alguma, autoridade, fórmula, princípio, que possam guiar uma pessoa na sua vida cotidiana, nem crença à qual se agarrar quando enfrenta uma frustração, conflito, ou sofrimento; não há filosofia ou doutrina na qual se possa encontrar refúgio sólido — pois tudo isso é visto como simples invenções da mente; a liberação, em relação ao sofrimento, só pode vir do interior da própria pessoa. Outro aspecto importante do Vazio está no fato de a pessoa acordar para o verdadeiro significado dos seus objetivos e motivações convencionais, e descobrir que eles têm muito pouco valor e significância. Em terceiro lugar, mas não o menos importante, a pessoa compreende que o "eu" é visto muito superficialmente, que seus atributos são baseados em aparências pouco profundas, em impressões, mas que, realmente, quando o desejamos destacar, definindo sua natureza ou identidade, ele se revela uma identidade das mais ilusórias. E quando chegamos a compreender o assunto ainda mais profundamente, vemos que não se trata, absolutamente, de uma "entidade"! Essa é, de fato, a apoteose da experiência em Vazio. 

Assim, o retorno à significação, que é sentido como aguda necessidade por muitas pessoas dadas à meditação, só é possível através da compreensão da "plenitude do Vazio", que é a nossa natureza autêntica. E tal compreensão só pode ter lugar depois que o ser humano abandonou, com facilidade, sem sofrimento, e com finalidade completa, as amarras que o prendem a uma sociedade condicionada e condicionante. 

Robert Powell (1918-2013)

sábado, 17 de janeiro de 2015

Muitos buscam por consolo e não pela verdade

(...) Quando se sentem incompletos, sentem-se vazios, e desse sentimento de vazio surge o sofrimento; devido a essa incompletude vocês criam padrões, ideias, para sustentá-los no vosso vazio, e estabelecem esses padrões e ideais como sendo a vossa autoridade externa. Qual é a causa interior da autoridade externa que criam para si mesmos? Primeiro, sentem-se incompletos e sofrem por causa dessa incompletude. Enquanto não compreenderem a causa da autoridade, não passarão de uma máquina imitativa, e onde existe imitação não pode existir a preciosa realização da vida. Para compreender a causa da autoridade deverão acompanhar o processo mental e emocional que a cria. Em primeiro lugar sentem-se vazios e para se livrarem desse sentimento fazem um esforço; ao fazer esse esforço estão somente a criar opostos; criam uma dualidade que apenas aumenta a incompletude e o vazio. Vocês são responsáveis por autoridades externas tais como religião, política, moralidade, por autoridades tais como padrões económicos e sociais. Devido ao vosso vazio, à vossa incompletude, criaram estes padrões externos dos quais tentam agora libertar-se. Evolucionando, desenvolvendo, crescendo longe deles, querem criar uma lei interna para vocês próprios. À medida que vão compreendendo os padrões externos, querem libertar-se deles e desenvolver o vosso próprio padrão interno. Este padrão interno, a que vocês chamam de “realidade espiritual”, vocês identificam-no como uma lei cósmica, o que significa que não criaram senão outra divisão, outra dualidade.

Portanto, primeiro criam uma lei externa, e depois procuram libertar-se dela desenvolvendo uma lei interna que identificam com o universo, com o todo. É isso o que está a acontecer. Continuam conscientes do vosso egotismo que agora identificam como uma grande ilusão, chamando-lhe cósmica. Portanto, quando dizem, “Eu obedeço à minha lei interna”, não estão senão a utilizar uma expressão para encobrir o vosso desejo de se libertarem. Para mim, o homem que esteja ligado seja a uma lei externa seja a uma interna está enclausurado numa prisão; está dominado por uma ilusão. Por isso, um homem assim não pode compreender a ação espontânea, natural e saudável.

Ora bem, porque é que criam leis internas para vocês próprios? Não será porque a luta da vida diária é tão grande, tão inarmônica, que querem libertar-se dela e a criação de uma lei interna torna-se o vosso conforto? E tornam-se escravos dessa autoridade interna, desse padrão interno, porque rejeitaram somente a imagem exterior, e criaram no seu lugar uma imagem interior à qual se escravizaram.

Por este método não alcançarão o verdadeiro discernimento, e o discernimento é completamente diferente de escolha. A escolha tem que existir onde houver dualidade. Quando a mente está incompleta e está consciente dessa incompletude, tenta libertar-se dessa incompletude e em consequência cria o oposto a essa incompletude. Esse oposto pode ser um padrão tanto externo como interno, e uma vez estabelecido esse padrão, julga cada ação, cada experiência por esse padrão, e vive assim num estado contínuo de escolha. A escolha nasce somente da resistência. Se não houver discernimento, não há esforço.

Portanto para mim toda esta ideia de fazer um esforço em direção à verdade, em direção à realidade, esta ideia de efetuar um esforço continuado, é absolutamente falsa. Enquanto estiverem incompletos experimentarão sofrimento, e por isso estarão comprometidos com a escolha, o esforço, a luta incessante por aquilo a que chamam de “conhecimento espiritual”. Por isso eu digo que quando a mente fica aprisionada na autoridade não pode ter compreensão verdadeira, pensamento verdadeiro. E uma vez que as mentes da maioria das pessoas estão aprisionadas na autoridade – que não é mais que uma evasão à compreensão, ao discernimento – não poderão experimentar completamente a experiência da vida. Por esse motivo vivem uma vida dupla, uma vida de fingimento, de hipocrisia, uma vida na qual não existe nenhum momento de plenitude.

Krishnamurti em, A Arte de Escutar
Alpino, Itália - 1ª palestra 1 de julho, 1933

sábado, 25 de outubro de 2014

Por que minha vida é insignificante?

"Minha vida é insignificante — suponhamos — e trato, pois de dar-lhe significação. Pergunto: “Qual é a finalidade da vida?” — porque, se a vida tem alguma finalidade, poderei então viver em harmonia com essa finalidade. E, assim, invento ou imagino uma finalidade, ou, pela leitura, pela investigação, pela busca, encontro uma finalidade; estou, por conseguinte, dando significação à vida. Como o intelectual, à sua maneira, dá significação à vida, negando ou afirmando que ela tem finalidade e um significado, nós também atribuímos significação à vida por meio de nossos ideais, da busca de um alvo, de Deus, de Amor, da Verdade. E isso, com efeito, significa que, se não damos significação à vida, nossa existência não terá para nós importância alguma. O viver não nos parece tão bom como desejaríamos que fosse, e por isso desejamos dar significação à vida. Não sei se estais percebendo isto.”

“Qual é a significação de nossa vida, da vossa e da minha, independentemente dos filósofos? Ela tem alguma significação, ou lhe estamos dando significação pela crença, tal como faz o intelectual que se torna católico, isto ou aquilo, encontrando assim um abrigo? Como seu intelecto reduziu tudo a cacos, ele se vê agora sozinho, desamparado, etc., e não podendo suportar tal estado, necessita de uma crença, no catolicismo, no comunismo, em qualquer coisa que lhe dê alento e dê significação à sua vida.”

“Agora, pergunto a mim, mesmo: Por que razão queremos uma finalidade? E que significa viver sem finalidade alguma? Compreendeis? Sendo a nossa vida vazia, atribulada, triste, precisamos dar-lhe uma significação. E há possibilidade de ficarmos cônscios de nosso vazio, nossa solidão, nossos sofrimentos, todas as tribulações e conflitos de nossa existência, sem darmos, artificialmente, um significado à vida? Podemos estar cônscios dessa coisa extraordinária que chamamos a vida — que significa ganhar o próprio sustento, que significa inveja, ambições e desenganos — estar cônscios, simplesmente, de tudo isso, sem condenação ou justificação, e passar além? A mim me parece que, enquanto estivermos procurando ou dando uma significação à vida, estaremos perdendo algo de extraordinariamente vital. O mesmo acontece com o homem que quer achar a significação da morte e está constantemente empenhado em racionalizá-la, explicá-la, e impedido, assim, de “experimentar” o que é a morte.”

Krishnamurti – 13 de agosto de 1955 – Ojai (Califórnia) U.S.A.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Uma faminta vacuidade...

Creio, Perene Consciência Amorosa Integrativa, que estas duas palavras dizem tudo o que dizer se pode de ti e das tuas relações com o homem.

Creio que estas duas palavras antitéticas sintetizam todas as teses e hipóteses que sobre ti se hão excogitado, no decorrer dos séculos e milênios. 

Minha vacuidade — e tua plenitude...

A mais profunda, sublime e sagrada aspiração de todo homem plenamente humano está em querer possuir-te, não somente pelo conhecimento e pelo amor, mas efetivamente, plena, integral, panoramicamente, com todas as potências do seu ser.

Possuir-te — que coisa deliciosa e estupenda deve ser!... 

Possuir-te — o que no mundo presente é o mais vasto drama e a mais intensa tragédia da alma humana, deve ser, no mundo futuro, a mais excelsa epopéia e a mais pura mística do espírito creado...

Fundir-se em ti, integrar a gotinha do seu eu humano no oceano imenso do teu Tu Divino...

Identificar-se, por assim dizer, contigo...

Divinizar-se...

Possuir-te — mas como?...

Pela inteligência? Pela força mental? Pela ciência especulativa?...

Assim pensava eu, a princípio. Pensava, como certos filósofos de Atenas, que tanto mais espiritual e divino seria o homem quanto mais aguçada for a cúspide de sua inteligência, quanto mais elevado o pináculo da sua torre científica, quanto mais intensa a chama do seu inteligir mental. 

De todas as belas e queridas as ilusões da minha vida a mais bela e querida foi esta. E até o presente dia não consegui matar de todo as saudades que tenho deste meu primeiro grande amor intelectual...

Doloroso foi o desengano, funesta a queda lá das alturas de minha torre babilônica... E até hoje não cicatrizaram as feridas profundas que me abriu na alma a convicção de que a ciência, por si só, não te pode atingir cabalmente.
* * * 
Vendo que a soberba torre da minha filosofia não valia romper as nuvens do teu céu nem lançar ponte entre as baixadas da nossa terra e a excelsitude do teu trono, tentei uma invasão nos teus domínios em sentido contrário. É que, neste tempo, eu acreditava ainda na possibilidade desta invasão do teu reino pelo homem...

Se a conquista não era possível  rumo ao zênite — quem sabe se era possível via nadir?

Em vez de exaltar-me, aniquilei-me...

Tentei possuir-te pela ascese...

Transformei em radical negação todas as minhas afirmações...

Procurei despersonalizar a minha personalidade...

Neutralizei o meu Eu...

Despotencializei todas as potências ativas do meu ser...

Macerei com flagelos o meu corpo...

Debilitei com jejuns os ardores do sangue...

Impus silêncio ao intelecto...

Fechei as portas aos sentidos...

Cortei as asas à fantasia...

Fugi da sociedade...

Habitei em vastos ermos e solitárias cavernas...

Sempre à espera de um encontro contigo, minha grande Anônima...

Sentia que a humilde negação de mim mesmo me aproximava de ti muito mais do que a ousada afirmação do ego...

Mas... faltava alguma coisa... 

Que é que faltava?... Por que é que não cheguei ao termo da minha jornada ascética?... Por que é que fugia de mim a meta, na razão direta que eu a demandava?...

Estaria eu marcando passo ou movendo-me em num eterno círculo, sem avançar um passo rumo às fronteiras longínquas do teu reino?...
* * * 
Sobreveio-me, então, o segundo desengano...

Desiludido do intelectualismo, comecei a desconfiar também da ascese... Se não estava no zênite da afirmação do meu ego intelectual, nem no nadir da minha negação personal — onde estavas tu, meu grande Mistério?...

Procurei, por algum tempo, apoderar-me de ti quase de contrabando — pela magia, pelo cabalismo irracional; procurei conjurar-te por meio de ritos e fórmulas ocultistas, a ver se estas potências sinistras lançariam uma ponte fantástica entre o aquém onde eu estava e o além onde tu habitas, ou onde eu te supunha. 

Falhou também esta tentativa em sentido horizontal, e mais tristemente falhou que as outras, em direção vertical, para o alto e para o fundo...
** * 
Vi-me, então num campo coberto de ruínas...

Abriu-se dentro de mim um grande vácuo...

Encontrei-me no cairel do abismo...

Em derredor e dentro de mim, um deserto imenso, de angustiante monotonia, de vastidão mortífera...

Convenci-me de que era impossível possuir-te...

Mas... como poderia eu viver sem te possuir, se — tu és a vida de todos os vivos?

(...) Era necessário que eu te possuísse, sob pena de me despossuir a mim mesmo e voltar ao nada...

Depois de muito pensar e sofrer, depois de muito lutar e errar, compreendi que o homem não pode possuir-te indo ao teu encontro rumo às alturas, mas que só tu podes possuir o homem demandando-o rumo as profundezas...

A única possibilidade de possuir-te é deixar-me possuir por ti. Só depois desta tomada de posse, divino-humana, é que é possível a tomada de posse humana-divina...

O homem só pode possuir-te depois de ser por ti possuído...

Não pode subir a ti se tu não baixares a ele...

(...) Mas... para que o homem enxergasse estas estrelas longínquas do teu céu era necessário que apagasse primeiro o sol do seu orgulho...

E como se apagaria o vasto incêndio do nosso orgulho se não com um oceano de lágrimas e de sangue, com um mar de sofrimento?...

Compreendi a loucura de minha sapiência — e compreendi a sabedoria da tua "loucura"...

(...) Abri mão de todas as minhas teses e hipóteses e sintetizei toda a minha sabedoria nestas palavras: Minha vacuidade — e tua plenitude...

Abri um livro inspirado e li: "Deus resiste aos soberbos, mas dá sua graça aos humildes". 

Compreendi que tanto mais poderosa é a tua atração quanto mais vácuo o meu ser, uma vez que o teu Tu é sempre infinita plenitude. 

Compreendi que o meu ego tem de ser como um pólo totalmente negativo para que possa atuar o pólo do teu Tu sempre infinitamente positivo...

Vacuidade é humildade...

Vacuidade é verdade...

Vacuidade é fé...

Vacuidade é o silencioso clamor de minha alma...

É um erguer de antenas na amplidão do espaço...

É um olhar faminto para os castelos da opulência...

É uma soluçante saudade do finito para o Infinito...

É uma nostalgia anônima, ardente, atroz, para algo de grande, de longínquo, de eterno...

E, para que venha a mim esse teu reino, nada posso fazer da minha parte senão estabelecer dentro de mim esse grande vácuo, porque tu não enches o que está cheio, só enches o que está vazio...

A minha faminta vacuidade clamou por tuas plenitudes.

Nada de positivo posso fazer para atrair o teu presente, a tua misteriosa dádiva gratuita. Só posso fazer-me mendigo, mendigo absoluto, em face da tua infinita riqueza e liberalidade. Só posso erguer os olhos, estender as mãos vazias e esperar, esperar, esperar... Se quiseres deixar vazias estas mãos mendicantes, vazias ficarão para todo o sempre. Se as quiseres encher com teus dons, cheias ficarão de ti, por ti, para ti...

Entretanto, sei que não deixarás nem resposta a minha ansiosa expectativa... Onde quer que encontres uma humana vacuidade enchê-la-á com tua divina plenitude...

"Sacias de bens os famintos e despedes vazios os ricos"...

"Exaltas os humildes e humilhas os exaltados"...

"Enches os vales e abates os montes"...

Quando o discípulo está pronto — o mestre aparece...

Por isto, quero ser vacuidade diante de ti, ó divina Plenitude!

Uma vacuidade faminta...

Parafraseado de Huberto Rohden

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Por que nossas vidas são em geral superficiais e vazias?

Penso que a maioria de nós acha a vida muito sem graça. Para ganharmos o sustento, precisamos exercer uma certa profissão, e esta se torna muito monótona; começa-se uma rotina, que temos de seguir, ano por ano, até morrer. Ricos ou pobres, e ainda que sejamos muito eruditos ou dotados de espírito filosófico, nossas vidas são em geral superficiais e vazias. Há evidentemente uma insuficiência em nós mesmos, e aos nos tornarmos cônscios desse vazio procuramos preenchê-lo com conhecimentos, com alguma espécie de atividade social, ou nos refugiamos em divertimentos de todo tipo, ou nos apegamos a alguma crença religiosa. Ainda que tenhamos uma certa capacidade e sejamos muito eficientes, nossas vidas são, ainda assim, sem graça e, para nos livrarmos dessa falta de graça, dessa cansativa monotonia da vida, buscamos uma certa forma de enriquecimento religioso, tentamos conquistar aquele "estado de ser" extra-mundano que não é uma rotina e que, por enquanto, pode ser chamado "o outro estado". Em nossa busca desse outro estado, encontramos muitos sistemas diferentes, diferentes caminhos que se supõem conduzirem a ele; e, assim, pelo disciplinamento de nós mesmos, pela prática de determinado sistema de meditação, pela observância de certo ritual ou a repetição de certas frases, esperamos alcançar aquele estado. Sendo a nossa vida um círculo interminável de dores e prazeres, de variadas experiências sem muita significação ou mera repetição, sem sentido algum, de uma mesma experiência — o viver constitui para a maioria de nós uma monótona rotina. Por esta razão, o problema de nosso enriquecimento interior, da conquista do "outro estado" — chame-o Deus, a Verdade, bem-aventurança ou como o quiser — se torna muito urgente, não é verdade? Você pode estar bem de vida, bem casado, ter filhos, pode pensar de forma inteligente e equilibradamente, entretanto, sem aquele, sem aquele estado, a vida se torna horrivelmente vazia. 

O que se deve , pois, fazer? Como conquistar aquele estado? Ou é completamente impossível conquistá-lo? A nossa mente, como está hoje constituída, é sem dúvida muito insignificante, limitada, condicionada; e embora uma mente limitada possa especular a respeito do "outro estado", suas conjecturas serão sempre limitadas. Ela poderá formular um estado ideal, conceber e descrever aquele outro estado, mas suas concepções permanecem dentro de suas estreitas limitações, , e penso que aí é que se encontra o fio da meada: no perceber que a mente não pode, em circunstância alguma, experimentar, viver aquele outro estado, se se limita a formulá-lo ou a especular a seu respeito. Não há dúvida de que esta é uma descoberta extraordinária: o perceber que, sendo a mente limitada, pequena, estreita, superficial, todo movimento que faça para alcançar aquele estado extraordinário, constitui um empecilho. O descobrimento deste fato, não especulativamente porém realmente, é o começo de uma nova maneira de considerar o problema. 

Nossas mentes, em verdade, são produto do tempo, de muitos milhares de dias passados, resultado da experiência baseada no "conhecido"; e, em tais condições, a mente é uma continuação do "conhecido". A mente de cada um de nós é o resultado da cultura, educação, e por mais extenso que seja o seu saber ou preparo técnico, ela é sempre produto do tempo; por conseguinte, é limitada, condicionada. Com esta mente, queremos descobrir o incognoscível; e compreender que essa mente nunca poderá descobrir o incognoscível, constitui uma experiência extraordinária. Descobrir que a mente de um indivíduo, por mais sagaz, por mais sutil, , por mais ilustrada que seja, não pode de modo nenhum compreender aquele outro estado — esse descobrimento traz consigo uma certa compreensão "factual" e acho que este é o começo de uma perspectiva da vida que poderá abrir a porta que conduz àquele outro estado

Expressando o problema de maneira diferente: a mente está sempre e sempre ativa, "tagarelando", planejando, e é capaz de extraordinárias sutilezas e invenções. E de que maneira pode esta mente tornar-se quieta? Vê-se que toda a atividade da mente, todo movimento que faça, em qualquer direção, é reação do passado. Como aquietar a mente? Se a aquietamos por meio de disciplina, sua quietude é um estado em que não há investigação, busca, não é exato? Em tais condições, ela não está aberta para o "desconhecido", "o outro estado". 

Não sei se alguma vez você já pensou neste problema, ou se nele tem pensado unicamente pela maneira tradicional, ou seja, tendo um ideal e dirigindo-se para ele segundo uma certa fórmula ou a prática de determinada disciplina. Disciplina implica, invariavelmente, repressão e conflito da dualidade — e isso está na esfera da mente — e por esse caminho prosseguimos, esperando captar o outro estado. Mas nunca indagamos inteligente e com sanidade se nossa mente é capaz de captá-lo. Foi nos sugerido que a mente deve estar tranquila, mas a tranquilidade foi sempre cultivada por meio de disciplina. Isto é, temos o ideal de uma mente tranquila, e buscamos realizar este ideal por meio de controle, luta, esforço. 

Ora bem, se você considera atentamente esse processo, em sua inteireza, verá que está no terreno do conhecido. Cônscia da monotonia de sua existência, cansada de suas repetidas experiências, a mente se empenha em conquistar aquele "outro estado". mas quando se percebe que a mente é o "conhecido" e que todo o movimento que faz não leva ao outro estado, que é "o desconhecido", o nosso problema se resume então, não em como conquistar o desconhecido, mas em descobrir se a mente pode libertar-se do "conhecido". Penso que este problema deve ser considerado por todo aquele que deseje descobrir se existe alguma possibilidade de "realizar o outro estado", o desconhecido. Assim sendo, como pode a mente, que é resultado do passado, do conhecido, libertar-se do conhecimento?

Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Mergulhando no poço sem fundo chamado solidão

Acho que a maioria de nós sabe o que é solidão. Conhecemos esse estado em que todos os laços de relação foram cortados, em que não há senso do futuro nem do passado, em que prevalece um completo sentimento de isolamento. Vocês podem se achar no meio de uma multidão, num ônibus superlotado, ou estar sentado ao lado de um amigo, do marido ou da esposa, e eis que subitamente lhes assalta essa onda, esse sentimento de vácuo, vazio, de um abismo. E a reação instintiva é fugir. Assim, tratam de ligar o rádio, de tagarelar, de ingressar em alguma associação, ou de pregar Deus, a verdade, o amor, etc. O meio de fuga de vocês pode ser Deus ou pode ser o cinema; todos os meios de fuga são idênticos. E a reação é de medo a esse sentimento de total isolamento e, por conseguinte, a fuga. Vocês conhecem todos os meios de fuga: o nacionalismo, a pátria, os filhos, o nome, a propriedade, — e por todas essas coisas vocês estão dispostos a lutar e a morrer. 

Ora, se se reconhece que todos os meios de fuga são iguais, e se percebe realmente a significação de um dado meio de fuga, pode-se ainda fugir? Ou não há mais fuga? E, se não estão fugindo, há ainda conflito? Estão me seguindo? É a fuga ao que é, o esforço para alcançar uma coisa diferente do que é, que cria o conflito. Assim, para que a mente possa transcender esse sentimento de solidão, essa súbita cessação da lembrança de todas as relações, as quais envolvem ciúme, inveja, ânsia de aquisição, esforço para ser virtuoso etc. — primeiro ela tem de enfrentá-lo, passar por ele, de modo que o medo em todas as suas formas se definhe até desaparecer de todo. Dessa forma, pode a mente perceber, um dado meio de fuga, a futilidade de todas as fugas? Não há então conflito, há? Porque já não há nenhum observador da solidão: só há o experimentar dela. Estão seguindo? Essa solidão é o cessar de todas as relações; as ideias já não tem importância; o pensamento perdeu toda a valia. Estou descrevendo as coisas, mas não se limitem a ouvir, pois, assim, ao saírem daqui, levarão somente cinzas. Afinal de contas, estas nossas investigações têm por fim liberar-nos de todas essas terríveis complicações, dar-nos na vida algo mais do que apenas conflito, medo, fadigas e tédio. 

Onde não existe o medo, está a beleza — não a beleza de que falam os poetas, aquela que os artistas pintam, etc., porém, coisa bem diferente. E para descobrir a beleza, um homem terá de conhecer esse isolamento completo — ou, melhor, não terá de conhecê-lo, pois ele já existe. Vocês fugiram dele, mas ele continua existente e lhes segue para sempre. Ele lá está, no coração e na mente, nos mais profundos recessos do ser de vocês. Vocês o encobriram, fugiram dele; mas ele continua existente. E a mente tem de passar por ele, como quem se submete à purificação pelo fogo. Ora, pode a mente passar por ele sem reação, sem dizer que é um estado horrível? No momento em que há reação, torna-se existente o conflito. Se vocês o aceitam, continuarão debaixo de seu peso; e se o rejeitam, tornarão a encontrá-lo na primeira curva do caminho. A mente, pois, tem de passar por ele. Estão me acompanhando? A mente é então aquela solidão, não precisa de passar por ela; ela é a solidão. Quando vocês pensam em termos de "passar por uma coisa" para alcançar outra, já estão em conflito. No momento em que dizem: : "De que maneira devo passar pela solidão, de que maneira devo olhá-la?" — nesse momento já se acham de novo em conflito. 

Existe, pois, uma solidão extraordinária que nenhum Mestre, nenhum guru ou ideia, nenhuma atividade poderá afastar de vocês. Já andaram "mexendo" com essas coisas, já se entretiveram com todas elas; mas elas não podem preencher esse vazio; ele é um abismo sem fundo. Mas deixa de ser esse "abismo sem fundo" no momento em que o experimentam. Compreendem?

Para que a mente possa ficar inteiramente livre do conflito, total e completamente livre de apreensão, medo e ansiedade, torna-se necessário o experimentar desse extraordinário sentimento de não relação com alguma coisa; daí provem o sentimento de solidão. Não imaginem que já o possuem; isso é muito difícil. Só quando temos esse sentimento de solidão em que não há medo é que existe o movimento para o imensurável; porque então não há ilusão, não há fabricante de ilusão, não há o poder de criar ilusão. Enquanto existe conflito, existe o poder de criar ilusão; e com a total cessação do conflito, o temor deixa de existir completamente, e, portanto, não há mais o buscar. 

(...) A mente que passou por essa extraordinária revolução pode enfrentar todo ou qualquer problema, sem que nenhum problema deixe marca nem raízes. Desapareceu, então, todo o sentimento de medo.

Krishnamurti em, O PASSO DECISIVO

sexta-feira, 28 de março de 2014

Realizando os abismos do ego-esvaziamento

Quando não estamos mais "apegados" a nada, quando não buscamos mais sentido para as coisas nem para os eventos do mundo, o que nos cerca e o que nos acontece parece perder toda a consistência, como se a subsistência dos seres dependesse da intensidade de nossas tensões afetivas e racionais.

"Deixar ser" e viver sem porquê leva-nos assim à realização do vazio: "Todas as criaturas são um puro nada. Não digo que elas são pequenas ou não importa o quê, elas são um puro nada". Aqui Mestre Eckhart é fiel ao ensinamento do prólogo de João: todas as coisas existem na Consciência e sem a Consciência nada existe; as criaturas só têm existência independente subjetiva. Quando esta subjetividade foi purificada pelo desapego e pelo não-agir mental, não resta mais do que a evidência, a objetividade fulminante de nosso nada. O ser humano capaz de suportar este clarão é libertado da ilusão e do desejo de viver, ele toca em si "alguma coisa" que está além do espaço e do tempo. O além da morte é a sua morada. Aceitar seu nada é de fato reunir-se de novo à Fonte incriada que torna possível toda manifestação.

"Ele é 'alguma coisa' na alma que é incriada e incriável. Se a alma inteira fosse assim, ela seria seria incriada e incriável.

Quando este "fundo" foi tocado, atingido, não é mais possível falar de Deus da mesma maneira, não é mais possível idolatrá-Lo sob forma de conceito ou de presença maleável, ao sabor do capricho humano; ele é aquela "Deidade" de que fala Mestre Eckhart e só os terrenos negativos conseguem caracterizá-la.

Nenhuma de nossas analogias apropriadas ao espaço e ao tempo pode convir quando se trata de falar de Deus. Ele é Imutável, Impensável; melhor seria dizer que "Ele não existe", que Ele é "um puro Nada", do que encerrá-Lo nos nossos conceitos. O espírito entra então numa vacuidade essencial e, além de toda representação, ele se une ao Desconhecido que o habita e o escava, o esvazia, até os abismos.

Esta experiência do vazio, ainda que dolorosa para o ser criado, não é uma experiência patológica, uma incapacidade de viver. É a própria condição para que se realize um novo nascimento, a vida do incriado em nós.

Jean-Yves Leloup — Enraizamento e Abertura - Ed. Vozes

quarta-feira, 26 de março de 2014

Aceitando as dores do processo de ego-esfacelamento

Em primeiro lugar, a via descendente se traduz pela desvalorização das compensações. Quando pensamos em desfrutar algumas delas, uma voz logo se eleva em nós: "E depois?" ou "Para quê?" E o ilusório prazer proposto não NOS ATRAI MAIS. 

À medida que a tela psíquica sobre a qual eram projetados os fantasmas compensatórios perde sua opacidade, o olho espiritual percebe, através dele, a noite profunda, isto é, a nostalgia primitiva do nosso abandono à vontade divina. Isto é o que exprime Jesus crucificado ao gritar: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?" Ao nascer, quando a alma — para falar como Platão — cai num organismo humano, tudo passa por nós como se realmente tivéssemos sido abandonados por Deus. 

À medida que o homem percebe a nostalgia primitiva — pois o processo é LENTAMENTE GRADUAL — começa a sentir uma NOVA TRISTEZA, aparentemente incondicionada, da qual ele procura razões; no entanto, NÃO AS ENCONTRA, ou elas não são proporcionais a essa tristeza profunda. Por outro lado, para utilizar esse sofrimento é preciso começar pela própria purificação, expulsando do pensamento essas circunstâncias. O sofrimento continua a estar presente, e podemos então senti-lo conscientemente, SEM PENSAR. Trata-se de um mal-estar difuso em todo o ser, em todo o corpo, talvez localizado a nível do coração. Essa primeira purificação do sofrimento torna-se possível e engrandecida pela compreensão de que TODO SOFRIMENTO MORAL, PEQUENO OU GRANDE, TRADUZ A NOSSA NOSTALGIA DE DEUS. O homem "liberto vivo" — no qual essa nostalgia evidentemente desapareceu — é totalmente invulnerável ao sofrimento justamente porque a fonte deste último já não existe.

Esta é a verdadeira aceitação do sofrimento, que nada tem a ver com a resignação. As palavras de Jesus exprimem perfeitamente essa aceitação: "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito!"

Quando o homem chega ao fundo da NOITE DOS SENTIDOS E DO ESPÍRITO (São João da Cruz), sua sensibilidade e pensamento tendem a parar completamente, originando a Realização. 

A um discípulo que perguntava qual era a última palavra do Ch'an, seu mestre respondia: "É sim". O homem comum, diante daquilo que lhe causa pesar, adota uma atitude negativa de revolta; esta, por sua vez, normalmente impotente, é cruel. Portanto, devemos aprender a adotar em todas as circunstâncias uma atitude positiva, a entrar em acordo com nossas desgraças, assim como com a nossa alegria. As felicidades são momentos de calma muito úteis, porém também devemos abençoar e experimentar totalmente as nossas infelicidades, sofrimentos e desgostos, já que só assim nossa condição egotista recebe os golpes que provocarão seu desaparecimento. Em nós é feito, então, um trabalho inconsciente que nosso intelecto seria incapaz de assumir e que unicamente realiza o SI. 

Hunert Benoit — A Realização Interior

Vivendo no Vazio

Penetrar no Vazio não constitui apenas etapa dificílima de transição, mas também, de início, uma experiência bastante dolorosa. Ao realizarmos o Vazio na mente, poderemos entender de maneira clara, simultaneamente, que se separam de nossas vidas os fatores negativos — fontes de sofrimento mais óbvias — assim como os positivos: desde os prazeres mais primitivos até os mais refinados, as muitas coisas por que "ansiávamos". Essa sensação de vazio, de lacuna, eqüivale ao sofrimento de uma grande dor, a um sentimento de desespero. Só quando abandonamos por completo o mundo do pensamento e nos achamos diretamente no Vazio, quando nos tornamos o Vazio, é que cessa a dor, porque ela é causada por um resquício da necessidade de realização de um desejo. Nessa etapa, por mais rarefeito ou sutil que seja esse desejo, ele ainda subsiste e continuará existindo até que a pessoa que vive a experiência, o ego, se vá por inteiro. Enquanto isso não ocorre, existe o medo da absorção completa pelo Vazio, o medo em relação ao nada, ou, antes, o receio de perder a antiga vida costumeira e de romper com os velhos hábitos.

Parece humanamente impossível deixar de viver por alguma coisa e começar a viver. No Zen, essa é a fase denominada "A Grande Dúvida" que antecede ao satori. No entanto, de quando em quando — em especial na infância — experimentamos, de maneira bem espontânea e inesperada, momento em que o simples fato de viver representa uma bem-aventurança e nada mais desejamos. Nessas ocasiões, a descoberta realmente importante na vida do homem talvez seja a de que a forma mais elevada de Felicidade está à mão, mesmo para quem não possua ou não seja nada — ou exatamente por isso. Acredito que o japonês seja a única língua que possui um termo para a experiência desse estado de existência, a palavra "wabi", provavelmente a palavra mais refinada de todas as línguas. Talvez, ainda, encontremo-la no poemeto a propósito do mestre do Zen Pang Chü-shih, do século IX, que, por nada possuir, vivia continuamente no Vazio:

O velho Pang de nada precisa no mundo:
Tudo com ele é vazio, mesmo a cadeira que não possui,
O Vazio absoluto reina em seu lar;
E que lar vazio, sem tesouros!
Ao nascer do sol, caminha pelo Vazio,
Ao pôr-do-sol, adormece no Vazio;
Sentado no Vazio, entoa seus cantos vazios,
E suas vazias palavras retumbam no Vazio.*

(*) D. T. Suzuki, Essays in Zen Buddhism, Vol. 2, p. 297; Lon-
dres, Luzac, 1927, 1933, 1934, reeditado por Rider, 1949, 1950, 1951.

Robert Powell  - Zen e Realidade

sábado, 22 de março de 2014

Compreensão do Vazio e do seu Impacto sobre a Nossa Vida




Talvez o caminho mais fácil para a compreensão do Vazio seja olhar diretamente para a natureza essencialmente vazia das nossas atividades e motivações, a partir de um ponto de vista fundamental — em resumo, através de uma autoconfrontação duramente honesta.
O VAZIO QUE SOMOS

Na minha opinião, uma das coisas mais difíceis de fazer — mais difícil do que dominar qualquer disciplina intelectual, por complexa que seja — é despojar nossa vida de toda superfluidade, e examinar, para viver com ela, a integral conscientização daquilo que restar. Poucos são os que permitiram enfrentar essa realidade, porque despojar-se de todo, psicologicamente, acarreta penoso reconhecimento da natureza e motivações básicas das pessoas. Enfrentar ISSO, que é como ser virado pelo avesso, ou leva um homem ao desespero e, possivelmente, ao suicídio, ou o conduz diretamente para o esclarecimento, o que consideramos como nada mais nada menos do que viver simplesmente como um ser humano, sem qualquer simulação, sem qualquer importância auto-reconhecida, sem quaisquer impulsos psicológicos que se dirijam para além do aqui e do agora.

Quem quer que um dia se tenha empenhado em tal autoconfrontação, saberá, imediatamente, de que estamos falando. Por outro lado, a pessoa que ainda não chegou a tal exercício pode considerar útil explorar, não a confrontação em si — que para ela seria, inevitavelmente, por ouvir dizer, uma experiência de segunda mão — mas o que a leva a hesitar diante dela. Esta última indagação, a esta altura, pode fazer-se a única possível, e chegaria, mesmo, a levar diretamente a uma experiência de encarar o caráter básico da pessoa, o reconhecimento da substância primitiva do seu próprio ser.

É o fato de tudo isso ser extremamente penoso que leva o homem a desistir de fazer o reconhecimento honesto de sua situação total e prosseguir com o confronto. A angústia não está apenas em ver como somos falsos, banais, feios, depois que todas as máscaras de embelezamento que usamos são retiradas. Ela alcança muito mais profundamente, vai ao próprio âmago do nosso ser, quando compreendemos o "artificialismo" da vida que levamos — e, com essa palavra, não estamos apenas nos referindo a um amor excessivo pelas coisas fabricadas, perda de contato com as coisas da terra, ou com a nossa acomodação a uma forma de vida cada vez mais mecanizada e automatizada. Essas coisas, por si mesmas, estariam longe de ser tão más quanto as fazemos, se apresentadas dentro da estrutura de uma perspectiva psicológica fundamentalmente sadia. O que queremos dizer, porém, é quando alguém possui uma visão compreensiva do "mim" e, assim, apreende sua essência, algo se impõe com muita força. É que nosso ser, nosso próprio pensamento, é orientado como causa-efeito numa escala extraordinária. Isso cria um estado de expectativa que nega e sobrepõe-se, inevitavelmente, ao aqui-e-agora.

Psicologicamente, estamos nisso todo o tempo. Realizamos coisas para que certos efeitos sejam criados, ou trabalhamos por segurança maior, por maior aprovação social, ou para diminuir nosso senso de solidão, ou seja lá para o que possa ser. Estamos muito presos ao conceito do "a fim de que", por isso sempre "vivemos PARA", e jamais "vivemos", apenas. Há alguma coisa que fazemos, que pensamos, que não seja orientada para uma finalidade? (Talvez somente nas raras ocasiões em que o fazemos por amor e não estejam em jogo aquisições ou recompensas). Penso que esta é uma descrição justa de nossa ocupação essencial na vida. 

Chega, então, a dura descoberta de que, na realidade, não há, absolutamente, o "a fim de que", não há o "viver PARA", tais coisas não existindo na natureza — é apenas o intelecto a extrair dos fenômenos que observa algum tipo de explanação teológico, que, entretanto, permanece como invenção humana. Com isso vem a compreensão da completa vacuidade das nossas ocupações. Não seria tão mau se apenas ALGUNS, ou uns poucos dos nossos esforços se revelassem vãos. Seria uma situação com a qual conseguiríamos tratar, porque a percepção representaria apenas um outro desafio: deslocar nossas atividades para novas áreas de interesse que oferecessem, pelo menos, uma porção módica de incentivo. Ser, porém, confrontados com o vazio de TUDO que estamos fazendo, pensando, almejando, é mais do que aquilo que podemos suportar. Não deixa, absolutamente, possibilidade de fugir ao nada, porque mesmo as fugas perderam agora o seu atrativo e são vistas como tão inúteis quanto as coisas das quais nos queremos afastar. Subitamente, parece inteiramente claro que estivemos perdendo nosso tempo, empenhados como estávamos em atividades sem significação; ainda assim, o que temos pela frente é menos claro. Se não vamos continuar com as mesmas coisas — e depois do que foi tão claramente visto, não poderemos, de fato, fazer isso — que diferença faz viver ou morrer? Qual é, afinal, o sentido da nossa existência? Ainda há nela algum intuito? Afinal, para nós, que sempre consideramos ser o "esforço", o "trabalhar para" alguma coisa, sinônimo de "viver", a autoconfrontação fornece rápida visão de completa derrota. Mergulhados como ficamos nessa coisa chamada, provisoriamente, o "nada", ficamos, no momento, dado o choque, paralisados quanto ao nosso funcionamento, de hábito orientado para um objetivo.

Antes usávamos, prudentemente, o termos "artificialidade" quando nos empenhávamos em descrever nossa forma de viver, e agora ver por que o fizemos: a Realidade nada sabe de fins, objetivos, conceitos e esforços dos seres humanos. O conceito integral de sociedade, com sua luta pelo poder entre as nações, as classes, os indivíduos e a hierarquia social levando às perenes tentativas para "subir", tanto social como materialmente, são apenas invenções humanas. Ou talvez fosse mais exato dizer que são o produto de um tipo caracteristicamente diabólico da mente humana. Quando considerada como uma espécie de jogo, no qual o jogador mais ágil ganha um troféu, tal manobra, dentro de regras societárias, pode não afetar a mente de forma duradoura. Quando tomada seriamente, entretanto, torna-se uma armadilha — desperdício de tempo e de energia. Podemos dizer, por exemplo, que o prazer obtido pelos homens em assegurar seu poder sobre seus semelhantes, em "ganhar a competição", e assim por diante, é totalmente irreal. Na verdade, não passa de um solavanco que a mente recebe através de sua própria perversão natural, baseada na suposição de que o homem é alguma coisa que não é. ( E, é preciso notar, essa perversão se revela, ao mesmo tempo, uma faceta da estrutura social existente). Assim, a experiência é, realmente, uma espécie de masturbação psicológica, infinitamente mais nociva, porém, do que a fisiológica.

Ou, para usar outro exemplo: eu sou, psicologicamente, e de forma completa, dependente de outra pessoa, e, subitamente, essa pessoa morre ou se afasta de mim, e eu fico sem nada. Sinto-me abandonado, obliterado, compreendo, com um choque, que toda a minha existência fora completamente irreal, que me vinha embalando da maneira mais insidiosa, e que a realidade não dá provimento às minhas necessidades e dependências psicológicas particulares. Por que fiz isso — arrimar-me em outra pessoa ou identificar-me com ela? Porque, desde o princípio, havia algo em minha situação pessoal que era, ao mesmo tempo, doloroso e assustador de contemplar. Não sendo capaz de enfrentar essa situação, considerei que, incorporado a uma outra pessoa, menos responsável me fazia, menos vulnerável, menos introspectivo, mais seguro. Mas, como era previsível, "aquilo" me atingiu. 

Deixe-me dar apenas um último exemplo da nossa vida no irreal. A morte é real e nós a aceitamos sem demasiada emoção enquanto acontece com os que estão fora do círculo próximo da nossa família e amigos. O pensamento da nossa própria morte, entretanto, é a perplexidade, e a maioria das pessoas sente-se incapaz de encarar esse fato inevitável com serenidade. Parece-me que essa atitude, como fuga da realidade, pode ser comparada à do homem que descobre que sua noiva, ou sua namorada, já não é virgem. Ele não é o primeiro, e sofre por isso. Entretanto, diante do fato de que, inevitavelmente, há que haver um primeiro, isso importa?  Mulheres que perdem sua virgindade de maneira considerada prematura, e tantos homens como mulheres morrendo — de maneira quase sempre considerada prematura — são os átomos da realidade, que aceitamos no universal, e diante dos quais recuamos, no particular.

Tratamos dessa questão com certo pormenor, para tornar claro que nossas vidas são de fato artificiais, baseadas em muitas suposições não escritas e não discutidas, de natureza social e cultural arbitrária, e que qualquer tipo de artificialismo, implicando separação da realidade, significa um conflito, portanto, sofrimento. Isso se dá porque cedo ou tarde a bolha de pensamento confortador, que nos isola da realidade, estoura. A absorção, em nível subliminar, de todos os padrões de pensamento do mundo, é "condicionante". E ver através dos padrões de condicionamento é, na verdade, "aprender". Tal como estão as coisas, todos vivemos condicionados, mas há, literalmente, um mundo de diferença entre alguém que está inconsciente desse fato e a pessoa que sabe estar condicionada e convive com ele à luz da sua conscientização. 

Em resumo: pode ser dito que através das nossas atividades, através de hábitos de pensamento indelevelmente impressos — todos, afinal, resultantes do princípio prazer-dor como mola-mestra — estamos completamente desligados do que é real, e assim, da única coisa que pode ser considerada como valendo verdadeiramente a pena. E é esse fato, acima de tudo, o responsável pela nossa angústia.

Robert Powell — Como dar um sentido à vida interior   

quarta-feira, 12 de março de 2014

O homem está doente de tanto buscar - parte 2


"A busca só existe quando você está dormindo; só existe quando você não está atento; a busca só existe na sua desatenção. A desatenção cria a busca."

Você já perguntou a si mesmo o que está procurando? Já fez disso um ponto de profunda meditação, saber o que está procurando? Não. Mesmo que em alguns vagos momentos, em momentos de sonhos, você tem algum pressentimento do que está buscando, ele nunca é preciso, nunca é exato. Você ainda não o definiu. Se tentar definir, quanto mais definido se tornar, mais você sentirá que há necessidade de buscá-lo. A busca só pode continuar num estado de incerteza, num estado de sonho; quando as coisas não estão claras, você simplesmente continua buscando, empurrado por alguma urgência interna, puxado por alguma necessidade interior. Uma coisa você sabe: precisa buscar. Esta é uma necessidade interior. Mas você não sabe o que está buscando. 

E a menos que saiba o que está buscando, como poderá encontrar? É vago — você pensa que é dinheiro, poder, prestígio, respeitabilidade. Mas então vê as pessoas respeitáveis, poderosas, também procurando.  Vê as pessoas que são tremendamente ricas — elas também estão buscando. Até o fim de suas vidas, estão buscando. A riqueza então não vai adiantar, o poder não vai adiantar. A busca continua a despeito do que você tem. 

A busca tem que ser por alguma outra coisa. Esses nomes, esses rótulos — dinheiro, poder, prestígio — são só para satisfazer a sua mente. Só são para ajudá-lo a sentir que está buscando por alguma coisa. Essa coisa é indefinida, um sentimento muito vago. 

A primeira coisa para um buscador real, para o buscador que quer tornar-se um pouco alerta, atento, é definir a busca; formular o conceito claro do que ela é; trazê-la para fora da consciência sonhadora; encontrá-la num profundo estado de alerta; olhá-la diretamente; encará-la. Imediatamente começa a acontecer uma transformação. Se você começar a definir a sua busca, começará a perder o interesse por ela. Quanto mais definida ela se tornar, menos existirá. Quando o que ela é tornar-se claramente conhecido, ela desaparece subitamente. Só existe quando você não está atento. 

Deixe-me repetir: a busca só existe quando você está dormindo; só existe quando você não está atento; a busca só existe na sua desatenção. A desatenção cria a busca.[...]

Nossos sentidos são extrovertidos. Os olhos abrem-se para fora, as mãos movem-se, espalmam-se para fora, as pernas movem-se para fora, os ouvidos ouvem os barulhos, os sons exteriores. Tudo o que está disponível a você abre-se para o exterior; todos os cinco sentidos movem-se extrovertidamente. Você começa a buscar lá onde você vê, sente, toca — a luz dos sentidos incide no exterior. E o buscador está dentro. 

Esta dicotomia precisa ser entendida. O buscador está dentro, mas como a luz está fora, o buscador começa a mover-se de uma maneira ambiciosa, tentando encontrar alguma coisa fora que o satisfaça. 

Isso nunca irá acontecer. Nunca aconteceu. Não pode acontecer pela própria natureza das coisas — porque, a menos que você tenha buscado o buscador, toda a sua busca será insignificante. A menos que você venha a saber quem você é, tudo o que buscar será fútil, pois você não conhece aquele que busca. Sem conhecer o buscador, como poderá se mover na dimensão certa, na direção certa? É impossível. As primeiras coisas devem ser consideradas antes. 

Portanto, estas duas coisas são muito importantes: primeiro, deixe absolutamente claro para si mesmo qual é o seu objetivo. Não fique tateando na escuridão. Enfoque a sua atenção no objeto — o que você realmente está buscando. Porque às vezes você quer uma coisa e sai buscando alguma outra; assim, mesmo que seja bem-sucedido, não conseguirá ficar satisfeito. Você já viu as pessoas bem-sucedidas? Pode encontrar maiores fracassados em algum outro lugar? Você já ouviu o provérbio que nada é mais bem-sucedido do que o sucesso. Está absolutamente errado. Gostaria de lhe dizer: nada fracassa mais do que o sucesso. O provérbio deve ter sido inventado por pessoas estúpidas.[...]

Um homem bem sucedido é sempre atirado para si mesmo no final, e então sofre as torturas do inferno, porque desperdiçou toda a sua vida. Buscou e buscou, arriscou tudo o que tinha, obteve sucesso — e agora seu coração está vazio e sua alma insignificante, sem fragrância, sem bênção.

Portanto, a primeira coisa é saber exatamente o que você está buscando. Insisto nisso porque quanto mais você focar seus olhos no objeto da sua busca, mais ele começará a desaparecer. Quando seus olhos estão absolutamente fixos, subitamente não há nada a buscar; imediatamente seus olhos começam a voltar-se para você mesmo. Quando não há objeto de busca, quando todos os objetos desapareceram, há o vazio. E nesse vazio acontece a conversão, a volta. De repente, você começa a olhar para si mesmo. Não há nada a procurar e um novo desejo surge em conhecer o buscador. 

Se existe algo a ser buscado, você é um homem mundano; se não há nada a buscar, e a questão "Quem é este buscador?" tornou-se importante para você mesmo, então você é um homem religioso. É assim que defino o mundano do religioso. 

Se você ainda está buscando alguma coisa — talvez na outra vida, na outra margem, no céu, no paraíso, no moksha, não faz nenhuma diferença — você ainda é um homem mundano. Se toda a busca cessou e subitamente você percebeu que agora só há uma coisa para conhecer — "Quem é este buscador em mim? O que é esta energia que quer buscar? Quem sou eu?" —, há então uma transformação. De repente, todos os valores mudam. Você começa a mover-se para dentro.

O S H O

segunda-feira, 3 de março de 2014

Encare o fato e veja o que acontece

Todos nós tivemos experiências de tremenda solidão, onde livros, religião, tudo passou e ficamos tremendamente, interiormente sós, vazios. A maioria de nós não pode encarar esse vazio, essa solidão, e fugimos dela. A dependência é uma das coisas para onde corremos, dependemos porque nós não conseguimos ficar sós conosco mesmos. Temos que ter o rádio ou livros ou conversa, o tagarelar incessante sobre uma coisa ou outra, sobre arte e cultura. Assim nós chegamos nesse ponto em que sabemos que existe este extraordinário sentido de autoisolamento. Podemos ter um emprego muito bom, trabalhar furiosamente, escrever livros, mas interiormente há este tremendo vácuo. Queremos preencher isso e a dependência é um dos meios. Usamos dependência, diversão, trabalho na igreja, religiões, bebida, mulheres, uma dúzia de coisas para encher, encobrir isto. Se virmos que é absolutamente fútil tentar encobrir isto, completamente fútil, não verbalmente, não com convicção e, portanto, concordância e determinação, mas se virmos o total absurdo disto, então estamos frente a um fato. Não é uma questão de como se livrar da dependência; isso não é um fato; isso é apenas uma reação a um fato. Por que eu não encaro o fato e vejo o que acontece? Agora surge então o problema do observador e do observado. O observador diz, “Eu sou vazio; não gosto disso” e foge disto. O observador diz, “Eu sou diferente do vazio”. Mas o observador é o vazio; não é o vazio visto por um observador. O observador é o observado. Há uma tremenda revolução no pensar, no sentir, quando isso acontece.

J. Krishnamurti, The Book of Life

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Uma imensidão além de qualquer medida


O que acontece quando você perde alguém por morte? A reação imediata é uma sensação de paralisia, e quando você sai desse estado de choque, há o que chamamos sofrimento. Ora, o que essa palavra sofrimento significa? O companheirismo, as palavras felizes, os passeios, as muitas coisas agradáveis que vocês fizeram e esperavam fazer juntos – tudo isso é levado num segundo, e você é deixado vazio, nu, solitário. É a isso que você faz objeção, é contra isso que a mente se rebela: de repente ser deixado por sua própria conta, completamente só, vazio, sem nenhum apoio. Ora, o que importa é viver com esse vazio, apenas viver com isso sem qualquer reação, sem racionalizar, sem correr para médiuns, para a teoria da reencarnação e todas essas estúpidas tolices; viver com isto com todo o seu ser. E se você entrar nisto passo a passo, descobrirá que existe um fim para o sofrimento, um fim verdadeiro, não apenas um fim verbal, não o fim superficial que chega pela fuga, pela identificação com um conceito ou o compromisso com uma ideia. Então você descobrirá que não existe nada para proteger, porque a mente está completamente vazia e não está mais reagindo no sentido de tentar preencher esse vazio; e quando todo o sofrimento chegar ao fim, você terá iniciado outra viagem; uma viagem que não tem fim nem começo. Existe uma imensidão que está além de toda medida, mas você não pode entrar nesse mundo antes do fim total do sofrimento.

J. Krishnamurti, The Book of Life

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill