Não queremos ser livres, queremos
depender
Ontem
a tarde falamos do sofrimento e de acabar com ele. A eliminação do sofrimento
traz consigo paixão. Na realidade, pouquíssimos entendem ou se aprofundam na
questão do sofrimento. É possível terminar com ele? Esta tem sido uma pergunta
que todos os seres humanos têm se formulado, talvez, não totalmente
conscientes; mas no fundo querem descobrir, como nós, se é possível acabar com
o sofrimento, com a dor a tristeza humana. Porque, do contrário, não haverá
amor. Quando há sofrimento, se produz um tremendo choque no sistema nervoso,
como se fosse um golpe no físico e no psicológico. Geralmente, tratamos de
fugir do sofrimento através das drogas, do álcool, de algum tipo de religião.
Ou nos tornamos cínicos e aceitamos as coisas como inevitáveis.
Podemos
investigar profunda e seriamente esta questão? É possível não fugir do
sofrimento? Quem sabe meu filho morra e isso me produza um enorme sofrimento,
um choque, para descobrir na realidade me sinto muito só. Não posso afrontá-lo,
não posso tolerá-lo, e por isso fujo. Existem muitas formas de fuga: o mundano,
o religioso e o filosófico. A fuga é um desperdício de energia. Não se trata de
fugir de nenhum tipo de agonia, da dor de sentir-se só, da tristeza ou de um
choque, senão de permanecer completamente com o sucesso, com essa coisa que
chamamos “sofrimento”. Isso é possível? Podemos enfrentar qualquer problema e não
tratar de resolvê-lo, senão tentar olhá-lo como se segurássemos uma joia
preciosa, requintada? A beleza da joia é, em si mesma, muito atrativa, tão
agradável que não desviamos o olhar. Do mesmo modo, se podemos ficar com nosso
sofrimento, sem permitir nenhum movimento do pensamento ou fuga, então,
essa mesma ação de não se afastar do fato produz a completa libertação disso
que causa o sofrimento. O analisaremos mais adiante.
Também
devemos considerar o que é a beleza, visto que é muito importante, e não me
refio à beleza de uma pessoa ou às maravilhosas pinturas e estatuas dos museus,
nem aos esforços do homem antigo para expressar seus sentimentos nas pedras,
nas pinturas ou nos poemas. Devemos nos perguntar o que é a beleza. Pode ser
que ela seja a verdade, talvez seja o amor. Se não compreendermos a natureza e a
profundidade dessa extraordinária palavra, nunca seremos capazes de nos deparar
com aquilo que é sagrado. Devemos estudar atentamente a beleza.
Quando
se vê algo muito belo, como uma montanha nevada que contrasta com o céu azul, o
que ocorre na realidade? Quando vê algo muito vivo, belo, majestoso, por um
instante, por um segundo, a majestade e a imensidade da montanha faz com que
nos esqueçamos de todo interesse próprio, de todos os problemas. Nesse segundo
não há um “eu” que observa. A própria grandeza da montanha, por um segundo, nos
faz esquecer todas as preocupações. Estou certo que já perceberam isto. Já
observaram um menino com um brinquedo? Passa o dia inteiro fazendo travessuras,
coisa que é normal, e, ao dar-lhe um brinquedo, permanece durante uma hora em
perfeita calma, até que o quebra. O brinquedo interrompe suas travessuras, o
distrai. Similarmente, quando vemos algo muito belo, essa mesma beleza nos
absorve. Quer dizer, há beleza quando o “eu” não interfere, o próprio
interesse, nenhuma atividade do ego. Sem que nos absorva ou nos comova algo tão
belo como uma montanha ou um vale com profundas sombras, sem que nos distraia
uma montanha, é possível compreender a beleza sem que o “eu” interfira? Porque
quando há interferência do “eu”, deixa de haver a beleza; quando há interesse
próprio, não há amor. De modo que o amor e a beleza caminham juntos, não estão
separados.
Também
temos que falar da morte, que é uma das coisas que, como é evidente, todos
devemos enfrentar. Sejamos ricos ou pobres, a morte é algo seguro para todos os
seres humanos; todos morremos. Mas não somos capazes de compreender a natureza
da morte. Temos medo de morrer, e temos a esperança de que haja continuidade após
a morte. DE modo que vamos descobrir por nós mesmos o que é a morte, porque
deveremos enfrentá-la, sejamos jovens ou velhos. E para compreendê-la devemos
saber o que é viver, o que é nossa vida.
Estamos
desperdiçando nossas vidas? Com a palavra desperdiçar me refiro a dissipar
nossa energia de diferentes modos, por exemplo, em profissões especializadas.
Estamos desperdiçando toda nossa existência, nossas vidas? Se você for rico
pode ser que diga: “Sim, tenho acumulado muito dinheiro, e isso tem me
proporcionado muito prazer”. Ou se você tem um talento, é um perigo para uma
vida religiosa. O talento é um dom, uma faculdade, uma atitude numa direção concreta,
o que é uma especialização. Mas a especialização é um processo fragmentário.
Vocês devem se perguntar se estão desperdiçando suas vidas. Pode ser que você
seja rico, talvez tenha todo tipo de habilidades, ou quem sabe seja um
especialista, um grande cientista ou um homem de negócios, mas ao final de sua
vida, tem desperdiçado o tempo? Todas as dificuldades, os sofrimentos, as
tremendas ansiedades, a insegurança, as absurdas ilusões que o homem tem
colecionado, todos os seus deuses, seus santos, etc., supõem desperdício de
tempo? Pode ser que você tenha poder, posição, mas ao final, e daí? Essa é uma
pergunta que você deve se fazer, já que outra pessoa não pode responder por
você.
Temos
separado a vida e a morte. A morte é o final da vida. Situamos a morte o mais
longe possível, com um largo intervalo de tempo, mas morremos ao final desta
longa viagem. Agora, o que é que chamamos viver? Ganhar dinheiro, ir ao
escritório das nove às cinco, trabalhar duramente num laboratório, numa oficina
ou numa fábrica, com esse interminável conflito, medo, ansiedade, solidão,
desespero, depressão: isso é o que chamamos viver, a vida. Ainda que nos
apeguemos a isso, isso é viver? Nessa vida há dor, sofrimento, ansiedade,
conflito, todo tipo de enganos e de corrupção. Onde há interesse próprio há
corrupção. E a isso o chamamos viver. Sabemos isso, estamos familiarizados com
tudo isso, essa é a nossa existência diária. E temos medo de morrer, de saber;
tememos liberar tudo o que conhecemos, tudo o que temos experimentado e
acumulado: nossos maravilhosos móveis e nossa bela coleção de pinturas e
representações. E a morte chega e diz: “Não posso ter nenhuma destas coisas”.
Ainda
assim, continuamos apegados ao conhecido, temendo o desconhecido. Inventamos a
reencarnação, mas não estudamos o que é isso que encarna a próxima vida. O que
encarna na próxima vida é um conjunto de recordações, porque vivemos delas. Vivemos
com o conhecimento que temos adquirido ou herdado, somos esse conhecimento. O “eu”
é o conhecimento de experiências passadas, pensamentos, etc. O “eu” pode
inventar algo divino em si, mas segue sendo a atividade do pensamento, e o
pensamento é sempre limitado. Assim é como vivemos, a isso chamamos viver:
prazer e dor, castigo e recompensa. E a morte significa o final de tudo isso,
de todas as coisas que temos pensado, acumulado ou desfrutado. Sem dúvida,
estamos apegados a isso. Estamos muito unidos à nossas famílias, à todo
dinheiro acumulado, ao conhecimento, às crença e aos ideais com os quais
vivemos. E, nisso, a morte diz: “Meu amigo, acabou-se”.
Mas,
por que o cérebro tem separado a vida (viver com o conflito, etc.) da morte?
Por que se produziu essa divisão? Surge quando há apego? Quero descartar que
estamos compartilhando aquilo com o que o homem tem vivido durante milhões de
anos, quer dizer, a vida e a morte. Temos que examiná-lo juntos, e não resistir
nem dizer: “Sim, acredito na reencarnação, vivo com isso, para mim é muito
importante”. Se fosse assim, nossa conversa terminaria. De modo que devemos
estudar o que é viver, o que significa desperdiçar nossa vida, e o que é
morrer. Estamos apegados a muitas coisas: a um guru, ao conhecimento acumulado,
às recordações de nosso filho ou filha, etc. E vocês são estas recordações.
Todo seu cérebro está cheio de recordações, não só recordações de sucessos
recentes, senão também aqueles que permanecem latentes do tempo dos animais,
dos macacos. Somos parte destas recordações, e estamos apegados a toda esta
consciência. Isso é um fato.
E
a morte se apresenta e diz: “Chegou o fim de seu apego”. Tememos ser completamente
livres de tudo isto. A morte põe fim a tudo o que temos
conquistado. Podemos inventar e dizer: “Continuarei na próxima vida”. Mas, o
que vai acontecer a seguir? Entendem a minha pergunta? O que é esse desejo de
continuidade? Existe realmente a continuidade, se excluímos a conta bancária,
ir diariamente ao escritório, a rotina de adorar e a continuidade de nossas
crenças? O pensamento tem criado tudo isso. O “eu”, o ego, o mim e a pessoa são
um conjunto de antigas e modernas recordações. Vocês mesmos podem ver. Não
necessitam estudar livros nem filosofias que falem de tudo isso. Por si mesmos
podem ver, com clareza, que são um punhado de recordações. E a morte coloca fim
a tudo isso, e por isso temos medo.
Mas,
pode-se viver neste mundo moderno com a morte? Não falamos do suicídio ou, de
outro modo, você pode, enquanto vive, terminar com todo o apego, o qual é
morrer? Estou apegado à casa onde vivo, a comprei, paguei muito dinheiro por
ela; estou apegado à todo o mobiliário, aos quadros, à família, às recordações.
E chega a morte e arranca tudo isso. Portanto, posso viver minha vida diária
com a morte? Morrer significa terminar com tudo a cada dia, com os apegos. Mas
nós separamos a vida e a morte; por isso estamos sempre com medo. Mas quando unirem
a vida e a morte, viver é morrer, então descobrirão que há um estado do cérebro
no qual cessam tanto o conhecimento como as recordações. Contudo, requer-se
conhecimento para ler, para vir até aqui, para falar inglês, para gerenciar
contas, para ir pra casa, etc. Necessita-se do conhecimento, mas não como algo
que preenche a mente completamente.
Outro
dia conversamos com um técnico em informática. O computador tem sido programado
e pode armazenar memória. Também pode imprimir essa memória num papel, num
disco, e eliminá-la para que não haja nada, de forma que possa reprogramar-se
ou receber nossas instruções. Similarmente, pode o cérebro utilizar o
conhecimento quando é necessário, mas estar livre dele? Quer dizer, nosso
cérebro sempre está registrando. Você registra o que está dizendo agora, e esse
registro se converte em memória. Essa memória, esse registro, é necessário em
certa área, que é a física. Bem, agora, pode o cérebro estar livre, de maneira
que possa funcionar numa dimensão totalmente diferente? Ou, dito de outro modo,
cada dia, quando se deite, elimine tudo
o que tenha acumulado, morra ao finalizar o dia.
Uma
afirmação como essa, quer dizer, viver é morrer, não são duas coisas realmente
separadas. Há que se escutar essa afirmação não só com o ouvido, senão que há
que se fazê-lo com determinação. Escutem a verdade, sua realidade, e, por um
momento, observem sua simplicidade. Mais tarde, ele perde tudo isso, ainda está
apegado, já sabe tudo o mais. É possível que cada um de nós, ao final de cada
dia, morra para tudo que não é necessário, à cada recordação de uma ferida, às
crenças, à fé, à ansiedade, ao sofrimento? Se a cada dia findam com tudo, então
descobrirão que estão vivendo sempre com a morte, visto que isso é findar.
Também
se deve estudar a questão do findar. Nunca concluímos nada completamente. O
fazemos se obtemos algum benefício, alguma recompensa. Podemos, deforma
voluntária, terminar sem a suposição de que existe algo melhor num futuro?
Temos a possibilidade de viver dessa maneira no mundo moderno. Essa é a forma
holística de viver, na qual convivem o viver e o morrer.
Devemos
também falar do que é o amor. O amor é uma sensação? É desejo? É prazer? É algo
do pensamento? Ama a sua esposa, a seu esposo ou a seus filhos? O amor implica
ciúme? Não diga: “Não”, porque você é ciumento. O amor é medo,
ansiedade, dor, etc.? Então, o que é o amor? Você pode ser rico, ter poder,
posição, importância, toda essa forma hierárquica de ver a vida; contudo, sem
amor, sem essa qualidade, sem esse perfume, sem essa chama, você
é uma casca vazia. Se amasse seus filhos, haveria guerras? Se amasse
seus filhos, permitiria que se mutilassem nas guerras, que se matassem ou que o
fizessem a outros? Pode o amor existir se há ambição? É algo que se deve
enfrentar. Mas não o fazem, porque estão presos na rotina, na constante
repetição do sexo, etc. O amor não tem nada a ver com o prazer, com a sensação.
O amor não pertence ao pensamento. Portanto, não faz parte da estrutura do
cérebro, senão que está totalmente fora dele. Em sua própria natureza e estrutura,
o cérebro é um instrumento da sensação, da resposta nervosa, entre outras
coisas, mas o amor não pode existir onde há mera sensação. A memória não é
amor.
Assim
mesmo, devemos falar do que é uma vida religiosa e o que é religião, ainda que
se trate de um tema muito complexo. O ser humano sempre tem buscado, investigado,
ansiado por algo a mais que o físico, algo mais além da existência diária, da dor,
do sofrimento e do prazer. Sempre buscou algo mais além (primeiro nas nuvens,
nos trovões, como se fosse, a voz de Deus). Mais tarde adorou as árvores e as
pedras. Os primitivos ainda o fazem; nas aldeias afastadas destas horrorosas
cidades, continuam adorando às pedras, às árvores e às pequenas imagens. O ser
humano quer descobrir se existe algo sagrado. E então chega o sacerdote e diz: “Eu
assinalarei, lhe mostrarei o caminho”. Isso é o que fazem os gurus. Também há
os rituais dos sacerdotes ocidentais, essa constante repetição, e a adoração de
particulares imagens. E você também tem as suas imagens. Pode ser que não creia
em nada disso, e talvez diga: “Sou ateu, não creio em Deus, sou humanista”.
Contudo, o ser humano sempre quis encontrar algo mais além do tempo e de todo
pensamento.
Assim,
pois, vamos investigar, vamos exercitar nossos cérebros, nossa razão e nossa
lógica, para averiguar o que é a religião e o que é uma vida religiosa. É
possível uma vida religiosa neste mundo moderno? Isto não significa se tornar
monge ou unir-se a um grupo organizado de monges. Só seremos capazes de
descobrir o que é na realidade a vida religiosa quando compreendermos o que são
as religiões atuais, delas nos afastarmos e não pertencermos a nenhuma
religião organizada, a nenhum guru, e estarmos livres de qualquer autoridade
psicológica ou espiritual. Não existe nenhuma autoridade espiritual. Um dos
crimes que temos cometido tem sido inventar um mediador entre nós e a verdade.
Assim,
começa-se a investigar o que é a religião, e nesse próprio processo vive uma
vida religiosa. Tão só com o olhar, observar, falar, duvidar e questionar, sem
crença, nem fé, estamos vivendo uma vida religiosa. Vamos fazê-lo agora.
Parece
que perdemos toda razão, lógica e sanidade quando tratamos de assuntos
religiosos. De modo que devemos ser lógicos e racionais; devemos colocar em
dúvida, questionar. Todas aquelas coisas que o ser humano tem criado, como os
deuses, os salvadores e os gurus com suas teorias, não são religião; só se
trata de uns poucos assumindo autoridade. Ou são vocês quem lhes dão essa autoridade. Observaram que quando
há desordem social ou política aparece um ditador, um líder? Temos vários
exemplos recentes: Mussolini ou Hitler, esse homem louco. Se há desordem
política, religiosa ou em nossa própria vida, criamos uma autoridade. Somos responsáveis
por ela, e há pessoas que estão desejos de aceitá-la.
Vamos
analisar o que é religião. Quando existe o medo, inevitavelmente o ser humano
busca proteção, amparo, algo que lhe agregue uma sensação de segurança, de
completa certeza, porque, em essência, tem medo. A partir do medo ele inventa
os deuses. A partir desse medo inventa todos os rituais, todo esse circo em
nome da religião. Todos os templos deste país, todas as igrejas e mesquitas são
uma criação do pensamento. Vocês podem dizer que existe uma revelação, mas
nunca se questiona essa revelação; simplesmente a aceitam. E se você utiliza a
lógica e a razão, se percebe de que todas as supertições não são religião. Isso
é óbvio. Vocês podem se esquecer disso para descobrir qual é a natureza da
religião, dessa mente que tem a qualidade de viver religiosamente?
Podemos,
como
medrosos seres humanos que somos, não inventar, não criar ilusões, mas
sim enfrentar o medo? O medo pode desaparecer completamente se o enfrentamos,
se permanecemos com ele, se lhe prestamos atenção e não fugimos dele. É como
focar o medo com uma luz cintilante. Nesse momento o medo desaparece completamente.
E se não há medo, não há Deus, não há rituais; tudo se torna desnecessário e
absurdo; tudo é irreligioso. As coisas que o pensamento tem inventado são
irreligiosas, porque o pensamento não é mais do que um processo material
baseado na experiência, no conhecimento e na memória. O pensamento tem
inventando todo emaranhado, toda a estrutura das religiões organizadas que não têm
nenhum sentido. Vocês podem deixar tudo isso de lado, voluntariamente, sem
buscar nenhuma recompensa? Vocês o farão? Se o fazem, então, começam a se
perguntar o que é religião e se existe algo mais além de todo tempo e
pensamento.
Podem
se fazer essa pergunta, mas se o pensamento inventa algo mais além, então
seguirá sendo um processo material. Dissemos que o pensamento é um processo
material, porque as células cerebrais sustentam, nutrem o pensamento. O orador
não é um cientista, mas podem observá-lo por si mesmos, ao comprovar a
atividade de seu próprio cérebro, que é a atividade do pensamento. Se deixam de
lado tudo isto, sem resistência, então, inevitavelmente, se perguntarão: existe
algo mais além de todo tempo e espaço? Existe algo que nunca antes nenhum ser
humano tenha visto? Existe algo imensamente sagrado? Existe algo que o cérebro
nunca tenha tocado? O descobrirão se derem o primeiro passo, que consiste em
descartar todo esse lixo chamado “religião”, utilizando seu cérebro, sua
lógica, suas dúvidas, seu questionamento.
Agora,
o que é meditação? É uma parte do que chamamos religião. O que é meditação? É
fuga do ruído mundano? É ter a mente em silêncio, em calma, em paz? Praticam
sistemas para estar atentos, para controlar seus pensamentos. Sentam-se com as
pernas cruzadas e repetem algum mantra. Disseram-me que o significado
etimológico da palavra mantra é “refletir sobre não chegar
a ser”, ainda que também quer dizer “liberar, deixar de lado toda atividade
egocêntrica”. Mas nós seguimos com nosso interesse próprio, com nossas atitudes
egoístas, e dessa maneira o mantra perde seu significado. E, o que é meditação?
A meditação é um esforço consciente? Meditamos conscientemente, praticamos para
alcançar algo, para conquistar uma mente tranquila, uma sensação de quietude no
cérebro. Qual é a diferença entre um meditador e o homem que diz: “Quero
dinheiro, trabalharei para consegui-lo”? Ambos buscam uma conquista, não é
certo? Uma se chama conquista espiritual, e a outra, sucesso mundano. Mas ambas
estão na linha da consecução. Assim, para o orador, isso de modo algum é
meditação. Qualquer desejo ativo, consciente ou deliberado, não é meditação.
Você
deve se perguntar: existe uma meditação da qual não se seja produto do
pensamento? Existe uma meditação da qual não se é consciente? Qualquer processo
deliberado de meditação não é meditação; isso é óbvio. Vocês podem se sentar
com as pernas cruzadas o resto de suas vidas, meditar e controlar sua
respiração, mas nunca se aproximarão dessa outra coisa. Porque tudo isso é uma
ação deliberada para conseguir um resultado, é causa e efeito. Portanto, o
efeito se converte na causa, e ficam presos nesse círculo. Logo, existe uma
meditação que não seja obra do desejo, da vontade e do esforço? O orador diz
que existe. Não há porque nele acreditar. Ao contrário. Devem duvidar,
questionar do mesmo modo que o orador, duvidar, desfiar. Existe uma meditação
que não seja premeditada, organizada? Para sabê-lo devemos compreender que o
cérebro está condicionado, que é limitado. E esse cérebro trata de entender o
ilimitado, o imensurável, o eterno (se é que exista).
Para
isso, é importante compreender o som. O som e o silêncio caminham juntos. Vocês
não compreendem o som, a profundidade do mesmo, porque separam o som do
silêncio. O som é a palavra, o bater de seu coração. O Universo (no sentido de
toda a Terra, todo o céu, os milhões de estrelas, todo o firmamento) está cheio
de sons. É evidente. Não é necessário que os cientistas nos digam. E temos
convertido o som em algo intolerável. Queremos ter o cérebro em calma, em paz,
mas se escutamos um som, é o silêncio. O silêncio e o som não estão separados.
Assim,
a meditação não é algo premeditado, organizado, senão que começa no primeiro
passo, que é estar livre de todas as suas feridas psicológicas, de todo o medo
acumulado, das ansiedades, do sentimento, da solidão, do desespero e do
sofrimento. Essa é a base; esse é o primeiro e o último passo. Se você dá esse
primeiro passo, é o suficiente. Mas não estamos disposto a dá-lo, porque não
queremos ser livres. Queremos depender do poder, de outras pessoas, do meio
ambiente, de nossas experiências e conhecimentos. Sempre depender, depender, e
nunca estar livres de toda dependência, do medo. Assim, o cessar do sofrimento
é amor. Quando há amor, há compaixão. E essa compaixão tem sua própria
inteligência integral. E quando esta inteligência atua, sua ação é sempre a
verdade. Quando essa inteligência existe, não há conflito.
Vocês
escutaram o que temos dito a respeito do findar do medo, do sofrimento, da
beleza e do amor. Mas escutar é uma coisa e atuar é outra. Tem escutado tudo o
que é verdade, lógico, sensato e racional; contudo, não atuam de acordo com
tudo isso. Voltam para suas casas e voltam ao de sempre: às preocupações, aos
conflitos, às infelicidades. Por isso se pergunta: qual é o sentido de tudo
isso? Qual é o sentido de escutar ao orador e não vivê-lo? Escutar e não fazer
nada é desperdiçar a vida. Se escutam algo que é verdadeiro e não atuam, estão
desperdiçando sua vida. E a vida é demasiadamente valiosa. É a única coisa que
temos. Também temos perdido o contato com a natureza, o que significa perder o
contato com nós mesmos, porque somos parte dela. Não amam as árvores, aos
pássaros, aos rios e as montanhas. Destroem a Terra. Destroem-se uns aos
outros. Tudo isso implica em desperdiçar a vida. Quando você se percebe de tudo
isso, não de forma intelectual ou verbal, então vive uma vida religiosa.
Vestir-se de farrapos, perambular pedindo esmolas ou isolar-se num mosteiro não
é uma vida religiosa. A vida religiosa começa quando não há conflito, quando
existe esse amor. Nesse momento, pode amar aos demais, a sua esposa ou a seu
esposo, e esse amor se estende a todos os seres humanos e não se centra em uma
pessoa, porque não é restritivo.
Assim,
pois, se colocam todo seu coração, toda sua mente, todo seu cérebro, surge algo
que está mais além de qualquer tempo. Aí é onde reside essa bênção. Não está
nos templos, nas igrejas ou nas mesquitas, senão que se encontra onde você
está.
Krishnamurti, Bombaim, quarta palestra
pública
10 de fevereiro de 1985