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domingo, 1 de abril de 2018

Não queremos ser livres, queremos depender


Não queremos ser livres, queremos depender

Ontem a tarde falamos do sofrimento e de acabar com ele. A eliminação do sofrimento traz consigo paixão. Na realidade, pouquíssimos entendem ou se aprofundam na questão do sofrimento. É possível terminar com ele? Esta tem sido uma pergunta que todos os seres humanos têm se formulado, talvez, não totalmente conscientes; mas no fundo querem descobrir, como nós, se é possível acabar com o sofrimento, com a dor a tristeza humana. Porque, do contrário, não haverá amor. Quando há sofrimento, se produz um tremendo choque no sistema nervoso, como se fosse um golpe no físico e no psicológico. Geralmente, tratamos de fugir do sofrimento através das drogas, do álcool, de algum tipo de religião. Ou nos tornamos cínicos e aceitamos as coisas como inevitáveis.

Podemos investigar profunda e seriamente esta questão? É possível não fugir do sofrimento? Quem sabe meu filho morra e isso me produza um enorme sofrimento, um choque, para descobrir na realidade me sinto muito só. Não posso afrontá-lo, não posso tolerá-lo, e por isso fujo. Existem muitas formas de fuga: o mundano, o religioso e o filosófico. A fuga é um desperdício de energia. Não se trata de fugir de nenhum tipo de agonia, da dor de sentir-se só, da tristeza ou de um choque, senão de permanecer completamente com o sucesso, com essa coisa que chamamos “sofrimento”. Isso é possível? Podemos enfrentar qualquer problema e não tratar de resolvê-lo, senão tentar olhá-lo como se segurássemos uma joia preciosa, requintada? A beleza da joia é, em si mesma, muito atrativa, tão agradável que não desviamos o olhar. Do mesmo modo, se podemos ficar com nosso sofrimento, sem permitir nenhum movimento do pensamento ou fuga, então, essa mesma ação de não se afastar do fato produz a completa libertação disso que causa o sofrimento. O analisaremos mais adiante.

Também devemos considerar o que é a beleza, visto que é muito importante, e não me refio à beleza de uma pessoa ou às maravilhosas pinturas e estatuas dos museus, nem aos esforços do homem antigo para expressar seus sentimentos nas pedras, nas pinturas ou nos poemas. Devemos nos perguntar o que é a beleza. Pode ser que ela seja a verdade, talvez seja o amor. Se não compreendermos a natureza e a profundidade dessa extraordinária palavra, nunca seremos capazes de nos deparar com aquilo que é sagrado. Devemos estudar atentamente a beleza.

Quando se vê algo muito belo, como uma montanha nevada que contrasta com o céu azul, o que ocorre na realidade? Quando vê algo muito vivo, belo, majestoso, por um instante, por um segundo, a majestade e a imensidade da montanha faz com que nos esqueçamos de todo interesse próprio, de todos os problemas. Nesse segundo não há um “eu” que observa. A própria grandeza da montanha, por um segundo, nos faz esquecer todas as preocupações. Estou certo que já perceberam isto. Já observaram um menino com um brinquedo? Passa o dia inteiro fazendo travessuras, coisa que é normal, e, ao dar-lhe um brinquedo, permanece durante uma hora em perfeita calma, até que o quebra. O brinquedo interrompe suas travessuras, o distrai. Similarmente, quando vemos algo muito belo, essa mesma beleza nos absorve. Quer dizer, há beleza quando o “eu” não interfere, o próprio interesse, nenhuma atividade do ego. Sem que nos absorva ou nos comova algo tão belo como uma montanha ou um vale com profundas sombras, sem que nos distraia uma montanha, é possível compreender a beleza sem que o “eu” interfira? Porque quando há interferência do “eu”, deixa de haver a beleza; quando há interesse próprio, não há amor. De modo que o amor e a beleza caminham juntos, não estão separados.

Também temos que falar da morte, que é uma das coisas que, como é evidente, todos devemos enfrentar. Sejamos ricos ou pobres, a morte é algo seguro para todos os seres humanos; todos morremos. Mas não somos capazes de compreender a natureza da morte. Temos medo de morrer, e temos a esperança de que haja continuidade após a morte. DE modo que vamos descobrir por nós mesmos o que é a morte, porque deveremos enfrentá-la, sejamos jovens ou velhos. E para compreendê-la devemos saber o que é viver, o que é nossa vida.

Estamos desperdiçando nossas vidas? Com a palavra desperdiçar me refiro a dissipar nossa energia de diferentes modos, por exemplo, em profissões especializadas. Estamos desperdiçando toda nossa existência, nossas vidas? Se você for rico pode ser que diga: “Sim, tenho acumulado muito dinheiro, e isso tem me proporcionado muito prazer”. Ou se você tem um talento, é um perigo para uma vida religiosa. O talento é um dom, uma faculdade, uma atitude numa direção concreta, o que é uma especialização. Mas a especialização é um processo fragmentário. Vocês devem se perguntar se estão desperdiçando suas vidas. Pode ser que você seja rico, talvez tenha todo tipo de habilidades, ou quem sabe seja um especialista, um grande cientista ou um homem de negócios, mas ao final de sua vida, tem desperdiçado o tempo? Todas as dificuldades, os sofrimentos, as tremendas ansiedades, a insegurança, as absurdas ilusões que o homem tem colecionado, todos os seus deuses, seus santos, etc., supõem desperdício de tempo? Pode ser que você tenha poder, posição, mas ao final, e daí? Essa é uma pergunta que você deve se fazer, já que outra pessoa não pode responder por você.

Temos separado a vida e a morte. A morte é o final da vida. Situamos a morte o mais longe possível, com um largo intervalo de tempo, mas morremos ao final desta longa viagem. Agora, o que é que chamamos viver? Ganhar dinheiro, ir ao escritório das nove às cinco, trabalhar duramente num laboratório, numa oficina ou numa fábrica, com esse interminável conflito, medo, ansiedade, solidão, desespero, depressão: isso é o que chamamos viver, a vida. Ainda que nos apeguemos a isso, isso é viver? Nessa vida há dor, sofrimento, ansiedade, conflito, todo tipo de enganos e de corrupção. Onde há interesse próprio há corrupção. E a isso o chamamos viver. Sabemos isso, estamos familiarizados com tudo isso, essa é a nossa existência diária. E temos medo de morrer, de saber; tememos liberar tudo o que conhecemos, tudo o que temos experimentado e acumulado: nossos maravilhosos móveis e nossa bela coleção de pinturas e representações. E a morte chega e diz: “Não posso ter nenhuma destas coisas”.

Ainda assim, continuamos apegados ao conhecido, temendo o desconhecido. Inventamos a reencarnação, mas não estudamos o que é isso que encarna a próxima vida. O que encarna na próxima vida é um conjunto de recordações, porque vivemos delas. Vivemos com o conhecimento que temos adquirido ou herdado, somos esse conhecimento. O “eu” é o conhecimento de experiências passadas, pensamentos, etc. O “eu” pode inventar algo divino em si, mas segue sendo a atividade do pensamento, e o pensamento é sempre limitado. Assim é como vivemos, a isso chamamos viver: prazer e dor, castigo e recompensa. E a morte significa o final de tudo isso, de todas as coisas que temos pensado, acumulado ou desfrutado. Sem dúvida, estamos apegados a isso. Estamos muito unidos à nossas famílias, à todo dinheiro acumulado, ao conhecimento, às crença e aos ideais com os quais vivemos. E, nisso, a morte diz: “Meu amigo, acabou-se”.

Mas, por que o cérebro tem separado a vida (viver com o conflito, etc.) da morte? Por que se produziu essa divisão? Surge quando há apego? Quero descartar que estamos compartilhando aquilo com o que o homem tem vivido durante milhões de anos, quer dizer, a vida e a morte. Temos que examiná-lo juntos, e não resistir nem dizer: “Sim, acredito na reencarnação, vivo com isso, para mim é muito importante”. Se fosse assim, nossa conversa terminaria. De modo que devemos estudar o que é viver, o que significa desperdiçar nossa vida, e o que é morrer. Estamos apegados a muitas coisas: a um guru, ao conhecimento acumulado, às recordações de nosso filho ou filha, etc. E vocês são estas recordações. Todo seu cérebro está cheio de recordações, não só recordações de sucessos recentes, senão também aqueles que permanecem latentes do tempo dos animais, dos macacos. Somos parte destas recordações, e estamos apegados a toda esta consciência. Isso é um fato.

E a morte se apresenta e diz: “Chegou o fim de seu apego”. Tememos ser completamente livres de tudo isto. A morte põe fim a tudo o que temos conquistado. Podemos inventar e dizer: “Continuarei na próxima vida”. Mas, o que vai acontecer a seguir? Entendem a minha pergunta? O que é esse desejo de continuidade? Existe realmente a continuidade, se excluímos a conta bancária, ir diariamente ao escritório, a rotina de adorar e a continuidade de nossas crenças? O pensamento tem criado tudo isso. O “eu”, o ego, o mim e a pessoa são um conjunto de antigas e modernas recordações. Vocês mesmos podem ver. Não necessitam estudar livros nem filosofias que falem de tudo isso. Por si mesmos podem ver, com clareza, que são um punhado de recordações. E a morte coloca fim a tudo isso, e por isso temos medo.

Mas, pode-se viver neste mundo moderno com a morte? Não falamos do suicídio ou, de outro modo, você pode, enquanto vive, terminar com todo o apego, o qual é morrer? Estou apegado à casa onde vivo, a comprei, paguei muito dinheiro por ela; estou apegado à todo o mobiliário, aos quadros, à família, às recordações. E chega a morte e arranca tudo isso. Portanto, posso viver minha vida diária com a morte? Morrer significa terminar com tudo a cada dia, com os apegos. Mas nós separamos a vida e a morte; por isso estamos sempre com medo. Mas quando unirem a vida e a morte, viver é morrer, então descobrirão que há um estado do cérebro no qual cessam tanto o conhecimento como as recordações. Contudo, requer-se conhecimento para ler, para vir até aqui, para falar inglês, para gerenciar contas, para ir pra casa, etc. Necessita-se do conhecimento, mas não como algo que preenche a mente completamente.

Outro dia conversamos com um técnico em informática. O computador tem sido programado e pode armazenar memória. Também pode imprimir essa memória num papel, num disco, e eliminá-la para que não haja nada, de forma que possa reprogramar-se ou receber nossas instruções. Similarmente, pode o cérebro utilizar o conhecimento quando é necessário, mas estar livre dele? Quer dizer, nosso cérebro sempre está registrando. Você registra o que está dizendo agora, e esse registro se converte em memória. Essa memória, esse registro, é necessário em certa área, que é a física. Bem, agora, pode o cérebro estar livre, de maneira que possa funcionar numa dimensão totalmente diferente? Ou, dito de outro modo, cada dia, quando se deite, elimine tudo o que tenha acumulado, morra ao finalizar o dia.

Uma afirmação como essa, quer dizer, viver é morrer, não são duas coisas realmente separadas. Há que se escutar essa afirmação não só com o ouvido, senão que há que se fazê-lo com determinação. Escutem a verdade, sua realidade, e, por um momento, observem sua simplicidade. Mais tarde, ele perde tudo isso, ainda está apegado, já sabe tudo o mais. É possível que cada um de nós, ao final de cada dia, morra para tudo que não é necessário, à cada recordação de uma ferida, às crenças, à fé, à ansiedade, ao sofrimento? Se a cada dia findam com tudo, então descobrirão que estão vivendo sempre com a morte, visto que isso é findar.

Também se deve estudar a questão do findar. Nunca concluímos nada completamente. O fazemos se obtemos algum benefício, alguma recompensa. Podemos, deforma voluntária, terminar sem a suposição de que existe algo melhor num futuro? Temos a possibilidade de viver dessa maneira no mundo moderno. Essa é a forma holística de viver, na qual convivem o viver e o morrer.

Devemos também falar do que é o amor. O amor é uma sensação? É desejo? É prazer? É algo do pensamento? Ama a sua esposa, a seu esposo ou a seus filhos? O amor implica ciúme? Não diga: “Não”, porque você é ciumento. O amor é medo, ansiedade, dor, etc.? Então, o que é o amor? Você pode ser rico, ter poder, posição, importância, toda essa forma hierárquica de ver a vida; contudo, sem amor, sem essa qualidade, sem esse perfume, sem essa chama, você é uma casca vazia. Se amasse seus filhos, haveria guerras? Se amasse seus filhos, permitiria que se mutilassem nas guerras, que se matassem ou que o fizessem a outros? Pode o amor existir se há ambição? É algo que se deve enfrentar. Mas não o fazem, porque estão presos na rotina, na constante repetição do sexo, etc. O amor não tem nada a ver com o prazer, com a sensação. O amor não pertence ao pensamento. Portanto, não faz parte da estrutura do cérebro, senão que está totalmente fora dele. Em sua própria natureza e estrutura, o cérebro é um instrumento da sensação, da resposta nervosa, entre outras coisas, mas o amor não pode existir onde há mera sensação. A memória não é amor.

Assim mesmo, devemos falar do que é uma vida religiosa e o que é religião, ainda que se trate de um tema muito complexo. O ser humano sempre tem buscado, investigado, ansiado por algo a mais que o físico, algo mais além da existência diária, da dor, do sofrimento e do prazer. Sempre buscou algo mais além (primeiro nas nuvens, nos trovões, como se fosse, a voz de Deus). Mais tarde adorou as árvores e as pedras. Os primitivos ainda o fazem; nas aldeias afastadas destas horrorosas cidades, continuam adorando às pedras, às árvores e às pequenas imagens. O ser humano quer descobrir se existe algo sagrado. E então chega o sacerdote e diz: “Eu assinalarei, lhe mostrarei o caminho”. Isso é o que fazem os gurus. Também há os rituais dos sacerdotes ocidentais, essa constante repetição, e a adoração de particulares imagens. E você também tem as suas imagens. Pode ser que não creia em nada disso, e talvez diga: “Sou ateu, não creio em Deus, sou humanista”. Contudo, o ser humano sempre quis encontrar algo mais além do tempo e de todo pensamento.

Assim, pois, vamos investigar, vamos exercitar nossos cérebros, nossa razão e nossa lógica, para averiguar o que é a religião e o que é uma vida religiosa. É possível uma vida religiosa neste mundo moderno? Isto não significa se tornar monge ou unir-se a um grupo organizado de monges. Só seremos capazes de descobrir o que é na realidade a vida religiosa quando compreendermos o que são as religiões atuais, delas nos afastarmos e não pertencermos a nenhuma religião organizada, a nenhum guru, e estarmos livres de qualquer autoridade psicológica ou espiritual. Não existe nenhuma autoridade espiritual. Um dos crimes que temos cometido tem sido inventar um mediador entre nós e a verdade.

Assim, começa-se a investigar o que é a religião, e nesse próprio processo vive uma vida religiosa. Tão só com o olhar, observar, falar, duvidar e questionar, sem crença, nem fé, estamos vivendo uma vida religiosa. Vamos fazê-lo agora.

Parece que perdemos toda razão, lógica e sanidade quando tratamos de assuntos religiosos. De modo que devemos ser lógicos e racionais; devemos colocar em dúvida, questionar. Todas aquelas coisas que o ser humano tem criado, como os deuses, os salvadores e os gurus com suas teorias, não são religião; só se trata de uns poucos assumindo autoridade. Ou são vocês quem lhes dão essa autoridade. Observaram que quando há desordem social ou política aparece um ditador, um líder? Temos vários exemplos recentes: Mussolini ou Hitler, esse homem louco. Se há desordem política, religiosa ou em nossa própria vida, criamos uma autoridade. Somos responsáveis por ela, e há pessoas que estão desejos de aceitá-la.

Vamos analisar o que é religião. Quando existe o medo, inevitavelmente o ser humano busca proteção, amparo, algo que lhe agregue uma sensação de segurança, de completa certeza, porque, em essência, tem medo. A partir do medo ele inventa os deuses. A partir desse medo inventa todos os rituais, todo esse circo em nome da religião. Todos os templos deste país, todas as igrejas e mesquitas são uma criação do pensamento. Vocês podem dizer que existe uma revelação, mas nunca se questiona essa revelação; simplesmente a aceitam. E se você utiliza a lógica e a razão, se percebe de que todas as supertições não são religião. Isso é óbvio. Vocês podem se esquecer disso para descobrir qual é a natureza da religião, dessa mente que tem a qualidade de viver religiosamente?

Podemos, como medrosos seres humanos que somos, não inventar, não criar ilusões, mas sim enfrentar o medo? O medo pode desaparecer completamente se o enfrentamos, se permanecemos com ele, se lhe prestamos atenção e não fugimos dele. É como focar o medo com uma luz cintilante. Nesse momento o medo desaparece completamente. E se não há medo, não há Deus, não há rituais; tudo se torna desnecessário e absurdo; tudo é irreligioso. As coisas que o pensamento tem inventado são irreligiosas, porque o pensamento não é mais do que um processo material baseado na experiência, no conhecimento e na memória. O pensamento tem inventando todo emaranhado, toda a estrutura das religiões organizadas que não têm nenhum sentido. Vocês podem deixar tudo isso de lado, voluntariamente, sem buscar nenhuma recompensa? Vocês o farão? Se o fazem, então, começam a se perguntar o que é religião e se existe algo mais além de todo tempo e pensamento.

Podem se fazer essa pergunta, mas se o pensamento inventa algo mais além, então seguirá sendo um processo material. Dissemos que o pensamento é um processo material, porque as células cerebrais sustentam, nutrem o pensamento. O orador não é um cientista, mas podem observá-lo por si mesmos, ao comprovar a atividade de seu próprio cérebro, que é a atividade do pensamento. Se deixam de lado tudo isto, sem resistência, então, inevitavelmente, se perguntarão: existe algo mais além de todo tempo e espaço? Existe algo que nunca antes nenhum ser humano tenha visto? Existe algo imensamente sagrado? Existe algo que o cérebro nunca tenha tocado? O descobrirão se derem o primeiro passo, que consiste em descartar todo esse lixo chamado “religião”, utilizando seu cérebro, sua lógica, suas dúvidas, seu questionamento.

Agora, o que é meditação? É uma parte do que chamamos religião. O que é meditação? É fuga do ruído mundano? É ter a mente em silêncio, em calma, em paz? Praticam sistemas para estar atentos, para controlar seus pensamentos. Sentam-se com as pernas cruzadas e repetem algum mantra. Disseram-me que o significado etimológico da palavra mantra é “refletir sobre não chegar a ser”, ainda que também quer dizer “liberar, deixar de lado toda atividade egocêntrica”. Mas nós seguimos com nosso interesse próprio, com nossas atitudes egoístas, e dessa maneira o mantra perde seu significado. E, o que é meditação? A meditação é um esforço consciente? Meditamos conscientemente, praticamos para alcançar algo, para conquistar uma mente tranquila, uma sensação de quietude no cérebro. Qual é a diferença entre um meditador e o homem que diz: “Quero dinheiro, trabalharei para consegui-lo”? Ambos buscam uma conquista, não é certo? Uma se chama conquista espiritual, e a outra, sucesso mundano. Mas ambas estão na linha da consecução. Assim, para o orador, isso de modo algum é meditação. Qualquer desejo ativo, consciente ou deliberado, não é meditação.

Você deve se perguntar: existe uma meditação da qual não se seja produto do pensamento? Existe uma meditação da qual não se é consciente? Qualquer processo deliberado de meditação não é meditação; isso é óbvio. Vocês podem se sentar com as pernas cruzadas o resto de suas vidas, meditar e controlar sua respiração, mas nunca se aproximarão dessa outra coisa. Porque tudo isso é uma ação deliberada para conseguir um resultado, é causa e efeito. Portanto, o efeito se converte na causa, e ficam presos nesse círculo. Logo, existe uma meditação que não seja obra do desejo, da vontade e do esforço? O orador diz que existe. Não há porque nele acreditar. Ao contrário. Devem duvidar, questionar do mesmo modo que o orador, duvidar, desfiar. Existe uma meditação que não seja premeditada, organizada? Para sabê-lo devemos compreender que o cérebro está condicionado, que é limitado. E esse cérebro trata de entender o ilimitado, o imensurável, o eterno (se é que exista).

Para isso, é importante compreender o som. O som e o silêncio caminham juntos. Vocês não compreendem o som, a profundidade do mesmo, porque separam o som do silêncio. O som é a palavra, o bater de seu coração. O Universo (no sentido de toda a Terra, todo o céu, os milhões de estrelas, todo o firmamento) está cheio de sons. É evidente. Não é necessário que os cientistas nos digam. E temos convertido o som em algo intolerável. Queremos ter o cérebro em calma, em paz, mas se escutamos um som, é o silêncio. O silêncio e o som não estão separados.

Assim, a meditação não é algo premeditado, organizado, senão que começa no primeiro passo, que é estar livre de todas as suas feridas psicológicas, de todo o medo acumulado, das ansiedades, do sentimento, da solidão, do desespero e do sofrimento. Essa é a base; esse é o primeiro e o último passo. Se você dá esse primeiro passo, é o suficiente. Mas não estamos disposto a dá-lo, porque não queremos ser livres. Queremos depender do poder, de outras pessoas, do meio ambiente, de nossas experiências e conhecimentos. Sempre depender, depender, e nunca estar livres de toda dependência, do medo. Assim, o cessar do sofrimento é amor. Quando há amor, há compaixão. E essa compaixão tem sua própria inteligência integral. E quando esta inteligência atua, sua ação é sempre a verdade. Quando essa inteligência existe, não há conflito.

Vocês escutaram o que temos dito a respeito do findar do medo, do sofrimento, da beleza e do amor. Mas escutar é uma coisa e atuar é outra. Tem escutado tudo o que é verdade, lógico, sensato e racional; contudo, não atuam de acordo com tudo isso. Voltam para suas casas e voltam ao de sempre: às preocupações, aos conflitos, às infelicidades. Por isso se pergunta: qual é o sentido de tudo isso? Qual é o sentido de escutar ao orador e não vivê-lo? Escutar e não fazer nada é desperdiçar a vida. Se escutam algo que é verdadeiro e não atuam, estão desperdiçando sua vida. E a vida é demasiadamente valiosa. É a única coisa que temos. Também temos perdido o contato com a natureza, o que significa perder o contato com nós mesmos, porque somos parte dela. Não amam as árvores, aos pássaros, aos rios e as montanhas. Destroem a Terra. Destroem-se uns aos outros. Tudo isso implica em desperdiçar a vida. Quando você se percebe de tudo isso, não de forma intelectual ou verbal, então vive uma vida religiosa. Vestir-se de farrapos, perambular pedindo esmolas ou isolar-se num mosteiro não é uma vida religiosa. A vida religiosa começa quando não há conflito, quando existe esse amor. Nesse momento, pode amar aos demais, a sua esposa ou a seu esposo, e esse amor se estende a todos os seres humanos e não se centra em uma pessoa, porque não é restritivo.

Assim, pois, se colocam todo seu coração, toda sua mente, todo seu cérebro, surge algo que está mais além de qualquer tempo. Aí é onde reside essa bênção. Não está nos templos, nas igrejas ou nas mesquitas, senão que se encontra onde você está.
  
Krishnamurti, Bombaim, quarta palestra pública
10 de fevereiro de 1985

sábado, 4 de junho de 2016

Não sabemos o que é liberdade


NÃO EXISTE PRESENTEMENTE LIBERDADE; não sabemos o que isso significa. Gostaríamos de ser livres, mas, se observardes, notareis que todos — o mestre, os pais, o advogado, o militar, o policial, o negociante — cada um, em sua pequena esfera, está fazendo alguma coisa para impedir a liberdade. Ser livre não é, meramente, fazerdes o que vos apraz, ou fugirdes das circunstâncias externas que vos tolhem, mas, sim, compreender todo o problema da dependência. Sabeis o que é dependência? Dependeis de vossos pais, não é verdade? Dependeis de vossos mestres, dependeis do cozinheiro, do carteiro, do leiteiro etc. Esta espécie de dependência é facilmente compreensível. Mas existe uma qualidade de dependência muito mais profunda e que é necessário compreender, para se poder ser livre: o dependermos de outrem, para nossa própria felicidade. Sabeis o que significa depender de alguém para a própria felicidade? Não é a mera dependência física de outra pessoa o que tanto vos prende, porém a dependência interior, psicológica, da qual recebeis vossa suposta felicidade; porque, quando dependeis de alguém dessa maneira, tornais-vos um escravo. Se, quando ficardes mais velho, dependerdes emocionalmente de vossos pais, ou de vossa esposa ou marido, de um guru, ou de uma ideia, aí já estará em começo a escravidão. Não compreendemos isso e, no entanto, quase todos nós, principalmente os mais novos, desejamos ser livres.

Para sermos livres, temos de revoltar-nos contra toda dependência interior, e não podemos revoltar-nos se não compreendemos por que somos dependentes. Enquanto não compreendermos bem a dependência interior, e dela não nos libertarmos, nunca seremos livres, porquanto só nessa compreensão pode haver liberdade. Mas a liberdade não é mera reação. Sabeis o que é "reação”? Se digo alguma coisa que vos ofende, se vos chamo um nome feio e vos zangais comigo, isto é uma reação — reação proveniente da dependência; e a independência é outra reação. Mas, liberdade não é reação; e enquanto não compreendermos e ultrapassarmos a reação, nunca seremos livres.

Sabeis o que significa amar alguém? Sabeis o que significa amar uma árvore, uma ave, um animal de estimação, ao ponto de cuidarmos com desvelo do ser que amamos, nutri-lo, acarinhá-lo, embora ele nada nos dê em troca — embora a árvore não nos dê sombra, o animal não nos siga os passos e não dependa de nós? Os mais de nós não amamos dessa maneira; em verdade, não sabemos o que isso significa, porque nosso amor é sempre cercado de ansiedade, de ciúme, de medo — e isso implica que estamos dependendo de outrem, interiormente, que desejamos ser amados também. Não amamos simplesmente, sem nada mais desejarmos. Queremos retribuição; e isso justamente, nos torna dependentes.

Assim, pois, a liberdade e o amor andam juntos. O amor não é reação. Se vos amo porque me amais, isto é pura transação, uma compra no mercado. Amar é nada pedir em troca, não sentir, sequer, que se está dando alguma coisa; só esse amor pode conhecer a liberdade. Mas, vede, não sois educado para isso. Sois educado para saberdes Matemática, Química, Geografia, História. Aí termina vossa educação, porque o único empenho de vossos pais é ajudar-vos a obter um bom emprego e a ter exito na vida. Se tem dinheiro, talvez vos mandem ao estrangeiro; mas, como acontece no resto do mundo, seu objetivo único é ver-vos ricos e numa respeitável posição social; e, quanto mais alto subirdes, tanto mais sofrimentos causareis a outros, porque, para galgardes posições, tereis de competir, de ser cruéis. Por isso, os pais mandam os filhos para escolas onde se estimule a ambição, onde não haja amor; por isso, uma sociedade como a nossa está sempre em declínio, em luta constante, e, embora os políticos, os juízes, os "nobres da terra” falem de paz, isso nada significa.

Ora, vós e eu devemos compreender todo esse problema da liberdade. Devemos descobrir por nós mesmos o que significa amar; porque, se não amamos, não teremos consideração para com os outros, não seremos atenciosos. Sabeis o que significa ter consideração a outrem? Quando vedes uma pedra pontuda num caminho percorrido por muitos pés descalços, vós a retirais, não porque vos pedem que o façais, mas porque vos condoeis de outro, quem quer que seja e ainda que nunca o vejais na vida. Plantar uma árvore e cuidar dela, olhar o rio e fruir a prodigalidade da terra, observar uma ave no ar e a beleza de seu voo, ter sensibilidade e manter-se aberto a esse extraordinário movimento que se chama a vida — para tudo isso há necessidade de liberdade; e, para serdes livre, deveis amar. Sem amor, não há liberdade; sem amor, a liberdade é mera ideia, sem nenhum valor. Assim, só os que compreenderam a íntima dependência e dela se libertaram; que sabem, por conseguinte, o que é amor — só esses podem conhecer a liberdade; só eles poderão criar uma nova civilização, um mundo diferente.

Krishnamurti em, A cultura e o problema humano

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Liberte-se da dependência parental

Minha própria observação de milhares de sannyasins é que eles ainda estão lutando com seus pais, continuamente. O problema profundo deles é: seus pais lhes disseram para não fazerem algo — se eles o fizerem, sentem-se culpados; se eles não o fizerem, sentem que não são livres. De qualquer maneira, eles estão numa armadilha e ficam lutando. 

Uma pessoa se torna livre somente quando não está mais reagindo aos pais, quando essas vozes parentais desaparecem da consciência e não têm mais impacto desta ou daquela maneira e não criam reação contrária ou a favor. Você se torna uma pessoa madura quando é incapaz de ignorá-las e de ser indiferente a elas. 

As pessoas me perguntam: "Qual a definição de uma pessoa madura?" A pessoa que é livre de seus pais é uma pessoa madura. 

Jesus está certo quando diz a seus discípulos: "A menos que você odeie seus pais, você não será capaz de me seguir." Ora, um homem que prega o amor dizendo isso parece muito absurdo — mas ele está certo

Minha impressão é que a palavra "ódio" é uma má tradução do hebraico. Eu não conheço o hebraico, mas conheço Jesus. Por isso, digo que deve ser uma má tradução. Ele deve ter dito: "Seja indiferente, ignore, não se apegue mais." Ele deve ter usado algum termo que significa "seja desapegado" de seus pais, pois a palavra "ódio" não pode ser usada por muitas razões.

Uma coisa: se você odeia seus pais, você ainda não está desapegado, não está livre. Ódio significa que você é contra, assim eles ainda o controlarão de maneiras mais sutis: você continuará a fazer coisas que eles querem que você não  faça, pois você os odeia. Seus pais dizem: "não fume", e você continua a fumar, pois você os odeia. Esta é a maneira de você mostrar o seu ódio. Contudo, você está apegado, ainda está conectado. Você não foi capaz de se desconectar e ainda está acorrentado, ainda está segurando a saia de sua mãe; você ainda é infantil. 

Nem ame nem odeie — a voz parental precisa desaparecer. Você deve simplesmente observá-la desaparecer. 

Buda vai mais longe; ele diz: "A menos que você mate seus pais..." Ele não quer dizer que você deve matá-los em realidade, mas no fundo de seu ser você deve matá-los, abandoná-los, perdoar e esquecer. Não reaja à voz de seus pais dentro de você. 

(...) Observe dentro de você mesmo: o que você tem feito? Você ainda está lutando com seus pais, indo contra eles, fazendo algo que eles nunca quiseram que você fizesse, fazendo algo que os deixa com muita raiva? Você está brigando com seus sacerdotes e políticos? Então você permanecerá sob o poder deles.

O S H O 

terça-feira, 23 de setembro de 2014

O que acreditamos ser amor é só sensação de posse

Enquanto não começarmos a investigar esse processo a que chamamos mente, enquanto não nos familiarizarmos com nosso modo de pensar e o compreendermos, não poderemos descobrir o que é o amor. Não pode haver amor enquanto nossas mentes desejarem certas coisas do amor ou exigirem que ele atue de determinada forma. Quando imaginamos o que deve ser o amor e lhe damos certos motivos, criamos gradativamente um padrão de ação com relação ao amor; mas isso não é amor, é meramente nossa ideia do que deve ser amor. 

Digamos, por exemplo, que eu tenha minha esposa ou marido, como vocês tem um sari ou um casaco. Se alguém lhes tomar o casaco, vocês ficarão ansiosos, irritados, encolerizados. Por quê? Porque consideram esse casaco propriedade sua; vocês o possuem, e através de sua posse vocês se sentem enriquecidos, não é? Mediante a posse de muitas roupas vocês se sentem enriquecidos, não só fisicamente, mas também interiormente; e quando alguém lhes leva o casaco, vocês ficam irritados porque interiormente estão sendo privados daquela sensação de riqueza, daquela sensação de posse. 

Ora, a sensação de posse cria uma barreira com relação ao amor, não é mesmo? Se eu tenho alguém, se o possuo, será isso amor? Eu o possuo como quem possui um carro, um casaco, um sari, porque na posse de alguém, essa dependência emocional a outrem, é o que chamamos amor; mas se examinarem isto, verificarão que, por trás da palavra "amor", a mente está tendo satisfação na propriedade. Afinal, quando possuímos muitos saris bonitos, ou um belo carro, ou uma grande casa, a sensação de que isto tudo são coisas nossas nos dá interiormente grande satisfação. 

Por isso, ao desejar, a mente cria um padrão e fica presa nesse padrão; e então fica cansada, entorpecida, estúpida, alheada. A mente é o centro dessa sensação de posse, a sensação de "eu" e de "meu": "Eu possuo alguma coisa", "sou um grande homem", "sou um desprezível", "sou insultado", "sou lisonjeado", "sou esperto", "sou muito bonita", "quero ser alguém", "sou filho ou filha de alguém". Essa sensação de "eu"e de "meu" é o próprio centro da mente, é a própria mente. Quanto mais a mente tiver essa sensação de ser alguém, de ser grande ou muito esperta, ou muito estúpida, e assim por diante, tanto mais construirá paredes em torno de si mesma e se encerrará, entorpecendo-se. Então ela sofre, pois nesse encerramento inevitavelmente há dor. E, porque sofre, a mente diz: "O que devo fazer?" Mas em lugar de derrubar as paredes que a sufocam por meio da consciência, da reflexão cuidadosa, do exame detido e profundo da compreensão de todo o processo por meio do qual elas são edificadas, a mente luta para encontrar alguma coisa externa com que encerrar-se novamente. Assim, a mente se torna aos poucos uma barreira para o amor; e sem compreender o que é a mente, o que seja entender os processos de nosso próprio pensar, a fonte interna da ação, não poderemos descobrir o que é amor. 

(...) Não é a mente também um instrumento de comparação?(...) Enquanto a mente estiver comparando não haverá amor; e ela está sempre comparando, ponderando, julgando, não é mesmo? está sempre buscando encontrar fraquezas; logo, não há amor. Quando pai e mãe amam os filhos, eles não comparam um filho com outro. Mas vocês se comparam com alguém melhor, mais nobre, mais rico; estão sempre preocupados consigo mesmos em relação a alguma outra pessoa e, assim, criam em si próprios uma ausência de amor. Desse modo, a mente se torna cada vez mais comparadora, mais e mais possessiva, mais e mais dependente, estabelecendo assim um padrão em que se vê presa. Porque é incapaz de contemplar seja o que for como uma novidade, como uma coisa realmente nova, ela destrói o próprio perfume da vida, que é o amor.

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA

Por que nos sentimos tristes quando não podemos ter o que queremos?

Por que nos sentimos tristes quando não podemos ter o que queremos? Por que haveríamos necessariamente de ter o que desejamos? Acreditamos ser nosso direito, não é? mas já nos teremos perguntado porque haveríamos de possuir o que queremos, quando milhões não conseguem possuir sequer o que necessitam? E, de resto, por que o queremos? Há a nossa necessidade de alimento, roupa e abrigo; mas não estamos satisfeitos com isso. Queremos muito mais. Queremos sucesso, queremos ser respeitados, amados, considerados; queremos ser poderosos, queremos ser poetas famosos, santos famosos, oradores famosos, queremos ser primeiros-ministros, presidentes. Por quê? Já refletiram nisso? Por que desejamos todas essas coisas? Não que devamos ficar satisfeitos com o que somos. Não é isso que quero dizer. Isso seria horrível, seria tolo. Mas porque essa constante ânsia por mais, mais e mais? Essa ânsia indica que estamos insatisfeitos, descontentes; mas com quê? Com o que somos? Eu sou isto, não gosto do que sou, então quero ser aquilo. Penso que parecerei muito melhor num novo casaco ou num novo sari, então eu o desejo. Isso quer dizer que estou insatisfeito com aquilo que sou, e creio que posso escapar de meu descontentamento adquirindo mais roupas, mais poder, e assim por diante. Mas a insatisfação está aí, não está? Eu simplesmente a cobri de roupas, de poder, de carros. 

Por conseguinte, temos de descobrir como entender aquilo que somos. Simplesmente cobrimo-nos com posses, com poder e posição, não tem sentido, porquanto, ainda assim, seremos felizes. Vendo isso, a pessoa infeliz, a pessoa que está triste, não corre para gurus, não se esconde em suas posses, em seu poder; ao contrário, ela quer saber o que está atrás de sua tristeza. Se você for ao fundo de sua própria dor, verificará que você é muito pequeno, vazio, limitado, e que está lutando para adquirir, para vir a ser. Essa mesma luta para adquirir, para se tornar alguma coisa, é a causa do sofrimento. Mas se começar a compreender aquilo que você realmente é, e se se aprofundar cada vez mais nisso, verificará então que algo completamente diferente acontecerá.

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

É possível ser livre enquanto se é psicologicamente dependente?

Pergunta: O que é a sociedade?

Krishnamurti: O que é a sociedade? O que é a família? Examinemos, passo a passo, como a sociedade é criada, de que modo ela passa a existir. 

O que é a família? Quando você diz: "Esta é a minha família", o que quer dizer? Seu pai, sua mãe, seu irmão e sua irmã, a sensação de proximidade, o fato de que vocês estão vivendo juntos na mesma casa, a sensação de que seus pais irão protege-lo, a posse de certa propriedade, de jóias, de roupas — tudo isto é a base da família. Há outras famílias como a sua vivendo em outras casas, sentindo exatamente as mesmas coisas que você, tendo a sensação de "minha esposa", "meu marido", "meus filhos", "minha casa", "minhas roupas", "meu carro"; há muitas de tais famílias vivendo no mesmo pedaço de terra, e elas passam a ter a impressão de que não devem ser invadidas por outras famílias. Então, elas passam a fazer leis. As famílias poderosas guindam-se a posições elevadas, adquirem grandes propriedades, possuem mais dinheiro, mais roupas, mais carros; elas se unem e organizam leis, e dizem ao resto de nós o que fazer. Assim, gradativamente, passa a existir uma sociedade com leis, regulamentos, policiais, com um exército e uma marinha. Por fim, toda a Terra passa a ser povoada por sociedades de vários tipos. Então, as pessoas passam a ter ideias antagônicas e querem subverter os que estão estabelecidos em altas posições, os que detêm todos os meios de poder. Elas destroem essa sociedade específica e formam outra. 

A sociedade é o relacionamento entre as pessoas — o relacionamento entre uma pessoa e outra, entre uma família e outra, entre um grupo e outro, entre o indivíduo e o grupo. O relacionamento humano é a sociedade, o relacionamento entre eu e você. Se eu sou muito cobiçoso, muito astuto, se tenho grande poder e autoridade, vou empurrá-lo para fora; e você procurará fazer o mesmo comigo. Assim, fazemos leis. Mas vêm outros e anulam as nossas leis, estabelecendo outro conjunto de leis, e isto prossegue o tempo todo. Na sociedade, que é o relacionamento humano, há constante conflito. Esta é a base simples da sociedade, que se torna cada vez mais complexa à proporção que os próprios seres humanos se tornam mais e mais complexos em suas ideias, em seus desejos, em suas instituições e em suas indústrias. 

Pergunta: Podemos ser livres mesmo vivendo nesta sociedade?

Krishnamurti: Se dependo da sociedade para obter minha satisfação e meu conforto, por acaso posso ser livre? Se dependo de meu pai para ter afeto, dinheiro, para poder ter iniciativa de fazer coisas, ou se dependo, de alguma forma, de algum guru, não sou livre, não é? Então, será possível ser livre enquanto se é psicologicamente dependente? certamente, a liberdade só é possível quando tenho capacidade, iniciativa, quando me é dado pensar de forma independente, quando não tenho medo do que alguém diga, quando quero de fato encontrar a verdade e não sou ambicioso, invejoso, ciumento. Enquanto eu for invejoso, ambicioso, serei psicologicamente dependente da sociedade; e enquanto assim depender da sociedade não serei livre. Mas deixar se deixar de ser ambicioso, serei livre. (...)

Pergunta: Já que sempre estamos relacionados uns com os outros, não é certo que nunca poderemos ser absolutamente livres? 

Krishnamurti: Não compreendemos o que é relacionamento, relacionamento correto. Suponha que eu dependa de você para obter minha satisfação, para o meu conforto, para a minha sensação de segurança; como poderei ser livre? Mas se eu não dependo desse modo, ainda assim estou relacionado com você, não é mesmo? Dependo de você para obter algum tipo de conforto emocional, físico ou intelectual; portanto, não sou livre. Apego-me aos meus pais porque quero alguma espécie de segurança, o que quer dizer que meu relacionamento com eles é de dependência, e está baseado no medo. Como então posso ter algum relacionamento livre? Só há liberdade no relacionamento quando não há medo. Portanto, para ter um relacionamento correto, preciso começar libertando-me dessa dependência psicológica que gera medo. 

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA

Onde há dependência, há medo e não amor

Já observaram como nascem as ideias e como a mente se apega a elas? Você tem uma ideia de alguma coisa bela que viu quando saiu para dar um passeio, e sua mente volta àquela ideia, àquela lembrança. Você lê um livro e encontra uma ideia em que se apegar. Então precisa ver como surgem as ideias e como elas se tornam um meio de obter conforto e segurança interior, algo a que a mente se apegue. 

Já refletiu sobre essa questão das ideias? Se você tem uma ideia e eu tenho uma ideia, e cada um de nós acha que sua própria ideia é melhor que a do outro, nós discutimos, não é? Tento convencê-lo, e você tenta me convencer. O mundo todo está edificado sobre ideias e sobre o conflito que existe entre elas; e se analisar o problema, você verá que o simples fato de apegar-se a uma ideia não tem sentido. Mas já observou como seu pai, sua mãe, seus professores, seus tios e tias, todos se apegam ferrenhamente ao que pensam?

Ora, como surge uma ideia? Como passa alguém a ter uma ideia? Quando você tem a ideia de sair para um passeio, por exemplo, como essa ideia aparece? É muito interessante descobrir isto. Se observar, verá como uma ideia desse tipo toma o corpo e como a sua mente se apega a ela, pondo de lado tudo o mais. A ideia de sair para dar um passeio é uma reação a uma sensação, não é? Você já saiu para passear antes e isso deixou uma sensação agradável; você quer fazer  o mesmo de novo; assim a ideia é criada e posta em ação. Quando você vê um belo carro, há uma sensação, não há? A sensação provem precisamente de olhar o carro. A sua simples vista cria a sensação. Da sensação nasce a ideia: "eu quero aquele carro, é meu carro" — e a ideia então se torna muito dominante. 

Buscamos segurança nas posses e nas relações exteriores, bem como, interiormente, nas ideias e nas crenças. Eu acredito em Deus, em rituais; eu creio que deva me casar de certo modo; creio em reencarnação, em vida após a morte; e assim por diante. Todas essas crenças são criadas por meus desejos, por meus preconceitos, e eu me apego a elas. Tenho seguranças externas, fora da minha pele, por assim dizer; e também tenho seguranças internas; removas-as ou conteste-as, e ficarei com medo; eu o empurrarei para o lado, e lutarei com você se você ameaçar minha segurança. 

Ora, existirá isso de segurança? Compreende? Nós temos ideias acerca de segurança. Podemos nos sentir seguros com nossos pais ou num dado emprego. Nosso modo de pensar, nosso modo de viver, nosso modo de encarar as coisas — com tudo isto podemos estar satisfeitos. A maioria de nós fica muito feliz de poder cercar-se de ideias seguras. Mas poderemos jamais estar seguros, por mais salvaguardas exteriores e interiores que tenhamos? Externamente, nosso banco pode falir amanhã, nosso pai ou mãe pode morrer, pode acontecer uma revolução. Mas haverá alguma segurança nas ideias? Gostamos de pensar que estamos seguros em nossas ideias, em nossas crenças, em nossos preconceitos; mas estaremos? Tudo isto são paredes irreais; são meras concepções nossas, meras sensações. Gostamos de crer que existe um Deus que está velando por nós, ou que renasceremos mais ricos, mais nobres do que agora. Pode ser que isso aconteça, ou pode ser que não aconteça. Então podemos ver por nós mesmos, se examinarmos as seguranças exteriores e interiores, que na vida não há absolutamente segurança alguma.

Se vocês perguntarem aos refugiados do Paquistão ou do leste da Europa, eles certamente lhes dirão que não existe segurança exterior. Mas eles acham que existe segurança interior e apegam-se nessa ideia. Vocês podem perder a sua segurança externa, mas ficarão, então, muito mais ansiosos por construir a segurança internamente, e não querem deixá-la desaparecer, o que implica maior medo. 

Se amanhã, ou no prazo de alguns anos, seus pais lhe disserem com quem querem que vocês se casem, vocês ficarão com medo? Claro que não, porque vocês são criados para fazer exatamente o que lhes é determinado; vocês são educados por seus pais, pelo guru, pelo sacerdote, a pensar de acordo com certos princípios, a agir de certa maneira, a sustentar suas crenças. Mas se lhe pedissem para decidir por si mesmos, não ficariam completamente atrapalhados? Se seus pais lhes dissessem que se casassem com quem bem entendessem, vocês teriam um calafrio, não teriam? Tendo sido sempre condicionados pela tradição, pelo medo, vocês não querem que lhes seja permitido decidir por si mesmos. Ficar só é perigoso, e vocês não querem nunca ser deixados sós. Não querem nunca tomar uma decisão por conta própria. Nunca desejam ir passear sozinhos. Todos querem estar fazendo alguma coisa como formigas ativas. Têm medo de resolver qualquer problema, de enfrentar qualquer exigência da vida; e, estando amedrontados, fazem coisas caóticas e absurdas. Como um homem com uma tigela de mendigo, vocês aceitam sem refletir o que quer que se lhes ofereça. 

Vendo todas essas coisas, uma pessoa realmente reflexiva passa a libertar-se de todo tipo de segurança, interior e exterior. Isso é extremamente difícil, porquanto significa que você está só — só, no sentido de que não é dependente. No momento em que você depende, há medo; e quando há medo, não há amor. Quando você ama, você não está só. A sensação de solidão só aparece quando você tem medo de ficar só e de não saber o que fazer. Quando se é controlado por ideias, isolado por crenças, o medo é inevitável; e quando você tem medo, está completamente cego. 

Assim, os professores e pais, conjuntamente, têm de resolver este problema do medo. Mas, infelizmente, seus pais temem o que vocês poderão fazer se não se casarem, ou se não conseguirem um emprego. Eles temem que vocês se desencaminhem na vida ou o que os outros digam, e, por causa desse medo, eles querem levá-los a fazer determinadas coisas. O medo deles está revestido do que chamam amor. Eles querem cuidar de vocês, portanto vocês precisam fazer fazer isto ou aquilo. Mas se vocês forem além da parede da chamada afeição ou consideração deles, verificarão que há medo gerado pela segurança de vocês, por sua respeitabilidade; e vocês também têm medo, porque têm dependido dos outros por muito tempo. 

Eis porque é muito importante que vocês, desde cedo, comecem a contestar e a derrubar essas sensações de medo, de modo a não serem isolados por elas e a não se fecharem em ideias, tradições e hábitos, para que sejam seres humanos livres, dotados de vitalidade criativa.

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA

sábado, 30 de agosto de 2014

O amor permite liberdade

O amor permite que qualquer coisa que o outro queira fazer, ele possa fazer. Tudo o que ele quiser - se o deixa em êxtase, a escolha é dele.

Se você ama a pessoa, então você não interfere na privacidade dela. Você deixa intocada a privacidade da pessoa.

Você não tenta invadir seu ser interior.

A exigência básica do amor é "Eu aceito a outra pessoa como ela é" e o amor nunca tenta mudar a pessoa em função da própria ideia que se tem do outro. Você não tenta cortar a pessoa aqui e ali e deixá-la do tamanho certo - o que tem sido feito em todos os lugares no mundo inteiro...

Se você ama, não existem condições. Se você ama, então impor condições não é o caso. Você o ama como ele é. Se você não o ama então também não há problema. Ele não é ninguém para você; impor condições não é o caso. Ele pode fazer tudo que quiser fazer.

Se o ciúme desaparece e o amor permanece, então você tem algo sólido em sua vida, o qual vale a pena possuir.

Quando você está compartilhando seu contentamento, você não cria uma prisão para ninguém, você simplesmente dá. Você nem mesmo espera gratidão ou agradecimento, porque você está dando não para conseguir alguma coisa, nem mesmo gratidão. Você está dando porque está tão repleto ... você precisa dar.
Assim, se alguém está grato, é você quem esta grato à pessoa que ACEITOU seu amor, que aceitou seu PRESENTE. Ela o aliviou, permitiu a você que a banhasse. E quanto mais você compartilha e mais você dá MAIS VOCÊ TEM.

Então isso não o torna um avarento, não cria um novo medo, o de que "eu posso perder isso". Na realidade, quanto mais você o perde, mais águas frescas fluem, vindas de nascentes sobre as quais você não estava consciente anteriormente.

Se a existência toda é una e se a existência toma conta das árvores, dos animais, das montanhas, dos oceanos - desde a menor folhinha de grama até a maior estrela - então ela também toma conta de você.

Porque ser possessivo? A possessividade mostra simplesmente uma coisa - que você não consegue confiar na existência. Você tem que conseguir uma segurança pessoal separada, uma proteção pessoal separada. Você não pode confiar na existência. A não possessividade é basicamente confiança na existência.

Não há necessidade de possuir, porque o todo já é nosso.

Abandone a ideia de que o apego e o amor são uma coisa só. Eles são inimigos. É o apego que destrói o amor.

Se você limita, se você nutre o apego, o amor será destruído, se você alimenta e nutre o amor, o apego desaparecerá por si mesmo.

O amor e o apego não são um; são duas entidades separadas e antagônicas entre si.

E lembre-se sempre da regra básica da vida: se você idolatra alguém, um dia você se vingará.

Você tem que estar alerta para não ser manipulado por ninguém, não importa quão boas sejam as intenções da pessoa.

Você tem de salvar a si mesmo de tantas pessoas "bem intencionadas", benfeitoras, que constantemente o aconselham a ser isso e a ser aquilo. Ouça-as e agradeça. Elas não querem fazer nenhum mal - mas mal é o que acontece. Simplesmente ouça a seu próprio coração. Esse é o seu único professor.

As pessoas o têm julgado e você aceitou a ideia dela sem um exame minucioso. Você está sofrendo todos os tipos de julgamentos das pessoas e está jogando esses julgamentos em outras pessoas. Esse jogo alcançou proporções incríveis e toda a humanidade está sofrendo isso.

Se você quer sair desse estado, a primeira coisa é: não julgue a si mesmo. Aceite humildemente sua imperfeição, seus fracassos, seus erros, suas fraquezas.

Não há necessidade de fingir o contrário, seja simplesmente você mesmo: É assim que eu sou - cheio de medo. Não consigo sair na noite escura, não consigo ir na floresta densa. O que há de errado nisso? É simplesmente humano.

Quando você aceita, você é capaz de aceitar os outros, porque você terá um insight claro de que eles estão sofrendo da mesma doença. E aceitando-os, você irá ajudá-los a aceitar a si mesmos.

Podemos reverter todo o processo: você se aceita e isso o torna capaz de aceitar os outros. E porque alguém os aceita, eles aprendem a beleza da aceitação pela primeira vez - QUANTA PAZ SE SENTE - e eles começam a aceitar os outros.

Dar amor é a linda e verdadeira experiência, porque com ela você é um mestre de si mesmo. Receber amor é uma experiência muito pequena, é a experiência de um mendigo.

Não seja um mendigo, pelo menos tratando-se de amor, seja um imperador, porque o amor é uma qualidade inesgotável em você. Você pode dar tanto quanto quiser. Não tenha preocupação que ele esgotará. O amor não é uma quantidade, mas uma qualidade e qualidade de um certa categoria que cresce ao se dar e morre se você a segura. Seja realmente esbanjador!!

Não se importe para quem. Esta é na verdade a ideia de uma mente mesquinha: Eu darei amor a determinadas pessoas que tenham determinadas qualidades ... Você não entende que tem em abundância, que é uma nuvem de chuva. A nuvem de chuva não se importa onde chove - nas pedras, nos jardins, nos oceanos - não importa. Ela quer descarregar-se e essa descarga é um tremendo alívio.

Assim o primeiro segredo é: não peça amor. Não espere, pensando que você dará se alguém lhe pedir - Dê!!

Tudo passa, mas você permanece - você é a realidade.

OSHO

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Diálogo sobre a dependência de Guias

Pergunta: Não devemos pôr em dúvida a vossa experiência e vossas palavras? Embora condenem certas religiões a dúvida, por considerá-la como algemas, não é a dúvida, como haveis dito, um ungüento precioso, uma necessidade?

Krishnamurti: Não é importante descobrir-se por que surge a dúvida? Qual é a causa da dúvida? Não surge ela quando seguimos a outrem? O problema não é, pois, a dúvida, porém a causa da aceitação de autoridade. Porque aceitamos, porque seguimos autoridades?

Seguimos a autoridade de outro, a experiência de outro, e depois duvidamos dela. Esse desejo de autoridade e a sua conseqüência, a desilusão, constitui um processo penoso para a maioria de nós. Censuramos ou criticamos a autoridade, o guia, o mestre que uma vez aceitamos, mas não examinamos o nosso próprio anseio por uma autoridade que nos guie e conforte. Uma vez compreendido esse anseio, compreenderemos também o significado da dúvida.

Não existe em nós uma tendência profundamente arraigada a procurarmos um guia, a aceitarmos uma autoridade? De onde procede esse impulso? Não procede de nossa própria incerteza, de nossa própria incapacidade de conhecer sempre o que é verdadeiro? Necessitamos de outrem que desenhe para nós o mapa que nos guiará pelo mar do autoconhecimento; desejamos segurança, desejamos um refúgio seguro e seguimos, por isso, a qualquer que nos queira dirigir. A incerteza e o temor levam-nos a procurar quem nos guie, obrigando-nos à obediência e à veneração da autoridade; a tradição e a educação criam para nós muitos padrões de obediência. Se por vezes não aceitamos nem obedecemos aos símbolos da autoridade exterior, é porque criamos nossa própria autoridade interior, a voz sutil do nosso “ego”. Mas, pela obediência não se pode conhecer a liberdade. A liberdade chega-nos com a compreensão, não pela aceitação de autoridade, não pela imitação.

O desejo de expansão pessoal gera a obediência e a aceitação, as quais, por sua vez, dão azo à dúvida. Consentimos e obedecemos, por que desejamos expandir o nosso “ego”, com o que renunciamos ao pensar. A aceitação priva-nos do pensar e impele-nos à dúvida. A experiência, principalmente a chamada experiência religiosa, oferece-nos um grande deleite e tomamo-la por guia, por norma. Mas, quando essa experiência já nos não sustenta nem inspira, começamos a duvidar dela. Só se manifesta dúvida a respeito de algo que admitimos anteriormente. Mas não achais absurdo, irrefletido, aceitar o que outrem sentiu? Vós é que deveis pensar e sentir, plena e profunda mente, vós é que deveis estar acessíveis ao Real. Não podeis estar abertos se vos pondes sob o manto da autoridade, seja de outrem seja daquela que vós mesmos criastes. Muito mais importante é o compreender o desejo de autoridade, de guia, do que aprovar ou desaprovar a dúvida. Compreendido o nosso desejo de orientação, desaparece a dúvida. Não há lugar para a dúvida no “estado criador”.

Está sempre em conflito quem se apega ao passado, à memória. A dúvida não faz terminar o conflito; só depois de compreender-se o anseio pode haver a felicidade suprema do Real. Cuidado com o homem que afirma saber.

Pergunta: Como sois tão contra a autoridade, existem sinais inequívocos, pelos quais se possa reconhecer, objetivamente, a libertação de outro indivíduo, independentemente da afirmação pessoal do próprio indivíduo de a haver conseguido?

Krishnamurti: Temos aqui, mais uma vez, o problema da aceitação de autoridade, de outro modo enunciado. Não o achais? Suponha-se que um indivíduo afirme ter-se libertado, que importância tem isso para outro? Suponhamos que estejais livres do sofrimento, que importância tem isso para outro? O que importa é procurar o indivíduo libertar-se da ignorância, porquanto é a ignorância a causa do sofrimento. Assim, pois, o principal não é saber quem conseguiu a libertação, porém saber libertar o pensamento das cadeias do “ego”, origem de seus sofrimentos. A maioria de nós não se interessa por esse ponto essencial, mas somente pelos sinais exteriores pelos quais seja possível reconhecer-se aquele que se libertou, a fim de que ele venha curar os nossos males. Desejamos ganho, em vez de compreensão; nosso desejo de orientação, de conforto, faz-nos aceitar a autoridade e por essa razão vivemos sempre à procura de especialistas. Sois vós a causa de vosso sofrimento e somente vós o podeis compreender e transcender; ninguém pode libertar-vos da ignorância, senão vós mesmos.

Não importa saber-se quem conseguiu a libertação; o que importa é que estejais cônscios de vossas atitudes e da maneira como acolheis o que se vos diz. Costumamos ouvir as palavras de outrem com esperança e temor; buscamos a luz de outro, porém não nos pomos vigilantemente passivos para compreender. Se o indivíduo libertado parece satisfazer os nossos desejos, nós o aceitamos; se não, prosseguimos em busca de outro que os satisfaça. O que deseja a maioria de nós é a satisfação, em diferentes planos. O que releva não é reconhecer-se o individuo liberto, porém compreenderdes a vós mesmo. Autoridade alguma, nem agora, nem nunca, pode dar-vos o autoconhecimento; sem autoconhecimento não há libertação da ignorância e do sofrimento.

Sois o criador do sofrimento, porque sois o criador da ignorância e da autoridade; vós criais o guia, e depois o seguis. Vosso anseio molda o padrão de vossa vida religiosa e mundana. É essencial, portanto, que compreendais a vós mesmo e transformeis, assim, a maneira de viverdes. Procurai perceber a razão por que seguis a outrem, a razão por que procurais a autoridade, por que ansiais por uma orientação de vossa conduta; procurai perceber o funcionamento do anseio. A mente-coração insensibilizou-se, em virtude do temor e da satisfação derivados da autoridade, mas, com a percepção profunda do pensamento-sentimento, vem-nos o tonificante alento da vida. Pela vigilância não seletiva, chegareis a compreender o processo integral do vosso ser; pela vigilância passiva alcançareis o esclarecimento.

Krishnamurti
Conferências com perguntas e respostas realizadas nos anos de 1945 e 1946, em Ojai, Califórnia, Estados Unidos da América. Do livro: O Egoísmo e o Problema da Paz – Ed. ICK - 1946

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

O amor se torna apego porque não existe nenhum amor


Perguntaram a Osho:
Você disse que o amor pode nos tornar livres. Mas comumente nós vemos que o amor se torna apego, e ao invés de nos libertar ele nos torna mais amarrados. Assim, diga-nos alguma coisa sobre apego e liberdade.


O amor se torna apego, porque não existe nenhum amor. Você estava apenas num jogo, enganando a si mesmo. O apego é a realidade; o amor era apenas um prelúdio. Assim, sempre que você se apaixona, mais cedo ou mais tarde, você descobre que você se tornou um instrumento - e, então, toda a miséria começa. Qual é o mecanismo? Por que isso acontece?


Há alguns dias, um homem veio a mim e ele estava se sentindo muito culpado. Ele disse: “Eu amei uma mulher, eu a amei muito. No dia em que ela morreu, eu estava chorando e pranteando, mas de repente eu me tornei consciente de uma certa liberdade dentro de mim, como se alguma carga tivesse me deixado. Eu senti um profundo alívio, como se tivesse me tornado livre”.

Naquele momento, ele se tornou consciente de uma segunda camada de seu sentimento. Externamente ele estava chorando e pranteando e dizendo: “Eu não posso viver sem ela. Agora será impossível, ou a vida será apenas como a morte. Mas bem fundo” - ele disse - “eu me tomei consciente de que estou me sentindo muito bem, que agora eu estou livre”.

Uma terceira camada começou a sentir culpa. Ela lhe dizia: “O que você está fazendo”? E um corpo morto estava deitado ali, bem à sua frente, ele me contou, e ele começou a sentir uma enorme culpa. Ele me disse: “Ajude-me. O que está acontecendo à minha mente? Eu a traí tão cedo”?

Nada aconteceu; ninguém foi traído. Quando o amor se torna apego, ele se torna uma carga, uma escravidão. Mas por que o amor se torna um apego? A primeira coisa a ser entendida é que se o amor se torna um apego, você estava apenas em uma ilusão de que aquilo era amor. Você estava apenas brincando consigo mesmo e pensando que aquilo era amor. Na verdade, você estava necessitado de apego. E se você for ainda mais fundo, descobrirá que você estava também necessitando de se tornar um escravo.

Há um medo sutil da liberdade e todo mundo quer ser um escravo. Todo mundo, naturalmente, fala sobre liberdade, mas ninguém tem a coragem de ser realmente livre, porque quando você é realmente livre, você está só. Se você tem coragem de estar só, somente então, você pode ser livre.

Mas ninguém é corajoso o suficiente para estar só. Você precisa de alguém. Por que você precisa de alguém? Você tem medo de sua própria solidão. Você se torna entediado consigo mesmo. E na verdade, quando você está sozinho, nada parece significativo. Com alguém, você fica ocupado e você cria significados artificiais à sua volta.

Você não pode viver para si mesmo; assim, você começa a viver para outra pessoa. E também é o mesmo caso com a outra pessoa: ele ou ela não pode viver sozinho; assim, ele está na busca para encontrar alguém. Duas pessoas que estão com medo de suas próprias solidões, reúnem-se e começam um jogo - um jogo de amor. Mas, bem no fundo, elas estão buscando apego, compromisso, escravidão.

Assim, mais cedo ou mais tarde, tudo o que você deseja acontece. Essa é uma das coisas mais lamentáveis no mundo. Tudo o que você deseja chega a acontecer. Você a terá mais cedo ou mais tarde e o prelúdio desaparecerá. Quando a sua função for cumprida, ele desaparecerá. Quando você se tornou uma esposa ou um marido, escravos um do outro, quando o casamento aconteceu, o amor desaparece, porque o amor era apenas uma ilusão na qual duas pessoas poderiam se tornar escravas uma da outra.

Diretamente você não pode pedir por escravidão; é muito humilhante. E diretamente você não pode dizer para alguém: “Torne-se meu escravo”. - ...ele irá se revoltar. Nem você pode dizer: “Quero me tornar um seu escravo”; assim, você diz: “Eu não posso viver sem você”. Mas o significado está presente; é o mesmo. E quando isso - o desejo real - é preenchido, o amor desaparece. Então, você sente servidão, escravidão e, então, você começa a lutar para se tornar livre.

Lembre-se disso. Este é um dos paradoxos da mente: tudo o que você conseguir, você irá se aborrecer com aquilo, e tudo o que você não conseguir, você ansiará profundamente. Quando você está sozinho, você ansiará por alguma escravidão, alguma servidão. Quando você está em uma servidão, você começará a desejar liberdade. Na verdade, somente escravos desejam liberdade, e pessoas livres tentam novamente ser escravas. A mente continua como um pêndulo, movendo-se de um extremo ao outro.

O amor não se torna apego. O apego era a necessidade; o amor era apenas uma isca. Você estava a procura de um peixe chamado apego; o amor era apenas uma isca para pegar o peixe. Quando o peixe é apanhado, a isca é jogada fora. Lembre-se disso e, sempre que você estiver fazendo alguma coisa, vá fundo dentro de si mesmo para encontrar a causa básica.

Se existir amor real, ele nunca se tornará apego. Qual é o mecanismo para o amor se tornar apego? No momento em que você diz para seu amante ou amada “eu só amo você”, você começou a possuir. E no momento em que você possui alguém, você o insultou profundamente, porque você o tornou uma coisa.

Quando eu o possuo, você não é uma pessoa então, mas apenas um item a mais dentre a minha mobília - uma coisa. Então, eu o uso e você é minha coisa, minha posse; assim, eu não permitirei que ninguém mais o use. Isso é uma barganha na qual eu sou possuído por você e você faz de mim uma coisa. Isso é uma barganha, que “agora” ninguém mais pode usá-lo. Ambos os parceiros se sentem atados e escravizados. Eu o tomo um escravo, então, você, em troca, faz de mim um escravo.

Então a luta começa. Eu quero ser uma pessoa livre e, ainda assim, eu quero que você seja possuído por mim; você quer manter a sua liberdade e, ainda assim, me possuir — esta é a luta. Se eu o possuo, eu serei possuído por você. Se eu não quero ser possuído por você, eu não deveria possuí-lo.

A posse não deveria entrar no meio. Nós devemos permanecer indivíduos e devemos nos mover como consciências independentes e livres. Nós podemos ficar juntos, nós podemos nos fundir um no outro, mas sem posse. Então, não há servidão e, então, não há apego.

O apego é uma das coisas mais feias. E quando eu digo “mais feia”, eu não quero dizer apenas religiosamente, eu quero dizer também esteticamente. Quando você está apegado, você perdeu a sua solidão, a sua solitude: você perdeu tudo. Apenas para se sentir bem - porque alguém precisa de você e alguém está com você - você perdeu tudo, perdeu a si mesmo.

Mas a armadilha é que você tenta ser independente e você torna o outro a posse - e o outro está fazendo a mesma coisa. Assim, não possua se você não quer ser possuído.

Jesus disse em algum lugar: “Não julgue para não ser julgado”. É a mesma coisa: “Não possua para não ser possuído”. Não faça de ninguém um escravo; do contrário você se tornará um escravo.

Os assim chamados mestres são sempre servos de seus próprios servos. Você não pode se tornar um mestre de alguém sem se tornar um servo - isso é impossível.

Você só pode ser um mestre quando ninguém é um servo para você. Isso parece paradoxal, porque quando eu digo que você só pode se tornar um mestre quando ninguém é um servo para você, você dirá: “Então o que é o mestrado? Como eu sou um mestre quando ninguém é um servo para mim”? Mas eu digo que somente então, você é um mestre. Então, ninguém é um servo para você e ninguém tentará torná-lo um servo.

Amar a liberdade, tentar ser livre, significa basicamente que você chegou a uma profunda compreensão de si mesmo. Agora, você sabe que você é suficiente para si mesmo. Você pode compartilhar com os outros, mas você não é dependente. Eu posso compartilhar a mim mesmo com alguém. Eu posso compartilhar o meu amor, eu posso compartilhar minha felicidade, eu posso compartilhar minha alegria, meu silêncio com alguém. Mas isso é um compartilhar, não uma dependência. Se não houver ninguém, eu estarei igualmente feliz, igualmente alegre. Se alguém está presente, isso também é bom e eu posso compartilhar.

Quando você perceber sua consciência interior, seu centro, somente então, o amor não se tornará um apego. Se você não conhecer seu centro interior, o amor se tornará um apego. Se você conhecer o seu centro interior, o amor se tornará uma devoção. Mas você deve primeiro estar presente para amar, e você não está.

Buda estava passando por um vilarejo. Um jovem veio até a ele e disse: “Ensine-me algo: como eu posso servir aos outros”?

Buda riu para ele e disse: “Primeiramente, seja. Esqueça os outros. Primeiramente, seja você mesmo e, então, todas as coisas se seguirão”.

Exatamente agora você não é. Quando você diz “quando eu amo alguém isso se torna um apego”, você está dizendo que você não é; assim, tudo o que você faz dá errado, porque o fazedor está ausente. O ponto interior de consciência não está presente; assim, tudo o que você faz, dá errado. Primeiro seja e, então, você pode compartilhar seu ser. E esse compartilhar será amor. Antes disso, tudo o que você fizer se tornará um apego.

E, por último: se você está lutando contra o apego, você tomou uma direção errada. Você pode lutar. Assim, muitos monges - reclusos, saniássins - estão fazendo isso. Eles sentem que estão apegados às suas casas, às suas propriedades, às suas esposas, aos seus filhos e eles se sentem engaiolados, aprisionados.

Eles fogem, deixam suas casas, deixam as suas esposas, deixam seus filhos e posses e eles se tornam mendigos e escapam para a floresta, para a solidão. Mas vá lá e observe-os. Eles se tornaram apegados aos seus novos arredores.

Eu estive visitando um amigo que estava em uma vida reclusa embaixo de uma árvore em uma floresta densa, mas havia outros ascetas também. Um dia, aconteceu de eu estar com esse recluso embaixo de sua árvore e um novo buscador ter vindo enquanto meu amigo estava ausente. Ele tinha ido ao rio tomar um banho. Embaixo de sua árvore o novo saniássin começou a meditar.

O homem voltou do rio e empurrou o novato da árvore, e disse: “Esta é minha árvore. Vá e encontre outra, em algum outro lugar. Ninguém pode se sentar sob a minha árvore”. E esse homem tinha deixado a sua casa, a sua esposa, os seus filhos. Agora a árvore se tornou uma posse - você não pode meditar embaixo da árvore dele.

Você não pode escapar tão facilmente do apego. Ele tomará novas formas, novos contornos. Você será enganado, mas ele estará presente. Assim, não lute com o apego, apenas tente entender por que ele existe. E, então, conheça a causa profunda: devido a você não ser, esse apego existe.

Dentro de você, o seu próprio ser está tão ausente, que você tenta se apegar a qualquer coisa a fim de se sentir a salvo. Você não está enraizado; assim, você tenta fazer de qualquer coisa às suas raízes. Quando você está enraizado em seu ser, quando você sabe quem você é, o que é esse ser que está dentro de você e o que é essa consciência que está em você, então, você não se apegará a ninguém.

Isso não significa que você não amará. Na verdade, somente então, você pode amar, porque então o compartilhar é possível - e sem nenhuma condição, sem nenhuma expectativa. Você simplesmente compartilha, porque você tem uma abundância, porque você tem tanto que está transbordando.


Esse transbordamento de si mesmo é amor. E quando esse transbordamento se torna uma enchente, quando, por seu próprio transbordamento, o universo inteiro é preenchido e seu amor toca as estrelas, em seu amor a terra se sente bem e em seu amor todo o universo é banhado; então, isso é devoção.



Osho, em "O Livro dos Segredos"

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Por que razão a mente se deteriora?

Numa destas manhãs, vi quando um morto era levado para ser cremado. Envolto em vistoso pano cor de vermelho purpúreo, o corpo oscilava ao ritmo dos quatro mortais que o transportavam. Que espécie de impressão lhe causa um corpo morto? Você não desejaria saber por que há deterioração? Você compra um motor novo em folha e, passados poucos anos, está completamente gasto. O corpo também se gasta; mas, você não desejaria investigar um pouco mais além, para descobrir porque razão a mente se deteriora? Mais cedo ou mais tarde ocorrerá a morte do corpo, mas a maioria de nós já tem a mente morta, já se verificou a deterioração; por que a mente se deteriora? O corpo se deteriora porque o mantemos em uso constante, e o organismo se gasta. Doença, acidente, velhice, má alimentação, deficiências hereditárias — tais são os fatores responsáveis pela deterioração e morte do corpo. Mas, por que deve a mente deteriorar-se, envelhecer, tornar-se pesada, embotada?

Ao ver um corpo morto, isso não lhe dá o que pensar? Embora nosso corpo deva morrer, por que deve a mente deteriorar-se? Nunca lhe ocorreu esta pergunta? Pois a mente, com efeito, se deteriora; vemos isso acontecer não só com as pessoas idosas, mas também com as pessoas jovens. Vemos como, nos jovens, a mente já está se tornando embotada, pesada, insensível; e, se pudermos descobrir por que razão a mente deteriora, então talvez descubramos algo verdadeiramente indestrutível. Talvez compreendamos, então, o que é a vida eterna, a vida que não tem fim, que não está no tempo, a vida que é incorruptível, que não degenera como o corpo que se transporta para o cais à beira do rio, onde é cremado e suas cinzas lançadas ao rio.

Mas, por que a mente se deteriora? Você já refletiu a esse respeito? Como você ainda é muito jovem — e se a sociedade, ou seus pais, ou as circunstâncias ainda não lhe tornaram embotado — você possui uma mente nova, ardorosa, curiosa. Você deseja saber por que existem as estrelas, por que morrem os pássaros, por que caem as folhas, como voa o avião a jato; muitas coisas você deseja saber. Mas, esse impulso vital para investigar, descobrir, é depressa sufocado, não é verdade? Sufocado pelo medo, pelo peso da tradição, por sua própria incapacidade para enfrentar essa coisa extraordinária que se chama a vida. Você já não notou quão rapidamente é destruído o seu ardor, através de uma palavra áspera, um gesto depreciativo, pelo medo de um exame, a ameaça de um pai — significando isso que a sua sensibilidade já está sendo destruída e sua mente se tornando embotada?

Outro caso de embotamento é a imitação. Pela tradição, você é obrigado a imitar. O peso do passado lhe força a se ajustar, a estabelecer uma linha de conduta e, com esse ajustamento, a mente se sente protegida, em segurança; você se instala numa rotina bem “lubrificada”, para que possa deslizar suavemente, livre de perturbações, sem o mais ligeiro estremecimento de dúvida. Observe os adultos que lhe rodeiam e verá que a mente deles não quer ser perturbada. Eles querem paz, ainda que seja a paz da morte; mas a verdadeira paz é coisa muito diferente.

Você já notou que, quando a mente se fixa numa rotina, num padrão, sempre o faz inspirada pelo desejo de segurança? É por esta razão que ela segue um ideal, um guru. Quer segurança, ausência de perturbação e, por isso, adormece. Quando lê, em seus livros de história, a respeito dos grandes líderes, santos, guerreiros, você não se surpreende desejando igualá-los? Isto não significa que não haja grandes homens no mundo; mas o instinto é imitar os grandes homens, procurar tornar-se igual a eles — e este é um dos fatores de deterioração, porque, então, a mente se coloca num molde. Igualmente, a sociedade não deseja indivíduos alertados, ardorosos, revolucionários, porque tais indivíduos não se ajustarão ao padrão social estabelecido e há sempre o perigo de que quebrem esse padrão. É por isso que a sociedade se empenha em prender sua mente em seu padrão, e é por isso que a chamada educação lhe estimula a imitar, a seguir, a se ajustar.

Ora, pode a mente deixar de imitar? Isto é, pode deixar de formar hábitos? E pode a mente que já se acha enredada no hábito, dele ficar livre?

A mente é o resultado do hábito, não? Ela é o resultado da tradição, do tempo — sendo “tempo” a repetição, a continuidade do passado. E pode a mente, a sua mente, deixar de pensar em termos daquilo que foi — e daquilo que será, que é, na verdade, uma projeção do que foi? Pode sua mente se libertar dos hábitos e deixar de criar hábitos? Se você penetrar bem profundamente neste problema, verá que pode. E quando a mente se renova sem formar novos padrões, novos hábitos, sem tornar a cair na rotina da imitação, permanece, então, fresca, jovem, “inocente”, sendo, portanto, capaz de infinita compreensão.

Para essa mente, não há morte, uma vez que já não existe processo de acumulação. É o processo de acumulação que cria o hábito, a imitação, e, para a mente que acumula, há deterioração, morte. Mas, para a mente que não está cumulando, juntando, que está morrendo a cada dia, a cada minuto — para essa mente não há morte. Ela se acha num estado de “espaço infinito”.

Assim, pois, deve a mente morrer para tudo o que acumulou, todos os hábitos e virtudes imitadas, para todas as coisas de que se acostumou a depender, para ter o sentimento de segurança. A mente então já não está aprisionada na rede de seu próprio pensar. No morrer para o passado, a cada instante, a mente se torna fresca, nova, nunca se deteriorará nem colocará em movimento a “onda da escuridão”. 

Krishnamurti - A cultura e o problema humano

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill