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domingo, 14 de setembro de 2014

Se estamos buscando, qual o motivo dessa busca?

Pode uma pessoa buscar, mas se lhe falta "seriedade", sua busca será dispersa, esporádica, desconexa. A "seriedade" acompanha sempre a busca, e é bem evidente que você se acha aqui por que é "sério". Numa tarde de domingo é muito agradável dar um passeio, entretanto você preferiu o incômodo de vir aqui, para escutar — e isso, talvez, porque é "sério". Descontente com as ideias tradicionais e o habitual ponto de vista, você está buscando, e espera, escutando, achar algo novo. Se você se achasse completamente satisfeito com o que tem, não estaria aqui. Por conseguinte, sua presença nesta conferência indica que você está insatisfeito; está buscando alguma coisa, e sua busca se baseia evidentemente no desejo de se satisfazer num nível mais profundo. A satisfação que você está buscando é mais nobre, mais requintada, mas a sua busca é ainda uma busca de satisfação. 

Isto é, você deseja achar a integração total do seu ser, porque tem lido, ou escutado, ou imaginado que este é o único estado em que é possível a felicidade livre de perturbações, a paz eterna. Assim, você se torna muito sério, lê, saí a procura de filósofos, analistas, psicólogos, iogues, na esperança de encontrarmos esse estado integrado; mas o impulso, o motivo é ainda o desejo de realizar, de achar alguma espécie de satisfação, um estado mental que nunca seja perturbado

Ora bem, se você deseja realmente investigar esta questão, a sua investigação tem de se basear, certamente, no pensamento negativo, que é a forma suprema do pensar. Não é possível investigar, quando a mente está presa a alguma diretiva ou fórmula positiva. Se aceita-se ou supõem-se alguma coisa, nesse caso, a investigação é inútil. Só se pode investigar, buscar, quando há pensamento negativo, quando não seguimos nenhuma linha positiva de pensamento. Geralmente, estamos convencidos de ser necessário o pensamento positivo, para que se possa descobrir o Verdadeiro. Por pensamento positivo entendo a aceitação da experiência dos outros, ou nossas próprias experiências, sem compreendermos a mente condicionada que pensa. propriamente falando, todo o nosso pensar está atualmente baseado no nosso "fundo" — a tradição, a experiência, o saber que temos acumulado. Acho que isso é bastante claro. O saber dá uma direção positiva ao nosso pensar e, seguindo esse direção positiva, esperamos encontrar a Verdade, Deus, ou o que você quiser; mas o que realmente encontramos está baseado na experiência e no processo de reconhecimento. Por certo, aquilo que é novo não pode ser reconhecido. O reconhecimento só ocorre através da memória; da experiência acumulada denominada saber. Se você reconhece uma coisa, essa coisa não é nova, e enquanto essa busca se basear no reconhecimento, tudo o que achar é coisa já experimentada, procedendo portanto do "fundo", da memória. Reconheço-lhe, porque já me encontrei com você antes. Uma coisa totalmente nova não pode ser reconhecida. Deus, a Verdade, ou o que quer que seja que resulte da integração total da consciência, não é reconhecível, deve ser algo totalmente novo; e a própria busca desse estado implica um processo de reconhecimento, não acha? 

(...) Quase todos desejamos achar alguma coisa — por ora, vamos chamá-la, Deus ou a Verdade — o que quer que isso signifique. Como podemos saber o que é a Verdade ou Deus? Sabemos porque temos lido a seu respeito, ou porque o experimentamos; e, quando essa experiência se apresenta, somos capazes de reconhecê-la como a Verdade, ou Deus. Esse reconhecimento só pode provir de nosso "fundo" de reconhecimento prévio, e portanto, a coisa reconhecida não é nova; consequentemente, não pode ser a Verdade, Deus. A coisa é o que pensamos que seja.

(...) Quando andamos de guru para guru, quando praticamos variadas disciplinas, quando sacrificamos, meditamos ou exercitamos a mente de alguma maneira, o impulso existente atrás de todo esse esforço, é o estímulo para encontrarmos alguma coisa, e o que se encontra tem de ser reconhecível, senão, não poderia ser encontrado. Nessas condições, o que a mente acha só pode ser produto de seu próprio fundo, seu próprio condicionamento; e uma vez compreendido esse fato pela mente, a busca não pode ter tal significação, pode ter então um significado totalmente diferente. A mente pode então cessar de buscar, de todo — o que não significa que está aceitando o seu condicionamento, suas tribulações, suas misérias. Afinal de contas, foi a própria mente que criou essas misérias e quando a mente começa a compreender o seu próprio processo, é então possível realizar-se o outro estado, o que quer que ele seja, sem esforço perene para "encontrar". 

(...) Você deve ter observado quantos milhões de pessoas andam buscando, cada um seguindo determinado guru ou praticando determinado sistema de meditação; ou, ainda, andando de instrutor para instrutor, ingressando numa Sociedade, saindo ela e passando para outra, buscando incessantemente, buscando, buscando, buscando, buscando, o que naturalmente pode, afinal, tornar-se um jogo. Assim, pois, talvez você já tenha perguntado a si mesmo o que significa tudo isso. Você lê o Upanishads, ou o Gita, ou escuta uma palestra em que se dão certas explicações, em que descrevem certos estados, e todos dizem: "Faça isso, abandone aquilo, e descobrirá o Eterno". Todos, num certo grau, estamos buscando, intensamente ou de maneira moderada, e julgo importante averiguar o que significa essa busca. Podemos perguntar a nós mesmos, com toda simplicidade e diretamente, se estamos buscando, e, se estamos buscando, qual o motivo dessa busca?

Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA

sábado, 13 de setembro de 2014

Nossas buscas são todas egocêntricas

Pela aquisição de conhecimentos, pode alguém perceber diretamente algo verdadeiro, real, algo diferente das formulações da mente?... Existe percebimento direto pela instrução, pelo saber, ou só percebemos  diretamente, quando não existe a barreira do saber? 

O que se entende por "aprender"? Você de seja encontrar a felicidade, a realidade, a serenidade, a liberdade; é isso em geral o que você busca, tateando no escuro. Vendo-se descontente, insatisfeito com essas coisas, as relações, as ideias, você está em busca de algo transcendental, e procura um swami, um guru, ou X, que você acredita possuir a qualidade que você está buscando. Você deseja aprender como alcançar essa extraordinária integração da totalidade da consciência humana e, assim, você vem aqui com a mesma intenção com que se aproxima de qualquer instrutor religioso, ou seja, a intenção de aprender. Afinal de contas, é esta a intenção da maioria das pessoas aqui presentes, e se você tiver a bondade de prestar atenção ao que se está dizendo, estou certo de que não perderá em vão o seu tempo. 

Ora, pode-se ensinar a ter percebimento direto? Pode realizar-se essa totalidade de integração, essa clareza de percebimento, mediante o saber, a instrução, ou por meio de algum método? O aprender uma técnica ou a observância de um dado sistema pode levar a esse resultado? Para a maioria de nós, aprender é adquirir uma nova técnica substituir o velho pelo novo. Espero que esteja me fazendo claro. 

Existem vários métodos, que você bem conhece, e um outro dos quais está praticando, na esperança de perceber diretamente algo que se possa chamar a Realidade, o estado onde não existe o "vir a ser", porém apenas Ser. Por essa mesma razão você veio ter aqui: com o propósito de aprender, não é verdade? Você deseja saber qual é o método que este orador lhe oferecerá para a revelação daquele estado extraordinário. Deseja saber como atingir esse estado, passo a passo, pela prática de certas formas de meditação, pelo cultivo da virtude, da autodisciplina, etc. Mas eu acho que nenhum método pode produzir o claro percebimento; pelo contrário. 

Todo método implica tempo, não é exato? Quando você pratica um método, precisa do tempo, como ponte sobre o intervalo entre o que é e o que deveria ser. O tempo é necessário, para se percorrer a distância criada pela mente entre o fato e a dissolução do fato, ou seja, o fim que se deseja alcançar. Toda ideologia se baseia nessa ideia de consecução de um fim, através do tempo; e, assim, começamos a adquirir, a aprender e, por conseguinte, nos amparamos no Mestre, no guru, no instrutor, porque ele vai ajudar-nos a chegar 

Pois bem. O percebimento ou experiência direta daquela realidade depende do tempo? Existe um intervalo que é necessário transpor, pelo processo do conhecimento? Se existe, neste caso o conhecimento assume extraordinária importância. Então, quanto mais a pessoa souber, quanto mais se exercitar, quanto mais se disciplinar, etc., tanto maior será a sua capacidade de construir a ponte para a realidade. Admitimos que o tempo é necessário. Isto é, sou violento, digo que é necessário tempo para eu chegar a um estado de não-violência; preciso de tempo para praticar a "não-violência", para controlar, disciplinar a mente. Aceitamos esta ideia; porém ela pode ser uma ilusão, pode ser totalmente falsa. O percebimento pode ser imediato, independente do tempo. Eu penso que, em absoluto, ele não depende do tempo — se posso empregar a palavra "penso", sem o intuito de transmitir uma opinião, mas de apresentar um fato real. Ou uma pessoa percebe, ou não percebe. Não há nenhum processo gradual de "aprender a perceber". É a ausência de experiência — baseada, esta, sempre no conhecimento — que dá o percebimento.

(...) Nossas atividades, nossas buscas, são todas egocêntricas. Para empregar uma palavra de uso corrente, nossa ação, nosso pensamento é egoísta, interessado unicamente no "eu"; e, como lemos ou ouvimos dizer que o "eu" é uma barreira, reconhecemos necessário que ele deixe de existir — não o "eu superior" ou o "eu inferior", mas o "eu", a mente que é ambiciosa, que tem medo, que é ardilosa, em suas atividades ditadas pela própria avidez, pela própria dependência, a mente resultado do tempo. Essa mente é egocêntrica; e pode esse egocentrismo ser removido imediatamente, ou tem de ser desbastado aos poucos, camada por camada, mediante um processo gradual de instrução, experiência, e continuidade do tempo?

Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

O que colocará fim na superficialidade de nossa vida?

O homem, evidentemente, sempre buscou uma certa coisa fora de si mesmo, além de sua diária rotina de tédio, desespero, ansiedade; uma certa coisa que lhe proporcione plena satisfação e dê significado à sua vida aflita, caótica, superficial. Procuramos alguma coisa fora de nós, porque vivemos uma vida superficial, muito pouco expressiva, mecânica, rotineira. Aspiramos a uma certa coisa misteriosa, de natureza diferente. Estamos perenemente buscando, seja através dos livros, seja seguindo alguém, criando ideologias, crenças, dogmas, sempre na esperança de alcançar, realizar, ganhar alguma coisa não construída pelo pensamento, alguma coisa de profunda significação na vida. Porque, em nós mesmos, somos superficiais, vazios, insuficientes, estendemos a mão, estendemos a mente para além dos limites do pensar, ou tratamos de fugir desta profunda e vasta solidão, deste estado de isolamento. Queremos fugir de nós mesmos, porque vemos como somos pequenos e vulgares e nossa vida é de muito pouca significação. 

(...) Se penetramos fundo em nós mesmos, vemos o que é isso o que somos quase todos nós. Se somos religiosos, pertencentes a uma dada seita, ou se acalentamos uma dada idiossincrasia que nos proporciona uma experiência que sobremodo nos satisfaz, queremos dilatar essa experiência, aprofundá-la, torná-la mais real. A maioria de nós está sempre a buscar, ou porque queremos fugir de nossa diária rotina e tédio, de nossa insuficiência e vazio, de nosso isolamento; ou porque queremos mais alguma coisa, alguma coisa que não possuímos e que dará riqueza, plenitude, suficiência, à nossa vida. Se examinarmos nosso próprio comportamento, nosso próprio pensar, decerto descobriremos que todos nós desejamos alguma cosia. Quanto mais misteriosa essa coisa, quanto mais oferece de místico e de secreto, tanto mais a buscamos. Precisamos de uma certa autoridade que nos guie para aquelas esferas inexploradas, e por isso aceitamos com tanta facilidade a autoridade — que seguimos cegamente ou racionalmente, dando várias explicações do porque a seguimos. Estamos constantemente buscando, exigindo experiências sempre mais vastas e profundas, porque as experiências que conhecemos são muito pouco significativas. Sabemos que são sensuais, agradáveis, bastante vazias e superficiais e, por conseguinte, escutamos sofregamente a todo aquele que nos oferece alguma coisa fora dessa esfera. Estamos prontos a aceitar suas palavras, suas instruções, suas asserções. Sempre seguindo, sempre a dizer "sim" a tudo que nos é oferecido. Não sabemos dizer "não".

(...) No fundo, a nossa vida é confusão, desordem, aflição, agonia. Quanto mais sensíveis somos, tanto maior o nosso desespero e ansiedade, nosso "sentimento de culpa"; e dessa vida desejamos naturalmente fugir, porque nela não encontramos nenhuma solução; não sabemos de que maneira sair de nossa confusão. Desejamos fugir para um outro mundo, uma outra dimensão. Fugimos por meio da música, da arte, da literatura; mas, trata-se sempre de fuga e a coisa para que fugimos é sem realidade, em comparação com aquilo que estamos buscando. Todas as fugas são iguais, não importa se fugimos pela porta de uma igreja, em busca de um Deus ou de um Salvador, ou pela porta da bebida ou de diferentes drogas. Não só temos que compreender o que e o porque estamos buscando, mas também temos de compreender essa necessidade de experiências profundas e duradouras, porque só a mente que nada busca, que não exige experiências de nenhuma forma, poderá ingressar numa esfera ou dimensão inteiramente nova. 

(...) Nossa vida, em si mesma, é superficial, insuficiente, e desejamos uma outra coisa, uma experiência mais sublime, mais profunda. também, vivemos num inaudito isolamento. Todas as nossas atividades e pensamentos e maneiras de comportar-nos levam-nos a esse isolamento, a essa solidão a que desejamos fugir. Se não compreendermos esse isolamento, não intelectual, verbal ou racionalmente, porém entrando diretamente em contato com o que realmente estamos buscando, entrando em contato com o estado de solidão; se não compreendermos e dissolvermos, completamente, aquele isolamento, toda meditação, toda busca, toda atividade espiritual ou religiosa (assim chamada) será inteiramente fútil, porquanto representará uma fuga ao que somos. É o mesmo que uma mente superficial, embotada, mesquinha, pensar em Deus. Se existe essa coisa em que ela pensa, aquela mente e seu Deus permanecerão muito insignificantes. 

A questão consiste em saber se é possível à mente que está fortemente condicionada, toda enredada nas aflições e conflitos da vida de cada dia, se é possível a essa mente manter-se desperta, tão ampla e profundamente desperta que não haja busca nenhuma, nenhum desejo de experiência. Quando um indivíduo está desperto, quando em si próprio há luz, não há busca e nenhum desejo de mais experiências. Só o homem que está na escuridão vivem em busca de luz. É possível um indivíduo manter-se tão intensamente desperto, tão altamente sensível, física, intelectualmente e a todos os respeitos, que não haja uma única sombra em sua mente? Só então não há mais busca; só então não há mais ânsia de novas experiências. 

É possível isso?

Krishnamurti em, Encontro com o Eterno

sexta-feira, 11 de julho de 2014

A busca do homem

A Mente Torturada - O Caminho Tradicional - A Armadilha da Respeitabilidade - O Ente Humano e o Individuo - A Batalha da Existência - A Natureza Básica do Homem - A Responsabilidade - A Verdade - A Dissipação de Energia - A Libertação da Autoridade.

Através das idades veio o homem buscando uma certa coisa além de si próprio, além do bem-estar material - uma coisa que se pode chamar verdade, Deus ou realidade, um estado atemporal - algo que não possa ser perturbado pelas circunstâncias, pelo pensamento ou pela corrupção humana.

O homem sempre indagou: Qual a finalidade de tudo isto? Tem a vida alguma significação? Vendo a enorme confusão reinante na vida, as brutalidades, as revoltas, as guerras, as intermináveis divisões da religião, da ideologia, da nacionalidade, pergunta o homem, com um profundo sentimento de frustração, o que se deve fazer, o que é isso que se chama viver e se alguma coisa existe além dos seus limites.

E, não podendo encontrar essa coisa sem nome e de mil nomes que sempre buscou, o homem cultivou a fé - fé num salvador ou num ideal, a fé que invariavelmente gera a violência.

Nessa batalha constante que chamamos "viver", procuramos estabelecer um código de conduta conforme à sociedade em que somos criados, quer seja uma sociedade comunista, quer uma pretensa sociedade livre; aceitamos um padrão de comportamento como parte de nossa tradição hinduísta, mulçumana, na, cristã ou outra. Esperamos que alguém nos diga o que é conduta justa ou injusta, pensamento correto ou incorreto e, pela observância desse padrão, nossa conduta e nosso pensar se tornam mecânicos, nossas reações, automáticas. Pode-se observar isso muito facilmente em nós mesmos.

Durante séculos fomos amparados por nossos instrutores, nossas autoridades, nossos livros, nossos santos. Pedimos: "Dizei-me tudo; mostrai-me o que existe além dos montes, das montanhas e da Terra" - e satisfazemo-nos com suas descrições, quer dizer, vivemos de palavras, e nossas vidas são superficiais e vazias. Não somos originais. Temos vivido das coisas que nos têm dito, ou guiados por nossas inclinações, nossas tendências, ou impelidos a aceitar pelas circunstâncias e o ambiente. Somos o resultado de toda espécie de influências e em nós nada existe de novo, nada descoberto por nós mesmos, nada original, inédito, claro.

Consoante a história teológica garantem-nos os guias religiosos que, se observarmos determinados rituais, recitarmos certas preces e versos sagrados, obedecermos a alguns padrões, refrearmos nossos desejos, controlarmos nossos pensamentos, sublimarmos nossas paixões, se nos abstivermos dos prazeres sexuais, então, após torturar suficientemente o corpo e o espírito, encontraremos uma certa coisa além desta vida desprezível. É isso o que têm feito, no decurso das idades, milhões de indivíduos ditos religiosos, quer pelo isolamento, nos desertos, nas montanhas, numa caverna, quer peregrinando de aldeia em aldeia a esmolar, quer em grupos, ingressando em mosteiros e forçando a mente a ajustar-se a padrões estabelecidos. Mas, a mente que foi torturada, subjugada, a mente que deseja fugir a toda agitação, que renunciou ao mundo exterior e se tornou embotada pela disciplina e o ajustamento - essa mente, por mais longamente que busque, o que achar será em conformidade com sua própria deformação.

Assim, para descobrir se de fato existe ou não alguma coisa além desta existência ansiosa, culpada, temerosa, competidora, parece-me necessário tomarmos um caminho completamente diferente. O caminho tradicional parte da periferia para dentro, para, através do tempo, da prática e da renúncia, atingir gradualmente aquela flor interior, aquela íntima beleza e amor - enfim, tudo fazer para nos tornarmos estreitos, vulgares e falsos; retirar as camadas uma a uma; precisar do tempo, amanhã ou na próxima vida chegaremos - e quando, afinal, atingimos o centro, não encontramos nada, porque nossa mente se tornou incapaz, embotada, insensível.

Após observar esse processo, perguntamos a nós mesmos se não haverá outro caminho totalmente diferente, isto é, se não teremos possibilidade de "explodir" do centro.

O mundo aceita e segue o caminho tradicional. A causa primária da desordem em nós existente é estarmos buscando a realidade prometida por outrem; mecanicamente seguimos todo aquele que nos garante uma vida espiritual confortável. É um fato verdadeiramente singular esse, que, embora em maioria sejamos contrários à tirania política e à ditadura, interiormente aceitamos a autoridade, a tirania de outrem, permitindo-lhe deformar a nossa mente e a nossa vida. Assim, se de todo rejeitarmos, não intelectual, porém realmente, a autoridade dita espiritual, as cerimônias, rituais e dogmas, isso significará que estamos sozinhos, em conflito com a sociedade; deixaremos de ser entes humanos respeitáveis. Ora, um ente humano respeitável nenhuma possibilidade tem de aproximar-se daquela infinita, imensurável realidade.

Começais agora por rejeitar uma coisa que é totalmente falsa - o caminho tradicional - mas, se o rejeitardes como reação, tereis criado outro padrão no qual vos vereis aprisionado como numa armadilha; se intelectualmente dizeis a vós mesmo que essa rejeição é uma idéia importante, e nada fazeis, não ireis mais longe. Se entretanto a rejeitardes por terdes compreendido quanto é estúpida e imatura, se a rejeitais com alta inteligência, porque sois livre e sem medo, criareis muita perturbação dentro e ao redor de vós, mas vos livrareis da armadilha da respeitabilidade. Vereis então que cessou o vosso buscar. Esta é a primeira coisa que temos de aprender: não buscar. Quando buscais, agis, com efeito, como se estivésseis apenas a olhar vitrinas.

A pergunta sobre se há Deus, verdade, ou realidade ou como se queira chamá-lo - jamais será respondida pelos livros, pelos sacerdotes, filósofos ou salvadores. Ninguém e nada pode responder a essa pergunta, porém somente vós mesmo, e essa é a razão por que deveis conhecer-vos. Só há falta de madureza na total ignorância de si mesmo. A compreensão de si próprio é o começo da sabedoria.

E, que é vós mesmo, o vós individual? Penso que há uma diferença entre o ente humano e o indivíduo. O indivíduo é a entidade local, o habitante de qualquer país, pertencente a determinada cultura, uma dada sociedade, uma certa religião. O ente humano não é uma entidade local. Ele está em toda parte. Se o indivíduo só atua num certo canto, isolado do vasto campo da vida, sua ação está totalmente desligada do todo. Portanto, é necessário ter em mente que estamos falando do todo e não da parte, porque no maior está contido o menor, mas o menor não contém o maior. O indivíduo é aquela insignificante entidade condicionada, aflita, frustrada, satisfeita com seus pequeninos deuses e tradições; já o ente humano está interessado no bem-estar geral, no sofrimento geral e na total confusão em que se acha o mundo.

Nós, entes humanos, somos os mesmos que éramos há milhões de anos - enormemente ávidos, invejosos, agressivos, ciumentos, ansiosos e desesperados, com ocasionais lampejos de alegria e afeição. Somos uma estranha mistura de ódio, medo e ternura; somos a um tempo a violência e a paz. Têm-se feito progressos, exteriormente, do carro de boi ao avião a jato, porém, psicologicamente, o indivíduo não mudou em nada, e a estrutura da sociedade, em todo o mundo, foi criada por indivíduos. A estrutura social, exterior, é o resultado da estrutura psicológica, interior, das relações humanas, pois o indivíduo é o resultado da experiência, dos conhecimentos e da conduta do homem, englobadamente. Cada um de nós é o depósito de todo o passado. O indivíduo é o ente humano que representa toda a humanidade. Toda a história humana está escrita em nós.

Observai o que realmente está ocorrendo dentro e fora de vós mesmo, na cultura de competição em que viveis, com seu desejo de poder, posição, prestígio, nome, sucesso etc.; observai as realizações de que tanto vos orgulhais, todo esse campo que chamais viver e no qual há conflito em todas as formas de relação, suscitando ódio, antagonismo, brutalidade e guerras intermináveis. Esse campo, essa vida, é tudo o que conhecemos, e como somos incapazes de compreender a enorme batalha da existência, naturalmente lhe temos medo e dela tentamos fugir pelas mais sutis e variadas maneiras. Temos também medo ao desconhecido - temor da morte, temor do que reside além do amanhã. Assim, temos medo ao conhecido e medo ao desconhecido. Tal é a nossa vida diária; nela, não há esperança alguma e, por conseguinte, qualquer espécie de filosofia, qualquer espécie de teologia representa meramente uma fuga à realidade - do que é.

Todas as formas exteriores de mudança, produzidas pelas guerras, revoluções, reformas; pelas leis e ideologias, falharam completamente, pois não mudaram a natureza básica do homem e, portanto, da sociedade. Como seres humanos, vivendo neste mundo monstruoso, perguntemos a nós mesmos: "Pode esta sociedade, baseada na competição, na brutalidade e no medo, terminar? - terminar, não como um conceito intelectual, como uma esperança, porém como um fato real, de modo que a mente se torne vigorosa, nova, inocente, capaz de criar um mundo totalmente diferente?" Creio que isso só ocorrerá se cada um de nós reconhecer o fato central de que, como indivíduos, como entes humanos - seja qual for a parte do universo em que vivamos, não importando a que cultura pertençamos - somos inteiramente responsáveis por toda a situação do mundo.

Somos, cada um de nós, responsáveis por todas as guerras, geradas pela agressividade de nossas vidas, pelo nosso nacionalismo, egoísmo, nossos deuses, preconceitos, ideais - pois tudo isso está a dividir-nos. E só quando percebemos, não intelectualmente, porém realmente, tão realmente como reconhecemos que estamos com fome ou que sentimos dor, bem como quando vós e eu percebemos que somos os responsáveis por todo este caos, por todas as aflições existentes no mundo inteiro, porque para isso contribuímos em nossa vida diária e porque fazemos parte desta monstruosa sociedade, com suas guerras, divisões, sua fealdade, brutalidade e avidez - só então poderemos agir.

Mas, que pode fazer um ente humano, que podeis vós e que posso eu fazer para criar uma sociedade completamente diferente? Estamos fazendo a nós mesmos uma pergunta muito séria. É necessário fazer alguma coisa? Que podemos fazer? Alguém no-lo dirá? Muita gente no-lo tem dito. Os chamados guias espirituais, que supõem compreender essas coisas melhor do que nós, no-lo disseram, tentando modificar-nos e moldar-nos em novos padrões, e isso não nos levou muito longe; homens sofisticados e eruditos no-lo têm dito, e também eles não nos levaram mais longe. Disseram-nos que todos os caminhos levam à verdade; vós tendes o vosso caminho, como hinduísta, outros o tem como cristão, e outros, ainda, o têm como muçulmano; mas, todos esses caminhos vão encontrar-se diante da mesma porta. Isso, quando o consideramos bem, é um evidente absurdo. A verdade não tem caminho, e essa é sua beleza; ela é viva. Uma coisa morta tem um caminho a ela conducente, porque é estática, mas, quando perceberdes que a verdade é algo que vive, que se move, que não tem pouso, que não tem templo, mesquita ou igreja, e que a ela nenhuma religião, nenhum instrutor, nenhum filósofo pode levar-vos - vereis, então, também, que essa coisa viva é o que realmente sois - vossa irascibilidade, vossa brutalidade, vossa violência, vosso desespero, a agonia e o sofrimento em que viveis. Na compreensão de tudo isso se encontra a verdade. E só o compreendereis se souberdes como olhar tais coisas de vossa vida. Mas não se pode olhá-las através de uma ideologia, de uma cortina de palavras, através de esperanças e temores.

Como vedes, não podeis depender de ninguém. Não há guia, não há instrutor, não há autoridade. Só existe vós, vossas relações com outros e com o mundo, e nada mais. Quando se percebe esse fato, ou ele produz um grande desespero, causador de pessimismo e amargura; ou, enfrentando o fato de que vós e ninguém mais sois o responsável pelo mundo e por vós mesmo, pelo que pensais, pelo que sentis, pela maneira como agis, desaparece de todo a autocompaixão. Normalmente, gostamos de culpar os outros, o que é uma forma de autocompaixão.

Poderemos, então, vós e eu, promover em nós mesmos sem dependermos de nenhuma influência exterior, de nenhuma persuasão, sem nenhum medo de punição - poderemos promover em nossa própria essência uma revolução total, uma mutação psicológica, para que não sejamos mais brutais, violentos, competidores, ansiosos, medrosos, ávidos, invejosos enfim, todas as manifestações de nossa natureza que formaram a sociedade corrompida em que vivemos nossa vida de cada dia?

Importa compreender desde já que não estou formulando nenhuma filosofia ou estrutura de idéias ou conceitos teológicos. Todas as ideologias se me afiguram totalmente absurdas. O importante não é uma filosofia da vida, porém que observemos o que realmente está ocorrendo em nossa vida diária, interior e exteriormente. Se observardes muito atentamente o que se está passando, se o examinardes, vereis que tudo se baseia num conceito intelectual. Mas o intelecto não constitui o campo total da existência; ele é um fragmento, e todo fragmento, por mais engenhosamente ajustado, por mais antigo e tradicional que seja, continua a ser uma parte insignificante da existência, e nós temos de interessar-nos pela totalidade da vida. Quando consideramos o que está ocorrendo no mundo, começamos a compreender que não há processo exterior nem processo interior; há só um processo unitário, um movimento integral, total, sendo que o movimento interior se expressa exteriormente, e o movimento exterior, por sua vez, reage ao interior. Ser capaz de olhar esse fato - eis o que é necessário, só isso; porque, se sabemos olhar, tudo se torna claríssimo. O ato de olhar não requer nenhuma filosofia, nenhum instrutor. Ninguém precisa ensinar-vos como olhar. Olhais, simplesmente.

Assim, vendo todo esse quadro, vendo-o não verbalmente porém realmente, podeis transformar-vos, natural e espontaneamente? Esse é que é o verdadeiro problema. Será possível promover uma revolução completa na psique?

Eu gostaria de saber qual é a vossa reação a uma pergunta dessas. Direis, porventura: "Não desejo mudar" - e a maioria das pessoas não o deseja, principalmente aqueles que se acham em relativa segurança, social e economicamente, ou que conservam crenças dogmáticas e se satisfazem em aceitar a si próprios e às coisas tais como são ou em forma ligeiramente modificada. Tais pessoas não nos interessam. Ou talvez digais, mais sutilmente: "Ora, isso é dificílimo, está fora do meu alcance". Nesse caso, já fechasses o caminho, já cessasses de investigar e será completamente inútil prosseguir. Ou, ainda, direis: "Percebo a necessidade de uma transformação interior, fundamental, em mim mesmo, mas como empreendê-la? Peço-vos me mostreis o caminho, me ajudeis a alcançá-la". Se assim falardes, então o que vos interessa não é a transformação em si, não estais realmente interessado numa revolução fundamental: estais, meramente, a buscar um método, um sistema capaz de efetuar a mudança.

Se fôssemos tão sem juízo que vos déssemos um sistema, e vós tão sem juízo que o seguísseis, estaríeis meramente a copiar, a imitar, a ajustar-vos, a aceitar, e, fazendo tal coisa, teríeis estabelecido em vós mesmo a autoridade de outrem, do que resultaria conflito entre vós e essa autoridade. Pensais que deveis fazer tal e tal coisa porque vo-la mandaram fazer e, no entanto, sois incapaz de fazê-la. Tendes vossas peculiares inclinações, tendências e pressões, que colidem com o sistema que julgais dever seguir e, por conseguinte, existe uma contradição. Levareis, assim, uma vida dupla, entre a ideologia do sistema e a realidade de vossa existência diária. No esforço para ajustar-vos à ideologia, recalcais a vós mesmo e, no entanto, o que é realmente verdadeiro não é a ideologia, porém aquilo que sois. Se tentardes estudar-vos de acordo com outrem, permanecereis sempre um ente humano sem originalidade.

O homem que diz: "Desejo mudar, dizei-me como consegui-lo" - parece muito atento, muito sério, mas não o é. Deseja uma autoridade que ele espera estabelecerá a ordem nele próprio. Mas, pode algum dia a autoridade promover a ordem interior? A ordem imposta de fora gera sempre, necessariamente, a desordem. Podeis perceber essa verdade intelectualmente, mas sereis capaz de aplicá-la de maneira que vossa mente não mais projete qualquer autoridade - a autoridade de um livro, de um instrutor, da esposa ou do marido, dos pais, de um amigo, ou da sociedade? Como sempre funcionamos segundo o padrão de uma fórmula, essa fórmula torna-se em ideologia e autoridade; mas, assim que perceberdes realmente que a pergunta "como mudar?" cria uma nova autoridade, tereis acabado com a autoridade para sempre.

Repitamo-lo claramente: Vejo que tenho de mudar completamente, desde as raízes de meu ser; não posso mais depender de nenhuma tradição, porque foi a tradição que criou essa colossal indolência, aceitação e obediência; não posso contar com outrem para me ajudar a mudar, com nenhum instrutor, nenhum deus, nenhuma crença, nenhum sistema, nenhuma pressão ou influência externa. Que sucede então?

Em primeiro lugar, podeis rejeitar toda autoridade? Se podeis, isso significa que já não tendes medo. E então que acontece? Quando rejeitais algo falso que trazeis convosco há gerações, quando largais uma carga de qualquer espécie, que acontece? Aumentais vossa energia, não? Ficais com mais capacidade, mais ímpeto, maior intensidade e vitalidade. Se não sentis isso, nesse caso não largastes a carga, não vos livrasses do peso morto da autoridade.

Mas, uma vez vos tenhais livrado dessa carga e tenhais aquela energia em que não há medo de espécie alguma - medo de errar, de agir incorretamente - essa própria energia não é então mutação? Necessitamos de grande abundância de energia, e a dissipamos com o medo; mas, quando existe a energia que vem depois de nos livrarmos de todas as formas do medo, essa própria energia produz a revolução interior, radical. Nada tendes que fazer nesse sentido.

Ficais então a sós com vós mesmo, e esse é o estado real que convém ao homem que considera a sério estas coisas. E como já não contais com a ajuda de nenhuma pessoa ou coisa, estais livre para fazer descobertas. Quando há liberdade, há energia; quando há liberdade, ela não pode fazer nada errado. A liberdade difere inteiramente da revolta. Não há agir correta ou incorretamente, quando há liberdade. Sois livre e, desse centro, agis. Por conseguinte, não há medo, e a mente sem medo é capaz de infinito amor. E o amor pode fazer o que quer.

O que agora vamos fazer, por conseguinte, é aprender a conhecer-nos, não de acordo comigo ou de acordo com um certo analista ou filósofo; porque, se o fazemos de acordo com outras pessoas, aprendemos a conhecer essas pessoas e não a nós mesmos. Vamos aprender o que somos realmente.

Tendo percebido que não podemos depender de nenhuma autoridade exterior para promover a revolução total na estrutura de nossa própria psique, apresenta-se a dificuldade infinitamente maior de rejeitarmos nossa própria autoridade interior, a autoridade de nossas próprias e insignificantes experiências e opiniões acumuladas, conhecimentos, idéias e ideais. Digamos que tivestes ontem uma experiência que vos ensinou algo, e isso que ela ensinou se torna uma nova autoridade, e vossa autoridade de ontem é tão destrutiva quanto a autoridade de um milhar de anos. A compreensão de nós mesmos não requer nenhuma autoridade, nem a do dia anterior nem a de há mil anos, porque somos entidades vivas, sempre em movimento, sempre a fluir e jamais se detendo. Se olhamos a nós mesmos com a autoridade morta de ontem, nunca compreenderemos o movimento vivo e a beleza e natureza desse movimento.

Livrar-se de toda autoridade, seja própria, seja de outrem, é morrer para todas as coisas de ontem - para que a mente seja sempre fresca, sempre juvenil, inocente, cheia de vigor e de paixão. Só nesse estado é que se aprende e observa. Para tanto, requer-se grande capacidade de percebimento, de real percebimento do que se está passando no interior de vós mesmo, sem corrigirdes o que vedes, nem dizerdes o que deveria ou não deveria ser. Porque, tão logo corrigis, estais estabelecendo outra autoridade, um censor.

Vamos, pois, investigar juntos a nós mesmos; ninguém ficará explicando enquanto ides lendo, concordando ou discordando do explicador ao mesmo tempo que ides seguindo as palavras do texto, porém vamos fazer juntos uma viagem, uma viagem de exploração dos mais secretos recessos de nossa mente. Para empreender essa viagem, precisamos estar livres; não podemos transportar uma carga de opiniões, preconceitos e conclusões - todos os trastes imprestáveis que juntamos no decurso dos últimos dois mil anos ou mais. Esquecei-vos de tudo o que sabeis a respeito de vós mesmo. Esquecei-vos de tudo o que pensastes a vosso respeito; vamos iniciar a marcha como se nada soubéssemos.

A noite passada choveu torrencialmente e agora o céu está começando a limpar-se; é um dia novo, fresco. Encontremo-nos com este dia novo como se fosse nosso único dia. Iniciemos juntos a jornada, deixando para trás todas as lembranças de ontem, e comecemos a compreender-nos pela primeira vez.

Krishnamurti
Do livro: LIBERTE-SE DO PASSADO - Editora Cultrix

quarta-feira, 12 de março de 2014

O homem está doente de tanto buscar - parte 2


"A busca só existe quando você está dormindo; só existe quando você não está atento; a busca só existe na sua desatenção. A desatenção cria a busca."

Você já perguntou a si mesmo o que está procurando? Já fez disso um ponto de profunda meditação, saber o que está procurando? Não. Mesmo que em alguns vagos momentos, em momentos de sonhos, você tem algum pressentimento do que está buscando, ele nunca é preciso, nunca é exato. Você ainda não o definiu. Se tentar definir, quanto mais definido se tornar, mais você sentirá que há necessidade de buscá-lo. A busca só pode continuar num estado de incerteza, num estado de sonho; quando as coisas não estão claras, você simplesmente continua buscando, empurrado por alguma urgência interna, puxado por alguma necessidade interior. Uma coisa você sabe: precisa buscar. Esta é uma necessidade interior. Mas você não sabe o que está buscando. 

E a menos que saiba o que está buscando, como poderá encontrar? É vago — você pensa que é dinheiro, poder, prestígio, respeitabilidade. Mas então vê as pessoas respeitáveis, poderosas, também procurando.  Vê as pessoas que são tremendamente ricas — elas também estão buscando. Até o fim de suas vidas, estão buscando. A riqueza então não vai adiantar, o poder não vai adiantar. A busca continua a despeito do que você tem. 

A busca tem que ser por alguma outra coisa. Esses nomes, esses rótulos — dinheiro, poder, prestígio — são só para satisfazer a sua mente. Só são para ajudá-lo a sentir que está buscando por alguma coisa. Essa coisa é indefinida, um sentimento muito vago. 

A primeira coisa para um buscador real, para o buscador que quer tornar-se um pouco alerta, atento, é definir a busca; formular o conceito claro do que ela é; trazê-la para fora da consciência sonhadora; encontrá-la num profundo estado de alerta; olhá-la diretamente; encará-la. Imediatamente começa a acontecer uma transformação. Se você começar a definir a sua busca, começará a perder o interesse por ela. Quanto mais definida ela se tornar, menos existirá. Quando o que ela é tornar-se claramente conhecido, ela desaparece subitamente. Só existe quando você não está atento. 

Deixe-me repetir: a busca só existe quando você está dormindo; só existe quando você não está atento; a busca só existe na sua desatenção. A desatenção cria a busca.[...]

Nossos sentidos são extrovertidos. Os olhos abrem-se para fora, as mãos movem-se, espalmam-se para fora, as pernas movem-se para fora, os ouvidos ouvem os barulhos, os sons exteriores. Tudo o que está disponível a você abre-se para o exterior; todos os cinco sentidos movem-se extrovertidamente. Você começa a buscar lá onde você vê, sente, toca — a luz dos sentidos incide no exterior. E o buscador está dentro. 

Esta dicotomia precisa ser entendida. O buscador está dentro, mas como a luz está fora, o buscador começa a mover-se de uma maneira ambiciosa, tentando encontrar alguma coisa fora que o satisfaça. 

Isso nunca irá acontecer. Nunca aconteceu. Não pode acontecer pela própria natureza das coisas — porque, a menos que você tenha buscado o buscador, toda a sua busca será insignificante. A menos que você venha a saber quem você é, tudo o que buscar será fútil, pois você não conhece aquele que busca. Sem conhecer o buscador, como poderá se mover na dimensão certa, na direção certa? É impossível. As primeiras coisas devem ser consideradas antes. 

Portanto, estas duas coisas são muito importantes: primeiro, deixe absolutamente claro para si mesmo qual é o seu objetivo. Não fique tateando na escuridão. Enfoque a sua atenção no objeto — o que você realmente está buscando. Porque às vezes você quer uma coisa e sai buscando alguma outra; assim, mesmo que seja bem-sucedido, não conseguirá ficar satisfeito. Você já viu as pessoas bem-sucedidas? Pode encontrar maiores fracassados em algum outro lugar? Você já ouviu o provérbio que nada é mais bem-sucedido do que o sucesso. Está absolutamente errado. Gostaria de lhe dizer: nada fracassa mais do que o sucesso. O provérbio deve ter sido inventado por pessoas estúpidas.[...]

Um homem bem sucedido é sempre atirado para si mesmo no final, e então sofre as torturas do inferno, porque desperdiçou toda a sua vida. Buscou e buscou, arriscou tudo o que tinha, obteve sucesso — e agora seu coração está vazio e sua alma insignificante, sem fragrância, sem bênção.

Portanto, a primeira coisa é saber exatamente o que você está buscando. Insisto nisso porque quanto mais você focar seus olhos no objeto da sua busca, mais ele começará a desaparecer. Quando seus olhos estão absolutamente fixos, subitamente não há nada a buscar; imediatamente seus olhos começam a voltar-se para você mesmo. Quando não há objeto de busca, quando todos os objetos desapareceram, há o vazio. E nesse vazio acontece a conversão, a volta. De repente, você começa a olhar para si mesmo. Não há nada a procurar e um novo desejo surge em conhecer o buscador. 

Se existe algo a ser buscado, você é um homem mundano; se não há nada a buscar, e a questão "Quem é este buscador?" tornou-se importante para você mesmo, então você é um homem religioso. É assim que defino o mundano do religioso. 

Se você ainda está buscando alguma coisa — talvez na outra vida, na outra margem, no céu, no paraíso, no moksha, não faz nenhuma diferença — você ainda é um homem mundano. Se toda a busca cessou e subitamente você percebeu que agora só há uma coisa para conhecer — "Quem é este buscador em mim? O que é esta energia que quer buscar? Quem sou eu?" —, há então uma transformação. De repente, todos os valores mudam. Você começa a mover-se para dentro.

O S H O

O homem está doente de tanto buscar - parte 1


"Você busca neste mundo, busca no outro mundo; às vezes busca no dinheiro, no poder, no prestígio, e às vezes busca em Deus, na graça, no amor, na meditação, na prece, mas a busca continua. Parece que o homem está doente com a busca."


A vida é uma busca, uma busca constante, uma busca desesperada, uma busca sem esperança... uma busca por algo que não se sabe o que é. Há uma profunda urgência em busca, mas não se sabe o que se está buscando.

E há um certo estado de mente no qual seja o que você consiga acaba não lhe dando nenhuma satisfação. A frustração parece ser o destino da humanidade, pois tudo o que se consegue torna-se insignificante no momento em que você consegue. Você começa de novo a buscar.

A busca continua, consiga você alguma coisa ou não. Parece irrelevante o que você consegue e o que não consegue — de qualquer maneira a busca continua. O pobre está buscando, o rico está buscando, o doente está buscando, o são está buscando, o poderoso está buscando, o fraco está buscando, o estúpido está buscando, o sábio está buscando e ninguém sabe exatamente o quê.

A busca — o que é e por que existe — tem que ser entendida. Parece que há um hiato no ser humano, na mente humana; na própria estrutura da consciência humana parece haver um buraco, um buraco negro. Você vai jogando coisa dentro dele e elas vão desaparecendo. Nada parece enche-lo, nada parece ajudar a preenchê-lo. É uma busca febril. Você busca neste mundo, busca no outro mundo; às vezes busca no dinheiro, no poder, no prestígio, e às vezes busca em Deus, na graça, no amor, na meditação, na prece, mas a busca continua. Parece que o homem está doente com a busca.

A busca não permite que você esteja aqui e agora porque ela sempre o leva para algum outro lugar. A busca é uma projeção, é um desejo: em algum outro lugar está o que se precisa; existe, mas em algum outro lugar, não aqui onde você está. Certamente existe, mas não neste momento, não agora, mas em outro lugar qualquer. Existe no depois, lá, nunca aqui e agora. Isso vai importunando-o, vai empurrando-o, puxando-o, atirando-o para uma loucura cada vez maior; deixa-o louco e jamais satisfeito.

O S H O  

domingo, 9 de março de 2014

A natureza interior do descontentamento


Jovem ou idoso, muitos de nós estamos descontentes apenas porque desejamos alguma coisa: mais conhecimento, um emprego melhor, um carro mais novo, um salário maior. Nosso descontentamento baseia-se no desejo "de ter mais". É somente porque desejamos algo mais que nos sentimos descontentes. Mas não estou falando sobre esse tipo de descontentamento. 

Pergunta: O descontentamento impede o pensamento claro. Como superar esse obstáculo?

Krishnamurti: Acho que você não me ouviu; provavelmente estava preocupado com sua pergunta, em como iria formulá-la. Isso é o que todos vocês estão fazendo, de maneiras diferentes. Cada um tem sua própria preocupação, e se o que eu disse não é o que gostariam de ouvir, deixam-no de lado, porque a mente de vocês está ocupada com seus problemas. Se quem fez a pergunta tivesse ouvido o que eu falei, se tivesse realmente sentido a natureza interior do descontentamento, da alegria, de ser criativo, acho que não teria feito essa pergunta.

O descontentamento impede o pensamento claro? E o que é o pensamento claro? É possível pensar com clareza se desejam conseguir alguma coisa com seu pensamento? Se sua mente está preocupada com um resultado, poderão pensar com clareza? Ou só conseguem pensar muito claramente quando não estão buscando um fim, um resultado, sem tentar ganhar algo?

E vocês conseguem pensar com clareza se se agarrarem a um preconceito, a uma crença particular — isto é, se pensarem como um hindu, um comunista ou um cristão? Certamente poderão pensar claramente apenas quando a mente não estiver acorrentada a uma ideologia — como um macaco preso a uma estaca; podem pensar muito claramente apenas quando não estão buscando resultado; podem pensar com clareza somente quando não têm preconceitos. O que tudo isso significa, na verdade, é que vocês podem pensar com clareza, simples e diretamente, quando a mente não estiver mais buscando qualquer forma de segurança; estando, portanto, livre do medo.

Então, de alguma maneira, o descontentamento impede o pensamento claro. Quando, por meio do descontentamento, vocês procuram um resultado, ou quando buscam minimizar o descontentamento, porque a mente detesta ficar perturbada e tenta a todo custo ficar calma, pacífica, então o pensamento claro não é possível. Mas, se estiverem descontentes com tudo — com seus preconceitos, suas crenças e seus medos — e não estiverem desejando um resultado, então esse mesmo descontentamento dará foco aos seus pensamentos ( não sobre um objeto em particular, ou qualquer direção específica), e todo o processo do pensamento se tornará bem simples, direto e claro.

Jovem ou idoso, muitos de nós estamos descontentes apenas porque desejamos alguma coisa: mais conhecimento, um emprego melhor, um carro mais novo, um salário maior. Nosso descontentamento baseia-se no desejo "de ter mais". É somente porque desejamos algo mais que nos sentimos descontentes. Mas não estou falando sobre esse tipo de descontentamento. É o desejo pelo "mais" que impede o pensamento claro. Se estamos descontentes não por desejarmos alguma coisa, mas por não saber o que desejamos; se estamos insatisfeitos com nosso emprego, com o dinheiro que temos, com a busca por status e poder, com a tradição, com o que temos e com o que deveríamos ter; se estamos insatisfeitos não com algo em particular, mas com tudo, então penso que esse nosso descontentamento trará clareza. Quando não aceitamos ou seguimos, mas questionamos, investigamos, aprofundamos, ocorre um insight do qual brota a criatividade, a satisfação.

Krishnamurti — Pense nisso

quinta-feira, 6 de março de 2014

A dificuldade da pesquisa em grupo

A mente não está livre, pois se acha, consciente ou inconscientemente, ligada a alguma forma de conhecimento, a inumeráveis crenças, experiências, dogmas e como pode ser capaz de descobrimento uma mente nessas condições, como pode ser capaz de achar algo novo?

Certamente, até os maiores cientistas têm abandonado todo o seu saber, antes de poderem descobrir qualquer coisa nova; e se você é sério, esse abandono do conhecimento, da crença, da experiência tem de efetuar-se realmente. A maior parte de nós somos um tanto "sérios", quando se trata de nossas conclusões, mas eu acho que isso de modo nenhum é seriedade. Não tem valor nenhum. O homem sério, sem dúvida, é aquele que é capaz de abandonar as suas próprias conclusões porque percebe que só assim está capacitado para investigar.[...]

Se minha mente está atada à estaca da crença, da experiência ou do conhecimento, ela não pode ir muito longe; e a investigação implica que se esteja livre da estaca, não acha? Se realmente estou a buscar, então esse estado em que me acho, amarrado a uma estaca, esse estado tem de acabar-se — preciso romper as amarras, cortar a corda. Não existe, então, nenhuma questão de COMO cortar a corda. Quando há percepção de que a investigação só é possível quando estamos livres de nossa obstinação, de nosso apego a uma crença, então esse próprio percebimento liberta-nos a mente. Ora, porque isso não sucede a cada um de nós?

Você se sente mais seguro quando sua mente está condicionada, e eis porque não há aventurar, ousar — e toda a nossa estrutura social está construída dessa maneira. Conheço todas as respostas. Mas porque você não abandona a sua crença? Se não o faz, não é sério. Se está realmente investigando, não diz: "Estou investigando, numa determinada direção e devo ser tolerante a respeito de qualquer direção diferente da que estou seguindo" — pois, quando você está realmente investigando, essa maneira de pensar desaparece completamente. Não existe então a divisão de "seu caminho" e "meu caminho", acaba-se o místico e o oculto, são afastadas definitivamente todas as estúpidas explicações do homem que quer explorar outros homens.[...]

Não pode haver investigação quando a mente tem algum apego. Quase todos dizemos que estamos buscando, e BUSCAR significa realmente investigar; e eu estou perguntando: "você pode investigar, enquanto sua mente está apegada a alguma conclusão?[...]

Como pode a mente ter liberdade de movimentos, se está presa? Dizemos que estamos a buscar, mas, na realidade, não há busca. Buscar implica estar livre de apego a qualquer fórmula, qualquer experiência, qualquer espécie de conhecimento, porque só então a mente é capaz de mover-se amplamente.

Qualquer suposição, qualquer conclusão, qualquer apego ao conhecimento ou à experiência, é um empecilho à investigação. Enquanto a mente está presa a uma certa conclusão, toda investigação representa uma luta ingente, um processo de esforço, atrito, ruptura. Mas se a mente percebe que só pode haver investigação quando há liberdade, tem então a investigação um significado todo diferente. Se se percebe isso claramente, nunca mais se será escravo de nenhum GURU, nenhuma fórmula, nenhuma crença. Então você e eu podemos combinar as nossas investigações e, como resultado disso, cooperar, agir, viver. Mas enquanto a nossa mente estiver presa, terá de haver "seu caminho" e "meu caminho", "sua opinião" e "minha opinião", "sua senda" e "minha senda", e todas as demais divisões e subdivisões que se põem entre um homem e outro homem.

Krishnamurti — Da solidão à plenitude humana

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

A profunda urgência em buscar

A vida é uma busca, uma busca constante, uma busca desesperada, uma busca sem esperança... uma busca por algo que não se sabe o que é. Há uma profunda urgência em buscar, mas não se sabe o que se está buscando. E há um certo estado de mente no qual seja o que for que você consiga, acaba não lhe dando nenhuma satisfação. A frustração parece ser o destino da humanidade, pois tudo o que se consegue torna-se insignificante no momento em que se consegue. Você começa de novo a buscar. A busca continua, consiga você alguma coisa ou não. Parece irrelevante o que você consegue e o que não consegue — de qualquer maneira a busca continua. O pobre está buscando, o rico está buscando, o doente está buscando, o são está buscando, o poderoso está buscando, o fraco está buscando, o estúpido está buscando, o sábio está buscando e ninguém sabe exatamente o que. 

A busca — o que é e porque existe — tem que ser entendida. Parece que há um hiato no ser humano, na mente humana; na própria estrutura da consciência humana parece haver um buraco, um buraco negro. Você vai jogando coisas dentro dele e elas vão desaparecendo. Nada parece enchê-lo, nada parece ajudar a preenchê-lo. É uma busca febril. Você busca neste mundo, busca no outro mundo; às vezes busca no dinheiro, no poder, no prestígio, e às vezes busca em Deus, na graça, no amor, na meditação, na prece, mas a busca continua. Parece que o homem está doente com a busca.

A busca não permite que você esteja aqui e agora porque ela sempre o leva para algum outro lugar. A busca é uma projeção, é um desejo; em algum outro lugar está o que se precisa; existe, em algum outro lugar, não aqui onde você está. Certamente existe, mas não está neste momento, não agora, mas em outro lugar qualquer. Existe no depois, lá, nunca aqui e agora. Isso vai importunando-o, vai empurrando-o, puxando-o, atirando-o, para uma loucura cada vez maior; deixa-o louco e jamais satisfeito.

Você já perguntou a si mesmo o que está procurando? Já fez disso um ponto de profunda meditação, saber o que está procurando? Não. Mesmo que em alguns vagos momentos, em momentos de sonhos, você tenha algum pressentimento do que está buscando, ele nunca é preciso, nunca é exato. Você ainda não o definiu. Se tentar definir, quanto mais definido se tornar, mais você sentirá que não há necessidade de buscá-lo. A busca só pode continuar num estado de incerteza, num estado de sonho; quando as coisas não estão claras, você simplesmente continua buscando, empurrado por alguma urgência interna, puxado por alguma necessidade interior. Uma coisa você sabe: precisa buscar. Esta é uma necessidade interior. Mas você não sabe o que está buscando.

E a menos que saiba o que está buscando, como poderá encontrar? É vago — você pensa que é dinheiro, poder prestígio, respeitabilidade. Mas então vê as pessoas respeitáveis, poderosas, também procurando. Vê as pessoas que são tremendamente ricas — elas também estão buscando. Até o fim de suas vidas, estão buscando. A riqueza então não vai adiantar, o poder não vai adiantar. A busca continua a despeito do que você tem. A busca tem que ser por alguma outra coisa. Esses nomes, esse rótulos — dinheiro, poder, prestígio — são para satisfazer a sua mente. Só são para ajudá-lo a sentir que está buscando por alguma coisa. Essa coisa ainda é indefinida, um sentimento muito vago. 

A busca só existe quando você está dormindo; só existe quando você não está atento; a busca só existe na sua desatenção. A desatenção cria a busca. Dentro não há luz. E por não haver luz e consciência dentro, é claro que você continua buscando do lado de fora — porque o lado de fora parece mais claro. Tudo o que está disponível a você abre-se do exterior; todos os cinco sentidos movem-se extrovertidamente. Você começa a buscar lá onde você vê, sente, toca — a luz dos sentidos incide no exterior. E o buscador está dentro. 

Esta dicotomia precisa ser entendida. O buscador está dentro, mas como a luz está fora, o buscador começa a mover-se de uma maneira ambiciosa, tentando encontrar alguma coisa fora que o satisfaça. Isso nunca irá acontecer pela própria natureza das coisas — porque a menos que você tenha buscado o buscador, toda a sua busca será insignificante. A menos que você venha a saber quem você é, tudo o que buscar será fútil, pois você não conhece aquele que busca. Sem conhecer o buscador, como poderá se mover na dimensão certa, na direção certa? É impossível. As primeiras coisas devem ser consideradas antes.

Portanto, estas duas coisas são muito importantes; primeiro, deixe absolutamente claro para si mesmo qual é o seu objeto. Não fique tateando na escuridão. Enfoque a sua atenção no objeto — o que você está realmente buscando. Porque às vezes você quer uma coisa e sai buscando alguma outra; assim, mesmo que seja bem-sucedido, não conseguirá ficar satisfeito. Você já viu as pessoas bem-sucedidas? Pode encontrar maiores fracassados em algum outro lugar? Um homem bem-sucedido é sempre atirado para si no final, e então sofre as torturas do inferno, porque desperdiçou toda a sua vida. Buscou e buscou, arriscou tudo o que tinha, obteve sucesso — e agora seu coração está vazio e sua alma insignificante, sem fragrância, sem bênção.

Portanto, a primeira coisa é saber exatamente o que você está buscando. Insisto nisso porque quanto mais você focar seus olhos no objeto de sua busca, mais ele começará a desaparecer. Quando seus olhos estão absolutamente fixos, subitamente não há nada para buscar; imediatamente seus olhos começam a voltar-se para você mesmo. Quando não há objeto de busca, quando todos os objetos desapareceram, há o vazio. E nesse vazio acontece a conversão, a volta. De repente, você começa a olhar para si mesmo. Não há nada a procurar e um novo desejo surge em conhecer o buscador. 

Se existe algo a ser buscado, você é um homem mundano; se não há nada a buscar, e a questão "Quem é este buscador?" tornou-se importante para você mesmo, então você é um homem religioso. É assim que defino o mundano e o religioso. Se você ainda está buscando alguma coisa — talvez na outra vida, na outra margem, no céu, no paraíso, não faz nenhuma diferença — você ainda é um homem mundano. Se toda a busca cessou subitamente você percebeu que agora só há uma coisa para conhecer — "Quem é este buscador em mim? O que é esta energia que quer buscar? Quem sou eu?" —, há então uma transformação. De repente, todos os valores mudam. Você começa a mover-se para dentro. 

Por vidas a fio você esteve do lado de fora, no sol quente, no mundo, e ao entrar esqueceu-se completamente de como entrar e reajustar seus olhos. A meditação nada mais é que um reajustamento da sua visão, um reajustamento da sua faculdade de ver, dos seu olhos. Aos poucos, a escuridão não é mais tão escura; uma luz sutil e difusa começa a ser sentida. Aos poucos, quando você tiver se ajustando à luz interior, verá que você é a própria fonte. O buscador é o buscado. Verá que o tesouro está dentro e o problema todo era que você o estava buscando do lado de fora. Estava buscando por ele em algum outro lugar fora e ele sempre esteve aí dentro de você, sempre esteve aí com você. Você estava buscando na direção errada, só isso. Tudo está disponível para você, assim como está disponível para qualquer um. Nada irá satisfazê-lo, porque nada pode ser conseguido no mundo exterior que se compare ao tesouro interior, à luz interior, à graça interior. 

Osho – A arte de morrer


sábado, 28 de setembro de 2013

Por que buscamos, exterior ou interiormente?

K: Buscamos por causa de nosso vazio, dirigimos-nos para o exterior a fim de preenchermos este vazio ou para fugirmos dele. Tal movimento em direção ao exterior, fugindo à pobreza interior, é conceitual, especulativo, dualista. É conflito, e não tem fim. Portanto, não busquemos o exterior!  Mas a energia que se dirigia para o exterior, volta-se da busca exterior para a busca interior; e fica a buscar, a explorar, pedindo uma certa coisa que agora chama "interior". os dois movimentos são essencialmente idênticos. Ambos devem terminar.

P: Você está simplesmente a pedir-nos que nos contentemos com esse vazio? 

K: De modo nenhum.

P: Por conseguinte, o vazio permanece, e uma espécie de perene desespero, que se torna maior ainda, se nem ao menos é permitido buscar!

K: É desespero ver esta verdade que o movimento para fora e para dentro nenhuma significação tem? Isso é contentar-se com O QUE É? É aceitação do vazio? Nada disso. Assim, pois, acabamos com o movimento para fora, com o movimento para dentro, com a aceitação; negamos todo movimento à mente que se vê frente a frente com o vazio. Então a própria mente está vazia, PORQUE O MOVIMENTO É ELA PRÓPRIA. A mente está vazia de todo movimento e, por conseguinte, não existe entidade alguma para iniciar qualquer movimento. Deixemos a mente vazia. Deixemos a mente SER vazia. A mente depurou-se do passado, do futuro e do presente. Depurou-se do "vir a ser", e "vir a ser" é tempo. Portanto, nela não há tempo; nela não há medida. E, ENTÃO, isso é o vazio? 

P: Esse estado aparece e desaparece frequentemente. Ainda que não seja o vazio, decerto não é o êxtase que você fala.

K: Esqueça o que foi dito. Esqueça também que ele aparece e desaparece. Quando ele aparece e desaparece, pertence ao tempo; existe então o observador que diz: "Ei-lo aqui — foi-se". Esse observador é a entidade que mede, compara, avalia; portanto, não é o vazio a que nos referimos. 

P: Você está me anestesiando? — e riu-se. 

K: Quando não há medida nem tempo, existe algum limite ou contorno do vazio? Você pode então chamá-lo de vazio ou nada? Então, tudo existe nele, e nada está contido nele. 

Jiddu Krishnamurti - A outra margem do caminho 




sexta-feira, 27 de setembro de 2013

O que — de fato — estamos buscando?

Teórica ou verbalmente, pode-se convir em que é muito importante que o indivíduo se desprenda do coletivo, mas parece-me que não se dispensa atenção suficiente a este problema; porque, só quando ocorre a criadora libertação do indivíduo existe a possibilidade de descobrir e viver uma vida totalmente diferente da que atualmente vivemos. Na atualidade, nossa vida, nosso pensar é coletivo; fazemos parte do coletivo; e se se deseja criar uma sociedade de ordem diferente, com valores diferentes, acho que é necessário o indivíduo começar a compreender todas as impressões coletivas que a mente acumulou através dos séculos. E, como disse, só quando existe liberdade exatamente no começo, pode o indivíduo libertar-se. Não se pode negar que quase todos nós somos resultado do ambiente; nossos pensamentos, atividades, crenças, nossos vários interesses, tudo está condicionado pelas numerosas influências existentes ao redor de nós; e para descobrir o que é verdade, o indivíduo tem de libertar a mente desse conglomerado de influências, empreitada essa extremamente árdua e difícil. Não me parece que estamos dando atenção suficiente a este assunto. Mas é só quando a mente se liberta dessas muitas influências, que se torna incorrupta, e só então existe a possibilidade de descobrir algo inteiramente novo — algo que não foi premeditado, que não é autoprojeção, nem resultado de qualquer meio cultural, sociedade ou religião.

Propaganda é cultivo de preconceitos; e todos nós somos dominados por preconceitos, porque fomos educados para aceitar ou rejeitar, porém, nunca para investigar o problema da influência. Dizemos estar em busca da verdade; mas o que é que a maioria de nós está buscando? Se você ficar um pouco vigilante, a auto-observação revelará que você está buscando um certo resultado; deseja uma certa satisfação, uma estabilidade ou permanência interior, que você chama por diferentes nomes, conforme o ambiente em que foi criado. E você também não está buscando o sucesso? Você deseja sucesso, não apenas neste mundo mas também no outro. Quer-me parecer que esse desejo de sucesso, de chegar a alguma parte, de tornar-se algo, é resultado de uma educação errônea. E pode a mente libertar-se totalmente desse desejo?

Não me parece que costumamos fazer esta pergunta a nós mesmos, porquanto, o que nos interessa é, tão-só, seguir um método, um sistema ou um ideal, que esperamos produzirá um resultado, nos conduzirá à certeza, ao sucesso, à final e permanente felicidade, bem-aventurança, ou seja o que for. Nossa mente, por conseguinte, está sempre empenhada no esforço para alcançar algo; e enquanto a mente estiver visando um alvo, um fim, um resultado que lhe dê satisfação completa, será inevitável a criação da autoridade e a obediência a ela. Não é exato isso? Enquanto penso que a bem-aventurança, a felicidade, Deus, a Verdade, ou o que você quiser, é um fim que se deve alcançar, haverá o desejo de alcança-lo; portanto, preciso de um GURU, uma autoridade que me ajude a conseguir o que ambiciono. Por conseguinte, me torno um seguidor, dependente de outra pessoa; e enquanto houver dependência, não se pode pensar na possibilidade de o indivíduo desligar-se do coletivo e encontrar por si mesmo a Verdade, ou descobrir qual é a coisa correta que cumpre fazer.

Assim, se você observar, verá que estamos sempre procurando alguém que nos indique o que devemos fazer. Vendo-nos confusos, dirigimo-nos a outro, em busca de conselho. O resultado é que estamos sempre seguindo e, portanto, psicologicamente, instaurando a autoridade, a qual, invariavelmente, cega-nos o pensar, impedindo-nos a tão essencial ação criadora.

Exteriormente, nesta nossa sociedade de competição, aquisição, temos de ser ambiciosos, cruéis, para não sermos expulsos ou exterminados. Interiormente, isto é, psicologicamente, somos também ambiciosos; aí também está o desejo de atingirmos uma certa culminância e, assim, vivemos a perseguir um objetivo, de nós mesmos “projetado” ou criado por outro. Percebido esse fato, que se deve fazer? Como descobrir a ação correta?

Positivamente, este problema concerne a todos nós. Vemos que há confusão dentro de nós e ao redor de nós; os velhos valores e crenças e dogmas, os guias que temos seguido, não mais nos satisfazem, perderam toda a sua força; e se percebemos esse caos em que nos encontramos, o que devemos fazer? Como descobrir qual é a ação correta? Para penetrarmos este problema, temos de perguntar a nós mesmos o que entendemos por “busca”, não acha? Todos dizemos que estamos buscando — pelo menos o dizem os que sentem verdadeiro interesse e empenho; mas antes de prosseguirmos em nossa busca, por certo devemos descobrir o que entendemos por essa palavra e o que é que cada um de nós está buscando.

Pode-se encontrar alguma coisa nova, mediante a busca? Ou só se pode achar, nessa busca, o que já se conheceu antes e que foi “projetado” no futuro? Acho muito importante esta questão. O que é que estamos buscando? E pode a mente que está buscando, encontrar uma coisa que transcende o tempo, que transcende suas próprias projeções? Isto é, digo que estou buscando a verdade, Deus, a felicidade; mas para achar isso, preciso ser capaz de reconhece-lo, não é verdade? E para ser capaz de reconhece-lo, preciso tê-lo experimentado antes. A experiência anterior é indispensável ao reconhecimento e, portanto, se sou capaz de reconhecer uma cosia, ela já existia em minha mente e, por conseguinte, não pode ser a Verdade; é apenas uma “projeção”, uma coisa saída de mim mesmo. Todavia, é isso o que está fazendo a maioria de nós. Quando buscamos, estamos a demandar uma coisa já experimentada pela mente e que ela quer de novo agarrar; por conseguinte, o que verdadeiramente nos interessa é a permanência de uma experiência que nos deu prazer, que nos deleitou. Enquanto a mente estiver buscando, é bem evidente que não poderá descobrir o que é a Verdade. Só quando já não está buscando — e isso não significa tornar-se embotada, distraída — e compreender o total “processo” da busca, é só então que se encontra a possibilidade de descobrir algo que não foi “projetado”, avaliado pela mente.

(...) O importante, por conseguinte, é descobrirmos, por nós mesmos, o que cada um de nós está buscando e se o que buscamos tem valia ou se representa apenas uma fuga. É de toda necessidade possuir autoconhecimento — conhecer a si mesmo, não como ATMAN, etc., porém saber, cada um, o que ele próprio é, de dia em dia; e isso significa observar o seu próprio modo de pensar, as influências que lhe servem de base ao pensar, e estar consciente dos movimentos conscientes e inconscientes da mente. Então, a mente é capaz de tornar-se muito tranquila; e só nessa tranquilidade é possível acontecer algo REAL.


Jiddu Krishnamurti — Da solidão à plenitude humana

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

A Verdade resultante da busca não é Verdade

Pergunta: conforme pensa, assim se torna o homem. Não é essencial que saibamos uma forma de não ficarmos à mercê de nossos pensamentos maus e incontroláveis?

Krishnamurti: Em primeiro lugar, o interrogante começa citando a frase: "conforme pensa, assim se torna o homem". Não é um fato muito curioso esse — de que não sabemos pensar diretamente num problema? Temos citações e mais citações, em apoio de nossas teorias — citações do Bhagavad-Gita, de Marx, Sankara, Churchill ou Mau-Tsé-Tung. A nossa mente é incapaz de observar e experimentar qualquer coisa diretamente. Essa sabedoria de empréstimo nos destrói a capacidade de descobrirmos a Verdade por nós mesmos.

(...) A mente de vocês está inibida, tolhida; e uma mente inibida é incapaz de ser livre. Apenas é livre a mente que compreende achar-se tolhida; então há possibilidade de fazer-se alguma coisa. Uma mente que diz: "não estou inibida", "estou repleta de conhecimentos", "estou recheada de citações das ideias dos outros" — é incapaz do descobrimento daquilo que é Real. O homem de tal mentalidade vive num nível "de segunda mão".

Agora, a segunda parte da pergunta é: "não é essencial que conheçamos uma forma de não ficarmos à mercê de nossos incontroláveis pensamentos?" Nesta pergunta duas coisas se compreendem. Diz ele: "como posso manter-me livre dos pensamentos maus e incontroláveis?" Preste muita atenção a isto, porque é importantíssimo; pois, se puderem realmente perceber o significado, se puderem penetrar as palavras, descobrirão algo.

(...) Existe o pensador, a entidade separada do pensamento, separada dos pensamentos maus e incontroláveis? Tenham a bondade de observar a própria mente de vocês. Dizemos: "há o 'eu', que deseja permanecer separado dos maus pensamentos, dos pensamentos instáveis, erradios". Isto é: há o "eu" que diz: "este é um pensamento extravagante", "esta é uma ação má", "isto é bom", "isto é mau", "preciso controlar este pensamento", "preciso reter este pensamento". É isso o que sabemos. A pessoa, o "eu", o pensador, o juiz, a entidade que julga, o censor, é diferente de tudo isso? O "eu" é diverso do pensamento, da inveja, do que é mau? O "eu" que se diz distinto de uma coisa má está sempre lutando para sobrepujá-la, dominá-la, lutando para tornar-se alguma coisa. Vocês têm, pois, esta luta, este esforço de banir os pensamentos e de "não ser extravagante".

No próprio "processo" do pensar criou-se este problema do esforço. Compreendem? É então que nasce a disciplina, o controle, por parte do "eu", do pensamento mau; o esforço do "eu" para tornar-se não invejoso, não violento, para ser isto ou aquilo. Vocês criaram, pois, deveras, o processo do esforço, no qual figuram o "eu" e a coisa que ele está controlando. Este é o fato real de nossa existência diária.

Ora bem, o "eu" que está observando, o observador, o pensador, o agente é diferente da ação, do pensamento, da coisa que observa? Temos dito, até agora, que o "eu" difere do pensamento. Consideremos, pois, esta coisa: "o pensante difere do pensamento?" Diz o pensante: "meus pensamentos são erradios, maus; por conseguinte, devo controlá-los, moldá-los, discipliná-los". Nesse processo criou-se o problema do esforço e a fórmula negativa "não ser". (...) Como disse, criamos o esforço sob formas distintas — de negação e afirmação; tal é a nossa vida de cada dia.

Mas, existe alguma diferença entre o pensador e o pensamento? Investiguem isso. Há diferença? Isto é, se não pensassem, existiria um "eu"? Se não houvesse pensamento, ideia, memória, experiência, existiria o "eu"? Vocês dizem ser, o "eu", a entidade superior, a coisa que está acima do pensamento a guiar-lhes e governar-lhes. Pois bem, se dizem isso, tornem a considerá-lo; não o adotem. Se dizem tal coisa, então essa mesma entidade que pensa a respeito do Atman, continua compreendida na esfera do pensamento. Toda coisa suscetível de ser pensada está na esfera do pensamento. Isto é, quando penso a respeito de você, no nome próprio que sei, quando lhe conheço, você já se encontra na esfera do meu pensamento, não é verdade? Meu pensamento, está, por conseguinte, em relação com sua pessoa. Assim, pois, o Atman, ou "eu superior", ou qualquer palavra que preferirem, está sempre na esfera do pensamento. Vemos, pois, há sempre uma relação entre o pensador e o pensamento; eles não constituem dois estados separados, mas um processo unitário.

Há, pois, tão-somente, pensamento, o qual se divide, a si mesmo, em duas partes — pensador e pensamento, atribuindo ao pensador a superioridade. Esse pensamento cria o "eu", que se torna permanente, porque, na verdade, é este o estado a que ele aspira: a segurança, a permanência, a certeza, — nas relações, com minha esposa, meu filho, minha sociedade; sempre o desejo de inalterável certeza. O pensamento é desejo; por conseguinte, o pensamento, o desejo, buscando a certeza, cria o "eu". E o "eu", então, se fecha na permanência e começa a dizer: "preciso controlar os meus pensamentos, preciso banir tal pensamento e adotar tal pensamento" — como se esse "eu" tivesse existência separada. Se observarem, verão que o "eu" não é separado do pensamento. Aí se faz sentir a importância de se experimentar realmente essa coisa, de que o pensador é o pensamento. Esta é a meditação verdadeira: o descobrir como a mente está sempre produzindo a separação do pensador e do pensamento.

Interessa-nos o processo total do pensar, e não o "eu", querendo observar o pensamento, o "eu" que cria, que domina, subjuga e sublima pensamentos. Só há um único "processo": o pensar. O pensamento que declara "esta é minha casa" é inspirado pelo desejo de segurança, nessa casa. Identicamente, quando dizem "minha esposa", esse pensamento implica segurança. Vemos, pois, que o "eu" ganha superioridade, na certeza. Não há senão um processo, que é o pensar, pois não há "eu" separado do pensamento.

Nessas condições, ao reconhecerem esse fato, ao apresentar-se esta percepção, esta compreensão, que acontece aos pensamentos erradios, instáveis, a saltitarem por todos os lados, como borboletas ou macaquinhos? Quando já não existe censor, quando já não há nenhuma entidade que diz "preciso controlar o pensamento" — que acontece?... Existe então "pensamento errático"? Entendem? Não há mais nenhuma entidade operando, julgando; por conseguinte, cada pensamento é um pensamento, de per si, e não deve ser comparado e declarado bom ou mau. Por conseguinte, não há divagação ou instabilidade.
Só há pensamento erráticos, quando o pensamento diz "estou divagando; não devo fazer aquilo; devo fazer isto". Quando não há o pensador, a entidade que quer controlar o pensamento, então o que nos interessa é só o pensamento, tal qual é, e não como deveria ser. E descobrirão então quanto é belo observar, na sua realidade, cada pensamento e a respectiva significação; porque, então, não há mais pensamento errático. Eliminem definitivamente o problema do esforço, pois não se pode alcançar a Realidade por meio de esforço; o esforço tem de cessar, para que a Realidade possa apresentar-se. Vocês devem ser receptivos. Não se trata de recompensa ou castigo. Não se trata de recompensas por suas boas ações. A sociedade interessa a respeitabilidade de vocês; porém, para a Verdade, não.

Para que a Verdade possa existir, o pensamento deve estar em silêncio. Não deve estar o pensamento em busca de recompensa ou punição, e nem ter pretensões. Só nesse estado de espírito, em que não há busca, é possível manifestar-se a Verdade. A Verdade resultante da busca não é Verdade nenhuma; não é senão uma voz projetada do "eu", traduzindo-lhe a ambição de preenchimento. Assim, pois, ao perceberem tudo isso, ao perceberem na sua inteireza o quadro em que se mostra como a mente opera, não há então pensamento para controlar ou disciplinar; todo pensamento tem então sua importância; há a observação do pensamento, com o pensamento no papel de observador que observa o pensamento, coisa essa dificílima de experimentar-se, uma vez que requer uma extraordinária lucidez e tranquilidade de espírito. Todo pensamento é resultado da memória — da memória que não é mais do que um nome. Porque, em verdade, nós pensamos com palavras; seu pensamento é produto ou "projeção" da memória; a memória se constitui de imagens, símbolos e palavras. Portanto, enquanto houver aquela "projeção", haverá pensamento. Um homem interessado em compreender o pensamento deve, por conseguinte, compreender todo o processo da sua produção: dar nome, lembrar-se, reconhecer. Só então há possibilidade da mente tornar-se, totalmente tranquila. Essa tranquilidade vem com a compreensão. Pode então a Verdade dispensar ao indivíduo as suas bençãos, chegar-se a ele, libertá-lo de todos os seus problemas; somente aí surge o ente criador — que não é o homem que pinta quadros, escreve poemas ou trabalha dez horas por dia.

Jiddu Krishnamurti — Autoconhecimento — Base da Sabedoria 

sábado, 14 de setembro de 2013

A mente em conflito deforma tudo que vê

Vamos falar a respeito da meditação, uma das coisas mais extraordinárias — quando sabemos o que significa ter mente capaz de meditar. Ignorá-lo é ser como um cego, incapaz de ver as cores, como um homem de mente embotada. Se não sabemos o que significa meditar, teremos uma vida muito estreita e limitada, por mais inteligentes e eruditos que sejamos, por melhores que sejam os livros que escrevemos ou os quadros que pintamos. Permanecemos fechados num muito estreito círculo de conhecimento — pois o conhecimento é sempre limitado. Para compreender a questão da meditação, temos de examinar a questão da experiência e também de investigar porque buscamos e o que estamos buscando.

No fundo, a nossa vida é confusão, desordem, aflição, agonia. Quanto mais sensíveis somos, tanto maior o nosso desespero e ansiedade, nosso “sentimento de culpa”; e dessa vida desejamos naturalmente fugir, porque nela não encontramos nenhuma solução; não sabemos de que maneira sair de nossa confusão. Desejamos fugir para um outro mundo, uma outra dimensão. Fugimos por meio da música, da arte, da literatura; mas, trata-se sempre de fuga e a coisa para que fugimos é sem realidade, em comparação com aquilo que estamos buscando. Todas as fugas são iguais, não importa se fugimos pela porta de uma igreja, em busca de Deus ou de um Salvador, ou pela porta da bebida ou de diferentes drogas. Não só temos de compreender o que e  porque estamos buscando, mas também temos de compreender essa necessidade de experiências profundas e duradouras, porque só a mente que nada busca, que não exige experiências de nenhuma forma, poderá ingressar numa esfera ou dimensão inteiramente nova. É o que vamos fazer nesta tarde; assim espero.

Nossa vida em si mesma, é superficial, insuficiente, e desejamos uma outra coisa, uma experiência mais sublime, mais profunda. Também, vivemos num inaudito isolamento. Todas as nossas atividades e pensamentos e maneiras de comportar-nos levam-nos a esse isolamento, a essa solidão a que desejamos fugir. Se não compreendermos esse isolamento, não intelectual, verbal ou racionalmente, porém entrando diretamente em contato com o que estamos realmente buscando, entrando em contato com o estado de solidão; se não compreendermos e dissolvermos, completamente, aquele isolamento, toda meditação, toda busca, toda atividade espiritual ou religiosa (assim chamada) será inteiramente fútil, porquanto representará uma fuga ao que somos. É o mesmo que uma mente superficial, embotada, mesquinha, pensar em Deus. Se existe essa coisa em que ela pensa, aquela mente e seu Deus permanecerão sempre muito insignificantes.

A questão consiste em saber se é possível para a mente que está fortemente condicionada, toda enredada nas aflições e conflitos da vida de cada dia, se é possível a essa mente manter-se desperta, tão ampla e profundamente desperta que não haja busca nenhuma, nenhum desejo de experiência. Quando um indivíduo está desperto, quando em si próprio há luz, não há busca e nenhum desejo de mais experiências. Só o homem que está na escuridão vive a buscar a luz. É possível um indivíduo manter-se tão intensamente desperto, tão altamente sensível, física, intelectualmente e a todos os respeitos, que não haja ima única sombra em sua mente? Só então não há mais busca; só então não há mais ânsia de novas experiências.

É possível isso? A maioria de nós vive de sensações, sensações dos sentidos, e o pensamento adiciona-lhes o prazer. Com o pensar nessas sensações, delas obtemos um grande prazer — e, quando há prazer, há sempre dor. Temos de compreender esse processo, como o pensamento cria o tempo, o prazer e a dor; como o pensamento, depois de cria-los, deles procura fugir; e como essa própria fuga gera conflito. Vejo-me aflito e gostaria de ser feliz, de colocar fim a minha aflição. O pensamento criou a aflição, e espera, depois, colocar-lhe fim. Nesse estado dual, o pensamento cria conflito para si próprio.

A maioria de nós se vê nesse estado de isolamento e solidão, nesse estado de vazio. Embora o indivíduo tenha a companhia de sua família ou de outro grupo qualquer, conhece esse estado, essa profunda ansiedade por causa de nada. Pode o indivíduo libertar-se disso, superá-lo, sem procurar preencher esse isolamento, essa solidão, esse vazio, com conhecimentos, experiências, palavras de todo gênero? Você conhece todas as coisas que uma pessoa costuma fazer para preencher o vazio em si existente. Pode-se transcendê-lo? Para compreender uma coisa e dela libertar-se, a pessoa tem de entrar em contato com ela. (...) temos uma imagem do vazio, da solidão, e essa imagem nos impede o direto contato com o fato — a solidão.

Se você se acha em contato com alguma coisa, sua mulher, seus filhos, o céu, as nuvens, qualquer fato, no momento em que o pensamento intervém perde-se o contato. O pensamento nasce da memória. A memória é a imagem, e é daí que você olha e, por conseguinte, verifica-se uma separação entre o observador e a coisa observada.

(...) É essa separação entre observador e a coisa observada que faz o observador desejar mais experiência, mais sensações, e o impele a uma perene busca. (...) enquanto existir o observador, a entidade que está em busca de experiência, enquanto existir o censor, que avalia, julga, condena, não pode haver contato direto com o que é. (...) Enquanto isso não for plenamente compreendido, percebido, elucidado, e sentido profundamente; enquanto não se aprender integralmente, não intelectual ou verbalmente, que o observador é a coisa observada, a vida continuará a ser toda de conflito e contradição entre desejos opostos; o que deveria ser e o que é. Só é possível essa compreensão quando percebemos que estamos olhando uma coisa como “observador” — uma flor, uma nuvem, qualquer coisa. Se a entidade que olha o objeto, o está observando com seus conhecimentos, não há contato com ele.

A mente que está em conflito, de qualquer natureza e em qualquer nível, consciente ou inconsciente, é uma mente torturada; tudo o que vê se deforma... tudo o que essa mente vê se deforma, necessariamente, enquanto existe conflito, o conflito da ambição, do medo, a agonia da separação etc. A mente em conflito é uma mente deformada. Esse conflito só pode acabar quando o observador deixa de existir e só fica a coisa observada. Tem então a virtude, isto é, o comportamento, um significado inteiramente diferente. Virtude é ordem; (...) Se não existir, profundamente, em nós mesmos, essa ordem, o pensamento criará desordem com o nome de virtude.(...) Uma vez compreendido isso, pode-se começar a compreender o que é meditação, porquanto a compreensão do observador e da coisa observada faz parte da meditação.(...) Necessita-se de uma mente muito sutil e ágil, uma mente capaz de raciocinar, uma mente equilibrada, não neurótica. Todas as neuroses se verificam quando há atividade egocêntrica, quando existe o observador desejoso de expressar-se em várias atividades, e, por conseguinte, a criar conflito em si próprio. Tudo isso faz parte da meditação.

Jiddu Krishnamurti — Encontro com o eterno

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill