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sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Deixe de proteger seu próprio estado de miséria

No Japão, existe uma árvore de quatrocentos anos com apenas seis polegadas de altura. A árvore foi plantada num pires quatrocentos  anos atrás, e o homem que a plantou estava sempre cortando-lhe as raízes. Nunca deixaram as raízes crescerem e o pires tinha só um pouquinho de terra. se tivesse deixado a árvore crescer naturalmente, teria alcançado as nuvens. 

A mesma cosia aconteceu com o homem; suas raízes têm sido cortadas. Não lhe é permitido tocar as nuvens, nem dançar ou cantar. Só um pouquinho é permitido, mas isso é tão controlado que é quase insignificante. 

Tantas leis e regras são impostas, que quando algo  é permitido é quase insignificante, é apenas uma gota, e não uma cascata exuberante. E você só pode ser feliz quando sua energia está transbordando, quando ela é tanta que não há mais limites. William Blake disse: "A energia é um deleite." E a energia foi reprimida; a sociedade criou o amortecedor. 

O amortecedor tem que ser quebrado, e é isso o que estou fazendo aqui. Por isso as pessoas estão bastante contra mim. Estou tentando ajudá-las a serem felizes, mas elas protegem a própria miséria; elas não querem ser felizes. Querem continuar a ser hindus, cristãs, muçulmanas; não querem ser felizes.  Querem pertencer a alguma organização, e não a Deus. E continuam fazendo algo que é basicamente contra elas próprias. Não só os outros, mas você também continua cortando suas próprias raízes. Você foi ensinado a fazer isso; suas mãos agem quase inconscientemente. 

O homem está em profundo sono; está hipnotizado. Por isso você continua a viver desse jeito: na miséria, na infelicidade, na agonia. A mesma energia pode tornar-se êxtase; libere-a! Seja você mesmo e esqueça o que os outros têm tentado fazer de você. Declare-se livre! Deixe que a liberdade seja sua primeira e última lei; que a liberdade seja a sua religião. E seja rebelde. Mas não estou dizendo para lutar contra a sociedade, pois isso é tolice; você só estaria desperdiçando a sua energia. 

Essa é a diferença que faço entre uma pessoa rebelde e uma revolucionária. O revolucionário é um reacionário; ele reage contra a sociedade, luta contra ela. Primeiro ele era infeliz porque a sociedade pesava sobre ele; agora é infeliz porque tem que lutar contra a sociedade. Primeiro ele seguia a sociedade; agora ele luta contra ela, mas continua obcecado pela sociedade. Um revolucionário não é realmente um rebelde. 

Que é rebelde? Rebelde é aquele que compreendeu todo o absurdo da sociedade e simplesmente pulou fora disso. Aparentemente, ele pode continuar fingindo que também pertence à sociedade. Ele é uma pessoa "esperta", que Gurdjieff costumava chamar de "pessoa que age em segredo". Ele é inteligente; nem ortodoxo nem revolucionário, apenas rebelde. Sua rebelião é inteligente: se a sociedade diz para andar pela direita, ele anda pela direita, pois sabe que não adianta lutar contra isso; é insignificante. 

Na superfície ele continua seguindo a sociedade, mas no fundo está fora, está vivendo sua própria vida. Ele não vai ao mercado exibir felicidade pois, se fizer isso, os outros o matarão, o crucificarão. Eles fizeram isso com Jesus, com Sócrates, com Mansur, e não deixarão você em paz também. 

(...) Não comece a lutar contra a sociedade, senão você ficará em dificuldades, e a felicidade irá novamente para longe, tão longe quanto antes. primeiro você estava seguindo a sociedade e não podia ser feliz. Agora você luta contra a sociedade, e ela o coloca na cadeia, ou tenta esmagá-lo, e você continua infeliz. 

A pessoa rebelde é muito esperta. Ela escapa de uma forma tão silenciosa que não faz nenhuma ondulação na superfície... e começa a viver sua vida provada à sua maneira. É isso que ensino a vocês; não ensino a serem revolucionários e, sim, rebeldes. Uma pessoa religiosa é uma pessoa rebelde. 

O S H O em, A Divina Melodia

Quando foi a última vez que você foi feliz?

Se você tem carregado um certo peso de infelicidade, uma certa cruz de angústia e de infelicidade, acaba se acostumando; esse peso é quase parte de seu ser. E, então, qualquer coisa nova será mais incômoda, pois com o novo você terá que aprender novas maneiras de ser. E a felicidade? Você esqueceu a sua linguagem. Você nem se lembra mais o que significa a felicidade; não se lembra de tê-la experimentado alguma vez. Parece que é apenas um sonho, algo muito frágil e pouco sólido para ser apanhado; você não pode segurá-lo em suas mãos e vê-lo. 

O que você quer dizer por felicidade? Quando foi a última vez que você foi feliz? Você pode lembrar-se de algum momento em sua vida em que foi realmente feliz? Você ficará surpreso, mas toda a sua vida parece um deserto. Você tem esperado... mas não experimentou a felicidade. Essa vida desértica é o que você quer dizer quando afirma: "Eu sou." Esse é o seu ego: todo esse pus, esse estado cancerígeno, toda essa doença e neurose — é a isso que você chama de "eu sou". Esse é o seu ego. 

E se eu digo: "Abandone o ego", você diz: "Como posso deixar o ego? Por que devo me entregar? Por que deveria me entregar a alguém?" Esse "eu" não é nada mais do que o seu passado. Olhe profundamente para isso, analise um pouco, e você não encontrará nada além de misérias e mais misérias... feridas, insultos, irritações, pesadelos... Mas você luta por isso. Você não está pronto para abandoná-lo; está realmente apegado. 

Entrega significa simplesmente uma compreensão: chega desse "eu", vou abandoná-lo! No momento em que você abandona o "eu", abandona também toda a hipnose em que a sociedade o forçou a entrar. No momento em que deixa o ego, está abandonando o Estado, a religião, a Igreja, a sociedade, os pais, a escola, a universidade, a civilização, a cultura; joga fora todos os condicionamentos. E, de repente, você vê surgir uma onda de felicidade e bem-aventurança em você. Ela estava lá, esperando; é só remover o peso que a fonte voltará a fluir. 

Você nasceu feliz; toda criança nasce feliz e para ser feliz, e toda essa vida é uma grande festa. Mas existem pessoas que não permitem que você seja feliz. Você já observou que, sempre que está se sentindo um pouco feliz, ao mesmo tempo você sente uma pequena culpa, como se estivesse fazendo alguma coisa errada? Se você está infeliz, não há culpas; se está feliz, há culpa, pois você deve estar fazendo algo errado.(...) As pessoas se sentem ofendidas se você está feliz; então, você se sente culpado. Ninguém perdoa um homem feliz: "Como você ousa ser feliz?"

As pessoas só permitem que os loucos sejam felizes. Se alguém ri alto e dança nas ruas, as pessoas dizem que ele é louco. Se você está feliz, só é perdoado se permitir que o chamem de louco. Se podem rotulá-lo de louco, então não se preocupam; todos riem de você, pois sabem que você é louco. Do contrário, como pode ser feliz? 

As pessoas esqueceram a própria linguagem... mas você pode recuperá-la, pois é algo seu, natural. Não se trata de nada que possa ser aprendido; você só tem que desaprender o que a sociedade colocou em você. Você tem que recuperar sua infância; tem que renascer. Foi o que Jesus disse a Nicodemos: Você terá que renascer. Tem que morrer como você é, tem que renascer. Tem que se limpar da sociedade. 

Quando você joga fora a sociedade, Deus começa a cantar uma canção para você. Ele ainda canta nos passarinhos, pois eles não têm sociedade, não têm que ir às escolas, não têm que ser cultos nem condicionados. Ele ainda canta nas árvores, pois elas ainda não criaram padres e políticos. Ele ainda canta nas ondas do mar... Exceto no homem, Deus está feliz em toda parte. Algo deu errado no homem.

O S H O em, A Divina Melodia

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Não há uma só parte da mente que não esteja condicionada


O autoconhecimento é o começo da sabedoria. O autoconhecimento não se consegue de acordo com algum psicólogo, livro ou filósofo; ele consiste em conhecermos a nós mesmos tais como somos, de momento a momento. Compreendem isso? Conhecer a si mesmo é cada um observar o que pensa, o que sente, não apenas superficialmente, pois devemos estar profundamente cônscios do que é, sem condenação, sem julgamento, sem avaliação ou comparação. Experimentai-o, e verão como é difícil a uma mente que foi exercitada durante séculos para condenar, julgar e avaliar deter esse processo e ficar simplesmente a observar o que é. Entretanto, se não se fizer esta observação, não apenas no nível superficial, mas em todo o conteúdo da consciência, nunca será possível penetrarmos as profundezas da mente. 

vejam, por favor, se aqui estão realmente com o fim de compreender o que se está dizendo, que é isto que deve ser de nosso interesse, e nada mais. O problema de vocês não é o de saber a que sociedade pertencer, a que gênero de atividade se entregar, que livros ler, e outras superficialidades dessa ordem, mas, sim, de saber como libertar a mente do condicionamento. A mente não é apenas a consciência desperta, ocupada com as atividades diárias, mas é também as camadas profundas do inconsciente, onde se encontra todo o resíduo do passado, da tradição, dos instintos raciais. Tudo isso é a mente, e a menos que essa consciência total seja livre, de ponta a ponta, a nossa busca, nossa investigação, nosso descobrimento, será limitado, estreito, insignificante. 

A mente está toda condicionada. Não há uma só parte da mente que não esteja condicionada. Nosso problema, portanto, é este: Pode a mente, assim condicionada, libertar-se? E quem é a entidade que poderá libertá-la? Compreendem o problema? A mente é a consciência total, com todas as suas camadas de conhecimentos, aquisições, tradições, instintos raciais, memórias. Esta mente pode se libertar? Ou só pode se libertar ao perceber que está condicionada e que todo movimento que faça para sair de seu condicionamento é outra forma de condicionamento? Espero que estejam compreendendo. Se não, continuaremos a examinar este ponto nos próximos dias. 

A mente está toda condicionada, o que é um fato evidente, se refletirmos a tal respeito. Isso não é invenção minha, é um fato. Pertencemos a uma dada sociedade, fomos educados de acordo com determinada ideologia, certos dogmas, tradições, e a vasta influência da civilização, da sociedade, nos condiciona incessantemente o espírito. Como pode esse espírito ser livre, se todo o movimento para se libertar resulta de seu condicionamento e, por conseguinte, produzirá, forçosamente, mais condicionamento? Só há uma resposta: A mente só pode ser livre quando está completamente tranquila. Embora tenha problemas e inúmeros impulsos, conflitos, ambições, se — a mercê do autoconhecimento, da auto-vigilância sem aceitação ou condenação — ela estiver cônscia, imparcialmente, do seu próprio processo, então, desse percebimento há de resultar um silêncio extraordinário, uma tranquilidade de espírito em que não se observa movimento de espécie alguma. É só então que a mente é livre, porquanto nada mais deseja, nada mais busca, não visa a nenhum objetivo ou ideal — que são as projeções de toda mente condicionada. E se lograrem alcançar essa compreensão em que não há auto-mistificação, encontrarão a possibilidade de ver surgir aquela coisa extraordinária que se chama criação. Só então está a mente apta a compreender aquela imensidade que se pode chamar Deus, a Verdade, ou como quiserem — a palavra tem pouquíssima importância. Vocês podem ser prósperos, socialmente, possuir muitos bens — automóveis, casas, geladeiras — ter paz superficial, mas, sem o surgimento daquilo que é imensurável,  encontrarão sempre aflições. A libertação da mente de seu condicionamento é o fim do sofrimento.

Krishnamurti em, Realização Sem Esforço

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Sobre o processo de automatização de seres humanos

Que unidade de infecção mental principal do ambiente é absorvida e internalizada? Uma sociedade, geralmente, dá aos seus membros, além de linguagem e rótulos comuns, um conjunto de articulações e justificações oferecendo as razões pelas quais se espera que os membros SE AJUSTEM ao código, preconceitos e cerimonias daquela sociedade. Tensão social, coerção e COMPULSÃO DE CONFORMAR-SE apelam mais a mente imaturas, especialmente quando reforçadas por satisfações substitutas, como expectativas utópicas, auto-adulação ou ódio internalizado sob a forma de preconceito e bode-expiatório. Em outras palavras, o contágio mental comum de agressão, excitação e depreciação dos de fora é com frequência muito eficaz para ajudar pessoas A SE DESABAFAREM. Em todo esse atoleiro, onde fica o núcleo infeccioso?

(...) Estrategistas tirânicos, quando recrutam dóceis seguidores, fazem pleno uso dessa tendência passiva que as pessoas têm para REGREDIR sob terror e tensão. A Alemanha nazista deu origem ao "perfeito robô humano" — aquele que podia matar a uma ordem, sem o menor sentimento de responsabilidade moral pessoal por seus atos. O homem em regressão torna-se uma coisa em lugar de um "ser". NÃO É MAIS CAPAZ DE OBSERVAR E EXAMINAR.

(...) A automatização de seres humanos, o impulso para o robotismo e instituições computadorizadas, promove o contagioso HÁBITO de difundir desconfiança, mútua no mundo. Porque desconfiança é tão contagiosa? Na patologia estamos muito familiarizados com este conceito de fácil contaminação de pessoas por sentimentos de desconfiança e perseguição. Nesse sentido pequenos grupos fechados podem de repente comportar-se de maneira quase psicótica. Desconfiança profunda leva pessoas a voltarem involuntariamente a um estado INFANTIL INSTÁVEL sem fronteiras protetoras do ego e SEM NOÇÃO da diferença entre qual sentimento é PROVOCADO DE FORA e qual é PROVOCADO DE DENTRO. Delírios paranoicos de GRANDEZA e delírios de perseguição são muito semelhantes. Parece plausível explicá-los com base na falta de capacidade do homem para diferenciar entre seu mundo interior e exterior.

(...) Ser um robô, ser um dente da engrenagem, dá ao homem o sentimento de ser novamente um bebê indefeso e vulnerável. Desconfiança e prevenção, inveja e rivalidade tornam-se então as amargas unidades infecciosas que prendem o homem a suas reações à insegurança e ao desconhecimento, e a seus sentimentos de fraqueza. Contudo, ao culpar os outros, ele se torna vulnerável, e ainda mais, suspeito.

Paranoização coletiva e regressão infecciosa de massa são quase sinônimos. Se o mundo chegar um dia a um holocausto nuclear, será porque a nossa civilização não foi capaz de controlar a necessidade que o homem tem de regressão e ódio irracional. Não podemos negar que vive em todos nós a reação potencial de desconfiança paranoide. Felizmente, para nós, ela geralmente é manifestada apenas por pequena minoria da população. No entanto, o terror instilado por minorias e extremistas é capaz de dar início ao caos e a revolução. De fato, o cruzamento consanguíneo de desconfiança e ressentimento pode levar a comunidade a um furo suicida e homicida.

(...) As pessoas estão mergulhadas em um mar de engenhos tecnológicos. Não podem mais compreender para que são todas essas coisas. Só sabem que os multiformes engenhos de comunicação estão enfiando seu nariz na vida privada dos indivíduos. A televisão hipnotiza o microcosmo da sala de estar, o telefone espanta com toques de campainha os últimos vestígios de silêncio e a publicidade seduz-nos hora após hora. A espada recém-eletrificada de Dámocles pende sobre o homem moderno.

(...)Desde o início de nossos dias recebemos de nossos pais e do ambiente grandes pedaços e peças de informação que se combinam para formar nossa experiência, que por sua vez condiciona nosso comportamento... Geralmente não temos consciência dessa sutil modelagem de nossos sentimentos e pensamentos pelo ambiente, por todos os amigos e parentes que nele existem. Quanto a controle psicológico remoto, o fato é que ele pode ser fortalecido quando é dada forte ênfase social à intrusão na vida privada. Modernos aparelhos eletrônicos de espionagem e sistemas de telegravação são apregoados vigorosamente a fim de seduzir pessoas a tornarem-se bisbilhoteiros eletrônicos — indivíduos que desejam saber o que está se passando nas fendas da mente alheia.

Joost A.M. Merloo

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Por que mantêm-se um padrão idiota, irracional de encarar as coisas?

K: ...Estávamos falando outro dia a respeito da eliminação do tempo. Os cientistas, através da investigação da matéria, querem descobrir esse ponto. As chamadas pessoas religiosas têm se empenhado em descobrir — não apenas verbalmente — se o tempo pode parar. Nós entramos um pouco nisso, e chegamos à conclusão de que é possível que um ser humano que escute, consiga encontrar, através da visão intuitiva, o final do tempo. Pois a visão intuitiva não é memória. Memória é tempo, memória é experiência, conhecimento, armazenados no cérebro, e assim por diante. Enquanto ela estiver funcionando, não existirá qualquer possibilidade de termos qualquer visão intuitiva com relação a alguma coisa. Estou me referindo à visão intuitiva total e não à parcial. O artista, o cientista, o músico, todos eles têm visões intuitivas parciais e portanto ainda estão vinculados ao tempo.

É possível termos uma visão intuitiva total, o que representa o fim do "mim", porque o "mim" é o tempo? O "mim", meu ego, minha resistência, minhas mágoas, tudo isso. Esse "mim" pode acabar? É somente quando ele acaba que ocorre a visão intuitiva total; foi isso que descobrimos.

Depois abordamos a pergunta: é possível a um ser humano eliminar completamente toda essa estrutura do "mim"? Respondemos que sim e nos aprofundamos mais no assunto. Muito poucas pessoas prestarão atenção a isso porque é por demais aterrorizante. Surge então a pergunta: se o "mim" terminar, o que encontraremos? Apenas o vazio? Não há interesse nisso; mas se estivermos investigando sem qualquer sentimento de recompensa ou de punição, então existirá alguma coisa. Dizemos que tal coisa é o vazio total, que é energia e silêncio. Bem, isso soa bonito, mas não tem qualquer significado para um homem comum que seja sério e que queira ir além disso, além de si mesmo. Fomos ainda mais adiante e perguntamos: existe alguma coisa além disso tudo? E dissemos que há.

DB: A base.

K: A base. Será que o começo dessa investigação é escutar? Será que eu, como um ser humano, abandonarei completamente minha atividade egocêntrica? O que fará com que eu me afaste dela? O que fará com que um ser humano se afaste dessa atividade destrutiva e autocentrada? Se ele se afastar devido à recompensa ou ao castigo, isso representará apenas outro pensamento, outro motivo. Portanto, descartemos isso. O que fará, então, com que os seres humanos renunciem — se eu puder usar essa palavra — renunciem completamente a ela sem qualquer motivo?

Veja, o homem tentou tudo com esse objetivo — o jejum, a tortura de si mesmo sob diversas formas, a auto-abnegação através da crença e a negação de si próprio por meio da identificação com algo superior. Todas as pessoas religiosas tentaram, mas o "mim" ainda está presente.

DB: Sim. Toda a atividade não tem significado, mas de algum modo isso não se torna evidente. As pessoas se afastarão de algo que não tenha significado, e que não faça sentido, corriqueiramente falando. Parece, contudo, que a percepção desse fato é rejeitada pela mente. A mente resiste a isso.

K: A mente resiste a esse conflito permanente, e se afasta dele. 

DB: Ela se afasta do fato de que o conflito não tem significado. 

K: As pessoas não percebem isso.

DB: A mente também está organizada deliberadamente para não percebê-lo. Ela o evita quase que deliberadamente, mas não propriamente de modo consciente, como o fazem as pessoas na Índia que dizem que vão se retirar para as montanhas do Himalaia porque não há nada a ser feito.

K: Mas isso é inútil. Você quer dizer que a mente, por ter vivido tanto tempo no conflito, recusa-se a se afastar dele?

DB: Não está claro porque ela se recusa a abandoná-lo; porque a mente não quer enxergar que o conflito não tem qualquer sentido. A mente está enganando a si própria, está querendo se proteger.

K: Os filósofos e as chamadas pessoas religiosas enfatizaram a luta, enfatizaram a importância do esforço e do controle. Será esse um dos motivos pelo qual os seres humanos se recusam a abandonar o seu modo de viver?

DB: Possivelmente. Eles acham que através da luta ou do esforço alcançarão um melhor resultado. Eles não querem desistir do que possuem, e sim melhorá-lo através de intenso esforço.

K: O homem já viveu dois milhões de anos; o que ele conseguiu? Mais guerras, mais destruição.

DB: O que estou tentando dizer é que as pessoas tendem a não querer ver isso, mas também se inclinam a voltar atrás com a esperança de que a luta produza algo melhor.

K: Não estou bem certo se esclarecemos esse ponto, ou seja, que os intelectuais — estou empregando essa palavra respeitosamente — os intelectuais do mundo tenham enfatizado esse fator de luta.

DB: Creio que muitos deles o fizeram.

K: A maioria deles.

DB: Karl Marx
.
K: Marx e até Bronowski, que falam de mais e mais luta, e da aquisição de mais e mais conhecimento. Será que os intelectuais têm uma influência tão extraordinária nas nossas mentes?

DB: Acho que as pessoas fazem isso sem qualquer estímulo por parte dos intelectuais. Veja bem, a luta tem sido enfatizada por toda parte.

K: É isso que eu quis dizer. Por toda parte. Por quê?

DB: Bem, no início as pessoas pensaram que ela seria necessária porque tinham de lutar contra a natureza para poderem sobreviver.

K: Então a luta contra a natureza foi transferida para as outras pessoas?

DB: Sim, uma parte dela. Entenda, temos que ser bravos caçadores, e temos de lutar contra nossas próprias fraquezas para nos tornarmos corajosos, caso contrário não podemos fazê-lo.

K: Sim, exatamente. Será então que as nossas mentes estão condicionadas, moldadas e sustentadas por esse padrão?

DB: Bem, isso é certamente verdadeiro, mas não explica porque é tão excessivamente difícil mudá-lo.

K: Porque estamos acostumados a ele. Estamos numa prisão, mas estamos acostumados com ela.

DB: Mas acho que existe uma tremenda resistência a nos afastarmos dela.

K: Por que um ser humano resiste a isso, quando nos aproximamos e mostramos a falácia e a irracionalidade de tudo isso, apontamos toda a causa e o efeito, damos exemplos, apresentamos dados, e tudo o mais? Por quê?

DB: É isso que eu disse: se as pessoas fossem capazes de ser completamente racionais, elas abandonariam tudo isso; mas penso que existe algo mais com relação ao problema. Veja, podemos expor sua irracionalidade, mas existe alguma coisa mais, no sentido de que as pessoas não estão completamente conscientes de todo esse padrão de pensamento. Depois de ser revelado em determinado nível, ele ainda continua presente em níveis dos quais a pessoa não tem consciência.

K: E o que os tornaria conscientes?

DB: E isso que temos que descobrir. Acho que as pessoas têm que se tornar conscientes de que possuem essa tendência de prosseguir com o condicionamento. Pode ser um simples hábito, ou pode ser o resultado de muitas conclusões passadas que estão todas operando agora sem as pessoas saberem. Existem muitas coisas diferentes que mantêm as pessoas nesse padrão. Poderemos convencer alguém de que o padrão não faz sentido, mas quando se trata dos assuntos objetivos da vida, essa pessoa procederá de mil maneiras diferentes que implicam esse padrão.

K: Realmente. E depois?

DB: Bem, acho que uma pessoa teria que estar extremamente interessada nisso para destruí-lo completamente.

K: O que levará, então, os seres humanos a esse estado de extremo interesse? Veja bem, já lhes ofereceram o céu como recompensa se fizessem isso. Várias religiões tiveram essa atitude, embora isso se torne excessivamente infantil.

DB: A recompensa representa parte do padrão. Normalmente, a regra é que eu siga o padrão auto-envolvente a não ser que surja algo realmente importante.

K: Uma crise.

DB: Ou quando esperamos obter uma recompensa.

K: Naturalmente.

DB: Esse é um padrão de pensamento. As pessoas devem de algum modo acreditar que ele tem valor. Se todo mundo fosse capaz de trabalhar em conjunto e de repente pudéssemos criar a harmonia, todo mundo diria: está bem, eu também renunciarei. Na ausência disso, porém, as pessoas preferem se agarrar ao que possuem! Esse é o tipo de pensamento.

K: Agarrar-se ao que é conhecido.

DB: Eu não tenho muito, mas é melhor que eu me prenda a isso.

K: Sim. Está dizendo, então, que se todo mundo fizer isso, eu também o farei?

DB: Essa é a forma comum de pensamento. Porque tão logo as pessoas começam a cooperar numa emergência, um grande número começa a aderir.

K: Então elas formam comunas. Mas todas elas falharam.

DB: Porque depois de algum tempo essa coisa especial desaparece e as pessoas caem no antigo padrão.

K: O antigo padrão. Então eu pergunto: o que fará com que um ser humano rompa esse padrão?

(...)

I: Você está colocando a pergunta em termos de uma ação, de um rompimento, de uma renúncia. Isso não é uma questão de percepção?

K: Sim. Mostre-me, ajude-me a perceber, porque eu estou resistindo a você. Meu padrão, que está tão arraigado em mim, está me segurando — correto? Quero provas, quero ser convencido.

I: Temos de voltar à pergunta: por que eu quero ter provas? Por que desejo me convencer?

K: Porque alguém afirma que temos um modo idiota, irracional de encarar as coisas; e essa pessoa nos mostra todos os efeitos disso, a sua causa, e nós dizemos: sim, mas não podemos deixá-lo!

DB: Podemos dizer que essa é a própria natureza do "mim", que temos que atender às nossas necessidades, não importa quão irracionais elas sejam.

K: É isso que estou dizendo.

DB: Primeiramente, devo cuidar das minhas necessidades, e depois posso tentar ser racional.

K: Então, quais são as nossas necessidades?

DB: Algumas são reais e algumas são imaginárias, mas...

K: Sim, é isso. As necessidades imaginárias, ilusórias, dominam as outras necessidades.


Krishnamurti em, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Por que somos condicionados?

K: ...Por que ficamos condicionados assim?

DB: Por exemplo, dissemos outro dia que talvez o homem tenha dado um passo errado, tenha estabelecido um condicionamento errado.

K: O condicionamento errado desde o início; ou talvez a procura pela segurança — a segurança pessoal, para a família, para o grupo, para a tribo — tenha acarretado essa divisão.

DB: Mesmo nesse caso temos que perguntar porque o homem procurou essa segurança da forma errada. Veja, se tivesse havido qualquer inteligência, teria ficado claro que tudo isso não tinha significado.

K: Naturalmente, você está voltando ao passo errado. Como pretende me mostrar que demos um passo na direção errada?

DB: Está dizendo que queremos demonstrar isso cientificamente?

K: Sim. Acho que o passo errado foi dado quando o pensamento se tornou extremamente importante.

DB: O que fez com que ele se tornasse muito importante?

K: Bem, vamos chegar a uma conclusão. O que fez com que os seres humanos endeusassem o pensamento como o único meio de atuação?

DB: Também devemos tornar claro o motivo pelo qual, se o pensamento é tão importante, ele causa todas as dificuldades. Essas são as duas perguntas.

K: Isso é bastante simples. O pensamento se tornou rei, supremo; e esse pode ser o passo errado dos seres humanos.

DB: Veja, acho que o pensamento se transformou no equivalente da verdade. As pessoas consideraram que o pensamento fornece a verdade, fornece o que é sempre verdadeiro. Existe a noção de que temos conhecimento — que pode se manter em alguns casos por certo tempo — mas os homens generalizam, porque o conhecimento está sempre se generalizando. Quando as pessoas alcançaram a noção de que seria sempre assim, isso cristalizou o pensamento do que é verdadeiro. Isso deu ao pensamento uma importância suprema.

K: Você está perguntando, não está, por que o homem deu tanta importância ao pensamento?

DB: Acho que ele resvalou.

K: Porquê?

DB: Porque ele não percebeu o que estava fazendo. Veja, no início ele não viu o perigo...

I: Há pouco tempo atrás, você disse que a base comum para o homem é a razão...

K: Os cientistas dizem isso.

I: Se pudermos mostrar a uma pessoa que algo é verdadeiro. ..

K: Mostre-me isso. É verdade que sou irracional. Isso é um fato, isso é verdadeiro.

I: Você não precisa de razão para isso. A observação é suficiente.

K: Não. As pessoas brigam. As pessoas falam sobre a paz. As pessoas são irracionais. O Dr. Bohm assinalou que os cientistas dizem que o homem é racional, mas o fato é que a vida do dia-a-dia é irracional. Agora, estamos pedindo: mostre-nos cientificamente por que isso é irracional; isto é, mostre de que maneira o homem resvalou nessa irracionalidade; por que os seres humanos aceitaram isso. Podemos dizer que é hábito, tradição, religião. Além disso, os cientistas também são muito racionais no seu campo específico, mas irracionais nas suas vidas.

I: Você afirma, então, que a principal irracionalidade foi ter tornado rei o pensamento?

K: Isso mesmo. Chegamos aonde queríamos.

DB: Mas como resvalamos no sentido de fazer o pensamento tão importante?

K: Por que o homem considerou o pensamento como sendo a coisa mais importante? Acho que isso é muito fácil de responder. Porque isso é a única coisa que ele conhece.

DB: Isso não implica que o homem lhe dê uma importância tão grande.

K: Porque as coisas que conheço — as coisas que o pensamento criou, as imagens, e todo o resto — são mais importantes do que as coisas que não conheço.

DB: Mas veja, se a inteligência estivesse atuando, ele não teria chegado a essa conclusão. Não é racional dizer que tudo o que sei é importante.

K: Concordo, mas o homem é irracional.

DB: Ele escorregou na irracionalidade e disse: tudo o que sei é importante. Mas por que teria o homem feito isso?

K: Você diria que o erro foi cometido porque ele se agarra ao conhecido e rejeita qualquer coisa desconhecida?

DB: Isso é um fato, mas não está claro porque ele o faz.

K: Porque é a única coisa que ele tem.

DB: Estou perguntando, porém, por que ele não foi inteligente o suficiente para perceber isso?

K: Porque ele é irracional.

DB: Bem, estamos dando voltas!

K: Não acho.

DB: Veja bem, cada uma das razões que apresentou são apenas um outro exemplo da irracionalidade do homem.

K: Isso é tudo que estou dizendo. Somos basicamente irracionais, porque demos ao pensamento uma importância suprema.

Krishnamurti em, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO

domingo, 5 de outubro de 2014

O condicionamento nos mantém na servidão

Interrogante: Muito falais sobre condicionamento e dizeis que devemos libertar-nos dessa servidão, para não ficarmos aprisionados para sempre. Uma tal asserção é verdadeiramente escandalosa e inadmissível! Em geral, estamos condicionados muito profundamente e, ao ouvirmos uma declaração dessa espécie, erguemos as mãos para o alto e fugimos de tamanha extravagância! Mas, eu vos levo a sério, porque, afinal de contas, tendes dedicado vossa vida a esse trabalho, não como entretenimento, porém com profunda seriedade. Por essa razão, desejo conversar convosco, para ver até que ponto o ente humano pode descondicionar a si próprio. Isso é realmente possível e, se é, que significa? Tenho alguma possibilidade, eu, que vivo num mundo de hábitos, tradições, aceitação. de teorias ortodoxas sobre tantos assuntos — tenho alguma possibilidade de sacudir de mim esse condicionamento tão profundamente enraizado em mim? Que entendeis, exatamente, por "condicionamento", e que entendeis por "libertação do condicionamento"?

Krishnamurti: Consideremos antes a primeira pergunta. Nós estamos condicionados - fisicamente, nervosamente, mentalmente - pelo clima em que vivemos, pelos alimentos que tomamos, pela cultura em que vivemos, pela totalidade de nosso ambiente social, religioso e econômico, por nossa experiência, pela educação e por pressões e influências domésticas. São esses os fatores que nos condicionam. Nossas reações, conscientes e inconscientes, aos desafios de nosso ambiente  —  intelectuais, emocionais, externos e internos  —  representam a ação do condicionamento. A linguagem é, condicionamento; todo pensamento é ação, reação do condicionamento.

Vendo-nos condicionados, inventamos um agente divino que, como piamente acreditamos, irá libertar-nos desse estado mecânico. Cremos na sua existência, fora ou dentro de nós - como atman, alma, o Reino dos Céus interior, e sabe Deus o que mais! A essas crenças nos apegamos com todas as forças, sem ver que elas próprias fazem parte do fator condicionante que supostamente irão destruir ou substituir. Assim, sentindo-nos incapazes de nos descondicionarmos, neste mundo, e sem vermos sequer que o problema é o condicionamento, pensamos que a liberdade se encontra no céu, em Moksha, no Nirvana. No mito cristão do pecado original e na doutrina oriental de Samsara, nota-se que o fator condicionante foi sentido, ainda que um tanto vagamente. Se tivesse sido visto claramente, tais doutrinas e mitos naturalmente não teriam surgido. Atualmente os psicólogos estão também lutando para resolver este problema  —  e condicionando-nos mais ainda. Assim, os especialistas religiosos nos condicionaram, a ordem social nos condicionou, a família  —  que dela faz parte  —  nos condicionou. Tudo isso é o passado, que constitui todas as camadas claras e ocultas da mente. En passant (1), é interessante notar que o chamado indivíduo não existe realmente, porquanto sua mente se abebera no reservatório comum de condicionamento, que ela partilha com todas as demais; por conseguinte, é falsa a divisão entre indivíduo e comunidade; há só condicionamento. Esse condicionamento está em ação em todas as relações  —  com coisas, pessoas e idéias.

Interrogante: Que me cabe então fazer para me livrar dele? Viver nesse estado mecânico não é viver realmente, e, todavia, toda ação, toda vontade, todo julgamento é condicionado; assim, nada posso fazer em relação ao condicionamento, nada que não esteja condicionado! Estou de pés e mãos amarrados.

Krishnamurti: O verdadeiro fator de condicionamento, no passado, no presente e no futuro, é o "eu", que pensa em função do tempo; o "eu" que se esforça, em sua necessidade de libertar-se; assim, a raiz de todo condicionamento é o pensamento, o "eu". O "eu" é a essência mesma do passado, o "eu" é tempo, o "eu" é sofrimento; o "eu" se esforça por libertar-se de si próprio, esforça-se e luta para alcançar, rejeitar, "vir a ser". Essa luta por "vir a ser" é tempo, e nela há confusão e avidez de mais e de melhor. Busca o "eu" a segurança e, não a encontrando, transfere para o Céu o objeto de sua busca; esse mesmo "eu" que, na esperança de perder sua identidade, se identifica com algo maior do que ele  —  a nação, o ideal ou um Deus  —  esse mesmo "eu" é o fator de condicionamento.

Interrogante: Tomastes-me tudo. Que sou eu sem este "eu"?

Krishnamurti: Se não há "eu", estais descondicionado, quer dizer, sois "nada".

Interrogante: Pode o "eu" terminar sem esforço do próprio "eu"?

Krishnamurti: O esforço por tornar-se alguma coisa é a reação, a ação do condicionamento.

Interrogante: Como pode deter-se a ação do "eu"?

Krishnamurti: Só poderá deter-se se o virdes em atividade. Se o virdes em ação, ou seja no estado de relação, esse ver será o fim do "eu". Esse ver, não só é uma ação não condicionada, mas também atua no condicionamento.

Interrogante: Quereis dizer que o cérebro, que é o resultado de uma imensa evolução, com seu infinito condicionamento, pode libertar-se?

Krishnamurti: O cérebro é resultado do tempo; ele está condicionado para proteger-se fisicamente, mas quando tenta proteger-se psicologicamente, começa então o "eu", e surgem as aflições. Esse esforço para proteger-se psicologicamente é a confirmação do "eu". Tecnologicamente, o cérebro pode aprender, adquirir conhecimentos, mas, quando, psicologicamente, ele adquire saber, esse saber se impõe, nas relações, como "eu", com suas experiências, sua vontade, sua violência. É esse "eu" que introduz, nas relações, a divisão, o conflito e o sofrimento.

Interrogante: Pode o cérebro quietar-se, e só funcionar quando tem de operar tecnologicamente  —  só funcionar quando se requer a ação do conhecimento, como, por exemplo, para aprender uma língua, guiar um carro, ou construir uma casa?

Krishnamurti: O perigo que há nisso é a divisão do cérebro em "psicológico" e "tecnológico", daí resultando mais uma contradição, um condicionamento, uma teoria. A verdadeira questão é se o cérebro, em sua totalidade, pode tornar-se silencioso, quieto, e "responder" eficientemente só quando tem de fazê-lo, na tecnologia ou no viver. Portanto, não nos interessa o "psicológico" ou o "tecnológico"; queremos apenas saber se essa mente inteira pode ficar silenciosa, e só funcionar quando tem de funcionar. Nós dizemos que pode  —  pela compreensão da meditação.

***

Interrogante: Se o permitis, desejo continuar do ponto em que ontem ficamos. Deveis lembrar-vos de que fiz duas perguntas: perguntei o que é condicionamento, e o que é libertação do condicionamento, e dissestes que era melhor considerarmos antes a primeira dessas perguntas. Não tivemos tempo de examinar a segunda e, assim, desejo perguntar-vos, hoje, qual é o estado da mente que se libertou de todo seu condicionamento. Depois de nossa palestra de ontem, comecei a perceber muito claramente o quanto estou condicionado e descobri  —  pelo menos creio que descobri uma brecha na estrutura desse condicionamento. Conversei com um amigo sobre o assunto e, considerando certos casos reais de condicionamento, vi, com toda a clareza, quão profundamente as nossas ações são por ele envenenadas. Como dissestes, na conclusão, a meditação é o esvaziar da mente de todo condicionamento, para que não haja deformações ou ilusões. Como se pode ficar completamente livre de toda deformação e ilusão? Que é ilusão?

Krishnamurti: É tão fácil enganarmos a nós mesmos, tão fácil nos convencermos de qualquer coisa! O sentimento de que devemos "ser alguma coisa" é o começo da ilusão e, naturalmente, essa atitude idealista leva a várias formas de hipocrisia. Qual a causa da ilusão? Um dos fatores é a constante comparação entre "o que é" e "o que deveria ser" ou "poderia ser"; é essa medição entre o "bom" e o "mau"  —  o pensamento que quer melhorar a si próprio, a memória do prazer, a querer mais prazer, etc. É esse desejo de "mais", essa insatisfação, que nos faz aceitar qualquer coisa, a ter fé em qualquer coisa, e isso há de levar inevitavelmente a toda espécie de engano, de ilusão. São o desejo e o medo, a esperança e o desespero, que "projetam" o alvo, a conclusão que se quer experimentar. Essa experiência, por conseguinte, não tem realidade. Todas as chamadas experiências religiosas seguem esse padrão. O próprio desejo de esclarecimento também gera, forçosamente, a aceitação da autoridade  —  que é o contrário de esclarecimento. Desejo, insatisfação, medo, prazer, desejo de "mais", ânsia de mudança, tudo isso é medição e constitui a essência da ilusão.

Interrogante: E vós  —  não tendes realmente nenhuma ilusão a respeito de coisa alguma?

Krishnamurti: Eu nunca meço a mim mesmo ou aos outros. Só podemos estar livres dessa medição quando estamos vivendo realmente com "o que é", nem desejando alterá-lo, nem julgando-o "bom" ou "mau". "Viver com uma coisa" não significa aceitação dela: ela é um fato, quer a aceitemos, quer não. "Viver com uma coisa" não significa, tampouco, identificar-se com ela.

Interrogante: Deixai-me tornar a perguntar o que é essa liberdade que tanto desejamos. Esse desejo de liberdade se expressa em todas as pessoas, às vezes por maneiras as mais estúpidas, mas pode-se dizer que no coração humano há sempre essa profunda ânsia, que nunca se realiza, de libertação; há uma luta incessante por se ser livre. Sei que não sou livre, preso que estou na armadilha de inúmeros desejos e necessidades. Como posso libertar-me, e que significa estar realmente, verdadeiramente livre?

Krishnamurti: Talvez isto vos ajude a compreendê-lo: a negação total é essa liberdade. Negar tudo o que consideramos positivo, negar toda a moral social, negar toda aceitação psicológica da autoridade, negar tudo o que dissemos ou concluímos a respeito da realidade, negar toda a tradição, todo ensino, todo o saber (exceto o saber técnico), negar toda a experiência, todos os impulsos oriundos de prazeres, lembrados ou esquecidos, negar todos os compromissos de atuarmos de determinada maneira, negar todas as idéias, todos os princípios, todas as teorias. Essa negação é a ação mais positiva e, por conseguinte, é liberdade.

Interrogante: Se eu quiser apagar tudo isso, pouco a pouco, nesse trabalho me verei empenhado toda a vida e ele próprio se tornará minha servidão. Pode tudo isso esvaecer-se num instante; posso negar toda a ilusão humana, todos os valores e aspirações e padrões, imediatamente? É realmente possível isso? Não se requer uma enorme capacidade, que me falta, uma enorme compreensão, para ver tudo isso num relance e deixá-lo exposto à luz daquela inteligência de que tendes falado? Tenho minhas dúvidas sobre se sabeis o que isso exige de mim. Mandar-me, a mim, um homem comum, educado na maneira comum, mergulhar numa coisa que se me afigura como um incrível vácuo... Posso fazê-lo? Nem sei o que significa um tal mergulho. É o mesmo que me mandar transformar-me subitamente no mais belo, no mais puro, no mais amável dos entes humanos. Como vedes, estou agora realmente assustado, não da mesma maneira que antes; vejo-me agora diante de algo que sei ser verdadeiro, e, todavia, minha total incapacidade para fazê-lo me está prendendo. Vejo quanto é belo ser, real e totalmente, "nada", mas...

Krishnamurti: É só quando, em nós mesmos, existe vazio, não o vazio de uma mente superficial, porém aquele vazio que vem com a total negação de tudo o que "somos" e "devemos ser" e "queremos ser"  —  é só quando existe esse vazio que há criação; só nesse vazio alguma coisa nova pode surgir. Medo é o pensamento no desconhecido; por isso, tendes tanto medo de deixar o conhecido  —  vossos apegos, satisfações, lembranças aprazíveis, a continuidade e a segurança que proporcionam conforto. O pensamento está comparando tudo isso com o que ele considera ser o vazio. Essa imaginação do vazio é medo e, portanto, medo é pensamento. Voltando à vossa pergunta, pode a mente negar tudo o que conhece, o conteúdo total de seu próprio "eu", consciente e inconsciente, que constitui a essência de "vós mesmo"? Podeis negar a "vós mesmo", completamente? Se não puderdes fazê-lo, não haverá liberdade. Liberdade não significa estar livre de alguma coisa  —  pois isso é apenas uma reação; a liberdade vem com a negação total.

Interrogante: Mas, que bem faz essa liberdade? Estais-me pedindo que morra, não?

Krishnamurti: Exatamente! Eu gostaria de saber que sentido dais à palavra "bem", ao dizerdes "que bem faz essa liberdade?" "Bem", em relação a quê? Ao conhecido? A liberdade é o bem absoluto e sua ação é a beleza da vida de cada dia. Só na liberdade há viver, e sem ela como pode haver amor? Nela, tudo vive e existe. Ela está em toda parte e em parte nenhuma. É sem fronteiras. Podeis morrer agora para tudo o que conheceis, sem esperardes até amanhã? Essa liberdade é eternidade, êxtase  —  é amor.

(1) "De passagem". - (N. do T.)

Jiddu Krishnamurti  em, A Luz Que Não Se Apaga

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

É preciso transcender os estreitos limites da tradição

Pergunta: Você diz que seguir a tradição invariavelmente gera mediocridade. Mas sem nenhuma tradição, não nos sentiremos desorientados?

Krishnamurti: O que você entende por "tradição"? A transmissão, de pais para filhos, por escrito ou oralmente, de uma crença, um costume, de experiência, conhecimento científico, musical, artístico, religioso, ou moral. Por certo, é isso que entendemos por "tradição". E, quando,  de forma vã, estou repetindo as tradições que me foram transmitidas, essa repetição torna minha mente embotada, medíocre. O conhecimento é necessário para o exercício de certas profissões. Para construir uma ponte, dividir o átomo, operar um motor, produzir as muitas coisas que nos são necessárias na vida moderna, é imprescindível o conhecimento; mas o conhecimento se torna tradicional, a mente deixa de criar e fica funcionando, apenas, de maneira mecânica. Há máquinas que calculam muito mais rapidamente do que homem;e se, religiosamente ou por outras maneiras, nos limitamos a aceitar a tradição, não há dúvida que ficaremos funcionando exatamente como máquinas. A tradição nos oferece uma certa segurança, na sociedade, e temos medo de sair dessa trilha. Temos medo do que os vizinhos digam de nós; temos uma filha para casar e, portanto, precisamos ter cuidado. Nossa mente, como é fácil observar, funciona de maneira tradicional e por essa razão nos tornamos medíocres e perpetuamos os nossos sofrimentos. 

Verbalmente, reconhecemos esse fato, mas interiormente e em nossa ação, não o reconhecemos, porque todos desejamos segurança. E a segurança é uma coisa muito estranha. No momento em que a buscamos, criamos invariavelmente circunstâncias e valores produtores de insegurança — como se vê acontecer no mundo, hoje em dia. Todos estamos em busca de segurança, em todos os sentidos — segurança econômica, social, nacional — e no entanto esse próprio desejo de segurança está produzindo mais caos e aumentando a insegurança. 

A mente, pois, funciona dentro da rotina da tradição, porque aí espera encontrar segurança; e uma mente em segurança não é livre para descobrir. Não se pode repudiar a tradição, mas se se compreender o seu processo total, as suas consequências psicológicas, veremos que a segurança já não terá significação nenhuma e não será mais necessário "repudiá-la", porque ela cai por si mesma, qual uma folha seca.

Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA

quarta-feira, 23 de julho de 2014

É possível a mente livrar-se de toda influência?

A sociedade, com suas complexas influências e seu condicionamento, molda o pensamento; e para que possa "emergir" o indivíduo — pois só o indivíduo tem a possibilidade de descobrir o Imenso — afigura-se-nos necessário compreender essa influência social, sua moralidade, seus perniciosos sistemas de ideias. Pode a mente, que de tal maneira foi condicionada — cada pensamento formado, moldado por influências de toda ordem — emergir, integral, pura, imaculada, completamente livre? Porque só a mente incorrupta — a mente não moldada pelas circunstâncias, pelas influências — pode ir muito longe na pesquisa da verdade, só ela pode descobrir se existe uma realidade transcendente às medidas mentais. 

(...) Nós não compreendemos porque nossa consciência resulta de influências. Não podemos ver o fato por causa da influência que nos molda o pensamento, a influência que está moldando tanto a mente consciente como a inconsciente. Compreendeis? Os jornais, os discursos, os livros, o cinema, a alimentação, as roupas, o ambiente, os edifícios, o ar — tudo vos influencia, influencia vossa mente, consciente ou inconscientemente. Toda forma de propaganda, política ou religiosa, os chamados deuses tradicionais — tudo influencia e molda o pensamento. 

(...) É possível a mente livrar-se de toda influência? Compreendeis, senhor, o que é influência? — a palavra, a família, vossa esposa, vosso marido, os livros que ledes, as coisas que, inconscientemente, vos assaltam a mente. Podeis estar cônscio de cada influência que vos acerca? É possível isso? Porque, se fordes livre, se puderdes observar a influência, isso vos aguçará a mente, tornado-a capaz de libertar-se dela. Esta é uma matéria complexa, que exige atenção, que exige toda a vossa capacidade de pensar e descobrir, porque sois o resultado de influências. Ao crerdes ser o "Eu Superior", etc., ao dizerdes que em vós habita Deus, a Divindade, o Atman — tudo isso representa influência. Quando o comunista diz não crer em Deus, está também influenciado. 

Portanto, a vida de todos está sujeita a influências. E é possível libertarmo-nos totalmente delas? Do contrário, não importa o que penseis, o que negueis, o que façais — tudo resultará do passado, do vosso condicionamento; por conseguinte, em tais condições, não pode a mente, de modo nenhum, descobrir se existe a Realidade. Assim sendo,m é possível ficar-se livre da influência? O que, com efeito, significa: É possível ficar-se livre da experiência?... Por certo, não é possível ficarmos livres de todas as influências. Só podeis ficar livre daquelas de que estais cônscio. Mas só podeis estar cônscio de um pequeno número de influências — pois o inconsciente está de contínuo a ser influenciado. 

(...) É possível estar-se livre de todas as influências? De outro modo, não se pode passar a investigar a questão da liberdade, e ser livre. Como disse, nunca poderemos estar livres de influências; mas poderemos manter-nos sempre vigilantes para observar cada influência que vem ao nosso encontro. Isso significa estarmos atentos, a cada minuto, ao que estamos fazendo, ao que estamos pensando, ao que estamos sentindo — não permitindo, com essa vigilância, nenhuma desfiguração, nenhuma opinião sobre nós mesmos, nem avaliações — resultado, tudo isso, de influências. Qualquer influência é má, assim como o é toda autoridade. Não há distinção de "influência boa" e "influência má", porquanto todas as influências moldam a mente, corrompem a mente. 

Assim, se compreendermos o fato de que qualquer forma de influência — não importa se "boa" ou "má" — perverte, mutila, corrompe a mente; se pudermos compreender esse fato, vê-lo, tornar-nos-emos totalmente cônscios de cada influência que nos assalta a mente. Isto é: no negar, na negação, surge o fato, a verdade. Quando negais, quando dizeis "não", vós o fazeis ou com motivo ou sem motivo. Provavelmente, nunca dissestes "não". Porque em geral costumamos dizer "sim"; habituamo-nos a aceitar; nunca dizemos "não" a coisa alguma, sem termos algum motivo; e isto significa que, quando dizemos "não" sem motivo, estamos libertados da influência. 

(...) Assim, a negação — e não a mente positiva — é o fim da influência. Por "mente positiva" entendo a mente que se ajusta, a mente que imita, a mente que obedece, a mente que se tornou respeitável aos olhos da sociedade — ou seja, aquela que aceitou e está observando um certo padrão de viver ditado pela sociedade, pelo ambiente, pelo meio cultural. Essa mente se chama "mente positiva"; mas de modo nenhum é positiva: é uma mente morta. Por "mente negativa" entendo a que nega sem ter nenhum motivo. Ao negardes a atitude do político que se julga capaz de alterar a ordem das coisas, de alterar o homem; ao negardes essa atitude, estais totalmente livre desse tipo de influência. O político está interessado no "imediato", projetado no futuro — que ele considera como o "prazo longo", a "perspectiva longa"; mas essa "longa perspectiva" é, em verdade, uma "perspectiva curta". Isto é, o político, como todo técnico, não está interessado no homem integral; só lhe interessa o exterior. E, se negais o exterior — a perspectiva curta — sem teres nenhum motivo, estais então completamente fora dessa esfera; o que então vos interessa é o ser total  do homem. 

Importa, pois compreender a mente que encara os fatos negativamente, e permanece "só com o fato". (...) Quando negais as influências, podeis mover-vos de fato para fato. Assim, da negação nasce a energia necessária para olhar o fato; e necessitais de extraordinária energia e de completa ausência de atrito. Havendo conflito, há sempre dissipação de energia. (...) Assim, só quando todo esse processo tiver sido compreendido, examinado, observado, poderá a mente "emergir" da estrutura social, ambiente e verbal, como uma mente incorrupta, clara, sã. Então ela já não está sujeita a nenhuma influência; está completamente vazia. Só essa mente pode transcender o Tempo e o Espaço. Só então desponta o Imensurável, o Incognoscível.

Krishnamurti — 28 de fevereiro de 1962 

domingo, 4 de maio de 2014

Por que não experimentamos a Beatitude, o Êxtase da Vida?

Ensinamos uma criança a focalizar a mente — a concentrar-se — porque, sem concentração, ela não pode enfrentar a vida. A vida exige isso: a mente deve ter capacidade para concentrar-se. Mas, desde o momento em que a mente se torna capaz de concentrar-se, torna-se, também, menos perceptiva. A percepção significa mente consciente, mas não focalizada. A percepção é consciência de tudo quanto está acontecendo. 

Concentração é uma escolha. Exclui tudo, menos o objeto da concentração. Produz estreitamento. Se você está caminhando por uma rua, terá de estreitar sua consciência para poder caminhar. Habitualmente não lhe é possível estar consciente de tudo o que está acontecendo, porque se você estiver consciente de tudo o que está acontecendo, não estará focalizado. Assim, a concentração é uma necessidade. A concentração da mente é uma necessidade para que possamos viver — sobreviver, existir. Por isso é que toda cultura, a seu modo, tenta estreitar a mente da criança. 

Crianças, tais como são, jamais focalizam. Sua consciência está aberta para todas as sensações. Cada sensação penetra em sua consciência. E quanta coisa chega! Por isso é tão vacilante, tão instável. A mente não-condicionada de uma criança é um fluxo — um fluxo de sensações — mas não lhe seria possível sobreviver com este tipo de mente. Ela deve aprender como estreitar a mente, como se concentrar. 

Do momento em que você estreita sua mente torna-se particularmente consciente de uma coisa, e, simultaneamente, inconsciente de muitas outras coisas. Quanto mais estreita for a mente, mais sucesso haverá. Você se torna um especialista, você se torna um perito, mas a coisa toda consistirá em você saber mais e mais sobre menos e menos.

O estreitamente é uma necessidade existencial. Ninguém é responsável por isso. Assim como a vida existe, ele deve existir. Mas não é o bastante; só o ser utilitário não é o bastante. Por isso, quando você se torna utilitário e a consciência é estreitada, estará negando à sua mente muito daquilo de que ela é capaz. Você não está usando sua mente total. Está usando apenas uma pequena parte dela. E o remanescente — a porção maior — irá tornar-se inconsciente. 

Na verdade, não há fronteira entre o consciente e o inconsciente. Não há duas mentes. "Mente consciente" refere-se àquela porção da mente que tem sido usada no processo de estreitamento. "Mente inconsciente" refere-se àquela porção que tem sido negligenciada, ignorada, fechada. Isso cria uma divisão, uma brecha. A porção maior da sua mente torna-se alheia a você. Você se torna alienado de seu próprio eu, torna-se um estranho à sua própria totalidade. 

Uma pequena parte está sendo identificada como o seu eu, e o resto é perdido. Mas a parte inconsciente, remanescente, está sempre ali, como potencialidade sem uso, como possibilidade sem uso, como aventura não-vivida. Essa mente inconsciente (esse potencial, essa mente sem uso) estará sempre em luta contra a mente consciente. Por isso é que existe sempre um conflito interior. Todos estão em conflito por causa dessa fenda entre o inconsciente e o consciente. Mas só se o potencial, o inconsciente, estiver livre para florescer, é que você poderá sentir a beatitude da existência... Não há outra maneira. 

Se a porção maior de suas potencialidades permanecer irrealizada, sua vida será uma frustração. Por isso é que quanto mais utilitária é uma pessoa, menos realizada é, menos beatitude conhece. Quanto mais utilitária é a abordagem — quanto mais a pessoa está na vida dos negócios — menos estará vivendo, menos será tomada pelo êxtase. A parte da mente, que não pode ser útil no mundo utilitário, foi desprezada.

A vida utilitária é necessária, mas com grande custo. Você perdeu a festividade da vida. A vida torna-se uma festividade, uma celebração, se todas as suas potencialidades florescerem. Então, a vida é uma solenidade. Por isso é que eu sempre digo que religião significa vida transformada em celebração. A dimensão da religião é a dimensão do festivo, do não-utilitário. 

A mente utilitária não deve ser tomada como se fosse o todo. O remanescente... a maior parte... a mente inteira... não deveria ser sacrificada. A mente utilitária não deve se tornar um fim. Terá que permanecer ali, mas como um meio. A outra — a remanescente, a maior, a potencial — deve tornar-se o fim. Isso é o que eu chamo uma abordagem religiosa. 

Com uma abordagem não-religiosa, a mente dos negócios (a utilitária) torna-se o fim. Quando tal coisa acontece, não há possibilidade de a mente inconsciente realizar seu potencial. A mente inconsciente será desprezada. Se a utilitária se torna um fim, isso significa que o servo está representando o papel do senhor. 

A inteligência, o estreitamento da mente, é uma forma de sobrevivência, mas não de vida. Sobrevivência não é vida. Sobrevivência é uma necessidade — mas o fim terá de ser, sempre, um florescimento do potencial, de tudo quanto foi criado para você. Se você for completamente realizado, se nada permanecer sob a forma de semente, se tudo se faz realidade, se você florescer, então e só então você poderá sentir a beatitude, o êxtase da vida.

A parte de você que foi desprezada, a parte inconsciente, pode tornar-se ativa e criativa, só se você acrescentar uma nova dimensão à sua vida — a dimensão do festivo, a dimensão da jovialidade. Assim, a meditação não é um trabalho, é um divertimento. Rezar não é um negócio, é um divertimento. A meditação não é algo que se faz para chegar a atingir um alvo (paz, beatitude...) mas algo a ser gozado como um fim em si mesmo.

O S H O — Meditação: A Arte do Êxtase

quarta-feira, 2 de abril de 2014

O que acontecerá se eu não me ajustar à sociedade?

Não é uma grande tragédia que muitos de nós estejamos somente preocupados de maneira nos ajustarmos à sociedade ou em como reformá-la? Já notaram que a maioria das perguntas que fizeram reflete essa atitude? Vocês, na verdade, querem dizer: "Como posso me ajustar à sociedade? O que dirão meus pais, e o que acontecerá comigo se eu não me ajustar?" Essa atitude destrói qualquer confiança, qualquer iniciativa que tenham. E vocês deixam a escola, a faculdade, como autômatos, talvez altamente eficientes, porém sem qualquer chama criativa.  Por isso é tão importante compreender a sociedade, o ambiente no qual se vive e, nesse próprio processo de compreensão, romper com ela.

Vejam, trata-se de um problema que ocorre no mundo inteiro. O homem está buscando uma resposta nova, um novo acesso à vida, porque as atitudes antigas estão decadentes, seja na Europa, na Rússia ou aqui. A vida é um desafio contínuo, e simplesmente tentar realizar uma ordem econômica melhor, não é a resposta completa a esse desafio, que é sempre novo; e quando culturas, povos, civilizações são incapazes de responder totalmente ao desafio do novo, são destruídos. 

A menos que sejam adequadamente educados, a menos que tenham a extraordinária confiança da inocência, vocês estarão no caminho inevitável de serem absorvidos pelo coletivo e se perderem na mediocridade. Acrescentarão títulos após o nome, se casarão, terão filhos, e será o fim de vocês. 

Vejam, muitos de nós temos medo. Os pais, os educadores, os governos e as religiões temem o fato de vocês se tornarem indivíduos integrais, porque todos desejam que permaneçam seguramente dentro da prisão das influências ambientais e culturais. Mas são somente os indivíduos que rompem com o padrão social, quando compreendem — e que não estão, portanto, limitados pelo condicionamento das próprias mentes —, que podem realizar uma nova civilização, não aqueles que apenas se conformam ou que resistem a um padrão particular porque são moldado por outro. A busca por Deus ou pela Verdade não está dentro da prisão, mas na compreensão da prisão e no rompimento de suas paredes — e o próprio movimento à liberdade cria uma nova cultura, um mundo diferente. 

Jiddu Krishnamurti

quinta-feira, 13 de março de 2014

Abandone a única barreira e declare-se Deus

Todo o meu esforço é para acabar com todas as suas muletas, todas as suas crenças, inclusive em mim. Primeiro eu finjo que ajudo... porque essa é a única linguagem que você entende" Depois, aos poucos, começo a me retirar. Primeiro afasto-a de seus outros desejos e ajudo-a a se apaixonar pelo nirvana, pela libertação, pela verdade. E quando vejo que todos os seus desejos desapareceram e resta apenas um, então começo a insistir nesse desejo. Digo: "Abandone-o porque ele é a única barreira". 

Nirvana é o último pesadelo. Você não pode voltar atrás, porque uma vez abandonados esses desejos fúteis, você não pode trazê-los de volta. Uma vez abandonados, desaparece todo o charme e mistério que possuem. Você não consegue nem acreditar que os esteve carregando por tanto tempo. Tudo parece tão ridículo que você não consegue voltar atrás.

Então começo a afastar de você o último desejo. Quando ele desaparece, você está iluminado. Então você é Bhagwan. Todo meu esforço aqui é para torná-lo capaz de declarar-se Deus — e não só declarar, mas viver essa declaração. 

O S H O 

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A libertação do condicionamento é o fim do sofrimento

A mente não é apenas a consciência desperta, ocupada com as atividades diárias, mas é também as camadas mais profundas do inconsciente, onde se encontra todo o resíduo do passado, da tradição, dos instintos raciais. Tudo isso é a mente, e a menos que essa consciência total seja livre, de ponta a ponta, a nossa busca, nossa investigação, nosso descobrimento, será limitado, estreito, insignificante.

A mente está condicionada. Não há uma só parte da mente que não esteja condicionada. Nosso problema, portanto, é este: Pode a mente, assim condicionada, libertar-se? E quem é a entidade que poderá libertá-la? Compreendem o problema? A mente é a consciência total, com todas as suas camadas de conhecimentos, aquisições, tradições, instintos raciais, memórias. Esta mente pode libertar-se? Ou só pode libertar-se ao perceber que está condicionada e que todo movimento que faça para sair de seu condicionamento é outra forma de condicionamento? Espero que estejam compreendendo. Se não, continuaremos a examinar este ponto nos dias vindouros.

A mente está toda condicionada, o que é um fato evidente, se refletirmos a tal respeito. Isso não é invenção minha, é um fato. Pertencemos a uma dada sociedade, fomos educados de acordo com determinada ideologia, certos dogmas, tradições, e a vasta influência da civilização, da sociedade, condiciona-nos incessantemente o espírito. Como pode esse espírito ser livre, se todo movimento para libertar-se resulta de seu condicionamento e, por conseguinte, produzirá, forçosamente, mais condicionamento? Só há uma resposta: A mente só pode ser livre quando está completamente tranquila. Embora tenha problemas e inúmeros impulsos, conflitos, ambições, se — mercê de autoconhecimento, da autovigilância, sem aceitação ou condenação — ela estiver cônscia, imparcialmente, do seu próprio processo, então, desse percebimento há de resultar um silêncio extraordinário, uma tranquilidade de espírito em que não se observa movimento de espécie alguma. É só então que a mente é livre, porquanto, nada mais deseja, nada mais busca, não visa a nenhum objetivo ou ideal — que são as projeções de toda mente condicionada. E se lograrem alcançar esta compreensão em que não há automistificação, encontrarão a possibilidade de ver surgir aquela coisa extraordinária que se chama criação. Só então está a mente apta para compreender aquela imensidade que se pode chamar Deus, a Verdade, ou como quiserem — a palavra tem muito pouca importância. Vocês podem ser prósperos, socialmente, possuir muitos bens — automóveis, casas, geladeiras — ter paz superficial, mas, sem o surgimento daquilo que é imensurável, encontrarão sempre aflições. A libertação da mente de seu condicionamento é o fim do sofrimento.

Jiddu Krishnamurti — Realização sem Esforço


quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Como pode a mente condicionada, descondicionar-se?

Interrogante: Eu gostaria de saber como se origina o condicionamento da mente humana.

Krishnamurti: De maneira muito simples. Primeiro deixe-me concluir o que estava dizendo. Voltarei a sua pergunta.

Senhor, que é que há para conhecermos a respeito de nós mesmos? Condicionamento, herança racial e genealógica, peculiaridades, inclinações e tendências psicológicas, pressões do ambiente, uma deixe de "memórias" (o que sou — um devaneio). Não há muito o que aprender. Mas só posso dizer que não há muito o que aprender, após observar a mim mesmo. Mas, se dizemos "Não há muito o que aprender acerca de nós mesmo", não saímos do lugar em que estamos. Portanto, uma das perguntas fundamentais é esta: "Como pode a mente humana, condicionada como está, descondicionar-se?"

E qual a origem desse condicionamento? È bastante fácil descobrir-se, não? Observem-se os animais, como são agressivos, a fim de sobreviverem. Eis a origem do condicionamento. Observem as aves, como se fazem senhoras de seus domínios; os direitos territoriais sobrelevam os direitos sexuais — e aí está a origem da agressão. E nós também temos propriedades: a propriedade é para nós imensamente importante, tal como os direitos sexuais, etc. Mas, uma questão muito mais importante: "Há possibilidade, para uma mente tão condicionada como a nossa, de libertar-se imediatamente (não gradualmente, porém imediatamente) de todo o seu condicionamento? Dizemos que só é possível por meio da meditação — não de uma meditação "falsificada", nem da meditação de indivíduos de longas barbas ou barbas curtas, de longas cabeleiras ou cabeças raspadas: a meditação que existe quando estamos aprendendo, sem acumulação, sobre nós mesmos. Então, dessa meditação nasce uma maneira de vida completamente pacífica, não agressiva, que não exige que vivamos na sociedade ou fora da sociedade. Essa meditação produz sua ação própria, na qual nenhum conflito existe.

Interrogante: A meditação constitui uma maneira de vida?

Krishnamurti: Decerto; mas, para compreender a meditação temos de observar — observar como olhamos uma árvore, se há espaço entre nós e a árvore, entre o observador e a coisa observada — a árvore; ou, quando o observador se separa da sua avidez e diz: "Eu não sou a avidez, e tenho de livrar-me da avidez", e há um espaço entre o observador e a coisa observada e, em seguida, o conflito. Mas o observador é a coisa observada e, porque, sendo ávido, diz "Não devo ser ávido", criando assim uma dualidade. A meditação, pois, é uma coisa maravilhosa e não pode ser aprendida de ninguém; essa é a sua beleza. Não é uma coisa que se aprende, uma técnica e, por conseguinte, dispensa toda autoridade. Assim, se você deseja compreender-se, observe sua maneira de andar, de falar, o que diz, sua "tagarelice", seu ódio e ciúme. Se de tudo você está consciente, sem selecionar, isso faz parte da meditação, e ao caminhar, ao viajar, simultaneamente você medita. Esse movimento é, então, infinito, eterno. 

Jiddu krishnamurti - A essência da maturidade - ICK

sábado, 7 de setembro de 2013

É possível uma mente livre dos padrões sociais

Então, o homem que é justo, o que deve fazer? Deve buscar a verdade, Deus, ou outro nome que tenha, ou consagrar sua mente e seu coração ao aperfeiçoamento da sociedade, que é realmente o aperfeiçoamento de si próprio? Você compreende? Deve ele perseguir em profundidade a verdade ou melhorar as condições da sociedade, o que equivale a seu próprio melhoramento? Deve ele aprimorar-se em nome da sociedade ou buscar a verdade, na qual não existe absolutamente nenhum aprimoramento? Aprimoramento implica tempo, tempo para transformar-se, enquanto que a verdade não tem nada a ver com o  tempo, ela é percebida instantaneamente.

De forma que o problema é extraordinariamente significativo, não? Podemos falar sobre a reforma da sociedade, mas trata-se ainda da reforma de si mesmo. Mas para o homem que está buscando o real, a verdade, não existe reforma do self, pelo contrário, existe a total cessação do self, que é a sociedade. Ele, portanto, não está preocupado com a reforma da sociedade.

Toda a estrutura da sociedade baseia-se em um processo de reconhecimento e de respeitabilidade; e, sem dúvida, senhores, um homem justo não pode buscar a reforma da sociedade, que equivale ao aperfeiçoamento de si mesmo. Ao reformara  sociedade, ao identificar-se com algo bom, ele pode pensar que está se sacrificando, mas trata-se ainda de auto-aperfeiçoamento. Portanto, para o homem que está buscando o supremo, o mais elevado, não existe auto-aperfeiçoamento; nesse sentido não existe aperfeiçoamento do “eu”, não existe transformação, não existe a prática nem a ideia do “eu serei”. Isso significa realmente a cessação de toda pressão sobre o pensamento e onde não existe pressão sobre pensamento, há pensamento? A própria pressão sobre o pensamento constitui o processo do pensar, de pensar em termos de uma determinada sociedade ou em termos de reação a essa sociedade; e se inexiste pressão, existe pensamento? Apenas a mente não sujeita a essa ação do pensamento — que constitui a pressão da sociedade — apenas essa mente pode encontrar a realidade e buscando aquilo que é supremo, tal mente cria uma nova cultura. Isso é que é necessário: suscitar um tipo totalmente diferente de cultura, não reformar a sociedade atual. E tal cultura não pode emergir a menos que o homem justo persiga completamente, com total energia, com amor, aquilo que é real. O real não é encontrado em nenhum livro, nem através de nenhum líder; ele se concretiza quando o pensamento se aquieta e essa quietude não pode ser adquirida por meio de qualquer disciplina. A quietude chega quando existe amor.

(...) Interrogante: As grandes culturas sempre se basearam num padrão, mas o senhor fala de uma nova cultura livre de padrões. É possível existir uma cultura absolutamente isenta de padrões?

K: A mente não precisa estar livre de padrões para encontrar a realidade? E ao estar livre para encontrar o real não criará ela seu próprio padrão, o qual a sociedade atual poderá não reconhecer? Pode a mente que se encontra enredada em um padrão, que pensa de acordo com um padrão, que está condicionada pela sociedade, encontrar o incomensurável que não tem padrão? Esta língua que estamos falando, o inglês, constitui um padrão desenvolvido através de séculos. Se existe uma criatividade que esteja livre de padrões, essa criatividade, essa liberdade pode empregar a técnica da linguagem; mas através da técnica, do padrão da linguagem, a realidade não poderá jamais ser encontrada. Por meio da prática, de um tipo  determinado de meditação, de sabedoria, de qualquer forma de experiência, todas as quais se encontram dentro de um padrão, a mente nunca entenderá o que é a verdade. Para entender a verdade, a mente precisa livrar-se dos padrões. Uma mente assim é uma mente quieta e então esta mente que é criativa pode criar sua própria atividade. Mas vejam, a maioria de nós não está nunca livre de padrões. Nunca existe um momento que a mente esteja totalmente livre do medo, do conformismo, do seu hábito de vir-a-ser algo, ou neste mundo ou no mundo psicológico, espiritual. Quando o processo de vir-a-ser, em qualquer sentido, cessa completamente, então aquilo que é Deus, verdade, concretiza-se e cria um novo padrão, uma cultura toda sua.

I: O problema da mente e o problema social da pobreza e da desigualdade precisam ser abordados simultaneamente. Por que o senhor acentua apenas um?

K: Eu estou acentuando apenas um? E acaso existe uma coisa como o problema social da pobreza e da desigualdade, da deterioração e da miséria, apartado do problema da mente? Não existe apenas um problema que é a mente? Foi a mente que criou o problema social e, tendo criado o problema, ela tenta solucioná-lo sem alterar-se fundamentalmente. De forma que o nosso problema é a mente, a mente que deseja sentir-se e que, desse modo, cria a desigualdade social e procura comprar de várias maneiras porque sente segurança na propriedade, no relacionamento ou nas ideias, que são conhecimentos. É essa necessidade incessante de segurança que cria a desigualdade, que é um problema que não poderá jamais ser solucionado até que entendamos a mente que cria a diferença, a mente que não sente amor. As leis não vão resolver esse problema, nem ele pode ser solucionado por comunistas ou pelos socialistas. O problema da desigualdade só poderá ser solucionado quando houver o amor e amor não é uma palavra para ser desperdiçada. O homem que ama não está preocupado com quem lhe seja superior ou inferior; para ele não existe nem igualdade nem desigualdade; somente um estado de ser que é amor. Nós, porém, não conhecemos esse estado, jamais o sentimos. Portanto, como pode a mente que está inteiramente voltada para as suas próprias atividades e ocupações, que já criou tamanha miséria no mundo e que vai criar ainda mais danos e destruição — como pode essa mete suscitar dentro de si mesma uma total revolução? É esse, sem dúvida, o problema. E não podemos provocar tal revolução por intermédio de qualquer  reforma social senão quando a própria mente compreender a necessidade de sua total redenção, onde está a revolução.

Estamos sempre falando de pobreza, desigualdade e reforma, porque os nossos corações estão vazios. Quando houver amor não teremos problemas, porém o amor não se concretiza através e um método qualquer. Ele somente se concretiza quando você deixar de ser, isto é, quando você não mais estiver preocupado consigo mesmo, com sua posição, com seu prestígio, suas ambições e frustrações, quando você parar completamente de pensar em você, não no dia de amanhã, mas hoje. Essa ocupação consigo mesmo é idêntica à do homem que está no encalço do que ele chama de Deus ou à do homem que está empenhado em uma revolução social. E uma mente assim ocupada não pode jamais saber o que é amor.  

Jiddu Krishnamurti — Bombaim, 27 de fevereiro de 1955 - Collected Works of J. Krishnamurti

 

domingo, 25 de agosto de 2013

O entrave da “cortina de palavras” do intelecto

Pergunta: Você diz que, para haver compreensão, a mente, a memória e o processo do pensamento precisam desaparecer; todavia, você está nos comunicando algo. O que você diz representa experiência de algo do passado, ou o experimenta no momento em que o comunica?

Krishnamurti: Quando é que vocês se comunicam? Quando é que comunicam ao outro a experiência de vocês? Depois de ter tido a experiência, e não no momento do experimentar. A comunicação não é mais do que um resultado anterior. Precisam da memória, das palavras, dos gestos, para transmitir uma experiência que tiveram. A comunicação de vocês é, pois, a expressão de uma experiência já terminada.

Ora, quando é que compreendem, quando é que há compreensão? Não sei se já notaram que só há compreensão quando a mente está muito quieta, ainda que seja por um segundo; dá-se o lampejo da compreensão quando não há verbalização do pensamento. Experimentem e verão que terão o clarão da compreensão, aquela extraordinária rapidez da intuição, quando a mente está muito tranquila, quando o pensamento está ausente, e quando a mente não está cheia de barulho por ela mesma produzido. Nessas condições, a compreensão de qualquer coisa — de um quadro moderno, de uma criança, de sua esposa ou seu vizinho — ou a compreensão da verdade, que está em todas as coisas, só pode despontar quando a mente está muito tranquila. Mas tal tranquilidade não pode ser cultivada, porquanto, se cultivam a mente para a tranquilidade, não terão uma mente tranquila, mas sim, uma mente morta.

É essencial ter-se uma mente tranquila, a fim de compreender-se, o que é bastante óbvio para aqueles que já experimentaram tudo isso. Quanto mais se interessarem por alguma coisa, quanto maior a intenção de compreender, tanto mais simples, clara e livre estará a mente. Cessa, então, a verbalização. Afinal de contas, o pensamento é palavra, e a palavra é que perturba. É “a cortina de palavras, a memória, que se interpõe entre o desafio e a “resposta”. É a palavra que está respondendo ao desafio, o que chamamos intelectualização. Assim sendo, a mente que vive a tagarelar, a verbalizar, não pode compreender a verdade — a verdade nas relações, não é uma verdade abstrata. Não existe verdade abstrata. Mas a verdade é muito sutil. É a sua sutilidade que é difícil seguir. A verdade não é abstrata. Ela nos vem súbita, às escuras, e por isso a mente não a pode reter. Como um ladrão, nas sombras da noite, ela vem às escuras, e não quando preparamos para recebê-la. A recepção de vocês não é mais do que um convite da avidez. Assim, pois, uma mente que está presa na rede das palavras, não pode compreender a Verdade.

A segunda questão é a seguinte: Não é possível comunicar a experiência no momento do experimentar? Para a comunicação, necessita-se da memória “factual”. Quando falo a vocês, emprego palavras, as quais vocês e eu compreendemos. A memória é resultado do cultivo da faculdade de aprender e armazenar palavras.

Deseja saber o interrogante como é possível haver uma mente que não expresse ou comunique simplesmente um fato depois de passado, depois da experiência, mas, sim, que seja capaz de experimentar e ao mesmo tempo comunicar a experiência. Isto é, uma mente nova, uma mente fresca, uma mente que experimenta  sem a interferência da memória, da memória do passado. Vejamos, pois, primeiro, a dificuldade aqui existente.

Como já disse, em geral, nós comunicamos depois da experiência; por conseguinte, a comunicação se torna um obstáculo a novas experiências; porque a comunicação, a verbalização, só tem o efeito de fortalecer a lembrança daquela experiência. E esse fortalecer da lembrança de uma experiência impede-nos de receber livremente a próxima experiência. Comunicamos uma experiência, ou para fortalecê-la ou para a retermos. Nós a verbalizamos, a fim de fixa-la como lembrança, ou para comunica-la. O próprio fixar de uma experiência pela verbalização representa o fortalecimento de uma experiência já terminada. O que se fortifica, por conseguinte, é a memória; e, por isso, é a memória que faz frente ao desafio. Em tal estado, no qual a resposta ao desafio é puramente verbal, a experiência do passado se torna um obstáculo. Nessas condições, a nossa dificuldade consiste em experimentar e comunicar, sem que a verbalização constitua um obstáculo a novas experiências.

Se em todas estas discussões e palestras, eu me limitasse a repetir a experiência do passado isso não somente seria terrivelmente enfadonho para vocês e para mim, mas também iria fortalecer o passado e, portanto, impedir o “experimentar” no presente. O que, com efeito, se dá é que a “experiência” se processa simultaneamente com a sua comunicação. A comunicação não é verbalização, não é o vestir a experiência. Se vestimos a experiência, se lhe colocamos uma vestimenta, se a moldamos, perder-se-á o seu perfume e a sua profundeza. Só pode haver, portanto, uma mente fresca, uma mente nova, quando o experimentar não é revestido de palavras. E no expressar verbalmente a experiência existe o perigo de a vestir, dar-lhe forma e figura e, portanto, de carregar a mente com a imagem, com o símbolo. Só é possível ter-se uma mente nova, uma mente fresca, quando não é a palavra que importa, mas a experiência. Esse experimentar, se dá momento por momento. Não pode haver “experimentar”, se isso se torna um processo acumulativo, porquanto, em tal caso, é a acumulação que experimenta, e não existe o experimentar. Só há experimentar, momento por momento, quando há acumulação. A verbalização é acumulação. É extremamente difícil e árduo expressar e ao mesmo tempo não nos deixarmos prender na rede das palavras.

A mente é, afinal, de contas, o resultado do passado, de ontem. E aquilo que não está subordinado ao tempo não pode ser seguido pelo tempo. A mente não pode seguir aquilo que é extraordinariamente veloz, que não está no espaço, nem no tempo, mas naquele estado da mente em que há o experimentar, em que não há “vir a ser”, em que tudo é novo. É a palavra que faz velho “o que é”. É a memória de ontem que veste o presente. E para se compreender o presente, é necessário o experimentar. Mas o experimentar é impedido quando a palavra se torna de suma importância. Nessas condições, só há uma mente nova, uma mente que está a experimentar continuamente, sem moldar nem ser moldada pela experiência, quando a palavra, o passado não é utilizado como meio de “vir a ser”.

Jiddu Krishnamurti — O que te fará feliz?

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill