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domingo, 9 de março de 2014

A natureza interior do descontentamento


Jovem ou idoso, muitos de nós estamos descontentes apenas porque desejamos alguma coisa: mais conhecimento, um emprego melhor, um carro mais novo, um salário maior. Nosso descontentamento baseia-se no desejo "de ter mais". É somente porque desejamos algo mais que nos sentimos descontentes. Mas não estou falando sobre esse tipo de descontentamento. 

Pergunta: O descontentamento impede o pensamento claro. Como superar esse obstáculo?

Krishnamurti: Acho que você não me ouviu; provavelmente estava preocupado com sua pergunta, em como iria formulá-la. Isso é o que todos vocês estão fazendo, de maneiras diferentes. Cada um tem sua própria preocupação, e se o que eu disse não é o que gostariam de ouvir, deixam-no de lado, porque a mente de vocês está ocupada com seus problemas. Se quem fez a pergunta tivesse ouvido o que eu falei, se tivesse realmente sentido a natureza interior do descontentamento, da alegria, de ser criativo, acho que não teria feito essa pergunta.

O descontentamento impede o pensamento claro? E o que é o pensamento claro? É possível pensar com clareza se desejam conseguir alguma coisa com seu pensamento? Se sua mente está preocupada com um resultado, poderão pensar com clareza? Ou só conseguem pensar muito claramente quando não estão buscando um fim, um resultado, sem tentar ganhar algo?

E vocês conseguem pensar com clareza se se agarrarem a um preconceito, a uma crença particular — isto é, se pensarem como um hindu, um comunista ou um cristão? Certamente poderão pensar claramente apenas quando a mente não estiver acorrentada a uma ideologia — como um macaco preso a uma estaca; podem pensar muito claramente apenas quando não estão buscando resultado; podem pensar com clareza somente quando não têm preconceitos. O que tudo isso significa, na verdade, é que vocês podem pensar com clareza, simples e diretamente, quando a mente não estiver mais buscando qualquer forma de segurança; estando, portanto, livre do medo.

Então, de alguma maneira, o descontentamento impede o pensamento claro. Quando, por meio do descontentamento, vocês procuram um resultado, ou quando buscam minimizar o descontentamento, porque a mente detesta ficar perturbada e tenta a todo custo ficar calma, pacífica, então o pensamento claro não é possível. Mas, se estiverem descontentes com tudo — com seus preconceitos, suas crenças e seus medos — e não estiverem desejando um resultado, então esse mesmo descontentamento dará foco aos seus pensamentos ( não sobre um objeto em particular, ou qualquer direção específica), e todo o processo do pensamento se tornará bem simples, direto e claro.

Jovem ou idoso, muitos de nós estamos descontentes apenas porque desejamos alguma coisa: mais conhecimento, um emprego melhor, um carro mais novo, um salário maior. Nosso descontentamento baseia-se no desejo "de ter mais". É somente porque desejamos algo mais que nos sentimos descontentes. Mas não estou falando sobre esse tipo de descontentamento. É o desejo pelo "mais" que impede o pensamento claro. Se estamos descontentes não por desejarmos alguma coisa, mas por não saber o que desejamos; se estamos insatisfeitos com nosso emprego, com o dinheiro que temos, com a busca por status e poder, com a tradição, com o que temos e com o que deveríamos ter; se estamos insatisfeitos não com algo em particular, mas com tudo, então penso que esse nosso descontentamento trará clareza. Quando não aceitamos ou seguimos, mas questionamos, investigamos, aprofundamos, ocorre um insight do qual brota a criatividade, a satisfação.

Krishnamurti — Pense nisso

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Como ir além das disputas superficiais da mente?

Questionador: Ouço as suas palestras há muitos anos, e me tornei bastante eficiente em observar os meus próprios pensamentos e ter consciência de tudo o que faço. Mas jamais vivenciei ou toquei as águas profundas da transformação a que se refere. Por quê?

Krishnamurti: Acredito que é muito claro o motivo pelo qual nenhum de nós vivencia algo que se encontra além do simples observar. Pode ocorrer raros momentos de um estado emocional no qual enxergamos, por assim dizer, a claridade do céu entre as nuvens, mas não me refiro a nada desse gênero. Todas essas atividades são temporárias e não têm maior significado. O questionador quer saber por que, após tantos anos de vigilância, não encontrou ainda as águas profundas. E por que haveria de encontrá-las? Compreendem? Vocês creditam que, por vigiar seus próprios pensamentos, terão uma recompensa — se fizerem isso, ganharão aquilo. Na verdade, você não vigia nada em absoluto, porque sua mente continua preocupada em obter uma recompensa. Você acredita que, por vigiar, por ter consciência, se tornará mais amoroso, sofrerá menos, será menos irritadiço, atingirá algum ponto superior; assim, sua vigilância é um processo de compra. Com esta moeda você compra aquilo, ou seja, sua vigilância é um processo de escolha; logo, não se trata de vigilância, mas se trata de atenção. Vigiar é observar sem escolher, é enxergar você tal como você é, sem que o desejo de mudar faça qualquer movimento, e fazer isso é de extrema dificuldade; mas não significa que você continuará no seu estado atual. Você não sabe o que acontecerá se puder se enxergar tal como é e não quiser promover uma mudança naquilo que vê. 

Vamos dar um exemplo e trabalhar nele, e entenderão. Digamos que eu seja violento, como muitas pessoas são. Toda a nossa cultura é violenta, mas não vou deter-me agora na anatomia da violência, porque não é esse o problema de que nos ocupamos. Eu sou violento e verifico que sou violento. O que acontece? Minha resposta imediata é a de que preciso fazer algo a respeito, não é verdade? Digo que preciso tornar-me não violento. Isso é o que qualquer professor de religião nos vem ensinando há séculos — que, se alguém é violento, precisa tornar-se não violento. Então eu pratico, sigo todos os preceitos ideológicos. Mas agora percebo o absurdo disso, pois a entidade que observa a violência e quer transformá-la em não violenta ainda é violenta. Portanto, devo me preocupar, não com a expressão da entidade, mas com a própria entidade. 

Bem, mas o que vem a ser a entidade que diz: "Preciso deixar de ser violento"? Será essa entidade diferente da violência que observou? Serão dois estados diferentes? Sem dúvida, a violência e a entidade que diz "Preciso mudar a violência em não-violência" são ambas a mesma. Reconhecer esse fato é acabar com qualquer conflito, não é mesmo? Deixa de existir o conflito de tentar mudar, porque percebo que o movimento da mente na direção da não-violência é, ele próprio, resultado da violência. 

E o questionador quer saber por que não pode ir além das disputas superficiais da mente. A explicação é simples: é porque, de forma consciente ou inconsciente, a mente vive sempre a buscar algo, e a própria busca produz violência, competição, a sensação de uma enorme insatisfação. Apenas quando a mente atinge o silêncio absoluto existe a possibilidade de tocas as águas profundas. 

Krishnamurti - Ojai, 21 de Agosto de 1955

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

A especulação é um estorvo que deteriora a mente

[...] Em lugar de buscar o que é incondicionado, não será mais importante descobrir se a sua mente está condicionada? Por certo, se sua mente está condicionada — e isso na realidade ocorre — não importa o quanto ela possa investigar sobre a realidade de Deus, ela só poderá reunir conhecimentos ou informações de acordo com esse condicionamento. Sendo assim, pensar sobre Deus é uma grande perda de tempo, é uma especulação desprovida de valor. É algo como eu ficar sentado aqui neste bosque e querer estar no topo daquela montanha. Se eu na verdade quiser saber o que existe no topo da montanha, ou além dela, precisarei ir até lá. De nada adianta eu permanecer sentado aqui, especulando, construindo templos, igrejas e ficando excitado com elas. O que preciso fazer é levantar-me, caminha, lutar, empurrar, chegar até lá e descobrir; mas, como a maioria de nós não quer fazer isso, nos contentamos em ficar sentados aqui e em especular sobre algo que não conhecemos. E eu afirmo que essa especulação é um estorvo, é uma deterioração da mente, e não tem valor algum: só o que faz é produzir mais confusão e mais sofrimento para o homem. 

Sendo assim, Deus é algo sobre o qual não se pode falar, que não pode ser descrito, que não pode ser colocado em palavras, porque deve permanecer sendo sempre o desconhecido. No momento em que ocorre o processo do reconhecimento, você voltou ao campo da memória. Digamos, por exemplo, que você teve uma experiência momentânea de algo extraordinário. Naquele preciso momento não existe nenhum pensador que vá afirmar: "Eu preciso me lembrar disso". Existe apenas o momento vivenciado. Mas, quando esse momento se desfaz, o processo do reconhecimento se faz presente. A mente diz: "Tive uma experiência maravilhosa e gostaria de poder ter mais dela", e então tem início a luta do "mais" — porque lhe dá prazer, prestígio, conhecimento, porque você se torna uma autoridade, e todas as outras tolices desse tipo. 

A mente persegue aquilo que vivenciou; mas o que vivenciou já terminou, morreu, já foi, e, para descobrir aquilo  que é, a mente precisa morrer para o que vivenciou. Isso não é algo que se possa cultivar dia após dia, que possa ser reunido, acumulado, mantido, e sobre o qual se possa então falar e escrever. Tudo o que podemos fazer é verificar que a mente está condicionada e, através do autoconhecimento, compreender o processo do nosso próprio pensamento. Eu preciso me conhecer, não como eu, ideologicamente, gostaria de ser, mas como eu sou na realidade, não importa se feio ou bonito, mesmo que invejoso, ciumento, ambicioso. Mas é muito difícil ver apenas o que se é, sem querer mudá-lo, e esse próprio desejo de mudança é outra forma de condicionamento; e assim seguimos, passando de um condicionamento para outro, jamais vivenciando algo além do que é limitado.

Krishnamurti — Ojai, 21 de Agosto de 1955     

A compreensão do processo do pensamento

É muito importante compreender todo o processo do nosso pensamento, e essa compreensão não surge através do isolamento. Não existe uma vida isolada. A compreensão do processo do nosso pensamento surge quando nos observamos nos nossos relacionamentos diários, nas nossas atitudes, nas nossas crenças, a maneira como falamos, a maneira como olhamos as pessoas, a maneira como tratamos nossos maridos ou nossas esposas e nossos filhos. O relacionamento é o espelho no qual se refletem os processos do nosso pensamento. Nos fatos do relacionamento se encontra a verdade, não fora do relacionamento. Não existe, é claro, vida isolada. Podemos, cuidadosamente, eliminar diversas formas de relacionamento físico, mas, ainda assim, a mente permanecerá relacionada. A própria existência da mente implica relacionamento, e o autoconhecimento advém de se enxergarem os fatos do relacionamento tais como eles são, sem inventar, condenar ou justificar. No relacionamento, a mente faz certas avaliações, julgamentos e comparações; ela reage ao desafio de acordo com várias formas de recordação, e essa reação é chamada pensamento. Você descobrirá que, se a mente puder ao menos estar ciente de todo esse processo, o processo se imobiliza. A mente fica então bastante quieta, bastante silenciosa, sem incentivo, sem movimento em qualquer direção, e, nessa quietude, a realidade adquire existência. 

Krishnamurti, Rajghat, 6 de fevereiro de 1955

É possível uma percepção que não parta do pensamento?

O que vem a ser "pensar"? Quando dizemos "eu penso", o que queremos dizer com isso? Quando é que passamos a ter consciência desse processo de pensar? Damo-nos conta dele, certamente, quando há um problema, quando nos sentimos ameaçados, quando nos fazem uma pergunta, quando existe atrito. Nós percebemos sua existência como um processo autoconsciente. [...]

Não há dúvida de que pensar é uma reação. Se eu lhes faço uma pergunta e você responde a ela, você responderá de acordo com a sua memória, com os seus preconceitos, com a sua formação, com o clima, com todos os antecedentes do seu condicionamento; e é de acordo com tudo isso que você responde, é de acordo com isso que você pensa. Não importa que você seja cristão, comunista, hindu ou quem quer que seja — quem responde são esses antecedentes — e, evidentemente, esse condicionamento é o causador do problema. O núcleo desses antecedentes é o "eu", presente no processo da ação, enquanto os antecedentes não forem compreendidos, enquanto o processo do pensamento, esse si-mesmo causador do problema não for compreendido e não tiver tido fim, continuaremos fadados a enfrentar conflitos, dentro e fora, no pensamento, na emoção, na ação. Nenhuma solução de nenhum tipo por mais sagaz ou bem pensada que seja, jamais poderá colocar fim ao conflito entre homem e homem, entre você e eu. E, verificando isso, tendo tomado ciência de como o pensamento nasce e de que fonte ele origina, perguntamos: "Pode o pensamento chegar a ter fim?"

Esse é um dos problemas, não é verdade? Pode o pensamento resolver os nossos problemas? Ter pensado bastante sobre o problema fez você resolvê-lo? Problemas de qualquer natureza — econômicos, sociais, religiosos — terão sido realmente solucionados pelo pensamento? Em sua vida do dia-a-dia, quanto mais você pensa sobre um problema, mais complexo, insolúvel e incerto ele se torna. Não é isso o que se passa na nossa vida diária e real? Você pode, se pensar sobre certos aspectos do problema, perceber com maior clareza o ponto de vista de outra pessoa, mas o pensamento não pode enxergar a plenitude e a totalidade do problema; ele pode apenas ver parcialmente, e uma resposta parcial não é uma resposta plena; logo, não há solução. 

Quanto mais pensamos sobre um problema, quanto mais o investigamos, analisamos e discutimos, mais complexo ele se torna. Assim, será possível olhar para o problema de forma plena e totalmente abrangente? E como será isso possível? Essa, segundo penso, é a nossa dificuldade. Sim, pois os nossos problemas se multiplicam.  — há uma ameaça iminente de guerra, há todo tipo de complicações nos nossos relacionamentos — e como poderemos compreender tudo isso de forma plena, como um todo? Isso, evidentemente, só poderá ser solucionado quando o examinarmos como um todo — não em compartimentos, não de forma dividida. E quando será isso possível? Sem dúvida, isso só será possível quando o processo do pensamento — que tem sua origem no "eu", no si-mesmo, nos antecedentes da tradição, do condicionamento, do preconceito, da esperança, do desespero — ter chegado ao fim. Poderemos então compreender esse si-mesmo, não por meio da análise, e sim enxergando o fato tal como ele realmente é, tendo consciência dele como um fato, e não como uma teoria? Não buscando dissolver o si-mesmo de maneira a atingir um resultado, mas enxergando a atividade do si-mesmo, do "eu", constantemente em ação? Poderemos olhar para isso sem nenhum movimento para destruir ou encorajar? Esse é o problema, não é mesmo? Se, em cada um de nós, não existir o centro do "eu", com o desejo de poder, de posição, de autoridade, de continuidade e de autopreservação, nossos problemas certamente terão fim! 

O si-mesmo é um problema que o pensamento não pode resolver. É preciso haver uma percepção que não parta do pensamento. Estar ciente, sem condenação ou justificativa, das atividades do si-mesmo — apenas estar ciente — é o bastante. Enquanto você se mantiver ciente visando descobrir a forma de resolver o problema, com o intuito de transformá-lo, de produzir um resultado, você estará ainda no campo do si-mesmo, do "eu". Enquanto buscarmos um resultado, seja por meio da análise, ou por meio da consciência, ou através de um exame constante de cada pensamento, continuaremos ainda no campo do pensamento, o qual se encontra no campo do "mim", do "eu", do ego.

Krishnamurti — Londres, 7 de abril de 1952     

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Você é senhor de sua mente?

O poder do pensamento concentrado, aplicado à vida cotidiana, é amplamente reconhecido. Não há, pois, necessidade de provas ou explicações especiais. mas o homem comum não usa convenientemente nem mesmo uma fração desse poder. Se o leitor discordasse disso, gostaria que me explicasse, ou, melhor, explicasse a si próprio, se sabe por que está pensando de certo modo particular e não de outro, por que os pensamentos lhe surgem na mente, "convidados" ou não, e se é capaz de prever em que estará pensando ao cabo de alguns instantes. Pode de fato fechar a mente, segundo sua vontade, a um pensamento que o importune? De onde vêm os pensamentos? 

Se estas perguntas ficarem sem resposta, teremos de reconhecer que não somos senhores de nossa mente. Um dos principais objetivos deste estudo é pôr fim a essa condição indesejável. 

Controlar uma máquina significa ser capaz de pô-la em ação, modificar sua velocidade e, finalmente, fazê-la parar quando necessário. E isso é exatamente o que se exige da mente disciplinada. 

O verdadeiro poder de concentração não é apenas a habilidade de dirigir e manter, por alguns minutos, toda a atenção focalizada exclusivamente sobre, por exemplo, a cabeça de um alfinete, e sim a capacidade de fazer parar a máquina pensante e observá-la enquanto parada. O artista sente-se seguro de que suas mãos lhe obedecem e executam exatamente o movimento exigido. Por isso nem sequer pensa no assunto e trabalha sem preocupar-se, sabendo que as mãos, em dado momento, farão precisamente o que ele deseja. Sob tais condições, as mãos e os órgãos, trabalhando convenientemente, constituem uma unidade harmoniosa, capaz de funcionar em sua própria esfera de ação. 

Suponhamos que uma parte de seu corpo se recuse a obedecer os impulsos emitidos do cérebro, o centro de controle. Poer exemplo: em vez de apanhar um copo de água, quando você está com sede, sua mão acende um cigarro ou então recusa-se a mover-se. Você certamente concluirá que ela é de pouca utilidade. 

Observemos mais de perto as funções de nossa mente-cérebro. Você é capaz de afirmar, com plena certeza, que pensa sempre quando quer e só no que realmente quer e que, portanto, sabe onde os pensamentos surgem à luz de sua consciência? Poderá impedir a entrada dos pensamentos ou limitar sua duração na mente pelo tempo que desejar? Se for capaz de analisar o processo do pensamento, a resposta será negativa. 

Assim, pode parecer que o homem comum não é bom artífice porque não consegue controlar seu instrumento principal: a mente e os pensamentos. Passa a vida usando e aceitando algo que se origina além do alcance da compreensão.

Mouni Sadhu        

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Como se pode controlar o pensamento?

Que entendemos por pensamento? O pensador é diferente do pensamento? O que medita é diferente da sua meditação? O observador está separado d coisa observada? A qualidade é diferente da pessoa? Assim, antes que possa ser controlado o pensamento, qualquer que ele seja, devemos compreender o processo de pensar e aquele que pensa, e verificar se constituem dois processos separados, ou se são um processo unitário.

O pensador existe quando deixa de pensar? Quando não há pensamentos existe pensador? Evidentemente, se não temos pensamentos, não há pensador. Por que então a separação entre pensador e pensamento? Na maioria de nós existe esta separação. Por quê? É uma coisa real, verdadeira, ou se trata de coisa meramente fictícia, criada pela mente?

(...) Não estão crentes de que os seus pensamentos são separados de vocês? Esta pergunta implica — não é verdade? — que há o que controla e há a coisa controlada, o observador e a coisa observada. Pois bem, sabemos se esse processo é um fato real, isto é, se há observador e coisa observada, controlador e coisa controlada? É real esta separação? Só é real no sentido de que nós a aceitamos. Mas não é uma armadilha da mente?(...) Quase todos vocês acreditam que o pensador é separado, o “eu” superior, “Atman”, o observador, que domina o “eu” inferior, etc. Por que existe esta separação? Esta separação não está também dentro dos domínios da mente? Quando dizem que o pensador é o “Atman”, o observador, e que os pensamentos estão separados dele, isto de certo também está no campo mental. Ora, o fato não é que a mente, o pensador, se separou dos seus pensamentos para dar permanência a si mesma? Porque assim o pensador pode sempre modificar os seus pensamentos, dar-lhes nova uma moldura, enquanto ele se conserva separado, dando assim permanência a si mesmo. Mas, sem o pensamento, não existe o pensador. Pode separar-se dos seus pensamentos, mas se deixa de pensar, deixa também de existir, não é verdade? Assim, esta separação do pensador dos seus pensamentos é uma armadilha do pensador para dar segurança e permanência a si próprio. Isto é, a mente percebe que os pensamentos são transitórios e adota, por esse motivo, a astuciosa armadilha de dizer que ela é o pensador, independente dos seus pensamentos, que ela é o “Atman”, o observador, separado da ação, do pensamento. No entanto, se observarem o processo com muita atenção, pondo de lado todo conhecimento de vocês adquirido de outros, por maiores que sejam esses outros, verão que o observador é a coisa observada, que o pensador é o pensamento. Não há pensador separado do pensamento; por mais ampla, por mais profunda e extensa que seja a separação, a muralha por ele edificada entre si e os seus pensamentos, o pensador fica sempre dentro do campo do seu pensar. Por conseguinte, o pensador é o pensamento; e assim, quando perguntam, “como se pode controlar o pensamento?” vocês fazem a pergunta errada. Quando o pensador começa a controlar os seus pensamentos, ele o faz apenas para dar continuidade a si próprio, ou porque acha que os seus pensamentos lhe são dolorosos demais. Deseja, por isso, modificar os seus pensamentos, ficando ele permanente, atrás da cortina de palavras e pensamentos. Uma vez que admitam isso, que é um fato verdadeiro, as suas disciplinas, suas buscas do superior, as suas meditações, os seus controles, tudo se desfaz em nada. Isto é, se quiserem olhar para o fato evidente de que o pensador é o pensamento e se ficarem perfeitamente cônscios desse fato, então não mais pensarão em termos de dominar, modificar, controlar ou canalizar os seus pensamentos. Então o pensamento se torna importante e não o pensador. O que tem peso então não é o controlador, nem a maneira de controlar, mas o pensamento, que é a coisa controlada, se torna importante por si mesmo. A compreensão do processo do pensamento é o começo da meditação, que é autoconhecimento. Sem autoconhecimento não há meditação; e a meditação do coração é compreensão. Se querem compreender, não devem estar ligados a crença alguma. (...) só podem estar livres quando percebem a verdade sobre a falsidade da crença de que o pensador é separado dos seus pensamentos. Isto é, quando se percebe a verdade acerca do falso, ficamos livres do falso. Por muito tempo temos admitido a ideia de que o o pensador é separado dos pensamentos; e vemos agora que a separação é falsa. Percebendo a verdade acerca do falso, vocês ficam livres do falso, com tudo o que ele implica — disciplinar, controlar, dirigir, canalizar o pensamento, o colocar o pensamento num determinado molde de ação. Quando estamos fazendo essas coisas estamos ainda dando importância ao pensador; e por isso o pensador e o pensamento continuam separados, o que é falso. Mas se percebem essa falsidade desfaz-se a separação e resta apenas o pensamento. Podem então investigar o pensamento, a mente então é apenas a máquina do processo do pensamento, e o pensante não está separado do pensamento.

Ora bem, a mente é o aparelho que registra, que experimenta, e, portanto, a mente é memória, memória sensorial; porque a mente é resultado dos sentidos. Logo, o pensamento, que é produto da mente, é sensorial; sem dúvida o pensamento é resultado da sensação. A mente é o aparelho que registra, que acumula, a consciência que experimenta, que dá nome, que registra. Isto é, a mente experimenta, depois dá nome à experiência, como agradável ou desagradável, e depois a registra, guarda-a no arquivo que é a memória. Essa memória atende a um novo estímulo. Cada estímulo é sempre novo, e a memória, que é um mero registro do passado, atende ao novo. Esse encontro do novo com o velho é chamado experiência. Ora, a memória não têm vida, por si. Ela só tem vida, só é vitalizada quando vai ao encontro do novo. Por conseguinte, o novo está sempre dando vida ao velho. Isto é, quando a memória atende ao estímulo, que é sempre novo, ela se verifica, se fortalece com essa experiência. Examinem a própria memória de vocês, e verão que ela não tem vida, por si; mas quando a memória se encontra com o novo e traduz o novo de acordo com o seu condicionamento, ela é então revitalizada. Assim, a memória só tem vida quando se encontra com o novo, revitalizando-se e fortalecendo-se continuamente. Essa revivificação da memória se chamar pensar.

(...)Vemos, pois, que o pensar é sempre reação condicionada, que o pensar é processo de reação a estímulo. O desafio é sempre novo; mas o pensar, que é uma reação derivada da memória, é sempre velho, revitalizado.(...) Por isso, o pensar nunca pode ser criador, porque é sempre reação da memória. (...) Só quando atendemos o novo como novo, temos o viver criador. A mente é a máquina que registra, que acumula lembranças; e enquanto a memória continuar a ser revitalizada pelo desafio, subsistirá o processo de pensamento. Mas se cada pensamento for observado, sentido, examinado integralmente, e perfeitamente compreendido, verão então como a memória começa a extinguir-se. Estamos falando da memória psicológica, não da memória fatual.(...) Acompanhar até o fim um pensamento ou sentimento, é dificílimo; porque quando queremos acompanhar um pensamento até o fim, outros pensamentos se insinuam. E ficamos a dar voltas, correndo atrás de pensamentos sucessivos, inutilmente, por causa da rapidez do pensamento.(...) Quando se acompanha cada pensamento até o fim, e a mente fica despida da memória, ela se torna tranquila, sem problema nenhum. Por quê? Porque o criador de problemas, que é a memória, desapareceu; e nessa tranquilidade, que é absoluta, desponta a realidade. (...) Quando o pensador se separa dos seus pensamentos e procura controla-los, está caminhando para a ilusão; ao passo que perceber a verdade no falso nos liberta do falso. Resta então apenas o pensamento e quando há compreensão perfeita do pensamento, vem a tranquilidade. Nessa tranquilidade há criação; isto é, quando a mente deixa de criar, há a criação que está fora do tempo, que é imensurável, que é o real.

Jiddu Krishnamurti — 7 de março de 1948 — Da insatisfação à felicidade

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Existe um intervalo entre dois pensamentos?

Senhor, já notou, no seu pensar, que existe um intervalo entre dois pensamentos? Por mais triviais e por mais lúcidos que sejam esses pensamentos, existe intervalo, não existe? Não há pensamento contínuo. Se observar lucidamente, notará que há um vazio, um intervalo. O mero seguir, analisar, o estar cônscio de determinado pensamento, será completamente inútil se não tivermos compreendido ou observado o intervalo entre dois pensamentos. Porque, afinal de contas, quando sigo até o fim um determinado pensamento, por mais insignificante que ele seja, a mente que o leva até o fim continua a ser trivial, um espírito limitado, medíocre, que está julgando, comparando, condenando; e quando essa mente segue um pensamento, não pode compreendê-lo. (...) Se observo porém que existe um intervalo entre os pensamentos, se minha mente se interessa por esse intervalo e o observa com lucidez, verei então desvanecerem-se os pensamentos triviais, sem que os julgue, compare, discipline, refreie. Porque, naquele intervalo não há função de pensamento. Existe um intervalo, que apenas pode durar um segundo; mas no momento em que você deseja prolongar esse segundo para dez segundos, você colocou em ação a mediocridade. 

(...) O estarmos cônscios desse intervalo é suficiente, mas desde que o busquemos, que não procuremos criá-lo, prolonga-lo. E isso, positivamente, implica em autoconhecimento infinito, não é exato? Porque esse intervalo não pode ser conservado, é possível apresentar-se, nele, um sentimento novo e diferente. Mas no momento em você busca esse intervalo e procura prolonga-lo, a mente está intervindo nele; e quando a mente intervém, influencia, condiciona. Assim, pois, quanto mais cônscios estamos do processo do pensamento e do intervalo, tanto maior o nosso autoconhecimento — autoconhecimento que não nos veio de nenhum livro, que não está de acordo com nenhum padrão de pensamento, mas que é a compreensão de nós mesmos, tais como somos, momento por momento, dia após dia, mês por mês. Esse é um “processo” extremamente difícil. Sem aquele conhecimento, não se pode compreender a influência que condiciona, e é por isso que a mente está sujeita a toda espécie de influência e interferência, vivendo perpetuamente num estado de imitação, de dependência e de temor. 

JK - Autoconhecimento - Base da Sabedoria

domingo, 15 de setembro de 2013

Pode a mente, por meio do pensamento, promover uma transformação?

A mente é o resultado de muitos séculos, de milhares e milhares de anos. Sempre funcionou no campo do conhecido. Dentro desse campo do conhecido, não existe nada novo. Todos os deuses que a mente inventou são do passado, do conhecido. Pode a mente, por meio do pensamento, da inteligência, da razão, promover uma transformação?

Necessitamos de uma tremenda mutação psicológica, não uma mudança neurótica; e a razão, o pensamento, não pode realiza-la. Nem o saber, nem a razão, nem as sagazes atividades do intelecto poderão operar essa radical revolução na psique.

(...) Se o pensamento, a razão, o conhecimento e a experiência não podem realizar uma radical mutação na psique, que é que poderá realizá-la? Tal é a única revolução que resolverá todos os nossos problemas.

(...) Para examinar-se qualquer coisa, principalmente coisas não objetivas, coisas interiores, necessita-se de liberdade, de liberdade COMPLETA para olhar; e essa liberdade não é possível quando o pensamento, como reação de experiências ou conhecimentos anteriores, interfere no ato de olhar.

(...) Se você deseja olhar uma flor, qualquer pensamento a ela relativo lhe impede de olhá-la. As palavras "rosa", "violeta", o nome da flor, da espécie da flor, lhe impede de olhar. Para você olhar, NÃO DEVE HAVER INTERFERÊNCIA DA PALAVRA, que é a objetivação do pensamento. Você deve estar livre da palavra; o olhar exige silêncio; de contrário, não se pode olhar. Se você olha sua esposa ou marido, todas as lembranças que guardou, aprazíveis ou dolorosas, interferem no olhar. Só quando olha sem a imagem, existe um estado de relação. Sua imagem verbal e a imagem verbal de outra pessoa, não estão em nenhuma relação. São inexistentes.

(...) Para observar, precisamos estar livres da palavra, sendo a palavra símbolo, com tudo o que encerra — conhecimento, etc. Para olhar, observar, temos de estar em silêncio; de contrário, como é possível OLHAR alguma coisa? Esse silêncio ou pode ser produzido por um objeto tão imenso que torna a mente silenciosa; ou ele resulta de que a mente compreende que, para olhar qualquer coisa, tem de aquietar-se. Ela é então como a criança que ganhou um brinquedo novo, que a absorve inteiramente. A criança torna-se quieta; tão interessante é o brinquedo, que a absorve; mas, isso não é o estado de quietude. Tire-se-lhe o objeto da absorção, e ei-la de novo irrequieta, a fazer barulhos e travessuras. Para olharmos qualquer coisa necessitamos de liberdade; e a liberdade requer silêncio. A mesma compreensão disso produz sua disciplina própria. Não há interpretação, por parte do observador, daquilo que está a observar — sendo o "observador" todas as ideias, memórias, experiências, que o impedem de olhar.

O silêncio e a liberdade são inseparáveis. Só a mente que está toda em silêncio — não por meio da disciplina ou controle ou por causa da exigência de experiências extraordinárias, pois tudo isso são futilidades — só a mente que está toda em silêncio pode responder àquela pergunta. Só o silêncio total produzirá a revolução total na psique — não o esforço, nem o controle, nem a experiência, nem a autoridade. Esse silêncio é extraordinariamente ativo; não é mero silêncio estático. Para você o alcançar, precisa fazer o necessário. Ou o faz instantaneamente, ou toma um tempo para analisar-se e, nesse caso, você já perdeu o silêncio. A análise — psicanálise ou auto-análise — não dá liberdade, tanto mais porque requer tempo — de hoje para amanhã e daí por diante, gradualmente.

A mente — sua mente e minha mente — é resultado do tempo, resíduo de toda a experiência humana, produto de nossa infinda luta humana. Seus problemas são os mesmos problemas do indiano, na Índia. Ele está passando pela mesma infinita aflição que você. Esse desejo de encontrar a Verdade, de descobrir se é possível uma revolução radical na mente, só será compreendido quando houver liberdade total e, por conseguinte, não houver medo. Só existe a autoridade quando existe o medo. Com a compreensão do medo, da autoridade e da rejeição de todos os desejos de experiência — e essa é realmente a plenitude da maturidade — torna-se a mente completamente silenciosa. Só nesse silêncio — que é SUMAMENTE ativo — pode verificar-se uma revolução total na psique. Só então está a mente apta a criar uma nova sociedade. Torna-se necessária uma nova sociedade, uma nova comunidade, constituída de pessoas que, embora vivendo no mundo, a ele não pertençam. A você é que cabe o dever de criar essa comunidade.


Jiddu Krishnamurti — A importância da transformação

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

É possível uma total mudança na consciência humana?

(...) Os problemas humanos, o problema de nossa confusão, de nossa total falta de afeição, o sentimento de solidão, as contradições, a perpétua ânsia de preenchimento e as intermináveis frustrações que a acompanham — todos eles foram criados pelo pensamento. Edificamos uma sociedade, uma estrutura, um estado sócio-psicológico que é o resultado de nossa avidez, inveja, comparação, competição, ambição, desejo de poder, posição, prestígio, fama. Tudo isso foi construído pelo pensamento, e nós somos o resultado desse pensamento e nos vemos aprisionados nessa estrutura, na estrutura psicológica da sociedade, da qual somos uma parte. Isso também é muito óbvio; nós não somos diferentes da sociedade. A sociedade somos nós — você e eu — a sociedade que criamos com o pensamento, consciente ou inconscientemente, a qual aceitamos ou contra a qual nos revoltamos — revolta que, todavia, permanece dentro da estrutura de uma dada sociedade. O pensamento construiu, através dos séculos, esta sociedade, com seus deuses, seus instrutores, suas religiões, suas nacionalidades, e toda esta confusão medonha em que estamos vivendo. O pensamento não pode livrar-se daquilo que ele próprio construiu. Se o faz, ou se pensa que o faz, isso será ainda uma reação, uma continuidade “modificada” do que foi.

O pensamento é para nós de desmedida importância — o pensamento que é a palavra, a ideia, o passado, o presente e o futuro; o pensamento que cria extravagantes ideologias que com tanta facilidade aceitamos. Não importa se tais ideologias são nobres ou ignóbeis. O homem vive pelo pensamento, como o fazem certos animais, e, percebendo a confusão, a aflição em que nos encontramos, exercemos o pensamento a fim de operarmos uma mudança, à força de determinação, através do tempo, pela asserção da vontade: “Sou isto e devo ser aquilo”. O que o futuro será foi criado pelo pensamento, pela ideologia, pelo ideal, pelo exemplo. Embora desejemos mudar — e todo ente humano inteligente deseja promover uma mudança no mundo e em si próprio — utilizamos o instrumento do pensamento para efetuar a modificação, crendo que o pensamento resolverá todos esses problemas. Não é assim? Não estão aqui escutando, com o pensamento funcionando? Natural e evidentemente! E, não percebemos claramente que o pensamento não tem possibilidade de criar um mundo novo, de promover uma revolução total na consciência humana. O que fazer? O pensamento criou esta confusão e ele — assim esperamos — produzirá a clareza. Estamos muito certos de que o pensamento o fará, o pensamento que é brilhante, sutil, criador de ideologias; o pensamento que é egotista e não egotista; o pensamento que não funciona egocentricamente, devotado à reforma social, à revolução, a novos sistemas de ideias, a utopias.

Se percebemos o seu verdadeiro significado, se percebemos, mesmo verbal ou intelectualmente, que o pensamento é incapaz de promover uma mudança radical, e que a revolução radical da consciência humana é de essencial necessidade, vemos então quanto é insensato continuarmos pelo caminho que estamos seguindo, a lutar, dia por dia, cheios de aflição e confusão, à espera da desolação e da morte. Temos recorrido ao pensamento, para resolver esta situação, entretanto o pensamento nada resolveu. Se compreendermos isso, mesmo verbalmente, que iremos fazer?

Quando fazemos esta pergunta, desejamos que nos digam o que cumpre fazer — peço-lhes toda a atenção! — e, por conseguinte, estamos reagindo com o pensamento, queremos descobrir a resposta por meio do pensamento. Não é exato isso? O problema está claro, e agora estamos esperando, enquanto procuramos a resposta. O que é isso que está esperando? Que entidade é essa que está esperando a resposta? É ainda o pensamento! O pensamento quer agora descobrir se o que está dizendo é verdadeiro ou falso, está a concordar ou a discordar, a reverter ao seu condicionamento, e a dizer: “Como se pode viver neste mundo sem pensar?” Não estamos dizendo que não devemos pensar; seria infantil dizê-lo.

Vocês sabem qual é o problema. Por conseguinte, ao perguntarem “O que devo fazer?” —precisam descobrir quem é que está fazendo essa pergunta... É ainda o pensamento? Se é, podemos agora investigar a questão da origem do pensamento.

Não dizemos que o pensamento deve cessar, pois o pensamento tem uma função definida. Sem ele, não poderíamos nos dirigir ao escritório, não saberíamos nosso próprio endereço, nenhum possibilidade teríamos de funcionar. Mas, se desejamos efetuar uma revolução radical em toda a consciência, na própria estrutura do pensar, devemos compreender que o pensamento, que criou esta sociedade, com toda a confusão nela existente, não pode em absoluto dissolvê-la.

(...)O pensamento é essencialmente conservador. O pensamento quer ocupado com o futuro, quer com o presente, funciona sempre com base no passado, em suas memórias, seu condicionamento, seu conhecimento. O pensamento é a essência mesma da segurança, e é isso o que a mente, conservadora por excelência, também quer — segurança, sempre segurança, em todos os níveis! Para se efetuar uma total mudança na consciência humana, deve o pensamento funcionar num certo nível que lhe compete, mas não deve transbordar para outra esfera em que o pensamento não tem realidade alguma. Se eu não pensasse, não poderia falar. Mas, não é possível efetuar-se nenhuma transformação radical em mim mesmo, como ente humano, por meio de uma ideia, de um pensamento, porque o pensamento só é capaz de funcionar em conjunção com o conflito. O pensamento só pode criar conflito.

Dito isto, se, como espero, tenham muito interesse, devem perguntar a si mesmos qual é a origem do pensar.(...) Esta é uma pergunta sobremodo complexa, cuja compreensão requer uma mente muito sutil e destemida. No momento em que se descobre realmente a origem do pensar, o pensamento recebe o lugar que lhe compete e não transbordará para outra esfera, outra dimensão onde não há lugar para ele. Só nessa dimensão pode-se operar a transformação radical; só nela pode nascer uma coisa nova, não produzida pelo pensamento.(...)

Jiddu Krishnamurti – Encontro com o eterno

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Investigando o processo e a origem do pensar


A menos que a mente descubra a fonte do pensamento, ver-se-á sempre de novo enredada num sistema de vida que levará finalmente ao conflito, uma vida que é violência. Aquela fonte precisa ser descoberta. Enquanto existir observador e coisa observada, haverá contradição, distância, intervalo de tempo, separação entre ambos, e o pensamento tem de existir.

(...) Enquanto houver observador e coisa observada, e, entre ambos, intervalo de tempo, distância, espaço — essa separação dará origem ao pensamento. Só quando o observador é o objeto observado, e não há observador nenhum, não há pensar.

Objetivamente, vejo, no começo da primavera, uma árvore em que ainda não despontam as folhas novas, formando com seus galhos nus, delicado desenho contra o fundo azul do firmamento. Vejo-a: Eu, o observador, e aquela árvore — observador e coisa observada. A árvore não sou eu. É algo existente no exterior. Nela penso quanto é delicada, bela, escura — uma forma negra contra o céu limpo. O observador tem certas “memórias” a respeito daquela árvore, sua espécie, seu nome, a lembrança dos fatos acumulados em relação a ela. O observador é a memória, a entidade que sabe; com esse saber, sua memória, experiência, conhecimentos, olha a árvore. O observador está então pensando. Enquanto existe observador e coisa observada, no pensamento, na ação, é isso o que acontece.

Consideremos outro exemplo: as relações entre os cônjuges. É relativamente fácil olhar uma árvore, mas o caso se torna muito mais complexo quando esposa e marido olham um para o outro. Há sempre o “observador” e o “objeto observado”. O observador, que convive com aquela outra pessoa, recorda-se dos prazeres, sensuais e outros, do companheirismo, das ofensas das lisonjas, dos confortos — de tudo o que constitui o fundo dessa relação. Cada um tem uma imagem do outro. Dessa imagem, dessa memória, dessas experiências, desses prazeres, nasce o pensamento. A relação é entre as duas imagens. Isso também está perfeitamente claro e, portanto, pode-se ver que, enquanto há observador e objeto observado, o pensamento inevitavelmente funciona. se encontra a fonte da ação-pensamento. Enquanto há divisão, separação, o pensamento necessariamente começa a funcionar; isso não significa que o pensamento se identifica com o objeto a fim de pensar; pelo contrário, só está a identificar-se com o objeto a fim de pacificar o pensar; mas existe sempre “processo” de pensar naquele estado de relação.

Está, assim, descoberta a origem do pensar. Mas, quando o pensador, o experimentador, o observador é o objeto observado, a experiência, o pensamento, não há, nesse estado, nenhum pensar. E é nessa maneira de vida que se encontra a paz. Se uma pessoa é séria, não fragmentariamente, intermitentemente, quando lhe convém, quando isso lhe proporciona conforto ou prazer; se deseja seriamente encontrar uma maneira de vida em que haja paz, em que não exista contradição e, portanto, não exista conflito nem esforço, terá de investigar o processo do pensar e a origem do pensar. Isso não significa que não se deva fazer uso do pensamento. Naturalmente, temos de fazer uso dele; mas, o pensamento — quando dele nos servimos sem compreender como se origina e como termina — cria mais conflito, mais confusão, como ocorre atualmente. Mas, naquela claridade que vem quando o observador é o objeto observado, o pensamento perdeu a imensa importância que tinha para nós. A paz não é um fim em si, um ideal que temos de lutar para alcançar, uma coisa que precisamos obter, para vivermos tranquilos. Ela vem, naturalmente, sem esforço e sem luta de nossa parte, quando o pensamento compreendeu a si próprio. Isso não significa que o pensamento põe, então, fim ao pensar — pois isso seria falta de maturidade, infantilidade. Mas, ao ser compreendido o inteiro processo do pensar, alcança-se um estado que se pode chamar “pacífico”, mas esta palavra não é o fato. É somente a base de que necessitamos. Estamos apenas lançando as bases, pois, sem bases adequadas, o pensamento, a mente, não pode, de modo nenhum, funcionar numa dimensão completamente diferente.

Jiddu Krishnamurti — Encontro com o eterno

Um extraordinário sentido de energia que não é do pensamento

Temos de considerar juntos se o cérebro, que opera parcialmente, tem a capacidade de funcionar inteiramente, completamente. Agora, estamos usando apenas uma parte dele, o que podemos observar por nós mesmos. Podemos perceber que a especialização, que pode ser necessária, produz o funcionamento de apenas uma parte do cérebro.(...) No mundo moderno temos que nos especializar e estamos perguntando se, mesmo assim, é possível permitir ao cérebro que opere inteiramente, completamente.

(...) Agora, pode o cérebro ser totalmente livre para funcionar inteiramente? Porque qualquer especialização, o seguir qualquer caminho, uma determinada rotina habitual ou modelo, inevitavelmente implica que o cérebro está funcionando parcialmente e, portanto, com energia limitada. Vivemos numa sociedade de especialização(...) certas especializações são necessárias (...) mas, apesar disso, pode o cérebro funcionar completamente, inteiramente e, portanto, possuir uma energia extraordinária?

(...) Se observarmos nossa própria atividade, descobrimos que o cérebro funciona de modo muito parcial, fragmentariamente, resultando que a nossa energia torna-se cada vez menor à medida que envelhecemos. Biologicamente, fisicamente, quando somos jovens somos cheios de vitalidade; mas aos sermos instruídos e, depois, seguirmos um modo de vida que necessita de especialização, a atividade do cérebro torna-se reduzida, limitada e a sua energia torna-se cada vez menor.

Embora o cérebro possa ser obrigado a ter uma determinada forma de especialização(...) será que ele também pode operar integralmente? Ele só pode operar integralmente, com a tremenda vitalidade de um milhão de anos, quando é completamente livre.

(...) Pode o cérebro humano ser totalmente livre, sem qualquer forma de ligação — ligação a determinadas crenças, experiências, assim por diante? Quando o cérebro está ocupado com problemas, com especialização, com um modo de vida, está numa atividade limitada.

(...) Pode a consciência de vocês, com seu conteúdo básico de medo, da busca do prazer, com todas as implicações do pesar, da dor e do sofrimento, sendo magoado interiormente, e assim por diante, tornar-se totalmente livre?

(...) O conteúdo da nossa consciência é formado por todas as atividades do pensamento. Pode o conteúdo ser sempre livre, de modo a haver uma dimensão totalmente diferente?

(...) O conteúdo do nosso consciente é o movimento do pensamento no tempo e no espaço. Seja esse tempo muito limitado, ou vasto e extenso, ainda assim é um movimento no tempo e no espaço.

O pensamento criou muitas formas diferentes de poder em nós, psicologicamente, mas todas elas são limitadas. Quando há a libertação da limitação há um surpreendente sentido de poder, não o poder mecânico, mas um extraordinário sentido de energia. Isso nada tem a ver com o pensamento e, portanto, esse poder, essa energia, não podem ser mal-empregados. Mas se o pensamento diz: “vou usá-la”, então esse poder, essa energia é dissipada.

Jiddu Krishnamurti — A rede do pensamento

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Existe separação entre o viver e o morrer?

É verdadeiramente interessante observar o funcionamento de nosso próprio pensar, observar essa reação que chamamos pensar. De onde ela nasce? Obviamente da memória. Existe um começo do pensamento?... "Posso descobrir o começo do pensamento, isto é, o começo da memória?" — pois se vocês não tivessem memória não teriam o pensamento. Qual é o começo do pensamento, e tem ele alguma importância? O pensamento tem para nós extraordinária importância. Quanto mais inteligente, e sagaz, e sutil, tanto melhor sabemos expressá-lo. Vocês sabem quantas ideias, racionais ou não, enchem os livros dos intelectuais, teólogos ou não teólogos — de Santo Tomás, ou de Sankara, ou dos intelectuais do Extremo Oriente. Quer no campo sectário, religioso, quer no campo não religioso, encheram-se milhares de livros de ideias e nós veneramos esses livros e essas ideias, que são para nós de tremenda importância. Estamos fortemente condicionados. E, aqui, quando falamos sobre ideias, as estamos atacando nas próprias raízes, e não simplesmente umas poucas ideias insignificantes; estamos atacando todas as formulações de ideias.

Para nós, o pensar — ideias, ideais — o analisar, o apresentar dialeticamente opiniões, etc. se tornou extraordinariamente importante. E, aqui, estamos questionando todo esse edifício — inclusive o edifício da Igreja, com todos os seus dogmas e crenças, suas fórmulas de Deus, da Virgem Maria e do salvador. O mundo cristão e o mundo asiático têm, cada um deles, sua estrutura própria, seu próprio edifício, seus próprios andaimes para alcançar os Deuses, e quando falamos sobre o pensamento como ideia e tempo, estamos questionando tudo isso.

Como entes humanos que têm de viver nesta sociedade monstruosa e horrível, com suas brutalidades, seus "pecados" e ansiedades, seus temores e guerras e desesperos — estamos nos interrogando: "Pode isso acabar?" — não como esperança, porém como fato? Pode a mente tornar-se vigorosa, nova e inocente, para que possa olhar esta existência e criar um mundo totalmente diferente?

Como vemos, separamos a ação da ideia e, para nós, as ideias se tornam muito mais importantes do que a ação. Mas, as ideias estão sempre no passado e a ação sempre no presente. Como esse presente vivo nos assusta, o passado e as ideias se tornam importantíssimos, e por isso há a morte.

Um dos fatores da vida é a morte. Temos medo do viver, da velhice, da doença, da dor e do sofrimento, que conhecemos desde o momento de nascermos até o momento de morrermos. Isto é o que chamamos viver. E temos medo também de algo que desconhecemos, e que chamamos morte. Esse campo, todo inteiro, é nossa vida.

Vê-se como o pensamento cria o medo... Temos, pois, medo da vida e medo da morte, do conhecido e do desconhecido, e esse medo é gerado pelo pensamento. Acumulei experiência, alcancei um certo posto, uma certa posição, adquiri um certo saber que me dá vitalidade, energia, impulso. Esse ímpeto (momentum) do pensamento me sustenta e tenho medo de perdê-lo. A todo aquele que ameaça meu triunfo, meu êxito, meu pedestal, eu detesto, odeio, sou seu inimigo. Ora isso é bem óbvio. Vocês não sabem, quando em seus negócios, ou em suas atividades de instrutor, alguém lhes supera, não sabem como sentem medo, hostilidade? Continuam a falar em Deus, em vida espiritual, etc., mas no coração de vocês há veneno. Vocês têm medo de perder suas posições, e também sentem medo de outra coisa muito mais temível que há de vir  a morte. Pensam, pois, na morte e, nela pensando, estão criando aquele intervalo entre o viver e aquilo que chamam "morte". Isso é bastante simples. As coisas que sabem, os prazeres, as alegrias, os divertimentos, o conhecimento, a experiência, os triunfos, os desesperos, os conflitos, os domínios, suas casas, suas famílias, suas insignificantes nações — a tudo isso estão ferozmente apegados, porque é só o que possuem. Pelo pensar nessas coisas, criam um intervalo entre o que pensam, como ideia, ser duradouro, e o fato real.

O pensamento gera, por meio do tempo, não só o medo de viver, senão também o medo da morte, e porque a morte é algo que desconhecem, o pensamento diz: "Adiemo-la, evitemo-la, mantenhamo-la o mais distante possível, não pensemos nela". Mas vocês pensam nela, Quando dizem "não quero pensar nela", nela já pensaram. Vocês têm idealizado maneiras de fugirem dela e sabem evitá-la por vários meios — igrejas, deuses, salvadores, a ressurreição e a ideia de que existe um EU permanente, eterno, que a Índia, que a Ásia inventou. Isto é, o pensamento afirmou-nos muito sutilmente que, em vocês, em mim, existe uma realidade que existirá eternamente — mas isso, uma vez que é "coisa pensada", não é o real. O pensamento criou a ideia de um EU eterno — alma, Atman, — a fim de encontrar a segurança, a esperança, mas toda coisa criada pelo pensamento já é de "segunda mão", porque o pensamento é sempre velho. Tememos a morte, porque a temos adiado. Assim, deparamo-nos com o problema de como transcender essa coisa chamada viver e a coisa chamada morte. Existe real separação entre as duas? Compreendem? Viver intensamente significa, decerto, morrer para todas as coisas de ontem — todos os prazeres, conhecimentos, opiniões, juízos, nossos estúpidos e insignificantes sucessos; morrer para tudo isso; morrer para a família, para as nossas conquistas, que só tem produzido caos no mundo e tamanho conflito em nós mesmos. Pois esse morrer cria uma intensidade, um estado mental em que o passado deixou de existir, e o futuro, na figura da morte, extinguiu-se. Assim, viver é morrer; não podem viver se não há morrer. Mas, a maioria de nós sente medo porque deseja segurança, deseja a continuidade da aflição que conhecemos, da doença, da dor, do prazer, da ansiedade. Porque evitamos e repelimos a morte (o pensamento repele a morte), há o medo ao conhecido e o medo ao desconhecido. Quando não existe intervalo entre a morte e o viver, sabe-se então o que significa o morrer, morrer para tudo o que temos. Torna-se então a mente sobremodo juvenil e ardorosa, vigilante e inocente. Quando morremos para os milhares de dias passados — então viver é morrer. Só nesse estado o tempo cessa, e o pensamento só funciona onde dele necessitamos e em nenhum outro nível, em nenhum outro caso, em nenhuma outra de nossas pretensões.

Jiddu krishnamurti — Como viver neste mundo


sábado, 31 de agosto de 2013

Sobre o controle do pensamento

P: Para ter paz de espírito não preciso aprender a controlar meus pensamentos?

K: Minha mente vagueia. Por quê? Quero pensar num quadro, numa frase, numa ideia, numa imagem, e, quando estou pensando, vejo que minha mente fugiu para a estrada de ferro ou para alguma coisa que aconteceu ontem. O primeiro pensamento foi-se, e outro lhe tomou o lugar. Por isso, examino cada pensamento que surge. Isso é inteligente, não acha? Você faz esforços para fixar o pensamento em alguma coisa. Por que fixa-lo? Se você se interessa pelo pensamento que surge, ele lhe revela o seu significado. O divagar da mente não é distração — não lhe dê nome algum. Siga a divagação, a distração, averigue porque foi que a mente divagou; segui-a, penetre-a a fundo. Compreendida completamente uma determinada distração, ela se extingue. Se surge outra, seguia-a também. A mente é constituída de inumeráveis exigências e desejos; e quando você os compreende, ela é capaz de um percebimento em que não há exclusão de nada. Concentração é exclusão, resistência a alguma coisa. Tal concentração é a mesma coisa que colocar antolhos — é evidentemente inútil, não conduz à realidade. Quando uma criança tem interesse num brinquedo, não há distração.

Jiddu Krishnamurti — O que estamos buscando

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Pode o pensamento por fim a si mesmo?

O que temos discutido nas últimas semanas é a questão do "eu" e suas tendências. Chegamos a perceber que o "eu" é a causa fundamental de todos os males? O "eu", com todas as suas extravagâncias e ações sutis é o responsável por todos os nossos males. Todo homem inteligente deve resolver esse problema do "eu", em vez de procurar contrabalançá-lo, encobri-lo: deve compreender como, na vida cotidiana, está dando sustento, vitalidade e continuidade ao "eu". Se desejamos resolver qualquer um dos problemas mundiais, cumpre-nos, de certo, compreender todo o processo do "eu", com todas as suas complexidades, tanto conscientes como inconscientes. É o que temos discutido e considerado, sob diferentes aspectos.

A religião organizada, a crença organizada e os estados totalitários são muito semelhantes, visto que têm o mesmo escopo de destruir o indivíduo pela compulsão, pela propaganda, por várias formas de coerção. A religião organizada faz a mesma coisa, embora de maneira diferente, e por ela vocês são também obrigados a acreditar, aceitar, também são condicionados. A tendência geral, tanto da esquerda como das chamadas organizações espirituais, é moldar a mente segundo determinado padrão de conduta; porque o indivíduo, quando entregue a si mesmo, se torna um rebelde. Por isso, destrói-se o indivíduo, pela compulsão, pela propaganda: ele é controlado, dominado, para o bem da sociedade, do Estado, etc. As chamadas organizações religiosas fazem a mesma coisa, com a diferença apenas de que o fazem um pouco mais disfarçadamente, um pouco mais sutilmente. Porque, também lá, os indivíduos devem crer, devem reprimir, devem controlar, etc., etc. Todo o processo visa a dominar o "eu", de uma maneira ou de outra. Pela compulsão, busca-se promover a ação coletiva. É esse o alvo da maioria das organizações, quer econômicas, quer religiosas. Querem ação coletiva, o que significa que o indivíduo deve ser instruído; em última análise, só pode significar isso. Vocês aceitam a esquerda, a teoria marxista, ou as doutrinas hinduístas, budistas ou cristãs; e por essa maneira esperam promover ação coletiva. Sem dúvida, cooperação é coisa muito diferente.

Como se promove a ação coletiva, ou, como deve ser promovida? Até agora ela tem sido promovida pela crença, pela promessa econômica de um estado de prosperidade, pela promessa de um futuro brilhante; ou o tem sido pelo chamado método espiritual, pelo medo, pela compulsão, e por várias formas de recompensa. Não ocorre cooperação só quando existe inteligência não coletiva, nem coletiva nem individual? É sobre isso que desejo falar esta tarde.

 (...) Ao observarem a própria mente de vocês, estão observando não apenas os chamados níveis superiores da mente, mas também o inconsciente: estão vendo o que a mente realmente faz. Não é assim? Essa é a única maneira em que se pode investigar. Não devem sobrepor (ao que a mente faz) o que ela deveria fazer, como deve pensar ou como deve agir, etc. — pois isso redundaria em fazer meras afirmativas. Isto é, se dizem que a mente deve ser isto ou não deve ser aquilo, colocam fim a toda investigação e a todo o pensar; e também, se citam alguma grande autoridade, param de pensar. Não é verdade? Se citam Sankara, Buda, Cristo ou XYZ, colocam ponto final à busca, ao pensar, à investigação. Assim, devemos precaver-nos à esse respeito. Devem colocar de lado todas essas sutilezas da mente e saber que estão investigando, junto comigo, este problema do "eu".

Qual é a função da mente? Para descobrir, precisam saber o que é a mente está, na realidade, fazendo. Que faz a mente de vocês? Ela é todo um processo de pensamento, não é verdade?

De outra maneira, a mente não existe. Quando a mente não está pensando, consciente ou inconscientemente, quando não está verbalizando, não existe consciência. Cumpre-nos averiguar o que a mente faz — tanto a mente de que nos servimos em nossa vida diária, como a mente de que a maioria de nós não está cônscia — cumpre-nos averiguar o que a mente faz com relação aos nossos problemas. Devemos examinar a mente, tal como ela é, e não como deveria ser.

Pois bem, que é a mente, quando em funcionamento? Ela de fato, é um processo de isolamento, não acham? Fundamentalmente, é isso que ela é. É isso que constitui o processo do pensamento, — pensar de maneira isolada, embora permanecendo coletiva. Observando o próprio pensar, verão que ele é um processo isolado, fragmentário. Estão pensando em conformidade com suas reações, as reações de suas memórias, suas experiências, seu saber, suas crenças. Estão reagindo a tudo isso. Não é exato? Se digo que há necessidade de uma revolução fundamental, reagem imediatamente. Hão de contestar à palavra "revolução", se possuem bons "investimentos" (vantagens) — espirituais ou de outra natureza. A reação de vocês, pois, depende de seus conhecimentos, de suas crenças, de suas experiências. Isso é um fato bem óbvio. Há várias formas de reação. Dizem: "devo ser fraternal, devo cooperar, devo ser cordial, devo ser bondoso", etc. Que é isso? Só reações; mas a reação fundamental do pensar é um processo de isolamento. Não aceitem isso prontamente, porque estamos investigando juntos. Estão observando o processo da mente de vocês, cada um de vocês, o que significa que estão observando a própria ação, crença, conhecimento, experiência. Tudo isso dá segurança, não é verdade? Dá segurança, dá força, ao processo do pensar. Como já apreciamos ontem, esse processo só serve para fortalecer o "eu", seja "alto" ou "baixo". Todas as nossas religiões, todas as nossas sanções sociais, todas as nossas leis, existem para o amparo do indivíduo, do "eu" individual, da ação separativa; e, do lado oposto, temos o estado totalitário. Se penetrarem mais fundo no inconsciente, verão que lá também está em funcionamento o mesmo processo. Lá, somos o coletivo, influenciado pelo ambiente, clima, sociedade, pai, mãe, avô. Sabem tudo isso. Lá também existe o desejo de impor, de dominar, como indivíduo, como "eu".

Nessas condições, não é a função da mente, como a conhecemos e como funcionamos em cada dia, um processo de isolamento? Não estão em busca da salvação individual? Hão de ser alguém no futuro; ainda nesta vida, hão de ser um grande homem, um grande escritor. Toda a nossa tendência é para estarmos separados. Pode a mente fazer alguma coisa a mais do que isso? É possível para a mente não pensar de maneira separativa, de maneira egocêntrica, fragmentária? É impossível. Por esta razão, rendemos culto à mente, a mente é sobremodo importante. Não é verdade que qualquer pessoa que possui um pouquinho de sagacidade, um pouquinho de vivacidade, um pouquinho de ilustração e conhecimento, logo se torna muito importante na sociedade? Sabem o quanto veneram os homens que são intelectualmente superiores, os advogados, os professores, os oradores, os bons escritores, os grandes explicadores e expositores! Não é verdade? Vocês têm cultivado o intelecto e a mente.

A função da mente é existir isolada; de outra maneira, sua mente não existe. Depois de cultivarmos este processo durante séculos, vemos que é impossível cooperar; economicamente e religiosamente, só somos empurrados, compelidos, tangidos pela autoridade, pelo medo. Se tal é a situação de fato, não apenas conscientemente, mas também nos níveis mais profundos, em nossos motivos, nossas intenções, nossas ocupações, como é possível qualquer cooperação? Como podemos nos unir inteligentemente, para fazer alguma coisa? Sendo isso quase impossível, as religiões e os partidos sociais organizados forçam o indivíduo a certas formas de disciplina. Torna-se então obrigatória a disciplina tendo em vista a união e a cooperação.

Assim, enquanto não compreendermos como transcender esse pensar separativo, esse processo de exaltação do "eu" e da mente, quer sob forma coletiva, quer sob forma individual, não teremos paz; teremos constantes conflitos e guerras. Pois bem, o nosso problema consiste em descobrir a maneira de dissolver, de eliminar o processo separativo do pensamento, Pode o pensamento jamais destruir o "eu" — sendo o pensamento processo de verbalização e de certas reações? O pensamento não passa de reação; o pensamento não é criador; é apenas expressão verbal da criação, a que chamamos pensamento. Pode o pensamento por fim a si mesmo? É o que estamos procurando averiguar. Penso segundo essa diretriz: "preciso disciplinar-me", "preciso identificar-me", "preciso pensar de maneira mais adequada", "preciso ser isto, preciso ser aquilo".

O pensamento está forçando, impelindo, disciplinando a si mesmo, para ser alguma coisa ou para não ser alguma coisa. Não é isso um processo de isolamento? Logo, a inteligência integrada não é capaz de funcionar como um todo e da qual, tão somente, pode provir a cooperação. Percebem o problema, agora?

(...) Como chegarão a colocar fim ao pensamento? Ou melhor, como chegará o pensamento ao seu fim? Refiro-me ao pensamento que é isolado, fragmentário e parcial. De que maneira irão proceder? A disciplina o destruirá? Aquilo a que chama disciplina o destruirá? É bem evidente que não conseguirão tal resultado em todos estes longos anos; do contrário, não estariam aqui. Cumpre-lhes examinar o processo de disciplinamento, a qual é apenas um processo de pensamento, em que há sujeição, repressão, controle, dominação — tudo atingindo o inconsciente. Este se imporá mais tarde, ao ficarem mais velhos. Tendo tentado inutilmente a disciplina por muito tempo, devem ter reconhecido que a disciplina não é o processo capaz de destruir o "eu". O "eu" não pode ser destruído pela disciplina, porque a disciplina é um processo de fortalecimento do "eu". Entretanto, todas as suas religiões a defendem: todas as suas meditações, todas as suas asserções estão baseadas nisso. O conhecimento o destruirá? A crença o destruirá? Por outras palavras, tudo o que estamos fazendo presentemente, todas as atividades a que estamos entregues com o fim de extirpar o "eu", darão tal resultado? Tudo isso, fundamentalmente, não é um esforço em vão, dentro de um processo de pensamento, um processo de isolamento, um processo de reação? Que fazem, ao reconhecer, fundamental e profundamente, que o processo do pensamento não pode por fim a si mesmo? Que acontece? Observem-se, senhores, e digam-me. Ao ficarem inteiramente cônscios desse fato, o que acontece? Compreendem, então, que toda reação é condicionada, e que, mediante condicionamento, não haverá liberdade, nem no começo nem no fim. A liberdade está sempre no começo, e não no fim.

Ao perceberem que toda reação é uma forma de condicionamento e que, por conseguinte, dá continuidade ao "eu", por diferentes maneiras, o que acontece realmente? Precisam ter muita lucidez a esse respeito. A crença, o conhecimento, a disciplina, a experiência, todo o processo que visa ao resultado ou ao fim, a ambição, o vir-a-ser alguma coisa nesta vida ou na outra, na vida futura, — tudo isso é processo de isolamento, processo que gera destruição, sofrimento, guerras e do qual não há fugir pela ação coletiva, por mais que lhes ameacem com campos de concentração, etc. estão bem cônscios desse fato? Qual é o estado da mente que diz: "É exato", "este é o meu problema", "é justamente o estado em que me acho", "rejeitei", "vejo o que o conhecimento e a disciplina podem fazer, o que ambição faz"? Há aí, por certo, um processo diferente em funcionamento.

Vemos os caminhos do intelecto: não vemos o caminho do amor. O caminho do amor não pode ser encontrado por meio do intelecto. O intelecto, com todas as suas ramificações, com todos os seus desejos, ambições, empenhos, tem de cessar, para que o verdadeiro amor venha à existência. Não sabem que, quando amam, cooperam, não estão pensando em vocês mesmos? Essa é a mais alta forma de inteligência — não quando são amados como entidade superior ou quando se encontram em boa situação —, o que nada é senão medo. Onde houver direitos adquiridos, não pode haver amor; só há o processo de exploração, que culmina no medo. O amor só pode começar a existir, quando a mente não existe. Por conseguinte, cumpre-lhes compreender todo o processo da mente, o funcionamento da mente. Só então poderão descobrir quando se realizará a revolução fundamental.

Não podem compreender esse processo da mente em poucos minutos ou com o ouvir de duas palestras, apenas. Só podem compreende-lo quando há em vocês mesmos uma grande revolução, profundo interesse em compreender esse descontentamento, esse desespero. Não estão, porém, desesperados. Estão bem nutridos, intelectual e fisicamente. Não se deixam levar ao estado de desespero. Sempre possuem alguma coisa em que se encostar. Sempre podem fugir, ir ao templo, ler livros, ouvir uma conferencia, escapar; e o homem que foge não cai em desespero. Se vocês se vem em desespero, procuram uma maneira de ficarem esperançosos, de fugir para longe do desespero. Só o homem realmente inconsciente, que abandonou completamente todas essas coisas, se despojou de tudo, só esse descobrirá o que é o amor, e, sem amor, não há transformação, não há revolução, não há renovação. Só há imitação e cinzas; e tal é o estado de nossa civilização, no presente. Só quando sabemos amar uns aos outros, pode haver cooperação, ação inteligente, podemos nos reunir no interesse de qualquer coisa. Só então é possível descobrir o que é Deus, o que é a verdade. Ora, desejamos achar a verdade por meio do intelecto, por meio da imitação — o que é idolatria, quer os ídolos sejam feitos pela mão, quer pela mente. Só quando, pela compreensão, abandonam completamente a estrutura total do "eu", só então vem aquilo que é eterno, atemporal, imensurável; não podem ir a ele; ele vem a vocês.

Jiddu Krishnamurti — Quando o pensamento cessa

domingo, 11 de agosto de 2013

É possível controlar o pensamento?

Deseja saber o interrogante como se controla o pensamento. Primeiramente, para que você possa controlá-lo, precisa saber o que é o pensamento e quem é o agente que controla. Representam eles dois processos distintos ou um fenômeno único? Você precisa, primeiro, compreender o que é o pensamento, para poder dizer "quero controlar o pensamento", e precisa, também, conhecer o "controlador". Existe "controlador" sem o pensamento? Se você não tem pensamentos, existe pensante? O pensante é o pensamento; o pensamento não está separado do pensante; ambos constituem um processo único.

Assim, pois, restam-nos apenas, pensamentos, tendo desaparecido o pensante. Embora você pronuncie as palavras "eu penso", isso representa apenas uma forma comunicação. O que há realmente é apenas um estado, no qual existe pensamento. E o pensamento cria o pensante, o qual, então, comunica o seu pensamento. O pensante é, meramente, a "verbalização" do pensamento.

Cabe-nos, pois, verificar o que é pensamento. Saberemos, então, se é ou não possível controlá-lo, e porque desejam controlá-lo. Pode existir um critério inteiramente diferente para se por fim ao processo do pensamento, mas não é por meio do controle. Porque, no momento em que vocês exercem controle, em que fazem um esforço de vontade, vocês não compreendem o pensamento. Estão, então, simplesmente, a condenar um pensamento e a justificar outro. Aquele que justificam, vocês desejam conservar, e aquele que condenam, desejam rejeitar. Vejamos, pois, o que se entende por pensamento.

Que é pensamento? Sem a memória não há pensamento, há? O pensamento é resultado da experiência acumulada, que é o passado, não é? Sem o passado não pode haver pensamento no presente, ou pode? O pensamento, pois, é uma reação do passado ao desejo do presente. Isto é, o pensamento, indubitavelmente, é reação da memória. Mas, que é memória? A memória, a conservação da lembrança, é a verbalização da experiência, não é verdade? Há desafio e reação — o que significa experiência — e essa experiência é verbalizada. Essa verbalização cria a memória; e a reação da memória ao desafio é o pensamento. Portanto, pensamento é verbalização, não é?

Não sei se vocês já tentaram pensar sem palavras. No momento em que pensam, necessitam de palavras. Não quero dizer que não haja um estado do qual não exista verbalização. Não estamos discorrendo a esse respeito. O pensamento é a palavra. Sem a verbalização, sem a palavra, sem o pensamento — o pensamento que nós conhecemos — não existe. Se perceberem, pois, que a palavra — a verbalização — é o processo do pensamento, não se trata então de controlar o pensamento, mas sim de fazer desaparecer o pensamento como "verbalização". Sempre que há verbalização de uma experiência, existe, forçosamente, pensamento. Pensar é verbalizar. Nosso problema, pois, não é o de saber como controlar o pensamento, mas, sim, de saber se é possível deixarmos de verbalizar, de por tudo em palavras. Porque pomos em palavras as nossas respostas e reações? Porque fazemos isso? Por uma razão muito óbvia: para comunicarmos, para contarmos a outro o nosso sentimento. Verbalizamos, também, com o fim de fortalecer o sentimento, não é verdade? — como fim de fixá-lo, de contemplá-lo, de recaptar o sentimento que nos fugiu. A palavra tomou o lugar do sentimento que se foi. Assume, desse modo, a palavra toda a importância, em lugar do próprio sentimento, da reação, da experiência. A palavra tomou o lugar da experiência. Desse modo, a palavra se torna pensamento, o qual inibe ao "experimentar".

Nosso problema, pois, é o seguinte: é possível deixarmos de "verbalizar", de dar nome, de determinar? Isso é possível, evidentemente. Vocês o fazem com frequência, porém, inconscientemente. Quando defrontam uma crise, com um súbito desafio, não há verbalização. Vocês a enfrentam por maneira completa. Isto é possível, portanto, mas somente quando a palavra deixa de ser importante, o que significa: quando o pensamento, a ideia, deixa de ser importante. Quando uma ideia se torna importante, torna-se então importante o padrão, a ideologia, e a revolução baseada numa ideia se torna importante. Mas, revolução baseada numa ideia não é revolução, é somente continuação, a continuidade modificada, de uma ideia velha, de uma ideia de ontem.

Nessas condições, a palavra só se torna importante quando não é importante o experimentar, quando não há o "estado de experimentar", que é enfrentar o desafio sem verbalização, sem a cortina protetora das palavras. Vocês dão vida à palavra, que é memória, quando é essa memória que enfrenta o desafio; porque a memória em si, não tem vida, não é verdade? A palavra, por si só, não tem significação. Ela só ganha vitalidade, força, ímpeto, plenitude, quando é o passado, a memória, que enfrenta o desafio. Por consequência, pela ação do vivente, o que está morto volta à vida. E visto que ganha mais vida, daquilo que si está morto, o pensamento se torna sumamente importante. O pensamento, por si só, não tem significado algum, a não ser em relação como o passado, que é verbal. E não se trata de controlar o pensamento. Pelo contrário, uma mente controlada é incapaz de receber a verdade. Mente controlada é mente ansiosa, mente que resiste, que reprime, que substitui, e uma mente em tais condições está cheia de temor; e como pode estar tranquila uma mente cheia de ansiedade? Só pode haver tranquilidade quando a mente não está presa na rede das palavras. Quando a mente não está mais a verbalizar toda experiência, acha-se ela, então, num "estado de experimentar".

Quando há "experimentar", não há o que experimenta nem coisa experimentada. Nesse "estado de experimentar" que é sempre novo, que sempre é ser — embora se possa comunicar esse ser mediante o uso de palavras — o indivíduo sabe que a palavra não é a experiência que a palavra não é a coisa, que ela nenhum conteúdo tem; só a própria "experiência" é repleta de conteúdo. O "experimentar" não é, pois, verbalização. "Experimentar" é a mais elevada forma de compreensão, porquanto é a negação do pensar. A forma negativa de pensar é a mais elevada forma de compreensão; e não pode haver pensar negativo, quando há verbalização do pensamento. Não se trata, pois, absolutamente, de controlar o pensamento, mas de se ficar livre do pensamento. É só quando a mente fica livre do pensamento, que há percepção daquilo "que é", do que é terno, do que é a Verdade.

Jiddu Krishnamurti — O que te fará feliz? 

terça-feira, 6 de agosto de 2013

É benéfico ou nocivo o controle do pensamento?

Fora educado no estrangeiro — disse ele — tendo ocupado importante cargo público; mas, havia mais de vinte anos, abandonado o emprego e as coisas do mundo, para passar os restantes dias de sua vida em meditação.

Pratiquei vários métodos de meditação” continuou, “até adquirir perfeito controle dos meus pensamentos e daí me advirem certos poderes e o domínio de mim mesmo. Entretanto, um amigo meu me levou a uma de suas conferências, em que, respondendo a uma pergunta sobre meditação, você disse que, como geralmente é praticada, a meditação é uma espécie de auto-hipnose, uma maneira de cultivar os nossos próprios desejos, ‘projetados’ e requintados. Isso me impressionou  parecendo-me tão verdadeiro que tratei de arranjar esta entrevista com você; e, considerando que à meditação dediquei a minha vida, espero que possamos apreciar este assunto com certa profundidade.

Gostaria de começar explicando um pouco como decorreu o meu desenvolvimento. De tudo o que tinha lido, compreendi que era necessário tornar-me senhor absoluto dos meus pensamentos. Isso me foi extremamente difícil. A concentração nas minhas funções oficiais era coisa muito diferente do firmar a mente e subjugar o inteiro ‘processo’ do pensamento. De acordo com os livros, era necessário segurar nas mãos todas as rédeas do pensamento controlado. Não era possível aguçar o pensamento para penetrar as nossas múltiplas ilusões, se não pudéssemos controlá-lo e dirigi-lo; foi esta, pois, a minha primeira tarefa.”

Peço permissão para perguntar, sem interromper o seu relato: O controle do pensamento é a primeira tarefa?

Ouvi o que disse em sua palestra a respeito da concentração, mas, se me permite, desejo descrever-lhe, o mais extensamente possível, a minha experiência, para depois apreciar certos pontos de vista com ela relacionados."

Como quiser, senhor.

“Logo de início me senti insatisfeito com minha ocupação, e foi-me relativamente fácil abandonar uma carreira de futuro. Li muitos e muitos livros sobre a meditação e a contemplação, inclusive os escritos por vários místicos, tanto daqui como do Ocidente, e pareceu-me óbvio que o controle do pensamento era a coisa mais importante de todas. Isso exigiu esforço considerável e perseverante, propósito firme. À medida que me adiantava na meditação, fui tendo experiências numerosas, visões de Krishna, do Cristo e de alguns santos hindus. Tornei-me clarividente e comecei a ler os pensamentos das pessoas, adquirindo ainda outros poderes. Fui prosseguindo, de experiência em experiência, de uma visão, com seu significado simbólico, para outra, do desespero à mais alta bem-aventurança. Sentia o orgulho de um conquistador, do homem que se tornou senhor de si mesmo. O asceticismo ou domínio de si mesmo, confere um sentimento de poder e gera vaidade, força e confiança em si mesmo. Tudo isso me fora dado de mão cheia. Embora ouvisse falar de você, durante muitos anos, o orgulho que eu sentia pelo que conseguira realizar, me impedia de vir ouvi-lo; mas meu amigo, outro sannyasi como eu, insistiu comigo para vir, e o que ouvi me causou perturbação! Eis em poucas palavras a minha história, no tocante à meditação.

Na sua palestra, você disse que a mente tem de transcender toda a experiência, pois, do contrário, se vê aprisionada em suas próprias ‘projeções’, em seus próprios desejos e aspirações, e causou-me profunda surpresa verificar que minha mente se achava enredada precisamente nessas coisas. Uma vez cônscia desse fato, de que maneira pode a mente demolir as paredes da prisão que ela mesma construiu ao redor de si? Estes vinte e tantos anos foram completamente perdidos? Foi tudo apenas uma mera viagem pelo reino da ilusão?”

A ação que se deveria compreender poderá ficar para considerarmos mais adiante; tratemos, por ora, se está de acordo, do controle do pensamento. É necessário esse controle? É benéfico ou nocivo? Vários instrutores religiosos têm recomendado o controle do pensamento como passo preliminar, mas eles têm razão? Quem é esse “controlador”? Ele não faz parte desse mesmo pensamento a que procura controlar? Poderá considerar-se uma entidade separada, diferente do pensamento, mas não é ele produto do pensamento? Ora, sem dúvida, o controle supõe ação coercitiva da vontade, para subjugar, reprimir, dominar, para levantar resistência contra o que não é desejado. Em todo esse processo há um vasto e doloroso conflito, não é verdade? Pode algum bem resultar do conflito?

A concentração, na meditação, é uma forma de automelhoramento egoístico, encarecendo a ação dentro dos limites do “eu”, do “ego”, de “mim”. A concentração é um processo de estreitamento do pensar. Uma criança se absorve em seu brinquedo. O brinquedo, a imagem, o símbolo, a palavra, detêm incansáveis divagações da mente, e tal absorção se chama concentração. A mente é invadida pela imagem, pelo objeto, exterior e interior. A imagem, o objeto, se torna então da mais alta importância, e não a compreensão da própria mente. A concentração numa coisa é relativamente fácil. O brinquedo, com efeito, absorve a mente, mas não a liberta, para explorar, para descobrir o que existe — se alguma coisa existe — além de suas próprias fronteiras.

“O que você diz é tão diferente daquilo que lemos ou que nos ensinaram e, todavia, é evidentemente verdadeiro, e começo a compreender a significação do controle. Mas como pode a mente tronar-se livre, sem disciplinamento?”

A repressão não constitui os passos que levam à liberdade. O primeiro passo para a libertação é a compreensão do cativeiro. A disciplina molda a conduta e ajusta o pensamento ao padrão desejado, mas, sem a compreensão do desejo, o mero controle ou disciplina perturba o pensamento; entretanto, por outro lado, quando há percebimento dos movimentos do desejo, esse percebimento traz clareza e ordem. Afinal, senhor, concentração é ação do desejo. Um homem de negócios se concentra, porque seu desejo é acumular riquezas ou poderes, e quando um outro se concentra, em meditação, esse também está desejando uma perfeição, recompensa. Ambos estão ambicionando sucesso, que lhes confere confiança em si mesmo e sentimento de segurança. Não é exato isso?

Compreendo o que está explicando, senhor”.

A compreensão apenas verbal, que é apreensão intelectual do que se ouve, tem pouco valor, não acha? O fator libertador não é, em tempo algum, mera compreensão verbal, mas o percebimento da verdade ou falsidade da coisa. Se podemos compreender o significado da concentração e perceber o falso como falso, dá-se então a libertação do desejo de realizar, de “experimentar”, “vir a ser”. Daí resulta atenção, coisa toda diferente da concentração. Concentração supõe processo dual, escolha, esforço, não é verdade? Há o “produtor de esforço” e o fim para o qual se faz o esforço. Nessas condições, a concentração fortalece o “eu”, o “ego”, que é o “produtor de esforço”, o conquistador, o virtuoso. Mas, na atenção, essa atividade dual não existe; está ausente o “experimentador”, a entidade que acumula, armazena e repete. Nesse estado de atenção, deixou de existir o conflito inerente ao esforço de realização e o medo de ser mal sucedido.

“Mas, infelizmente, nem todos somos dotados desse poder de atenção”.

Isso não é um dote, uma recompensa, coisa comprada mediante disciplina, exercícios, etc. Isso nasce com a compreensão do desejo, que é autoconhecimento. Esse estado de atenção é “o bom”, é ausência do “eu”.

Todos os meus esforços e disciplinas de muitos anos foram então inúteis e nenhum valor têm? No mesmo instante em que faço esta pergunta, estou começando a perceber a verdade relativa à questão. Vejo agora que durante mais de vinte anos estive seguindo um caminho que tinha de levar, inevitavelmente, a uma prisão por mim mesmo criada e na qual tenho vivido, “experimentado” e sofrido. Chorar o passado é favorecer o “eu”, e é necessário começar de novo, com uma intenção diferente. Mas — e todas aquelas visões e experiências? São também falsas, sem valor algum?”

A mente, senhor, não é um vasto repositório de todas as experiências, visões e pensamentos do homem? A mente é o resultado de muitos milhares de anos de tradições e experiências. É capaz de invenções fantásticas, desde as mais simples às mais complexas. É capaz de extraordinárias alucinações, e vastas percepções. As experiências e esperanças, as ânsias, as alegrias e os conhecimentos acumulados, tanto do grupo como indivíduo, tudo está lá, depositado nas camadas mais profundas da consciência, e é possível ressuscitar as experiências, visões, etc., herdadas ou adquiridas. Dizem que certas drogas podem produzir uma lucidez, uma visão de grandes profundidades e alturas, libertar a mente de suas agitações, conferindo-lhe grande energia e acuidade. Mas é necessário a mente atravessar esses ocultos e sombrios corredores, para alcançar a luz? E quando por qualquer desses meios ela encontra luz, é a luz do Eterno? Ou é a luz do “conhecido”, da coisa reconhecida, produto da busca, da luta, da esperança? É necessário passar por esse fastidioso “processo” para se achar o imensurável? Pode-se deixar de lado tudo isso e chegar àquilo que se pode chamar amor? Já que tivesse visões, poderes, etc., o que diz, senhor?

“Enquanto duravam, eu naturalmente os julgava importantes e significativos; conferiam-me um grato sentimento de poder, uma certa felicidade em agradáveis realizações. À chegada desses poderes, ganha-se uma grande confiança em si mesmo, um sentimento de autodomínio, que dão um orgulho desmedido. Agora, depois desta nossa conversa, não tenho certeza nenhuma de que essas visões, etc., sejam tão significativas para mim, como dantes. Parecem ter caído para o segundo plano, na luz de minha compreensão.”

É necessário passar por todas essas experiências? São elas necessárias, para abrir a porta do Eterno? Não podem ser deixadas de lado? O essencial, afinal de contas, é o autoconhecimento, que faz nascer a mente tranquila. A mente tranquila não é produto da vontade, da disciplina, das várias práticas destinadas a subjugar o desejo. Todas essas práticas e disciplinas só têm o efeito de fortalecer o “eu”, e a virtude se torna então um outro rochedo, sobre o qual o “eu” pode edificar a sua morada de importância e respeitabilidade. A mente precisa estar vazia do “conhecido”, para que se torne existente o incognoscível. Se não se compreendem as atividades do “eu”, a virtude começa por vestir a capa da importância. O movimento do “eu”, com sua vontade e desejo, suas buscas e acumulações, tem de cessar inteiramente. Só então se tornará existente o atemporal. O atemporal não pode ser chamado ou atraído. A mente que procura atrair o Real por meio de várias práticas e disciplinas, por meio de preces e atitudes, só pode receber suas próprias e agradáveis “projeções”, que não são o Real.

Percebo agora, depois de tantos anos de asceticismo, disciplina e automortificação, que minha mente está cativa na prisão que ela própria construiu, e que as paredes dessa prisão precisam ser demolidas. Como pôr mãos à obra?”


O próprio percebimento de que elas precisam desaparecer é suficiente. Toda ação, visando a demoli-las, põe em movimento o desejo de realização, ganho, fazendo, portanto, nascer o conflito dos opostos, o “experimentador” e a “experiência”, a entidade que busca e a coisa buscada. Perceber o falso como falso é, em si, suficiente, porquanto esse próprio percebimento liberta a mente do falso.  

Jiddu Krishnamurti — Reflexões sobre a vida
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill