Enquanto não estiverdes despertos
para a Fonte de vosso desejo, não haverá liberdade por intermédio da qual
unicamente se encontra o entendimento da Verdade. É essencial estar plenamente
apercebido do que se pensa., do que se sente e das causas destas coisas, porque
a ação pode ou dissipar ou aumentar a ignorância. A ignorância é o desejo
colhido pelo esforço de ir em direção aos valores mutáveis. Haveis de ver que,
enquanto o vosso desejo, que provoca a ação, estiver cativo de valores
continuamente cambiantes, jamais estará quieto, jamais estará tranquilo. No
perseguir as coisas, o desejo é aumentado. A iluminação é a consumação do desejo
no que é essencial. Enquanto o desejo, que é a fonte da ação, estiver cativo de
valores ainda não compreendidos, há ignorância. Iluminação é a percepção do
valor essencial, e o sempre habitar nele. Assim, tendes que averiguar o padrão
segundo o qual julgais dos valores e verificar até que ponto torceis vossa vida
para adaptá-la. Porque, enquanto o desejo estiver na prisão das crenças,
motivos, ideais, mesmo que seja pelo desejo do Ultérrimo, a ação se acha
escravizadas: pois que, então, não compreendeis o imediato, o único que encerra
o essencial.
Ora, a maioria das pessoas pensa
em conformidade com o fundo de tradição morta. A sua ação brota de um
pensamento cristalizado. A ação, condicionada pela crença, conquanto magnífica,
cria e diminui a eu-consciência, a qual é a fonte, a raiz da ignorância. Tomai
um pensamento que tenha suas raízes na crença, tal como a crença na
reencarnação. Por meio dessa crença o pensamento é constantemente modelado pela
ideia de continuidade. O homem, prisioneiro dessa crença, não estará vivendo
plenamente, com intensa concentração no presente, que exclui todas as crenças,
todas as ideias. Outros acreditam na ideia de progresso e que, gradualmente,
pelo acumulo das experiências, a seu tempo atingirão a flor do entendimento que
lhes proporciona a realização da Verdade. Repito: se tiverdes esta crença, não
estareis vivendo no presente. Estareis apenas postergando as coisas. O presente
é o conjunto de todo o tempo, e o que não compreendeis, cria o futuro. O que
compreenderdes plenamente, elimina o tempo. Se tiverdes a crença de que a vida,
a realização da Verdade só pode ser alcançada noutro plano de consciência, nada
mais fareis do que evitar o presente. Daí o ser limitada a vossa ação, ela
aumenta a eu-consciência que é ignorância. Deveis libertar o desejo de todas as
limitações motivadas por crenças, por ideias.
A ação baseada numa intenção, na
ideia de posse, de teu e meu, vaidade, sensualidade, crueldade, — tal ação
redunda sempre em cativeiro. Deveis vos aperceber, precisais saber se o vosso
pensamento e a vossa emoção estão limitados pela eu-consciência. Quando me
sirvo desta expressão: “eu-consciência”, quero dizer, um centro no qual existem
todas as virtudes e qualidades. Elas são apenas ornamentos; e se quiserdes realizar
a Verdade, toda encenação e ornamentos devem ser abandonados. Assim, verificai
se o vosso pensamento se acha amesquinhado por quaisquer qualidades, quaisquer
virtudes, qualquer pensamento do eu. Isto não é muito difícil; mas, deve haver
o desejo da compreensão da plenitude do pensamento e somente então pode a ação
da entendimento. O entendimento não pode vir pelas crenças, de credos ou
ideais.
O passado é a memória, isto é, a
compreensão incompleta da experiência de ontem. Os pensamentos e as emoções de
ontem, se os não compreenderdes bem, criarão a memória da incompletude; hoje
existe a memória de ontem. A incompletude de hoje — cria o amanhã e assim se
manifesta a continuidade da memória que é tempo. Quando a ação de hoje é
completa, não existe o amanhã. O ontem domina se a compreensão da experiência
de ontem não foi completa. Um desejo não compreendido no presente cria o tempo.
O amanhã nada mais é que a incompletude de hoje e daí o desejo pela
continuidade. Examinai uma experiência e compreendereis o que eu quero dizer.
Se amardes alguém, haverá nesse amor o desejo de posse; mas nesse amor há
também um intenso sentimento que não é da personalidade, esse afeto cristalino
que não conhece distinção. A mente limita esse amor com atração, conflito,
desejo e sensualidade. Se puderdes libertar a mente da distinção, chegareis a
compreender o amor que é a verdadeira essência da Realidade, que não conhece
unidade nem separatividade, que é a própria eternidade.
Considerai a experiência da
morte. A tristeza da morte é apenas solidão em conflito com o amor. Morreu
alguém que amáveis e estais sós, e assim há tristeza. O entendimento completo
dessa experiência é conhecer o amor sem distinção. Quando tiverdes o amor que
não conhece a outrem como vossa esposa, vosso filho, vossa mãe, vosso irmão, ou
amigo, então não haverá morte. Se não compreenderdes plenamente a experiência
da morte, apegai-vos à continuidade, tendes sede de vos unirdes àquele que
perdeste. Daí a ideia da vida depois da morte, a ideia de reencarnação, a sede
pela continuidade da eu-consciência. A memória de ontem só existe enquanto a
compreensão da ação é incompleta. Para ter a plena compreensão de uma
experiência, não podeis basear o pensamento em crenças ou em incentivos, mas
tendes que viver intensamente no presente. Deveis ter uma mente plástica,
alerta, descarregada, livre de ideias e crenças, e só então podereis colher o
significado pleno de uma experiência no presente. Assim, estais livres da ideia
de tempo.
O eu-consciência, então, é
memória, uma continuidade. A memória não traz entendimento e o entendimento não
nasce da repetição. O que vos dá entendimento é libertar a mente da ilusão de
individualidade e viver intensamente no presente, que é compreender a alegria
da Vida, a plenitude da Vida; não que sejais escravos de variedades tais como
mutáveis tristezas, ansiedades, dores e aspirações.
Por favor, não aceiteis coisa
alguma do que digo, mas examinai cuidadosamente, inteligentemente, sem as
ideias preconcebidas de uma crença. O entendimento não vos chega pela
experiência de outrem. Se considerardes o que eu digo, vereis que esta glorificação
da eu-consciência, a individualidade, o ego, não conduz à Verdade; pois que a
individualidade é limitação, é sempre incompleta em si mesma. A compreensão
incompleta de uma experiência cria o tempo, que é memória — não confundir com a
memória dos fatos — e essa memória vos persegue até que plenamente compreendais
a experiência. Isto não quer dizer que deveis andar à cata de experiências. Não
podeis viver sem experiência: toda a vossa existência é experiência. Todo
minuto é um conflito, se disso vos aperceberdes, porém a maioria das pessoas evita
este conflito por meio de crenças, por meio de dogmas, por meio de credos.
O desejo de divindade, de perfeição
da eu-consciência, cria ignorância. Não podeis encontrar a felicidade da
Verdade por meio do egoísmo. Não podeis tornar divino o egoísmo. No entanto, é
o que a maioria das pessoas se esforça para fazer. A dissolução da
eu-consciência, o centro do egoísmo, não é aniquilamento, mas a realização da
Vida eterna. A eu-consciência só pode interpretar esta Vida eterna em termos de
aniquilamento ou continuidade, pois que o centro do egoísmo só pode existir nos
opostos.
Pelo vosso próprio esforço para
compreender a plenitude de uma experiência, que é eternamente do presente,
compreendereis a Verdade, que é a plenitude do êxtase. É viver plenamente, não
estar sob o peso de uma crença, qualquer que ela seja. Na crença incluo a
concepção do Ultérrimo, pois que ela será sempre uma ilusão, até ser
experimentada. Só a mente que é flexível, transparente e alerta, liberta de
crenças e ideias, pode alcançar a serenidade da Vida.
Krishnamurti em palestra em Oak Grove, Ojai,
1931