Pergunta: Dizeis que se amamos uma pessoa com desapego, não havemos de
querer que ela siga as nossas ideias, queremos que ela permaneça livre. Foi
isto o que eu senti em relação a uma pessoa a quem profundamente amei; e pensei
que a tinha amado por um modo desapegado até ao dia em que alguém despedaçou a
intimidade da nossa alma. Como então, sofri grandemente, compreendi que o meu
amor não era desapegado. O que eu quero saber é se um amor assim formidável —
amor que vos faz sentir vossa unidade com o ser amado, amor que vos torna mais
rico e mais nobre, um sentimento que, em si próprio, é uma intensa alegria — se
tal amor é compatível com o desapego e como?
Krishnamurti: Em vossa
ideia do amor há sensação e paixão, há o desejo de confiar em outrem, há o
desejo de encorajamento e o sentimento de solidão quando o outro está ausente.
Isso nada mais é que incompletude. Enquanto essa incompletude existir,
não há inteiro desapego; não pode haver. O desapego só vem mediante a intensidade da eu-consciência.
Quando verificais que estais dependentes de outrem para a vossa felicidade, vós
vos apercebeis de vossa incompletude e esperais realizar a completude por meio
da união com outra pessoa. O desejo pela união só existe quando estais
apercebidos da vossa vacuidade, da vossa desarmonia pessoal. Se fordes
incompletos desejais vencer essa incompletude, mediante a união com outra
pessoa em incompletude. Ao passo que a completude, que é Vida, não conhece
unificação porque não conhece divisão. Num plano onde admitis a divisão, a
incompletude, buscais estabelecer a unidade, buscais encontrar a completude por
meio de outrem. A dualidade vem à existência por meio da eu-consciência, por
meio da ação, por meio da emoção, por meio do pensamento; e enquanto a
dualidade existir, seja em que forma for, não pode haver completude. Não
busqueis o desapego, pois que ele apenas vos conduzirá à indiferença; porém,
sim, busqueis a completude.
Krishnamurti, reunião de verão em Ommen, 1931