Para o confeccionar de teorias
não há fim. Quem quer pode inventar teorias. Muitos livros se encontram cheios
de teorias acerca da vida espiritual e a respeito da Verdade. Eu não estudei
teoria nenhuma, nem vossa nem de outrem; todas as filosofias são teorias que
podem ser verdadeiras ou falsas. Jamais me interessei, nem me interesso agora
por uma teoria qualquer, seja ela pertencente ao Hinduísmo, ao Budismo, ao
Cristianismo ou à Teosofia. Teorias são moldes aos quais a mente humana tem de
conformar-se e, onde houver conformidade, não haverá inteligência. As teorias
são isentas de valor para um homem que vive, embora sejam excelentes para um
homem morto. Para o homem vivaz, que pensa, que palpita, que sofre, vossos
livros e teorias quanto ao destino futuro do homem, quanto à sua vida após a
morte, são completamente isentas de valor.
Eu tenho estudado gente que vive
e não teorias. Tenho contemplado aqueles que pertencem a muitas sociedades e
religiões, aos que alimentam muitas crenças e esperanças. Tendo contemplado,
observado e sofrido, cheguei a certas conclusões que perante vós especificarei.
Não são teorias tiradas de livros, porém coisas que brotam das vulgares
experiências humanas na vida diária. Não estou tirando uma teoria contra outra
afim de que vossa mente possa deliciar-se pelo contraste e criar divisões e
conflitos. Não sou interprete nem mediador: ao contrário, somente pretendo
mostrar-vos refletidas em vosso próprio espelho, as causas do conflito, de modo
que, pela verdadeira
percepção, pela clareza de pensamento, por vós próprios, possais
descobrir este êxtase da Verdade viva e por esse modo vos tornar livres e
alegres.
Para compreender o que vou dizer
não podeis, portanto, ter vossa mente repleta de teorias. Sei que haveis
modelado a vossa vida de acordo com teorias o que vem a ser uma das causas de
conflito. Toda a vossa vida se baseia no que outrem disse — no que Buda,
Sankaracharya ou Sri Krishna disseram. Como homem que vive, por esse modo haveis
destruído vosso próprio entendimento pelo fato de vos conformardes, pelo
seguirdes os ditames de outrem. Aquilo que haveis cultivado, vos destruiu.
Há conflito e tristeza na mente e
no coração de todos no mundo e, portanto, de pouco serve o vos preocupardes com
a ideia de ajudar o mundo, a não ser que vós próprios comeceis a compreender.
Enquanto não chegardes a reconhecer a vós mesmos que sois prisioneiro e não
começardes a destruir vossas paredes de ilusão, não podeis libertar a outrem;
apenas a outros estimulareis para virem participar da vossa própria ilusão, a
qual, por contraste, lhes pode parecer liberdade.
Em primeiro lugar, existe, pois,
a conformidade.
Se examinardes vossa vida haveis
de verificar que todos os vossos pensamentos e sentimentos se baseiam na
imitação. Tendes uma imagem previamente formada daquilo que a vida ou a verdade
é, imagem essa colhida em livros ou por meio da autoridade e sabedoria de
outrem; por esse modo, insidiosamente forçais vossa mente e coração a acomodar-se
a essa imagem. Haveis criado uma estrutura social que exige adaptação e
conformidade; daí decorre que, como indivíduos, vos haveis tornado
completamente incapazes de um pensamento verdadeiro e intenso, incapazes de
perceber que, onde houver conformidade para com a ideia de um outro, tem
necessariamente que haver falta de sinceridade, hipocrisia. Se cuidadosamente
examinardes vossos próprios pensamentos, haveis de verificar que vos estais conformando
seja a uma ideia pré-formulada da vida, da verdade, de Deus, seja uma
experiência do passado, seja à autoridade de um guia. Dizeis vós: “Ele é sábio,
deve saber. Portanto, devo ser instruído por ele: aceitarei suas palavras como
sendo a sabedoria, pois que ele diz que sabe”. Eu, no entanto, vos digo:
Acautelai-vos de uma tal pessoa, pois que ela cria em vossa mente e em vosso
coração o temor que destrói todo o entendimento.
Não vos digo, portanto, que sei e
que deveis seguir-me ou obedecer-me; não vos digo que represento a verdade e
que vos deveis tornar discípulo dela ou que sou mediador entre vós e a vossa
realização espiritual. Tais palavras mais não fazem que criar medo e do temor
provém a conformidade, e onde houver conformidade não pode haver inteligência.
Só quando a mente está livre de conformidade ou da autoridade, seja a
autoridade de outrem, seja a da própria experiência de ontem, é que há a
plenitude do viver no presente, na qual está o êxtase da verdade.
Esta imitação, esta conformidade,
que resulta de vossa própria exploração e temor, criou autoridades, divisões e
distinções de classe, o alto e o baixo, o evoluído e o não evoluído. Desta
conformidade nasce a disciplina. Se contemplardes a vossa própria vida,
verificareis que esta luta constante que vos é implícita, não é viver, porém,
sim, conformar-se. Todo vosso esforço é um mero ajuste de ideias; de vossos
sentimentos, de vossas ações, aos ditames de outrem, a uma autoridade, seja a
de um Mestre, a de um livro ou a de qualquer pessoa morta. Assim, vossos
esforços e lutas, baseadas na conformidade e na imitação, não vos levam ao
entendimento, mas, antes, vos tornam hipócritas e faltos de sinceridade para
convosco próprios. Não sabeis o que realmente pensais, o que na verdade sentis,
pois que jamais
duvidais do padrão, jamais colocais em dúvida a autoridade.
Semelhantes a ovelhas, seguis o pastor e o pastor que vos guia é, ele próprio,
cego. E assim, aquele que vos dirige é o vosso destruidor.
Tornou-se o homem nada mais que
um dente de engrenagem. Vive sem completude, sem o êxtase de viver; está sempre
disciplinando, controlando, suprimindo e destruindo seu próprio entendimento
criativo. Daí a completa desgraça e caos do mundo.
Da conformidade provém,
naturalmente, o desejo de aquisição. Todos buscais segurança, tanto neste mundo
como no espiritual. Neste mundo, a segurança significa o amontoar de riquezas,
de bens. Eu não advogo a pobreza. Quero que compreendais, não que puleis para o
oposto. Todos os opostos nascem da ilusão e vós sois facilmente colhidos pela ilusão
dos opostos. Inclinais vossas cabeças em prazerosa concordância, porém, se
realmente pensásseis, começaríeis a chorar. Onde houver conformidade tem que
haver aquisição e daí o sistema competitivo desta civilização, na qual cada
indivíduo anda rudemente em busca de segurança para si e para os seus, à custa
dos outros.
A seguir vem a busca de segurança
espiritual, que denominais evolução ou progresso. O progresso nada mais é do
que aquisição de virtudes. A virtude torna-se, assim, um vício. Na conformidade
há medo e, portanto, adquiris qualidades, virtudes, e lutais pela consecução a
fim de a vós próprios poderdes proteger e vos sentir ao abrigo da aflição, em
segurança. Daí, por meio desta ideia de progresso, surge a divisão, o alto e o
baixo, o homem que sabe e o que não sabe, todos os quais criam resistência,
disputas, conflitos. Da aquisição brota a ideia de força. Todo o progresso de
pensar, no presente se acha preso no esforço para subir cada vez mais alto, para
adquirir mais e mais e, por esse modo, não estais vivendo, um dia que seja,
completa e ricamente.
Portanto, a base de vosso pensar
é imitação, segurança e força. Para isto é que tendes guias, diretores, gurus.
Vossa concepção do progresso é um contínuo
movimento de um objeto de desejo para outro. Quando tendes ânsia de
posse por um objeto material, lutais pela sua aquisição até possuí-lo; porém, a
partir do momento em que o houverdes obtido, ele perde sua atração, seu
significado. Portanto, vosso anseio vos compele a buscar afeto, popularidade,
fama, poder, e ides em busca dessas coisas e as possuis. Uma vez mais, porém,
ficais desiludidos; e então buscais a Deus, a verdade ou a vida, porém sempre
impulsionados pelo desejo. Apenas tereis mudado o objeto de vosso desejo, e
chamais a isto progresso. Nisto não pode haver entendimento. O entendimento vem
quando há cessação de todo o desejo que cria o conflito.
Desejais o poder neste mundo
material de aquisições. Por isso ides à busca de títulos, de reconhecimento e
de riqueza, que vos dá o sentimento de poder, criando por essa maneira distinções
nas quais não há ternura, nem gentileza, nem afeto. Um sentimento de
superioridade domina o homem que há adquirido poder espiritual e em sua mente
existe a distinção entre si próprio e o homem que não possui esse poder. Para
mim é isto a verdadeira antítese da compreensão. Onde houver consciência de
distinção não pode haver a realização desta viva realidade.
Portanto, conformidade, segurança
e força são os três embaraços que impedem o homem de realizar a verdade pois
que ela é inimaginável, inexpressável. Aquilo que é vivo, sempre mutante, não
pode ser descrito. Aquilo que é descritível, não é a verdade. Eu, porém, posso
dizer-vos quais os embaraços para a compreensão. Tornando-vos apercebidos
desses embaraços, confrontando-os, reconhecendo-os pela vossa mente e coração,
a vós próprios libertais deles e por esse modo realizais a harmonia, o equilíbrio
da compreensão.
Tais são, pois, as barreiras, com
todas as suas sutis variantes, que impedem o homem de viver no presente, o
qual, unicamente, é imortalidade. Ora, eu digo-vos, não luteis contra eles nem
pacificamente lhes resistais, porém tornai-vos conscientes de serem eles
falsos, de serem eles um embaraço para a clareza do discernimento. E somente
vos podeis tornar conscientes examinando-os com vossa mente, liberta por
completo de todos os apegos. Presentemente, pertenceis a qualquer religião ou
sociedade. Vossa lealdade exige de vós certos atos, vossa religião exige o
preenchimento de certos deveres. Com todas essas coisas vossa mente fica
sufocada e, portanto, incapaz de verdadeiro discernimento. Vossa mente acha-se
apegada a crenças e preconceitos particularizados que vos dão satisfação e a
sensação de grandeza, força. Enquanto existir apego, não pode haver
discernimento do que é verdadeiro; e é somente quando estais plenamente
apercebidos, quando a vossa mente e coração se acham livres, desapegados, que
advém o entendimento no qual não existe esforço nem disciplina.
Krishnamurti, palestra em Adyar, Índia, 28 de dezembro de 1932