Pergunta: Quando o ego está dissipado, quando o sentimento de separação
não mais existe e somente existe o Uno, quando a Vida justamente é, o que é que de tal se apercebe?
Krishnamurti: Quando o
ego estiver dissipado, sabereis o que acontece. Quando houverdes dissolvido o
sentimento de separatividade, quando vos houverdes liberto de todo o desejo,
sabereis que não existe “o Uno”. Existe qualquer outra coisa. Estais mais uma
vez tentando imaginar o que seja a Verdade. Dizeis que a Vida é ou não é; que
ela é unidade, que é “O Uno”. Eu vos asseguro que não é possível conceber o que
seja este êxtase, ou ao que ele se assemelha; não vos é possível cogitar acerca
de tal, por que aquilo em que pensardes estará fora da vossa mente e vossa
mente será mera observadora. A mente torna-se desapercebida e por isso não pode
formar concepções. Quando a mente houver perdido a capacidade de estar apercebida
de si própria, então saberá. Intelectualmente pensais acerca do que seja a Verdade; pelo que ledes e pelo que ouvis
formais uma concepção a seu respeito e tentais amoldar a vossa vida a essa
concepção, coloca-la de acordo com essa imagem.
Se me é permitido falar de mim,
dir-vos-ei que jamais imaginei o que a Verdade fosse. Jamais ansiei por
possui-la. Como se pode desejar uma coisa que não se sabe o que seja? Porém, eu
sabia as coisas que me ligavam, que emaranhavam meu pensamento e emoção,
desperdiçando a minha energia. Sabia aquilo que é facílimo saber-se. Assim,
pelo processo de me libertar do desejo, da causa de muitos empecilhos, soube o
que é a Verdade; se, porém, alguém me viesse dizer o que era, e eu a houvesse
imaginado e amoldado minha vida a tal ideia, isso não seria a Verdade, seria
uma cosia morta, uma consecução volvida em cinzas. E é isto que vós estais
tentando fazer. Toda a estrutura de vosso pensamento se baseia na aquisição e
na imitação e, por isso, vossas consecuções mais não são que cinzas, nada mais
que vazio, e poucos enxergam a desgraça disso.
Não busqueis saber o que seja a
Verdade, não o busqueis saber ouvindo-me, nem tampouco vos esforceis por sentir
o que seja. Tal esforço é vão. Ainda mesmo que ocasionalmente o possais sentir,
não tenteis apegar-vos a sensação, removei, antes, a causa da resistência e
então sabereis. Por esta maneira estareis libertando-vos e não tornando-vos uma
máquina, um objeto padronizado. Esta é a maneira única, natural e humana. Apercebidos
de vós mesmos, ficareis conscientes de vossas limitações; no ato de
apercebimento, verificareis tudo a que vos apegais e, somente por esse
movimento, vos libertareis, esta é a segurança da verdadeira inteligência, do
discernimento.
Portanto, não vos esforceis por
imaginar o que seria a Verdade, dizendo que é uma chama com muitas labaredas e
que todos nos uniremos no futuro. Isto nada mais é do que desejo, coisas que
representam a uniformidade, a padronização do pensamento, pelo qual esperais
não haver esforço, e sim uma paz que nada mais é que a morte. Ao passo que, se
a vossa mente estiver livre da ideia do futuro, sem tentar imaginar o
inconcebível, porém, vivendo no presente, então, pela penetração das múltiplas camadas
do desejo, encontrareis a realização do êxtase da Vida. Por esta maneira sereis
portadores de ordem a um mundo de caos. Embora vos torneis um indivíduo supremo,
em vossa solidão, tereis perdido toda a particularidade e sereis semelhantes aos
ventos que se movem, e que não têm lugar de repouso; sereis como as águas que
se adaptam a qualquer vaso. Se, porém, vossa mente estiver sobrecarregada com o
futuro, com ideias, morrereis, vossa paz mais não será que estagnação.
Krishnamurti, perguntas e respostas em 6 de junho de 1932