Do que vou dizer nesta manhã,
alguns dentre vós podem concluir que apenas estou destruindo, sem vos dar
ideias construtivas em virtude das quais possais viver; se, porém, refletirdes
cuidadosamente no que digo, haveis de verificar que no vos despojardes de todas
essas coisas que ao redor de vós haveis construído como essenciais, nesse
próprio processo de desnudamento, reside a beatitude da Verdade. No processo de
vos libertardes das aquisições, seja de ideias, seja de coisas, ou sensações,
tornai-vos superiormente inteligentes — não dessa inteligência erudita que
provém dos livros, mas da percepção direta, essa inteligência de valor supremo,
que é o verdadeiro discernimento. Não podeis discernir, compreender, penetrar,
a não ser que tenhais a mente perfeitamente livre; e no vos libertar de
embaraços, está a inteligência natural que é essencial para a compreensão da
Vida.
Alguns de vós que aqui tendes
estado durante os três últimos dias, podem achar-se impacientes pelas minhas
repetições; tenho, porém, notado que, mesmo aqueles que ouviram não alcançaram
inteiramente aquilo que tenho em vista transmitir. Quero demonstrar-vos que a
Verdade não se realiza pela mera imitação, a ela não se chega por meio do culto
ou daquilo que denominais meditação; e mais, que realizar a Vida não é ir atrás
dela.
Pensais que, perseguindo, indo
atrás da Verdade, realizareis a eternidade. Eu vos quero mostrar que o processo
é perfeitamente o contrário, isto é, que dado não terdes a possibilidade de
saber o que é a Verdade, não podeis busca-la. Quando buscais algo, é porque já
concebestes o que é, sendo, portanto, coisa morta. Não podeis perseguir a
Verdade, não podeis ir correndo atrás dela, porque ela sempre está presente.
Não vos é possível procurar algo que tendes sempre diante de vós; seria o mesmo
que correr atrás da vossa própria sombra. Posto que possais ler e ouvir
diversas coisas a seu respeito, não podeis saber o que seja a Verdade;
portanto, não podeis persegui-la. Vossa mente não pode estar sobrecarregada
pela ideia do que seja a Verdade. Aquilo que concebeis como Verdade, já não é a
Verdade: aquilo que concebeis como tal é apenas vossa imaginação, uma ideia,
uma sensação, enquanto que a Verdade não é nenhuma dessas coisas. Uma mente
finita não pode compreender a infinitude.
Não podeis segurar o vento em
vossos punhos; não podeis alcançar o inconcebível, o indescritível, e, no
entanto, é isto o que cada qual de vós se esforça por fazer. Nesta mera
tentativa, apenas criais uma ideia a respeito do que seja a Verdade; disto
provem uma finalidade, que não é senão morte. Nada mais é que desperdício de
energia e tempo, uma luta inútil, o tentar segurar alguma coisa que não pode
ser agarrada. Se realmente compreenderdes isto, então fareis uso de vossos
esforços na direção correta.
Ora, a verdadeira espiritualidade
— pessoalmente, eu não gosto desta palavra, pois tem sido lamentavelmente
confundida com sentimentalidade, estupidez e histeria — exige grande
persistência de inteligência, a inteligência proveniente da continuada harmonia,
da direta percepção. Em momentos de lucidez, a simples intervalos, tendes um
sentimento intuitivo de algo que é perdurável, de algo que é indescritível,
como um êxtase. Depois que isso passa, dedicais vosso tempo a retroceder para
alcançar de novo e deter aquilo que haveis sentido nessas raras ocasiões; esforçai-vos
por vos recordar, repelindo tudo quanto vos embaraça essa lembrança. Por esse
modo vos esforçais para dominar as circunstâncias e a ideia de que delas tendes
que vos libertar nasce dentro de vós. Se refletirdes a respeito de vós mesmos,
verificareis que é isso o que estais fazendo, que é isto que o suposto pesquisador
está se esforçando por efetuar.
Ansiais por ser guiados e
encontrais um guia. Esse instrutor, esse mestre, salvador, modela-vos de
conformidade com sua imagem. Por esse modo, vossos instrutores são os vossos
destruidores, pois que vos modelam segundo um padrão, negando-vos a liberdade e
estabelecendo sistemas e divisões. Aquele a quem seguis, a quem cultuais é, na
verdade, o vosso destruidor. Pela indolência do desejo criais um instrutor e
por esse modo vos tornais exploradores de vós próprios.
Ora, eu quero mostrar-vos que
pelo vosso próprio reto esforço, pelo vosso viver, é que advém o êxtase da
Vida, a tranquilidade da completude que não finda.
Possuindo a lembrança daquilo que
se supõe ser verdadeiro e esforçando-se por se apegar a essa ilusão, cria-se um
incessante conflito. Não vos esforçais por compreender a Vida tal qual ela é.
Ao contrário, tendes ideia formada do que seja o céu ou nirvana, do que seja
Deus, a Vida, a Verdade, e tentais forçar a vossa mente à compreensão dessa
ideia que estabelece uma luta, uma série de resistências e, com essa atitude
mental, tendes a esperança de chegar a um estado em que todo o esforço cessará.
Se prestardes atenção às
operações de vossa mente, verificareis que vos apegais a recordações, sejam
elas agradáveis ou desagradáveis e por esse meio, esperais alcançar êxito na realização
da Vida. Isto é, possuis uma experiência que não haveis compreendido
completamente, que não haveis vivido e terminado integralmente; por
conseguinte, dela tendes recordação e, sobrecarregados por essa recordação vos
esforçais por viver, por vos ajustar ao presente. Há, portanto, contínua
aflição e infelicidade. Vossas ações são produtoras de tristeza pelo fato de vos
esforçardes por viver no presente com uma mente anuviada pelo passado. Portanto,
não tendes compreensão do presente, o único que encerra o perdurável. Se
refletirdes sobre os vossos pensamentos e sentimentos, haveis de verificar que
estais continuamente buscando ideias cada vez maiores, cada vez maiores
estímulos, cimos cada vez mais altos para subir. Pela falta de entendimento do
presente, esperais consecuções futuras, o que nada mais é que amontoar pó sobre
pó. Isso nada mais é do que um feito intelectual, a qual denominais progresso.
Atravessais a vida indo de uma para outra sensação, de uma para outra
esperança, de uma para outra ideia, de um instrutor para outro, dando de
contínuo satisfação ao vosso desejo. Quando mais cedeis a essa ânsia, mais ela
cria objetos, ideias, salvadores, guris, para sua própria satisfação. Desse
modo, a Verdade torna-se nada mais que um estímulo, uma concepção; e, portanto,
jamais podereis realizá-la. A Verdade é indescritível,
ninguém vos pode estimular na direção dessa realização; se alguém o fizer, tal
já não será a Verdade. Se alguém vos der uma ideia dela, se alguém vo-la
descrever, não é mais a Verdade. Se alguém vos expuser seu êxtase, seu perfume,
acautelai-vos dessa pessoa, pois que ela própria está cativa da sensação, e vós
mais não vos tornareis que escravos dessa mesma sensação.
Espero que compreendais isto,
pois que se assim não for, minhas palestras serão um desperdício de tempo.
Não vos é dado seguir a ninguém,
posto que possais ponderar sobre suas ideias; não vos é possível conceber o que
seja a Verdade, pois que ela é inconcebível, ilimitada; algo que apenas vos é
dado realizar por meio de intenso apercebimento emocional. Ela nada tem que ver
com estímulos, com histerismos; exige uma cuidadosa reflexão, uma mente
plástica, e uma intensa vigilância na pesquisa.
Por meio da vista e do contato,
tendes a sensação, da sensação o pensar e do pensar nascem as ideias. Assim,
pois, estais criando desejos pela vossa percepção, pelo vosso contato e vossas
sensações. Tendes muitas camadas de desejo e estas camadas em seu conjunto, se
me é permitida a expressão, produzem a autoconsciência, a individualidade, o
ego, a “eu-dade”, a personalidade. Estou servindo-me destes termos, em sinônimo,
para deixar implícito que, onde quer que haja desejo de qualquer espécie, há
autoconsciência; ao passo que pela cessação do desejo, manifesta-se a inteligência e a perfeita harmonia. Haveis de
verificar que aquilo que denominais o ego, a personalidade, a individualidade,
a autoconsciência, nada mais é do que uma série de embaraços criados pelo
desejo. Portanto, o “Eu”, nada mais é do que uma frustração, ou o
reconhecimento por meio de choques oriundos da reação, de um empecilho. Isto é,
sois conscientes de vós próprios como personalidade, como ego, somente quando
sois frustrados, isto é, quando há resistência.
Portanto, essas camadas de
desejo, são produzias pela sensação, pelo contato, pela percepção. Há um desejo
intenso e por meio deste, surge a ideia da distinção, portanto da resistência.
Tendo criado distinções de personalidade, ego, individualidade, imaginais que a
realização da Verdade, essa beatitude eterna, só se encontra pela evolução,
pelo processo deste empecilho a que chamais “Eu”. Isto não é exatamente uma
observação intelectual, uma simples ideia filosófica. Se refletirdes sobre ela,
verificareis que quando estiverdes intensamente interessados, quando estiverdes
plenamente concentrados, não haverá mais este embate do esforço. O que chamais
ego, e que nada mais é que resistência, constitui uma ilusão, um erro; e um
erro projetado através do infinito, por amplo, por glorificado que esteja,
continua sempre sendo erro.
Não pretendo que aceiteis o que digo,
porém, fazei-me o favor de refletir sobre isto com cuidado e verificareis quão
natural, quão simples isto é. Homem de suprema inteligência é aquele que em si
próprio está liberto de toda a resistência, a qual se cria por meio da
distinção das ideias. Essa distinção surge do desejo — “eu quero”, “eu posso”. Tendo
este desejo como causa construís um edifício completo de vida; todo o vosso
pensamento se baseia sobre a separação, a distinção, a resistência. Quando
buscais unir-vos com a Verdade, desejais manter vossas distinções e pretendeis
que todos se vos assemelhem. Ansiais pela isenção de esforço na uniformidade a
que chamais Verdade. A Verdade não pode ser assim medida; ela é livre,
infinitamente sutil, sempre nova, jamais estática. Para realizá-la tendes que
possuir a mente esquisitamente plástica, liberta de ideias cuja causa seja o
desejo; haveis porém, esquecido a causa, que é o desejo, e apegai-vos ao
efeito, que é o ego, a personalidade, a individualidade.
Ora, este ato de tornar-se
apercebido das coisas é plena eu-consciência, e ninguém vos pode informar se
estais ou não plenamente autoconscientes; só chegais a isto pelo vosso próprio
esforço. É este o esforço verdadeiro. A não ser que conheçais a causa, sereis
escravos do efeito; e eu vos digo que podeis vos libertar tanto da causa como
do efeito, as quais produzem o ego. Ao vos libertar do desejo, cujo efeito é a
eu-consciência, “eu-dade”, dualidade, um empecilho, a vós próprios libertais da
causa; e, portanto, vos libertais daquilo que chamais karma, causa e efeito.
Como disse, necessitais dar-vos
conta da causa da eu-consciência, a individualidade. Não aceiteis nem rejeiteis
o que digo, mas buscai saber porque existe esta ideia do “eu”, procedei à
descoberta da causa que produz este desastroso efeito. Haveis de verificar que,
pela percepção, pela sensação, pelas ideias, quer coletivas, quer pessoais,
manifesta-se o desejo e esse desejo dá lugar a muitos empecilhos, cria a autoconsciência.
Ora, para realizar a Verdade,
para perceber este infinito renovar da Vida, deveis estar completamente livres,
vossa mente deve por completo achar-se despojada de todos os desejos. Direis: “como
pode um homem do mundo viver num mundo isento de desejos?” Haveis jamais visto
a causa da tristeza e dito a vós próprios: “Libertar-me-ei dessa causa?”
Intelectualmente vedes a causa e intelectualmente vedes quão difícil é dela se
libertar.
Por isso, jamais vos esforçais,
mas dizeis: “um homem do mundo não pode viver sem desejos, tem que lutar por si
mesmo nesta civilização, pois, de outro modo, será esmagado e destruído”. Vós
não haveis feito a experiência, por isso não podeis dizer o que acontecerá.
Fazeis conjecturas a este
respeito, porém, dado não haverdes feito a experiência, vosso pensamento é
meramente teórico e, portanto, de pouquíssimo valor. Ao passo que, se
estiverdes emocionalmente apercebidos desta ideia a respeito da vida completamente
liberta de desejos, então verificareis que sois senhores das
circunstâncias, pelo fato de possuirdes uma capacidade infinita de plasticidade
que vos permite o não vos apegar a coisa alguma, não tendo, por
isso, temores. Libertos da sensação oriunda da percepção, entendeis sem
necessitar de seus estímulos.
Precisais libertar-vos da sentimentalidade
da emoção, o que não quer dizer que vos liberteis da emoção; ao
contrário, necessitais
possuir uma grande intensidade de emoções,
mas sem
por ela vos deixar embaraçar. Isto quer dizer que tendes que vos
libertar do apego às emoções pessoais. Ao mesmo tempo, deveis estar
livres de todas as ideias e, no entanto, ser tão vivazes, que vos assemelheis a
um oceano de ideias.
Isto não são meras teorias; eu
vos estou falando daquilo que vivo, falo-vos do que hei permanentemente
realizado, e cujo êxtase é imensurável. Eu me libertei da causa e efeito e sei
o que estou dizendo. Falo da Vida e conheço a beatitude da Verdade. Isto pode
parecer para vós mera teoria, pois que o não viveis. Se estiverdes virtualmente
despertos para a vida, em lugar de ir empós o porvir ou o passado, o que nada
mais é do que morte, verificareis a praticabilidade — essa de que sois tão orgulhosos
— do que vos estou dizendo.
Ora, somente a ação pode revelar
as inúmeras camadas do desejo das quais estais cativos. A ação não instrui, só
vos liberta; vós, porém, imaginais que há necessidade de experiências para
aprender. Buscais por intermédio de experiências, por meio das ações, algo que
queira compreender. Portanto, a ação para vós, absolutamente não tem valor; vós
vos servis da ação unicamente para determinar um avanço, para vos acrescentar
para vos expandir. Assim, a ação cria em vós maior tristeza, em vez de vos
libertar dela.
Para vós, a ação é mero acumulo,
não é plenitude de sabedoria. Amontoais erudição sobre erudição e imaginais ser
isto entendimento, ao passo que vos ides tornando cada vez mais prisioneiros da
experiência. A verdadeira função da ação, seja mental, emocional ou fisicamente,
é despojar-vos das camadas do desejo, pois que a ação reta é isenta de motivos.
A Verdade não se realiza por meio de acúmulos de qualquer tipo, seja de virtudes,
de qualidades ou de coisas, mas sim por meio de contínua penetração, que é a
ação sempre no presente. Se estiverdes vivendo com esta concentração, com esta
plasticidade de mente, no presente, vosso pensamento e emoção despertarão para
o apercebimento da causa da tristeza, e assim a mente vai se libertando da
limitação do desejo. Ao passo que, se tiverdes um motivo para a ação, por
variadas e inúmeras que sejam as vossas experiências, essa ação destruirá a
própria plenitude da Vida no presente.
A ação, portanto, não é um
processo de colheita de conhecimento, porém sim de compreensão, não de acumulo,
mas de eliminação, o que torna a mente infinitamente plástica.
Por meio deste desnudar atinge-se
a percepção imediata. A ideia de estar a Verdade e alguma parte, de um Deus
distante do homem, ao qual ele tem de chegar apenas pela evolução, pela
perpetuação da autoconsciência, por meio da individualidade, é um erro. É a
ação reta que deve se tornar vosso guia, vossa luz, não a ação baseada sobre intenções.
Durante o processo de descoberta
da causa da tristeza, a qual é o desejo, defrontais a completa solidão, a qual
até agora tendes cuidadosamente evitado, ocultando-vos por detrás da sensação.
Se realmente vos estiverdes
esforçando para vos libertar da causa da tristeza, que é o desejo, ficareis
solitários. No defrontar esta solidão, tornar-vos-eis vigilantes, ficareis
alerta. Só estareis plenamente despertos quando não mais vos esforçardes para
evitar seja o que for, quando não mais estiverdes tentando fugir ao inevitável,
que é o ficar sozinhos. E então, por meio do êxtase dessa solidão, realiza-se a
Verdade. Enquanto não estiverdes livres, tanto da vontade e desejo coletivos,
como pessoais, não vos será possível realizar a Verdade. Esta requer uma mente
maravilhosamente flexível e não podereis possuí-la enquanto vos apegardes a
algo, seja o que for. No processo de despertar uma mente plástica, encontra-se
a alegria da solidão, na qual existe recordação e não recordação. No libertar a
mente de ideias e, portanto, de desarmonia, tereis a percepção direta; é esta a
verdadeira inteligência, que é harmonia perfeita, que é a realização do eterno.
Aquele que está alerta e vigilante, que jamais é indolente, esse realizará o
perdurável.
Krishnamurti em palestra no
acampamento de Ojai, 5 de junho de 1932