Estou tentando explicar algo que é quase impossível de traduzir em palavras. Minhas palestras podem, portanto, dar a impressão de que estou expondo uma filosofia complicada. Se meramente acompanhardes a letra, não compreendereis; se somente lhe tomardes o espírito, interpretareis o que estou me esforçando por transmitir, de acordo com as vossas crenças, preconceitos e fantasias.
Ser simples não é ser primitivo;
simplicidade é riqueza, plenitude de compreensão. No viver com plenitude, eis
como chegais a esta simplicidade, a única que vos pode proporcionar a
realização da Verdade. Para viver simplesmente, e, portanto, intensamente, não
podeis seguir uma direção ou trilhar um caminho qualquer que seja. Muitos
caminhos há que levam ao prazer, à consolação, às fantasias, aos deuses; porém,
para a compreensão da vida, não há caminho algum. Para tal não pode haver
regras, e, no entanto, cada qual se esforça por moldar sua vida de acordo com
um dado conjunto de ideias. É coisa vital o compreender que tendes de viver
inteiramente pela vossa própria integridade de pensamento, sem depender das
ideias e da verdade trazidas por outrem. A verdade é a compreensão do mérito
essencial de todas as coisas. Este entendimento, em si, vos liberta do que não
é essencial. E então, vivereis com energia concentrada no que é essencial, e
que é iluminação. Esta compreensão não vos pode ser dada por outrem, a ela não
podeis chegar por meio de qualquer tradição. Nem tão pouco será pela erudição
que tereis a compreensão. O conhecimento é excelente, porém não vos proporciona
entendimento algum. Só a mente liberta de ideias preconcebidas, de motivos,
pode realizar a Verdade. Tendes que libertar vossa mente de toda a limitação e,
para isto fazerdes, não vos podeis mover numa direção qualquer estabelecida ou
possuir uma meta em direção à qual tenhais que trabalhar. Para compreender a
vida, para compreender o valor do transitório, que encerra o essencial, vossa
mente tem que estar isenta de motivos. Entendo por motivo um incentivo à ação.
Não deveis ter motivos para a ação, porque na própria ação é que está o
entendimento; se tiverdes um incentivo, ele vos roubará a compreensão da ação.
Quando admitis ideias e vos esforçais por leva-las ao terreno da ação, destruís
o entendimento de vossa ação, a qual, unicamente, vos pode libertar da
eu-consciência.
A vida, a verdade, é infinita,
não pode ser compreendida pela mente em cativeiro. Ela só pode ser realizada
pela mente que estiver liberta de todas as qualidades, opostos e distinções
criadas pela eu-consciência. A eu-consciência é sempre limitada. Não a podeis
tornar perfeita pelo acumulo de experiências ou confiando na memória, a qual é
tempo. Para mim, não existe consciência superior; toda consciência é
eu-consciência, é limitação. A consciência sempre pertence ao particular, à
individualidade; portanto, precisais libertar essa eu-consciência por meio da
inteligência, e inteligência é a contínua escolha em ação.
Para tornar a mente perfeita por
meio da inteligência, o que é libertar da eu-consciência, tendes que ter em
vista o desejo. Se não compreenderdes o vosso próprio desejo, vivereis numa
ilusão de falsos valores. Tendes que proceder a uma busca de vossos secretos
desejos; e verificareis então que todo o desejo, mesmo o mais sublime, está
preso no cativeiro da consolação, da satisfação, e desse cativeiro provém o
medo. Portanto, não é caso de vos libertardes do desejo, porém sim de libertar
o desejo da sua limitação. Desejo é vida, mas vós o perverteis por meio de
falsos valores e falsos padrões. Assim, se examinardes vosso desejo,
verificareis que existe um conflito entre o que ele anseia e o medo que para si
mesmo criou. Neste conflito entre o desejo e o temor, estabeleceis falsos
valores e desperdiçais energia nesse esforço, nesse conflito. A colheita de
energia é energia é desejo consumado no essencial, que é iluminação. O
entendimento da experiência, que desperta em vós o senso do valor verdadeiro,
da compreensão da vida, não vos pode ser dado por outrem. Por isso tenho eu
repetido constantemente que deveis deixar de parte vossas crenças, ideias,
motivos, e buscar encontrar por vós próprios o verdadeiro mérito de cada
experiência, isto é, de cada reação.
Muita gente anseia por conhecer o
plano divino e sua finalidade, afim de poder torcer sua vida transitória na
direção dessas pretensas verdades eternas. A verdade jamais pode estar contida
em um ideal, em um plano ou sistema de pensar. A verdade sempre escapa ao homem
cuja mente se modela na conformidade de um padrão. A verdade jamais pode ser
percebida ao começo da pesquisa; somente por ocasião da consumação dessa
pesquisa é que ela se revela. Qualquer tentativa para encerra-la em uma teoria
ou plano, é sempre falsa, e moldar a si mesmo de acordo com uma tal falsidade é
a própria negação da vida. No entanto, vedes que isto acontece com todo o
mundo, as pessoas modelam-se de conformidade a um elevado ideal, o qual mais não
é que uma perversão da mente e do coração.
Se na realidade examinardes o
desejo, ireis eliminando aquilo que não vos servir e, portanto, estareis
libertando a mente da limitação do desejo. Isto vos pode parecer uma maneira
negativa de viver, porém não o é. No ato de compreenderdes aquilo que não
quereis, vossa energia, em lugar de dissipar-se no que não é essencial,
concentra-se naturalmente no que é essencial. Esta consumação da energia é
iluminação que revela a verdade. Portanto, tendes que começar por verificar se
sois ou não escravos de crenças, se vossos sentimentos são para a posse, se
dependeis de riqueza para a vossa felicidade. Não vos descarteis das coisas por
pensar que é tradicionalmente correto o ser desprendido. Pela eliminação
gradual, por meio da compreensão do desejo em sua consumação sem temor,
estareis libertando-vos do não essencial. A persecução do não essencial nada
mais é que o esforço colhido pelos falsos valores. Isto é, se vosso desejo
estiver constantemente buscando satisfação própria, se estiver ajustando-se a
valores falsos e não libertando-se deles, vossa energia estará sendo dissipada.
Assim, não haverá mais a concentração, que é o rico entendimento da
experiência.
Assim, pois, no conservar e
libertar a energia, o que é verdadeiro esforço, tornai-vos acautelados e
somente então sereis plenamente autoconscientes. Quer isto dizer que, então,
sereis indivíduos plenamente responsáveis pelas vossas ações. E então
verificareis que vossas ações e reações provêm de vós próprios e vos tornais,
assim, plenamente apercebidos de vós mesmos. Então, podereis começar a libertar
a vossa mente por meio da inteligência na ação. A ação é a resultante do
desejo, e o desejo não compreendido cria e fortifica a eu-consciência.
Como vos disse, não se trata de libertar
o amor da limitação. O amor é sua própria eternidade, na qual não existe “tu”
nem “eu”. É a mente que deturpa o amor e cria a dualidade. Só podereis
encontrar a realidade última por meio da plenitude do coração e da plenitude da
mente e não sobrepujando uma por meio da outra. O desejo de posse admite a
dualidade “tu” e “eu” e, enquanto o amor estiver nesse cativeiro, há solidão,
dor e prazer. Para evitar esta tristeza, dedicais vosso amor a um ideal ou a um
salvador, o qual só momentaneamente disfarça vosso vazio isolamento. A maior
parte de vós temem defrontar o isolamento. Buscam fugir-lhe apegando-se ao
auxilio externo. No defrontar, entretanto, a pobreza de vosso próprio afeto e
de vosso próprio pensamento, é como chegareis a realizar a riqueza da vida.
Isto, porém, exige o despedaçamento dos símbolos que são vossas esperanças, e é
aí que a verdadeira pesquisa começa.
Krishnamurti em Oak Grove, Ojai, 7 de fevereiro de 1932