Pergunta: Por favor, explicai a diferença existente entre autoanálise e
autopercebimento.
Krishnamurti: Que é autoanálise?
Desejais um automóvel e, ao mesmo tempo, vossa mente vos diz que ele não é
necessário. Vem a luta, e principiais a analisar os prós e os contras. Logo, a
base a base da autoanálise é o desejo. Quando não desejais não analisais; se,
porém, desejardes alguma coisa, encontrareis inúmeras razões para possui-la.
Portanto, o que chamais de introspecção é o produto da divisão da mente por
causa do desejo.
Ora, o autopercebimento, no
verdadeiro sentido, é estar desperto, tornar-se atento; tornar-se apercebido é
conhecer a causa da divisão, que é o desejo. Apercebimento é plenitude de percepção.
Podeis perceber completamente as coisas quando não tiverdes mais desejo e,
portanto, estareis livres da autoanálise. Tornar-se plenamente apercebido não é
ir cedendo ao desejo camada por camada, julgando que se necessita de passar por
todas as experiências, o que nada mais é do que outra nova sensação. Mente
desperta não é egocentrismo. A mente só está alerta quando está se esforçando
por se libertar da causa da limitação, que é o desejo. Se a vigilância não
servir para descobrir esta causa, então ela se torna em auto-centralização,
autoconsciência. Quando buscais a causa, não vos tornais auto-centralizados,
não ficais autoconscientes, mas estais alerta, vigilantes, plásticos; ides, assim,
à própria raiz da causa.
Pergunta: Como poderemos seguir a cadeia de acontecimentos, de causa e
efeito, sem a autoanálise?
Krishnamurti: No pleno
movimento de viver encontrais a causa, sem precisar de autoanálise.
Pergunta: O que dizeis a respeito de dar?
Krishnamurti: Se
possuirdes muitas coisas, qualidades, virtudes, ideias, haveis de querer dar;
se, porém, nada possuirdes, nada haverá para dar. Eu falo da liberdade e não de
dar.
Pergunta: Não podemos esquecer de nós próprios ao dar?
Krishnamurti: Se a vós
próprios esquecerdes seja no que for, isso não é coisa real. As pessoas se esforçam
por se esquecer de si próprias cultuando, para evitar as lutas da vida,
entregando-se ao objeto de seu culto, mediante o serviço, pelas boas obras,
pelo muito aprender. Seguramente, isto é uma fuga, não é assim? Não podeis
esquecer a vós próprios e podeis fazer o que vos aprouver. Podeis encobrir
vosso isolamento, podeis enganar a vós mesmos, porém esse isolamento existirá
sempre até que lhe façais frente. Dele não podeis fugir, não vos podeis perder
seja no que for, seja no dar, como no partilhar. Porque é que dais? Porque
possuis, porque sois superiores, porque tendes algo para dar. Como podereis dar
se antes não houverdes adquirido?
Pergunta: Não vos podemos dar nosso apoio mental?
Krishnamurti: É a mesma
coisa. Para dar, primeiramente tendes que haver adquirido. Porque é que tendes
alguma coisa? Se tendes algo para dar — seja pensamento, riqueza ou afeto —
tornais o recebedor mais fraco e isso nada mais é do que exploração.
Pergunta: Que dizeis de partilhar?
Krishnamurti: Falo de ser
como nada, nem dar, nem partilhar. Se não empreendeis isto, tudo que vos tenho
estado a dizer é fora de tempo. Toda a vossa ideia de progresso, é aquisição, é
crescer cada vez mais, colhendo, acumulando. Por essa maneira há o superior e o
inferior, o partilhar e o dar. Pelo fato de possuirdes mais do que outrem,
partilhais, dais. Isto não quer dizer que não devais partilhar, que não deveis
dar; esta ideia, porém, de dar, de partilhar porque tendes alguma coisa, é
semelhante ao ato de eu vos explorar para obter o dinheiro e depois partilha-lo
convosco. É somente quando a vós próprios tendes como superior que vos
preocupeis com a ideia de dar, de partilhar.
Pergunta: Não está isso na atitude em face da posse?
Krishnamurti: Não, Sr.
Podeis ter uma atitude bondosa com uma bolsa farta. Enquanto houver querência,
desejo, haveis de acumular, seja qual for a atitude que adotardes. Na posse
existe o dar e o partilhar; primeiro acumulais o dinheiro para depois
partilhá-lo. A ideia de partilhar e dar só é possível quando estiverdes
conscientes de vós próprios como possuidores de alguma coisa. Adquirir para dar
não é virtude.
Pergunta: Por favor, mostrai-nos a diferença entre inteligência e
eu-consciência.
Krishnamurti:
Inteligência é harmonia, eu-consciência é desarmonia.
Krishnamurti, perguntas e respostas em 6 de junho de 1932