Pergunta: Necessitaremos nos libertar por completo da faculdade de
recordar afim de estarmos alerta no presente? Existem variedades de memória? Qual
a diferença entre a vossa e a minha recordação do mesmo incidente no passado
desde que estais liberto e eu não? Quando não há mais memória do passado nem expectativa
do futuro, será, então, uma ação mais importante do que a outra?
Krishnamurti: A memória é
gerada pelo desejo. Quando o entendimento é incompleto, manifesta-se a memória.
Quando a mente está sobrecarregada pelas ideias, quando está vestida pelo
futuro e o passado, é então que existe a memória. Eu não falo da memória no
mesmo sentido da recordação de incidentes; refiro-me a memória gerada pelo
desejo. Haveis de verificar que é assim, se refletirdes sobre o assunto. Pelo desejo
criais resistência. Pelo fato de quererdes alguma coisa, vossa mente fica
ocupada com o futuro; isto é, viveis por contraste, sois infelizes porque
quereis ser felizes. Imaginais o que seja a felicidade e, pelo contraste, vem a
infelicidade. Ao passo que, libertar a mente da ideia do contraste, da ideia do
futuro, é viver na ação sem motivo. Quando vossa mente estiver se moldando em
conformidade com um ideal, ou com o que ela concebe como sendo a Verdade, em
virtude desse desejo implícito, o presente não cede seu pleno significado, e
por isso recordais um incidente uma e outra vez, e vossa mente fica ocupada com
ele; é isto que é a memória.
Existe a autoanálise, a
introspecção quando não houverdes entendido a experiência no presente. Na autoanálise
saís para fora do fluxo da vida examinando uma coisa que é passada e morta; ao
passo que existe um processo natural de observação, de exame no movimento, no
viver, que pertence à própria Vida. Então a mente não mais está sobrecarregada
com o passado. De que é que tendes memória? Das coisas agradáveis e
desagradáveis, que ainda determinam resistência em vossa mente; se, porém,
viverdes completamente, bem alerta, no presente, posto que possais possuir
lembrança de tais incidentes, vossa mente não será sobrecarregada com a
memória, pois que o mero recordar dos incidentes não vos causa resposta emocional.
Aquilo que houverdes vivido completamente, integralmente, com clara penetração,
não sobrecarrega a vossa mente; quando, porém, vossa mente estiver dividida,
quando estiver sobrecarregada com o passado, então há falta de compreensão no
presente.
Apercebimento não é constante
repetição da ideia de que deveis estar atentos, coisa que nada mais é que
memória. Apercebimento é a plenitude da percepção, e só podereis perceber com
plenitude quando vossa mente não estiver sobrecarregada com as ideias oriundas
do desejo.
A autoconsciência é confusão,
desarmonia, a persecução de um erro; ao passo que a inteligência é harmonia, é estar
livre da eu-consciência, da personalidade, do ego, da individualidade. A
eu-consciência e sua continuidade dependem da memória. Só pensais em vós quando
vos sentis frustrados, quando algo vos embaraça e, tornando-vos apercebidos da
causa da resistência, combateis contra ela; é assim criada uma série de
resistências, de embaraços, a que denominais eu-consciência, individualidade.
Ao passo que, para uma mente completamente descarregada das recordações
nascidas do desejo, não existe, em absoluto, resistência, ela está plenamente
centrada.
Observai como vossa mente vai
atrás de uma ideia ou uma lembrança ou repisa um incidente que não haveis
entendido completamente, criando, por esse modo, um futuro. Quando não
compreendeis uma experiência, ela vos persegue até que a compreendais, coisa
que cria tempo; se, porém, viverdes com completo entendimento, tem lugar o
intenso apercebimento no presente. Se isto não vos parece claro, por favor,
interrogai-me.
Pergunta: Não se encontra o presente cheio de incidentes triviais,
fúteis?
Krishnamurti: Isto
depende de como viveis. Porque se acha vossa mente sobrecarregada de pequenos
incidentes? Por a vossa mente se encontrar ocupada com eles, é que se move e
tem seu ser nessas pequenas coisas; por isso essas pequenas coisas amarram a
mente. Ao passo que, não visando uma ideia ou um futuro, mas vos esforçando por
libertar a mente no presente por meio da vigilância, verificareis que, mesmo
executando pequenas coisas, vossa mente não se achará aprisionada, não ficará
sobrecarregadas com elas. Por a vossa mente estar continuamente buscando,
querendo, ansiando, manifesta-se a ideia incessante do progresso, do evoluir,
do mover-se de uma consecução para outra, de um assunto para outro; ao passo
que, se pudésseis libertar a mente da ideia de diferenciação, da ideia dos
opostos, vossa mente não mais estará sobrecarregada, mas límpida e sempre
vigilante.
Krishnamurti, perguntas e respostas em 6 de junho de 1932