Quisera dizer que estou fazendo
experiências, por meio de palavras, esforçando-me por encontrar frases
adequadas, mediante as quais possa expressar aquilo que não pode ser expresso,
pois que precisa ser vivido. Se
jamais vos houverdes deleitando pelo perfume do jasmim, este perfume, para vós
será indescritível. Do mesmo modo, jamais minhas palavras transmitirão o pleno
significado daquilo que desejo explicar.
Existe uma vida eterna, da qual vós,
em momentos raros, haveis obtido um vislumbre. Cada qual deseja tornar permanente
esse lampejo. Ora, a realização da verdade só pode ser permanente quando a
mente perder as suas diferenciações. Os indivíduos alimentam a ilusão de que
podem identificar-se com esta realidade eterna. Não há identificação. Se houvesse
tal identificação, levaríeis vossa personalidade para o eterno, o que não é
possível. Isto é, uma consciência limitada, que implica sempre um centro, uma
dualidade, não pode tornar-se uma com o eterno. A realidade infinita, que não
teve começo nem terá fim, que se acha liberta de todo o tempo, mora com o homem
a todos os instantes. Ele pode realizar esta realidade, dando a isso sua mente
e seu coração. Por haver eu encontrado esta vida eterna, quisera explicar como
haveis de dissipar em vós próprios o centro da eu-consciência. A eu-consciência
vela a realidade. No dissolver, no libertar a si mesmo desse centro de todo o
egoísmo, está o êxtase dessa vida na qual não existe divisão. Isso somente pode
ser realizado por meio de um grande esforço por parte do indivíduo. A maioria
das pessoas deseja chegar a essa condição da mente isenta de esforço, que é a
própria vida, sem fazer esforço algum. Libertar o pensamento da pessoalidade é
o verdadeiro esforço. O esforço correto é essencial para libertar a mente de
falsas ideias, de falsas crenças, de concepções erradas quanto àquilo que se supõem
ser a realidade última. Vós é que tendes de fazer este esforço supremo para vos
tornardes apercebidos. Vós é que tendes que vos tornar plenamente acautelados
quanto às vossas ações, aos vossos pensamentos e sentimentos, e somente podeis
operar isto vos
tornando cônscios de vossas ações no presente, e não olhando para o passado. É
assim que vos libertais da eu-consciência que é o passado. A mente só pode
renovar a si própria quando está plenamente desapegada do conteúdo de ontem.
Vós não podeis olhar para o passado para vos tornardes conscientes no presente,
e só uma mente
liberta do tempo, é que pode compreender a
beatitude da Verdade.
O esforço no presente cria cada
vez mais confusão. Quanto mais esforços fazeis mais vos amarrais, mais a vossa
mente fica sobrecarregada, nublada, entenebrecida. É colhida pelo seu próprio
esforço, pela sua própria luta. Verdadeiro esforço é
tornar-se consciente no presente, o que representa libertar a ação
de todo o egoísmo. Este esforço consciente no presente, exclui o tempo, não
acrescenta o fundo psicológico, o centro da eu-consciência. Portanto, o
verdadeiro esforço, é essencial.
A eu-consciência é o centro do
egoísmo, é formada de qualidades, atributos e de seus opostos. Em vosso
esforço, tentais fugir de uma qualidade para outra e não vos esforçar por vos
libertar de todas as qualidades, ficando, por esse modo, isentos de esforço. Vossa
mente está sobrecarregada pelo medo e por isso vos esforçais por ser corajosos.
A bravura encerra a qualidade do medo. Toda qualidade encerra o seu oposto. Se
tendes medo, não busqueis o oposto do medo; buscai a causa do medo, que é
divisão, a individualidade, a eu-consciência. Assim vos libertareis desta luta
contínua, que se chama progresso. O esforço existirá sempre, a não ser que a
própria semente do esforço esteja extirpada. A semente do esforço é a limitação
causada pelo fundo, pelo centro do egoísmo que é a eu-consciência. Para
dissolver a causa da tristeza, que é a eu-consciência, não podeis dar abrigo a
motivos e incentivos. Para compreender a ação, a mente deve estar liberta de
motivos, de crenças, de ideias. O entendimento reside na ação livre de crenças.
O homem vive pela ação, seja ela
pensamento ou trabalho. Para mim, ambas as coisas são ação. Quando alcançardes
o êxtase do pensamento, não haverá mais incentivo nem motivo. Quando estiverdes
imersos nas profundezas de um grande sentimento, todas as crenças, todas as
ideias e limitações estarão apagadas. O homem trabalha ativamente por causa da
eu-consciência. Espera que, por meio de um incentivo, por meio de uma atração,
se libertará de seu egoísmo. Eu digo, pelo contrário, que não podeis vos
libertar desse fundo, desse centro de eu-consciência por meio de incentivos e
crenças.
O incentivo embaraça a
espontaneidade da ação. Nele não há alegria. Apenas vos modelais na
conformidade de uma crença e todas as crenças são mortas. Para agir com
plenitude precisais dissolver até esse mesmo centro que cria as crenças. Assim,
sereis capazes de viver vida mais rica em lugar de estardes à espera de algo
para vos guiar, para vos orientar. Esta plenitude de vida desafia as
complicações da crença. Para compreender a experiência, para encontrara valores
retos, não podeis ter crenças nem motivos.
Eu acentuo bem o que se refere à
mente, porque para mim, o amor é a sua própria eternidade. É a mente que corrompe o amor. Não
falarei a respeito do amor que é eterno. Ele desafia toda a descrição, não
necessita de purificação, nem glorificação, está sempre livre do “eu” e do “tu”.
Este amor se perverte pela mente com as pessoalidades, distinções e divisões
que lhe são peculiares. O amor é eterno, sempre constante, porém, somente é
possível realiza-lo quando houverdes libertado a mente da eu-consciência, que é
o centro da individualidade.
Pensamento e sentimento estão em
guerra contínua, combatendo e lutando para dominar um ao outro. Por isso
abandonais a mente e tentais sobrepuja-la com o amor. Mas por esta maneira
desviais a mente de sua finalidade. Quando a mente estiver completa — quando
estiver liberta de sua própria criação, a eu-consciência — somente então
existirá perfeita harmonia da mente e do coração. A mente deve perder, por meio
da ação, por meio da plena eu-consciência, suas pessoalidades próprias. A mente
deve perder sua objetividade sem ser mera pesquisadora do futuro. Se
estiverdes, por pouco que seja, apercebidos de vós mesmos, sabereis que vossa
mente está continuamente buscando; cria o objeto. Isto quer dizer que a mente
cria a dualidade, o “tu” e o “não-tu”, os opostos. Enquanto a mente estiver
colhida em sua própria eu-consciência, haverá sempre um sujeito e um objeto. A
mente tem que perder o sentimento de seu próprio centro. Sereis mero observador
enquanto o centro da eu-consciência existir, enquanto vossa em mente existir
pensamento egoísta, dualidade; e este fundo, este centro só pode ser dissolvido
por meio da plena eu-consciência. Uma mente imperfeita, por consumada que
esteja em grande amor, permanecerá sempre imperfeita e esta imperfeição é causa
de incessante conflito. Só quando a mente houver dissolvido seu próprio centro
por meio da ação, haverá harmonia. Haverá, então, o êxtase que sempre se
renovará a si mesmo, que zomba do tempo.
A vontade existirá enquanto
houver seleção, a qual é esforço; enquanto tiverdes de escolher entre o que é
essencial e o que não é essencial, entre o falso e o verdadeiro, haverá
vontade. Quando não mais houver seleção, quando a mente estiver livre da eu-consciência
que cria distinções, então a vontade desaparecerá. Quando o desejo, que é
vontade, por causa do egoísmo estiver colhido em cativeiro, então a ação só
conseguirá fortificar a eu-consciência. Para vos libertardes da gaiola da eu-consciência,
tendes que vos tornar plenamente conscientes dos falsos valores que vos rodeiam
e, em virtude disso, romper com eles. Para descobrir os verdadeiros valores,
deve a ação estar liberta de crenças, de incentivos, de ideais.
Se um ideal ou um incentivo, por
nobre e magnífico que seja, vos libertar de uma gaiola particular de falsos
valores, continuareis a ter em vós o poder de criar outra gaiola. A mente que
não houver compreendido os valores corretos está sempre criando uma ilusão, uma
gaiola ao seu redor. Somente por meio do correto esforço para vos tornardes
plenamente eu-conscientes no presente, o que é perceber os verdadeiros valores,
podereis dissipar o centro da individualidade.
Para agir verdadeiramente,
espontaneamente, com intensidade de vida de que falo, não necessitais de uma
crença que vos compila à ação reta. A ação nascida da crença não é espontânea e
nela não há alegria. A imitação exclui a felicidade. Para compreender a vida,
que é todo-integrativa, a ação necessita libertar-se da eu-consciência.
Krishnamuri, 14 de fevereiro de
1932, Oak Grove, Ojai