Pergunta: Não é busca da Verdade ou o intenso desejo de libertação algumas vezes um impulso para a ação? Dizeis que todos os motivos devem ser expurgados; como poderemos encontrar a Verdade ou nos tornarmos libertos?
Krishnamurti: Para mim, não se trata de procurar o Eterno no transitório. O Eterno é o transitório, não podeis buscar uma coisa que sempre está aí. O que tendes que fazer é verificar o verdadeiro valor do transitório; pelo suspeitar do transitório, realiza-se o Eterno. Podeis estar interessados em roupas, posses, em certas atividades e ideias. Se sois meramente arrebatados por elas sem as compreender perfeitamente, o transitório vos domina e o seu verdadeiro significado vos escapa. Nem o tempo nem o motivo, nem a crença vos dão entendimento; o que vos dá o entendimento é a pesquisa zelosa, no presente, do valor essencial de vosso pensamento e sentimento. Não podeis ter o desejo de libertação se o não compreendeis e só o compreendereis se o tiverdes realizado. Podeis examinar minha experiência, mas se a tornardes vossa, ela se tornará uma trave de tropeço para vós. Torna-se um guia, um padrão e perverte o vosso juízo, o vosso esforço e a vossa vigilância. Estou procurando descrever-vos a Verdade, essa Realidade Ultérrima que nunca pode ser expressa em palavras. O que não tem opostos, quando descrito em termos de opostos, perde a sua beleza, a sua fragrância, a sua realidade.
Pela compreensão do transitório, que é o Eterno, as alegrias e tristezas efêmeras, nascimento e morte, desaparecem. O entendimento não requer incentivos, crenças. Ao contrário, eles vos impedem de compreender porque isolam a mente da vigilância no presente.
Pergunta: Dissestes que o culto a outrem é ato de uma mentalidade anormal, mas não é a devoção, inata no coração humano? Qual a natureza e função da devoção, segundo o vosso conceito?
Krishnamurti: Quando cultuais a outrem, estareis criando a ilusão de outro “Eu Sou”. O sentimento de reverência em si mesmo é natural e esquisito, não tem ideia de distinção. A devoção é natural quando não tem a complicação de outrem. Quando cultuais a outrem, há distinção e nesta há gosto e desgosto. A não naturalidade consiste em olhar a um como estando acima e a outro como estando abaixo. O culto requer o reconhecimento do inferior. Na compreensão, não há superior nem inferior, porque sois completos em vós mesmos. Tereis realizado a essência eterna, a Vida, e por isso não existirá em absoltio “outrem” em vossa consciência.
Krishnamurti em palestra em Oak Grove, Ojai, 1931