Krishnamurti: O tempo só
existe quando houver incompletude. Quando vos apegais à vossa personalidade,
aos vossos instintos limitados, aos vossos pensamentos e emoções, então
conheceis o tempo sob a forma de passado, presente e futuro: na completude não
existe tempo. O tempo é a continuidade da individualidade. Se estiverdes
completamente livres da eu-consciência, com suas complicações, desejos,
temores, então existirá esse apercebimento que não é, que não pertence ao tempo
e aos opostos.
Este apercebimento é a resultante
da completa ausência de morada, da solidão. O isolamento é a flama da
eu-consciência, a intensidade do sentimento e pensamento. Quando houver esse
auto-recolhimento, há também o alvorecer da intuição, o qual não conhece tempo
nem limitação. A intuição é ação pura, é a própria Vida, não possui qualidades
nem atributos; é amor no qual não existe objeto, é sua própria eternidade,
completa em si mesma. Somente a mente na qual não mais existe a ideia ou
vontade pode compreender essa harmonia introspectiva da completude. Nisto não
pode haver tempo e, portanto, a ideia de direção, de progresso, desaparece
inteiramente.
A intuição somente pode ser
traduzida sob a forma de ação. Eu não me sirvo da palavra “ação” como o oposto
da estagnação. Haveis de pensar que, quando a mente não tem mais ideia nem
vontade e quando o coração não mais conhece “tu” e “eu”, deve existir completa
negação. Do ponto de vista do tempo, é aniquilamento, isto é, quando encarais a
vida sob a forma de opostos. Não e porém, nadidade. É esse estado sem lar, essa completude na qual cessou
todo o tempo e que sempre se renova a si própria.
Não entreis em discussões
metafísicas a este respeito. Se tal puder ser discutido, não é real. Eu conheço
aquilo que é eterno, porém, não vos posso provar; não vos posso dar. Nesta
realização não há progresso, não há evolução, tomada como tempo. Presentemente
conhecei-vos como seres separados e, portanto, pensais acerca da Verdade como
estando afastada de vós. A completude é profunda contemplação, livre da
eu-consciência. É um êxtase no qual não existe começo nem fim. Enquanto
estiverdes no cativeiro da tristeza, o qual é o conflito dos opostos, jamais
podereis compreender. Podeis compreender intelectualmente, porém eu não vos
estou falando de nada intelectual, de metafísico; estou falando da Verdade, a
qual somente pode ser realizada no presente, por meio de vossas ações e da
vossa maneira de viver.
Pergunta: Que entendeis ao dizer “Não transijais?” Por favor, dai um
exemplo.
Krishnamurti: A maioria
de vós acredita que com o tempo podem se tornar maiores, mais nobres e mais
perfeitos. Para mim é isto uma ilusão nascida do desejo pela continuidade da
individualidade. Não podeis transigir entre tais crenças e o que eu vos digo.
Tendes a ideia de que, para realizar a Verdade, precisais vos tornar discípulos.
Eu digo que não precisais seguir a ninguém,
inclusive a mim próprio. Eu digo que para realizar a Verdade, tendes que estar
inteiramente desapegados, sem repouso.
Não abandoneis vossos lares; não é isto que quero dizer. Para realizardes a
Verdade, tendes que conhecer a solidão. Não podeis adorar, não podeis repousar
em outrem, portanto, não pode haver transigência neste assunto.
Tenho falado a respeito disto por
todos estes últimos quatro ou cinco anos, porém talvez de forma mais delicada e
gentilmente. Alguns de vós sois Budistas, outros Cristãos, alguns ainda
Teosofistas e outros ainda Hindus. Não pretendo que me sigais. Porém, se
quiserdes realizar a completude, a Verdade, não vos podeis apegar a qualquer sistema ou a qualquer
ilusão. Deveis vos despojar de todas as crenças e permanecer na
solidão de vosso próprio pensamento criativo. Para ficar assim desapegado,
isento de morada, sozinho, tendes que ter grande sofrimento e grandes alegrias. Muitas
pessoas não querem sofrer grandemente ou fazer o esforço que proporciona grande
êxtase. Se sofrem, suportam e não buscam compreender o sofrimento.
Intelectualizam-no; encontram teorias para o acobertarem, para o enfeitarem;
ocultam-no e expelem-no, porém ele brota de outra forma. Se desejardes
compreender a Verdade, então, tendes que vos tornar apercebidos da causa da tristeza; precisais
conhecer a vós próprios e às vossas limitações. Tornando-vos assim
conscientes, libertai-vos da eu-consciência.
Krishnamurti, reunião de verão em Ommen, 1931