Pergunta: Falais da Vida sempre se renovando. Porque usais a palavra “renovar”?
Não é a Vida sempre completa, jamais exaurida, sem necessidade de renovação?
Krishnamurti: Faço uso
das palavras “renovar” para transmitir a ideia de que não existe começo nem
fim. Aquilo que sempre está se renovando, que é sempre plástico, é a Vida.
Aquilo que sempre está se recriando é imortalidade, é eternidade. Estou me
esforçando por descrever o indescritível e jamais entendereis, se vos
esforçardes para copiar. A imortalidade, a realização do que está isento de
morte, não é coisa estática, não é um fim, uma conclusão; é a essência
concentrada da própria Vida, que é energia. Não podeis pensar da energia como
sendo um fim. Vós dela pensais como um fim, porque pretendeis atingir este fim;
quereis alcança-lo, de modo a sentir a satisfação de haver feito progresso. Por
essa razão vos tenho estado a dizer que não pode existir consecução, porque,
aquilo mesmo que atingirdes, vos destruirá. Se buscardes um fim e vos
esforçardes por atingi-lo, estareis destruindo essa mente que a si própria
busca libertar-se.
Pergunta: Haveis dito que se estivésseis em posição de ter
responsabilidade para com os outros, cumpriríeis esse dever, porém não tomaríeis
novas responsabilidades. Porque não? Para que evitar ação e trabalho neste
mundo de objetividade? Será que a plena realização da Verdade coloca o
interesse do homem fora do seu trabalho cotidiano no mundo? Não será a sua busca
um processo interior, contínuo, independente de sua ação e responsabilidade
diária, embora saturando-os?
Krishnamurti: Certamente,
concordo com o inquiridor; vou, porém, tentar explicar algo que será certamente
mal compreendido, portanto, esforçai-vos por prestar-me atenção.
Responsabilidade é egoísmo. Sois
responsáveis para com os vossos pertences, não é assim? Tendes deveres para com
os vossos. Dizeis: “tenho que ter em vista meu filho, minha esposa, meus bens,
portanto, tenho responsabilidades”. Ao passo que eu vos falo da liberdade em
que não há distinção de “teu” e de “meu” e, portanto, nem responsabilidade nem
o seu oposto. Quanto mais vos inculcais como responsáveis pelo bem do homem e
da sociedade, no sentido de seguir um sistema, mais autocentrados, estreitos, tolos,
vos tornais. Se, porém, a mente não estiver limitada pelo desejo, se não
estiver embaraçada pela ideia do “meu” e do “teu”, sereis livres e conhecereis
a verdadeira responsabilidade que não é uma fuga da ação.
Enchei-vos de deveres, tornai-vos
falsamente responsáveis, enquanto existi a ideia de “vosso”. Não sois responsáveis
por mim, não é verdade? Se, porém, eu for vosso amigo particular, vosso
companheiro, vosso esposo, vossa esposa, vosso filho, vós vos tornais
responsáveis. Isto quer dizer que pretendeis dominar-me, guiar-me, ajudar-me,
proteger-me. Portanto, aquilo que chamais responsabilidade nada mais é do que
uma forma sutil de posse, de desejo; ao passo que eu vos falo da libertação de
todo desejo.
A verdadeira ação somente é
possível quando a mente estiver completamente livre da eu-consciência, do
desejo. A verdadeira espontaneidade, é ser completamente livre; então vossa
ação não terá motivos. Se compreendeis isto, se viverdes alguns dias com
apercebimento, sabereis o que é a verdadeira ação. Vereis que, se estiverdes
libertos da responsabilidade, sereis a própria reflexão; cedereis ao
inevitável, e neste ceder está o êxtase da Vida.
Pergunta: Será possível estar isento de motivos e, apesar disso, ter
ativo interesse por uma particular forma de trabalho?
Krishnamurti: Porque não?
Quereis dizer que vos interessais pelo trabalho, porque ele vos devolve algo em
retorno. Todo o arcabouço da civilização se acha edificado sobre esta ideia,
porém os poucos que compreendem têm que romper com isso. Para se estar isento
de motivos na ação, é preciso se libertar da vontade coletiva e pessoal. Romper
com a uniformidade de pensamento, e isto exige grande apercebimento e a alegria
da solidão; vós, porém, pensais que este isolamento é uma desgraça, algo de
trágico, de espantoso, que vos faz fugir.
Pergunta: Não estamos, apesar disso, interessados pela Realidade que
nos dá liberdade?
Krishnamurti: Se
estiverdes interessados em qualquer coisa porque ela vos proporciona algo, nada
mais será que desejo, não é? Por acaso amais a outrem porque vos dá alguma
coisa? Se tiverdes em vista a Realidade com o fim dela vos proporcionar o que
denominais liberdade, certo não vos a dará, e tornar-vos-á escravos de vossa
ideia.
Como disse, a verdadeira ação,
isenta de motivos, só é possível quando houver cessado o desejo. Só podeis agir
claramente, livremente, quando a mente estiver liberta de toda a sensação e só
então cessará vossa ação de produzir caos completo que no mundo existe
presentemente. A ação isenta de motivos é, na realidade, verdadeiramente livre;
nela não há cálculo nem desejo. Fazer algo que de momento vos agrada, não é espontaneidade.
Espontaneidade de ação é plenitude de percepção, e esta somente ode ser obtida
pelo processo de liberar a mente do desejo.
Krishnamurti, perguntas e respostas em 6 de junho de 1932