Tomamos disposições para que haja
somente uma reunião por dia, afim de terdes oportunidade, se tal for vosso
desejo, de pensar durante o resto do dia sobre o que eu digo pela manhã; pois é
necessário pensar sobre isto e não tirar rapidamente uma conclusão. O que digo
é essencialmente muito simples e, pela sua simplicidade, talvez para complicado
para algumas pessoas. Portanto, tomai tempo para vós mesmos e cuidai
diligentemente em pensar sobre o que eu digo para chegardes a vossas conclusões
próprias e verdadeiras. Não estou aqui para vos convencer contra o vosso
próprio entendimento.
A Sra. Besant e o Sr.
Jinarajadasa convidaram-me a vir aqui, para o Quartel general da Sociedade
Teosófica e, como hóspede, devo respeitar suas ideias, teorias e crenças. Porém,
eu disse ao Sr. Jinarajadasa, previamente, antes de vir, que expressaria
exatamente e francamente meu ponto de vista e ele disse que eu o devia fazer.
Portanto, não abuso da bondade de ambos ao dizer o que considero a verdadeira
antítese do que seja real inteligência e espiritualidade.
Não vos vou dizer o que é
inteligência ou o que é espiritualidade, pois que não desejo que vos conformeis
com as minhas ideias. Porém, mediante o reconhecimento daquilo que é estúpido,
isento de inteligência, irrefletido, mediante o apercebimento daquilo que não é
verdadeiro, podeis descobrir por vós mesmos, se disso cuidardes, o que é
verdadeiro. Não ataco a imagem de nenhuma sociedade ou religião especializada.
Para mim, todas as religiões organizadas são completamente falsas. Em minha
opinião elas não conduzem o homem à realização da eternidade. Ao contrário,
embaraçam-no.
Por favor, não vos contenteis em
meramente repetir minhas palavras. Elas para vós não terão valor enquanto, por
vós mesmos, não chegardes a uma conclusão que seja vossa, sem olhar ao que eu
ou outra qualquer pessoa digamos.
E eu vos solicitaria a examinar
minhas ideias sem as comparar com o que já houverdes lido ou ouvido, pois que,
pelo mero comparar, não descobrireis o intrínseco mérito do que estou dizendo.
Penso que estais aqui para verificar o que eu considero os embaraços que
impedem no homem a plena compreensão da vida; se, porém, começardes a comparar,
apenas lançareis uma ideia contra outra e então escolhereis de acordo com
vossos próprios preconceitos e nisto não pode existir compreensão de mérito
intrínseco.
Não desejo que aceiteis minhas
ideias como autoridade para vós, quero que examinais o que digo livremente,
quero que o critiqueis, que o duvideis e façais perguntas. Para isto fazerdes
com inteligência, não podeis vos apegar a uma ideia qualquer. O apego nada mais
é que interesse personalizado. Interesse ligado à vossa família, ao vosso
sacerdote, á vossa sociedade. Todas estas coisas vos impedem a clareza no
pensar; e quando começais a vos apegar às vossas ideias, criais a divisão de
“meu caminho” e “teu caminho”. A verdade é isenta de caminhos, para ela não há
senda alguma. A divisão entre “vosso caminho”, “vossa senda”, ocultismo e
misticismo, nasce da ignorância, da ilusão, e operais vossa escolha com a mente
apegada a certos preconceitos especiais. Só quando a mente estiver por completo
livre de todos os apegos é que pode descobrir o que é verdadeiro e reconhecer o
mérito implícito em qualquer ideia; ao passo que, quando começais a externas
vossas distinções e divisões, não pode em absoluto haver compreensão. Ao
contrário, apenas perpetuais a dualidade que é a base de todo o conflito.
Portanto, não desejo que vos coloqueis do meu lado. Não há lados. Eu cheguei à
realização de algo que, para mim, é eternidade, é imortalidade. Não pode este
algo ser compreendido por meio de sistemas ou por meio da divisão de caminhos.
Caso é esse em que a mente se torna disciplinada, controlada, dirigida,
perdendo assim toda a plasticidade e, por isso, todo o entendimento.
Tentar aproximar-se da verdade e
compreende-la por meio da divisão do “meu” e do “teu” é completamente vão. A
ideia de tolerância, torna-se nada mais que uma invenção intelectual que
encobre o conflito que surge dessa falsa divisão. Quando existe afeto,
entendimento real, não é necessário que haja tolerância. Quando amais a alguém,
não tolerais a essa pessoa; vós a amais e é quanto basta. Dá-se o mesmo com
todas as invenções da mente. Quando existe afeto real, liberto de apego pessoal, então essa palavra de que tanto se tem
abusado — “fraternidade”, desaparece. Então não mais necessitais de vos
organizar em corporações para ser fraternais; não necessitais pertencer a
nenhuma sociedade especial, a nenhuma instituição ou igreja. Sereis então seres
humanos, coisa essa maior do que todas as teorias.
(continua)
Krishnamurti, palestra em Adyar, Índia, 28 de dezembro de 1932