Como é esta a minha última
palestra aqui, esforçar-me-ei esta manhã para resumir o que tenho estado a
dizer durante a semana última.
Cada qual está buscando,
constantemente, a realização permanente da Felicidade. Por um esforço tremendo,
cada qual tenta manter a visão, a permanência de certa grande alegria.
Ora, existe uma realização
perdurável, um êxtase que não é imóvel, que não que não é um fim nem uma
conclusão, porém no qual existe uma grande intensidade, uma constância
imperturbada, uma plena concentração de pensamento-emoção. Esta permanência de
realização não se empolga pela mente nem é conservada pela memória; aquilo que
é ilimitado não pode ser capturado por uma mente limitada. O pensamento tem que ser liberto de toda a transitoriedade,
o que é tornar a mente supremamente inteligente por meio da escolha continua,
por meio do discernimento. A mente precisa libertar-se da ideia das intenções,
coisa que exige inteligência, a percepção do valor supremo. Se puderdes
escolher sem ter para isso um motivo, se puderdes pensar sem ter por detrás de
vós a ideia de lucro, então vossa ação é suprema, em si própria ela será harmoniosa.
Este êxtase permanente, que é uma tranquilidade viva, borbulhando sempre qual
fonte, não pode ser realizado por intermédio do esforço intelectual ou da
argumentação. Apesar disso, a mente está constantemente esforçando-se para
descobrir uma consecução em direção à qual possa encaminhar a si mesma, um fim
que a estimule e, por esse modo, há uma constante fuga quanto ao presente.
Ação no presente, isenta de
motivo, é verdadeira inteligência. O pensamento é afeto, porém vós haveis
sobrecarregado tanto a mente com distinções criadas pelo desejo, que não existe
essa harmonia viva na qual viver é amar. Este êxtase é a própria essência do
pensamento e do amor. A mente perde a sua distinção como criadora ou refletora
da ideia. Não mais é estimulada do exterior e não é mais escrava de uma ideia.
Desse modo, a mente cessa de estar apercebida de sua própria particularidade e
existe somente uma viva tranquilidade.
A realização da Vida não é uma
aquisição, porém sim uma penetra profunda, não se movendo numa direção
qualquer, porém
vivendo mais concentradamente, mais extaticamente no presente. Por
favor, não concebais isto como sendo uma ideia. Se o fizerdes, perdê-lo-eis
imediatamente. Não vos deixeis estimular pelo meu êxtase; durante minhas
palestras podeis experimentar grande deleite, porém não vos esforceis para recaptura-lo.
Quando vos afastardes daqui, não vos imagineis sentados sob as árvores
escutando-me, elaborando, assim, para vós, um estado emocional. Isto seria
completamente falso, nada teríeis compreendido se o fizésseis. Estaríeis desintegrando
a vossa vida se vos esforçásseis para viver hoje com a mente sobrecarregada
pela imagem do passado.
Portanto, é pelo viver
completamente no presente que chegais à realização da beatitude da Verdade. No
concentrado apercebimento de viver plenamente, sem motivo, libertais a mente de
todos os embaraços criados pelo desejo. Haverá empecilhos enquanto houver desejo de qualquer espécie
que seja, mesmo o da própria Verdade,
pois que a ânsia cria distinções e, portanto, resistências e empecilhos. Nem
tampouco deveis limitar vossa mente pelo continuamente repetirdes convosco
mesmos “não hei de desejar”. Isto nada mais seria que uma frase vazia e permaneceríeis
na estreita escravidão de vosso anseio para não desejar.
Ideias, posses, virtudes, são
coisas adquiridas e o lucro, de qualquer espécie que seja, cria a limitação da
distinção que escraviza a mente. Tal mente está sempre criando seu próprio
embaraço, sua própria resistência. Se desejais adquirir uma virtude, vossa
mente luta nessa direção e, assim, vossa ação é impedida; vossa mente divide-se
interiormente contra si mesma e torna-se sua própria destruidora. Pelo ato de
empolgar, estabeleceis a resistência, que faz surgir a eu-consciência e na
perseguição desse empolgamento há a desintegração. Quanto mais adquiris, mais
forte se torna a ilusão do progresso, do avanço. Ao passo que a Verdade, que tem
de ser realizada por meio da ação liberta de todo motivo, é suprema
inteligência; nada tem de comum com aquisição ou com ideia de progresso, e esta
ilusão do progresso, como série de aquisições, torna-se poeira quando houver o
verdadeiro discernimento.
Mediante o processo de adquirir,
cultiva-se a memória na qual é, portanto, o produto do anseio; ao passo que, viver com plena concentração
no presente, liberta a mente da confusão da memória. O que fazeis é tentar
forçar a mente a incidir sobre uma ideia e chamais a isso meditação; ao passo
que, se
libertardes a mente dos embaraços que surgem por causa do desejo, há o apercebimento
natural. Isto difere do significado aceito do que seja concentração,
o qual é o pensamento dirigido para uma ideia única e aí conservado por longo
tempo. Este rude adestramento da mente, que é praticado por muita gente, nada
mais faz que tornar a mente escrava de uma ideia.
A verdadeira concentração não é o
domínio na persecução de uma ideia; é o libertar da mente por meio da ação, da
causa da distinção, que é o desejo. A distinção existe enquanto existir o
desejo e desaparece com a cessação do desejo. Então há a concentração natural
de uma flor, do vento, das águas que correm. Nela não há nem vós nem outrem.
Enquanto não a houverdes realizado, não a compreendereis, porém uma vez que
tenhais liberto a vós próprios dos empecilhos do desejo, ela virá naturalmente.
Podeis colher um transitório vislumbre desse êxtase da Vida, porém jamais
podeis conhecer a sua plenitude, enquanto existir uma sombra de desejo.
Portanto, libertai a mente do passado e vivei integralmente no completo apercebimento do presente.
Pelo apegar-se, a mente nada mais
faz que tornar-se escrava de uma ideia e, portanto, a mente não passará de uma
imitadora. Quando houverdes criado uma ideia por meio do desejo, podeis pensar
que vossa mente esteja viva por estar na persecução dessa ideia, porque o
desejo vos impulsiona; porém isso é um mero conformar-se. O desejo vos
impulsiona a vos modelardes de acordo com uma lembrança, e desse modo há um
constante amoldar-se, um constante motivo para a ação. Espontaneidade de ação é
liberdade das lembranças criadas por meio do desejo. Ela não é ação impulsiva,
o que nada mais é do que seguir aquilo que vos atrai. A ação espontânea, ou o verdadeiro instinto
acha-se completamente liberta da vontade pessoal e coletiva.
Ora, vossa mente acha-se repleta
de lembranças criadas na perseguição do desejo e, no preenchimento dele, há o vácuo
do atingimento, o vazio conflito da aquisição. Daqui surge um isolamento
contínuo, uma incessante ronda de tristeza. É este o estado da mente vulgar. Se
estais apercebidos de vossos secretos pensamentos, haveis de verificar que a
vossa mente se acha de continuo colhida num conflito de aquisições, sem ter
jamais a tranquilidade da penetração. Para liberta-la da ideia de aquisição, a
mente tem que estar alerta, vigilante, e, através dessa vigilância, vem a
libertação de sua própria distinção; por meio da chama da eu-consciência,
chegais ao pleno apercebimento, o qual é a completa percepção. A mente,
presentemente, acha-se construída de cobiça pessoal e coletiva, a qual
denominais vontade e, para vos libertardes deste desejo necessita ela tornar-se
apercebida de seus próprios pensamentos, de seus próprios secretos motivos.
Ninguém a não ser vós próprios pode executar isto.
Por esta razão tenho dito uma vez
e outra que não podeis seguir a outrem; ninguém pode desvendar para vós os emaranhados que vossa
mente está criando por meio do desejo. Precisais ficar alerta,
vigilantes, e, nesse apercebimento, conhecereis o cativeiro no qual a mente se
acha encerrada. Enquanto confiardes em outrem, enquanto adorardes, vossa mente
está despercebida de seus próprios secretos desejos e, portanto, acha-se ainda
escrava da sensação e da distinção.
Se refletirdes cuidadosamente,
verificareis que a vossa busca nada mais é que um secreto desejo de conforto.
Uma ideia vos satisfaz e, na perseguição dessa ideia, pensais que compreendeis
a Vida. A mente é apanhada em seu próprio secreto desejo de satisfação, de paz,
e assim, toda a vossa ação nada mais é que uma acentuação do desejo. Dizeis a
vós mesmos, “se simplesmente eu puder compreender o que é a Verdade, então
libertar-me-ei do isolamento e do conflito”. Vossa busca tem um motivo e,
assim, a Verdade sempre vos escapará, pois que ela somente pode ser realizada
por meio da ação isenta de motivo. Precisais vos tornar apercebidos da vossa
busca de consolo, o que altera profundamente os desejos da mente e, nessa
penetração, está o êxtase da Vida. Enquanto a mente não estiver liberta de seu
próprio desejo secreto, a busca é sem efeito, conduzindo sempre à estreiteza de
visão, à limitação, à eu-consciência, e à mesquinhez dos sentimentos e
pensamentos pessoais, antes do que à plena concentração da Vida.
A mente, secretamente, deleita-se
com o conforto. Se, porém, evitardes o conforto, estareis uma vez mais criando
distinções. A mente que perdeu as distinções não é nem confortável nem
desconfortável. Para perder o sentimento de distinção, que é o libertar-se dos
opostos, é necessário haver intensa vigilância, uma
infinita plasticidade da mente e, por meio desta plasticidade vigilante,
chega-se à realização da Vida Eterna. A árvore que não se curva, dentro em
pouco é derrubada pelo vento, porém a árvore que cede, essa resiste. Do mesmo
modo, uma mente plástica, que se não deixa apanhar por qualquer sensação ou por
um oposto qualquer, compreenderá o infinito. Por meio da vigilância constante,
pelo penetrar dos opostos, tornai-vos cada vez mais conscientes de vossos
pensamentos e emoções; tornai-vos apercebidos das coisas tais quais elas são e
este apercebimento de vossa mente e coração é verdadeiro esforço.
Há assim uma incessante
recordação que revela os sutis enganos do desejo, o que não é o mesmo que estar
vigilante no sentido de obter alguma coisa. Por favor, notais a diferença. A
maioria das pessoas no mundo deseja qualquer coisa, e por isso estão
concentradas, necessitam de estar alerta, porém uma tal vigilância conduz
apenas à consecução vazia. Quando houverdes adquirido o que quereis, essa
aquisição torna-se poeira, tendo, assim, que continuar numa infindável roda de
esforço, de tristeza. Por esta maneira tornai-vos cada vez mais
individualistas, pessoais e estreitos; ao passo que, o verdadeiro
apercebimento, a vigilância da mente, é estar liberto
da resistência imediata que tem sua origem no desejo.
Portanto, vigilância alerta, não
é forçar a mente em direção a uma ideia ou a um oposto, porém sim libertar a mente
da causa da distinção, que é o desejo. Onde houver desejo de qualquer espécie,
por sutil e refinada que seja, não pode haver entendimento. O êxtase da vida é
o entendimento eterno do presente; ao passo que, se forçardes a vossa mente, em
virtude do desejo, em direção a um futuro, a uma conclusão, a um conforto, essa
vigilância mais não faz do que estreitar a mente e a estreiteza, por último, é
morte. Se, porém, a mente estiver continuamente libertando-se das diferenciações
e, por isso, sempre renovando-se, não haverá morte. A imortalidade é a
libertação de todo desejo.
No viver alertadamente no presente
há um constante derrubar de aquisições, um processo de afrouxamento das
distinções levantadas pelo desejo. Não digais a vós próprio “devo isentar-me
das distinções, devo perder minha personalidade, meu ego”. Por esta maneira
jamais o perdereis, apenas entendereis mal o que vos estou dizendo; se, porém,
removerdes a causa, que é o desejo, estais livres do efeito, que é distinção e,
portanto, da tristeza.
A ação, pelo apego, cria uma
distinção maior e, portanto, maior resistência. Pelo fato de haverdes
adquirido, dizeis que necessitais dar, que deveis partilhar e isto encontra
aplicação social, econômica, mental e emocionalmente. Primeiro, adquiris pelo
vosso intenso desejo de possuir, depois estais ansiosos por dar, por partilhar.
Há nisto a crueldade de uma exploração muito sutil, a crueldade de tornar a
outrem mais fraco de que vós. Dizeis “Eu compreendo ou possuo aquilo que vós
não podeis compreender nem possuir, portanto, aceitai-o de mim”. Esta distinção
está longe de ser verdadeira reflexão, a qual não é um processo de aquisição ou
de posse, porém o libertar a mente da ideia do desejo. Quando a mente estiver
liberta do desejo, então existirá a viva eternidade da Verdade. Através das
camadas de eu-consciência, que são as multiplicações da cobiça, da querência,
encontra-se a distinção, a separatividade, e, portanto, a persecução de vossos
sentimentos pessoais, de vossas ideias; ao passo que, se penetrardes todas as
camadas do desejo, encontrareis a Vida eterna.
Haveis de perguntar-me que valor
prático tem tudo isto na vida. Se compreenderdes o que me tenho esforçado por
vos explicar durante estes seis dias e o dominardes por vós mesmos, então, para
vós próprios vos tornareis uma lâmpada. Vós pretendeis tornar isto prático para
todos os outros, ao passo que permaneceis colhidos na rede do desejo. Sois vós
que vos tendes que tornar extremistas; não extremistas no sentido de um oposto,
porém extremistas no vos libertardes da coisa mesma que vos prende e que é o
desejo. O verdadeiro extremista não dá acentuação a um oposto; todo o fanático,
toda a pessoa cega e estúpida pode fazer isto. O que eu chamo o verdadeiro
extremo é libertar-se de todos os opostos e isto exige uma inteligência
consumada. Aquele que for verdadeiro extremista está completamente liberto do
desejo. Ele é, assim, a própria Vida, serena, perfeitamente concentrada.
Por meio desta inteligente vigilância,
por vós próprios descobrireis a reta ação e o reto viver. Eu não vos posso
dizer como haveis de viver, se deveis ou não viver em comunidade, se deveis
trabalhar em uma cidade ou plantar legumes em vosso quintal; vós, porém, chegareis
à simplicidade de vida, seja numa comunidade seja em outro lugar, se
compreenderdes o que vos tenho dito. Por esta razão tenho eu acentuado tanto a
verdadeira liberdade da morte, a concentração, o processo de libertar a mente
do desejo de empolgar e, portanto, das diferenciações e da resistência. Se
compreenderdes isto, vossa ação será natural, humana, sã, e a partir dela,
encontrareis vossa ocupação, livre de ganância e vã competição.
Simplicidade de vida não é o
oposto do possuir muitas coisas; não quero, em absoluto, dizer isto. Quando a
mente está liberta da ideia, da lembrança do desejo, haveis de verificar que a
vossa vida se torna extraordinariamente simples, vossas necessidades são pouquíssimas.
Há então uma concepção completamente diferente da necessidade. Não existe,
então, nem o dar nem o partilhar, porém sim a perfeita simplicidade da flor, a
qual está tão supremamente concentrada que é inconsciente de si própria.
Ora, através desta inteligente
vigilância, perde-se também a distinção entre pensamento e amor. Estais
acostumados a tomar o pensamento e o amor como coisas separadas, havendo feito
assim um caminho intelectual e um caminho emocional, uma ação intelectual e
outra ação emocional. Ao passo que, quando perdeis toda a distinção, o
pensamento é amor, sentir é penar; cada pensamento torna-se completo no
apercebimento emocional e toda a emoção é sábia e rica em apercebimento
intelectual. É esta a verdadeira harmonia da mente e coração. Isto é verdadeira
ternura, a plasticidade da gentileza e aí, a brutalidade do pretenso egoísmo
terá cessado.
É a mente que cria distinções por
meio do desejo de empolgar e, quando a mente se libertar da resistência, existe
perfeita harmonia. Por essa razão não falei eu do amor; e, se haveis pensado
ser eu meramente um intelectual, não tereis entendido o que tenho estado a
dizer. Eu vos estou mostrando como libertar a mente. Somente quando a mente
está livre, pode o pensamento ser fundido na intensidade do apercebimento
emocional.
Da Verdade não podemos nos
aproximar por um caminho, qualquer que ele seja, seja o caminho do amor, seja o
caminho da mente. O homem que fala de caminhos e distinções está em guerra
consigo mesmo; porém o homem que é harmoniosamente plástico, está completo na
plenitude da Vida. Pensar é amar, e amar é ser supremamente inteligente.
Krishnamurti, Acampamento de Ojai,
8 de junho de 1932