Pergunta: Pode uma pessoa casada, vivendo uma vida normalmente sexual,
alcançar a meta suprema? Será a vida ascética, que supomos o vosso modo de
viver, essencial para a consecução?
Krishnamurti: A
realização da Verdade é a consumação da energia. Para atingir essa consumação a
energia deve estar profundamente concentrada na contemplação profunda, que é o
resultado natural da ação, o reto julgamento dos valores. Eu vivo aquilo que
chamais vida ascética por causa desta concentração de energia que é a
libertação da eu-consciência. Eu não digo que me deveis imitar. Não digo que
não possais realizar esta contemplação pelo fato de serdes casados. Porém, o
homem que deseja a realização da completude, integral, permanentemente, deve
ter concentrada toda a sua energia.
O homem que é escravo da paixão,
da lascívia, das suas sensações, não pode realizar isto. Não digo que deves
viver vida ascética, afastar-vos para as florestas, retirar-vos do mundo. Por
evitar o mundo não é que atingireis a Verdade, nem tampouco pela indulgência.
Por meio da harmonia da vossa razão e do vosso amor, eis como chegareis a essa
concentração de energia que agora dissipais nas paixões, anseios e sensações. A
completude repousa na realização dessa harmonia.
Não façais daquilo que denominais
vida ascética — e que a mim atribuis — o mais alto dos propósitos. Isto é um
detalhe mínimo. O verdadeiro ascetismo não é deificação ou primitivismo. Pelo
vos tornardes primitivos, por meio da supressão podeis talvez imaginar que
chegais à realização da Verdade. O verdadeiro asceta entretanto, é desprendido,
sejam quais forem as circunstâncias em que se encontre. Para serdes, porém,
verdadeiros ascetas, necessitais de ser honestos; de outro modo a vós próprios
ludibriareis em vão, como muitos fazem.
Necessitais de integridade de
pensamento, de clareza de propósito que vos conduza a uma vida de completo
desapego — não vida de indiferença, mas de desapego com afeto, com entusiasmo.
Se a esta empresa derdes o vosso pensamento, a vossa vida, a vossa razão, o
vosso ser inteiro, compreendereis. Não me deifiqueis como asceta nem tampouco
rendei culto ao asceticismo. O asceticismo, na generalidade, provém do desejo
de escapar-se, provém do temor da experiência. Um homem, porém, deve estar
absolutamente desapegado mas com compreensão. Para mim, não existe renúncia.
Onde não houver compreensão, há renúncia. Se realmente estiverdes desprendidos,
coisa que exige compreensão do reto valor das experiências, então estareis
interna e externamente libertos; externamente, tanto quanto possível, porém
internamente, com toda a certeza.
Krishnamurti de verão em Ommen,
1931