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Palavras que expressem o que se
experimentou e se está continuamente vivendo, não podem transmitir a outra
plenitude das experiências. O que pretendo descrever não pode ser atingido pelo
seu meio significado intelectual inerente, as palavras. A realidade do que digo
pode somente ser experimentada em vossa vida diária.
A Vida, essa Realidade que é
eterna, existe em todas as coisas; não é algo afastado de nós. Ela mora em cada
qual, a todos os instantes em sua completude, portanto é coisa vã tentar
realiza-la por meio da ilusão do culto, do auxílio externo, de quaisquer
sistemas religiosos ou de pesquisa organizada da Verdade. Pelo fato dessa
Verdade estar sempre completa, não tem progresso, ultrapassa os limites do
tempo. Para realizardes esta completude, precisais estar libertos de intuitos,
deveis possuir mente que não seja um incentivo para a aquisição, para a
consecução, para a auto-glorificação. Esta Realidade está para além do
progresso, para além do tempo, achando-se, portanto, dissociada tanto do
passado como do futuro; ela pode existir só no presente, não no presente
considerado como ação. Esta Vida, que para mim é Verdade, sempre está renovando
a si própria. Posto que seja absoluta, não é uma finalidade. A realização dessa
Realidade, dessa Vida, dá paz constante; é imortalidade. Nessa Vida que está
sempre se renovando a si própria, que está sempre vindo ao ser, não há luta nem
conflito. Essa Vida é a pureza de sua própria essência. A Realidade existe a
todos os instantes em sua completude e uma vez que vos torneis conscientes
dela, não mais sereis colhidos pela ideia de progresso, de aquisição,
desenvolvimento de qualidades e virtudes. A realização dessa completude, coloca
o home para além do karma, pois karma é ação em cativeiro.
Cada qual de vós, ocasionalmente,
em momentos raros, tranquilos, pode alcançar um vislumbre dessa Realidade por
meio da concentração; ou pela intensa experiência da tristeza e da alegria,
chegais a essa profunda contemplação que é isenta de esforço, na qual não mais
existe o conflito do pensar. Um tal vislumbre da Realidade criará não a satisfação
da estagnação, porém, sim, um grande descontentamento, despertando o verdadeiro
esforço para a seleção continuada, que é iluminação.
Se o que eu digo for meramente
encarado como uma filosofia sobre a qual podeis proferir discursos, então, não
terá valor. Para disto fazerdes vossa realização perdurável, tendes que o viver
intensamente e descobrir o que é transitório, isto é, causador de tristeza.
Ora, para mim, transitório é o ego, a eu-consciência, a personalidade, a
individualidade — a causa verdadeira
do sofrimento. Para mim, não há dualidade. Esse sentimento de
dualidade que existe em cada um é criado pela ilusão do ego; enquanto existir o
ego, a personalidade, a eu-consciência, a individualidade, — a Vida, a Verdade,
não pode ser realizada em sua plena permanência. Enquanto vos apegardes a esse
ego, a essa eu-consciência, a essa individualidade, o tempo existirá e haverá o
interrogar acerca da continuidade após a morte, o desejo da ego-identificação e
daí provirão o nascimento, a morte e a tristeza.
Ocasionalmente, vos será possível
romper este círculo da eu-consciência e vislumbrar um lampejo da Realidade,
porém a vossa finalidade é destruir integralmente esse circulo. Quando esse
circulo de eu-consciência desaparecer, não mais se cogitará de procurar a
Verdade, ela aí estará. Enquanto estiverdes confinados por esse círculo, limitados,
cercados por essa ego-consciência, não haverá a possibilidade de realizar a
Verdade. Sendo o ego transitório, é, por consequência, escravo do
tempo. Enquanto houver qualquer resquício de eu-consciência, haverá
individualidade, egoísmo. Quando a eu-consciência desaparecer, isto é, quando
desaparecer o ego, haverá o puro percebimento. A consciência é pessoal, o
apercebimento é impessoal.
Chegareis, então, a vos
disciplinar a vós próprios — não por medo, não pelas aquisições, nem pela
cobiça, pelo empolgamento, mas pela realização do valor essencial do
sentimento, da sensação, que vos conduzirá à descoberta do amor que é a sua
própria eternidade, que vos conduzirá à razão que é Sabedoria.
Krishnamurti, verão de 1931